domingo, 17 de outubro de 1999

Onde está o bóson de Higgs?

Segundo a física das partículas elementares, os tijolos fundamentais da matéria podem ser divididos em dois grupos: as partículas que compõem a matéria propriamente dita e as que transmitem as forças entre elas.

Há algumas imagens que são usadas na descrição dessas partículas: por exemplo, falamos de "bolas de bilhar" colidindo a velocidades próximas à da luz, ou usamos o popular brinquedo "Lego" para ilustrar como estruturas complicadas podem ser criadas com componentes simples. No caso do "Lego", as diferentes partículas são como blocos de tamanhos e cores diferentes. Mesmo que as analogias sejam úteis, elas passam uma imagem superficial do que acontece quando "olhamos" o mundo de bilionésimos de centímetro.

O "olhamos" entre aspas é intencional. Na verdade, não vemos partículas interagindo diretamente, como células em um microscópio. As interações são estudadas em aceleradores de partículas, máquinas desenhadas para extrair o máximo de informação durante e após o processo de colisão. Esses aceleradores têm detectores que funcionam como uma máquina fotográfica, registrando as trajetórias das partículas ejetadas na colisão. São como os sulcos deixados no gelo por patinadores: podemos inferir os detalhes da rota de um patinador, seu peso aproximado, quantos patinadores estavam presentes etc. Mas a analogia só funciona por pouco tempo, já que a superfície do gelo em breve se torna um caos de sulcos em todas as direções.

Com o auxílio desses aceleradores, hoje temos uma excelente idéia de quais são os tijolos fundamentais da matéria. O elétron faz parte de um grupo de seis partículas chamadas léptons, enquanto prótons e nêutrons são formados por partículas menores, chamadas quarks, ao todo também em seis. Fora essas 12 partículas de matéria, temos 12 partículas de força, o fóton, que transmite a força eletromagnética, três outras responsáveis pela força nuclear fraca -ligada a certos decaimentos radioativos- e oito glúons, responsáveis principais pelas interações entre quarks. Essa informação é incorporada ao modelo padrão das partículas, um grande sucesso da descrição reducionista.

Mas o modelo padrão tem também sérias limitações. Entre outras, não sabemos por que elétrons e prótons têm a mesma carga elétrica, ou qual a origem das massas das partículas de matéria. (E também das três responsáveis pela força fraca.) A idéia mais aceita é que essas massas resultam da interação das partículas de matéria com uma outra partícula, conhecida como "bóson de Higgs". O nome vem do físico indiano Satyendra Nath Bose, que contribuiu para nossa compreensão do comportamento de partículas que têm a tendência de se agrupar no estado de menor energia possível. As partículas de matéria, léptons e quarks, seguem certas restrições quanto à sua distribuição de energia. O bóson de Higgs supostamente cria um meio muito denso, em que as partículas de matéria devem se locomover. O efeito desse movimento em um meio denso é criar uma massa efetiva para as partículas de matéria, que medimos nos aceleradores. É como uma bola de gude movendo-se em água ou em mel. No mel, a partícula move-se com mais dificuldade, como se tivesse uma inércia maior.

O problema é que o bóson de Higgs é muito tímido; até o momento, ainda não conseguimos observá-lo em aceleradores, o que leva muitos a questionar se esse mecanismo de geração de massa está ou não correto. Mas assim caminha a ciência. Avanços ocorrem justamente das brechas no nosso conhecimento, com os experimentos servindo de bengala para nossa cegueira. Na próxima década, aceleradores atingirão energias altíssimas, em princípio capazes de revelar o mecanismo de geração de massa. Se for o Higgs, ótimo. Senão, certamente teremos aprendido algo fundamental sobre esse mundo invisível.

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