Durante o século 20, nossa concepção do Universo mudou profundamente. De um Universo estático, proposto por Einstein em 1917, passamos a um Universo em expansão, onde galáxias afastam-se umas das outras com velocidades proporcionais à sua distância. Quanto mais longe a galáxia, maior a sua velocidade de "recessão". Até 1924, não se sabia ao certo se a Via Láctea era a única galáxia ou se outras nebulosas visíveis com telescópios também o eram. Hoje sabemos que a Via Láctea é apenas uma entre centenas de bilhões de galáxias, cada uma com centenas de bilhões de estrelas. É extremamente difícil concebermos a grandiosidade do Universo a partir de nossa limitada percepção terrestre. Mas é justamente esse o objetivo da astronomia e da cosmologia.
Sabemos também que o Universo em que vivemos surgiu há cerca de 14 bilhões de anos. Não sabemos ao certo os detalhes dessa origem: nossas leis não se aplicam às condições brutais de temperatura e pressão que reinavam nos primeiros instantes de existência do cosmo. A verdade é que não é necessário que saibamos os detalhes do nascimento do Universo para descrevermos o que aconteceu durante a sua infância. Claro, nossa descrição seria mais completa se soubéssemos esses detalhes, e muitas das dúvidas que temos hoje seriam resolvidas. Porém, podemos perfeitamente deixar de lado a questão da origem e investigar o que ocorreu no Universo durante os seus primeiros momentos de existência. Os detalhes do parto são importantes, mas não são fundamentais.
Quando o astrofísico George Gamow propôs o modelo do Big Bang, durante a década de 1940, ele supôs que o Universo primordial fosse composto de uma sopa de partículas elementares, os tijolos fundamentais da matéria. Na época, esses tijolos consistiam de prótons, nêutrons, elétrons -as partículas que compõem os átomos-, mais os fótons -as partículas da radiação eletromagnética- e os neutrinos, partículas sem massa que participam de processos radioativos. O que Gamow não se perguntou foi de onde vinham essas partículas. Segundo as leis da mecânica quântica, a parte da física que estuda os átomos e as partículas subatômicas, cada partícula deveria ser acompanhada de sua antipartícula, que é essencialmente idêntica a ela, mas com carga elétrica oposta (além de outras propriedades menos importantes). O pósitron, a antipartícula do elétron, tem carga positiva; o antipróton, a antipartícula do próton, tem carga negativa.
O problema é que, segundo a mecânica quântica, partículas e antipartículas deveriam aparecer em pé de igualdade. Mas sabemos que isso não ocorre: quando partículas encontram suas antipartículas, ambas se desintegram em radiação. Nesse caso, não existiriam seres vivos se perguntando sobre a sua origem. Por que existe mais matéria do que antimatéria? Essa é uma das perguntas mais importantes da física moderna.
Uma das possibilidades é que as forças que regem as interações entre as partículas de matéria favoreçam a produção de matéria sobre a de antimatéria. Em particular, segundo as teorias atuais, duas delas, a força eletromagnética e a força nuclear fraca, comportam-se de forma semelhante em altas temperaturas. Ou seja, elas se comportam como uma única força, a força "eletrofraca". No Universo primordial, as altas temperaturas eram ideais para a unificação das duas forças. Com a expansão, a temperatura cai e as forças passam a se comportar de forma distinta. É nesse processo de separação da força eletrofraca nas forças fraca e eletromagnética que o excesso de matéria sobre antimatéria pode ocorrer.
Quando vapor d'água é resfriado rapidamente, vemos a condensação de gotas de água líquida. Imagine que, no Universo primordial, a força eletrofraca correspondesse à fase de vapor e as forças já separadas correspondessem à fase líquida. Com o resfriamento do Universo, bolhas da fase líquida aparecem no interior do vapor. No vapor, matéria e antimatéria coexistem, mas é possível criar mais matéria do que antimatéria. Dentro das bolhas isso já não é possível. A parede da bolha funciona como uma espécie de filtro, através do qual entra mais matéria do que antimatéria. Segundo as teorias atuais, esse excesso tornou possível a existência de galáxias, estrelas, planetas e gente, tudo isso herança de um Universo em transição.
domingo, 29 de julho de 2001
domingo, 22 de julho de 2001
O aquecimento global
O aquecimento global é um fenômeno concreto e poderá ter consequências extremamente sérias, tanto para a sociedade quanto para o equilíbrio ecológico do planeta, até o final deste século. Essa foi a conclusão de relatório publicado no início de junho pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. O relatório foi encomendado pela administração do presidente George W. Bush, cujas políticas ambientais vêm sofrendo fortes críticas no mundo inteiro. E com razão. Bush e seus assessores reverteram várias das políticas implementadas pelo governo de Bill Clinton e Al Gore, incluindo a rejeição do Protocolo de Kyoto, que visa limitar a emissão de gases produzidos pela queima de combustíveis fósseis, principalmente o gás carbônico, CO2. Considerando que os EUA emitem em torno de 25% do CO2 lançado na atmosfera, a decisão é no mínimo desastrosa e irresponsável. Como justificativa, Bush defende a qualidade de vida dos americanos: "Não posso comprometer minha população, especialmente durante uma crise energética e econômica". Infelizmente, quem paga o pato (e a conta) é o resto do mundo.
Bush faz parte de uma tradição política antiquada, definida pelos interesses dos grandes produtores de petróleo de seu Estado, o Texas. Ele se recusa a enxergar o óbvio: a repercussão global de decisões políticas locais, especialmente no que tange ao balanço ecológico do planeta. Segundo a maioria dos cientistas que pesquisam o impacto ambiental da poluição, os últimos 20 anos foram os mais quentes dos dois últimos séculos, e essa tendência só tende a continuar.
A atmosfera está se transformando, tornando-se cada vez mais impermeável à irradiação de calor de baixo para cima, ou seja, da superfície para o espaço. O efeito é um pouco como um carro estacionado na praia com as janelas fechadas: o calor solar entra, mas não sai por completo. E, tal como em um carro, mesmo após as portas serem abertas, a temperatura não cai imediatamente. A reversão do aquecimento global, supondo que, de fato, novas políticas de controle da emissão de gases sejam implementadas em breve por todas as nações industrializadas, levaria décadas.
O aquecimento será pior nas altas latitudes e nas regiões áridas. E o gás carbônico, apesar de ser o principal responsável, não é o único. Outros gases, como metano, ozônio (aquela nebulosidade amarelada que vemos pairando sobre as cidades grandes), óxido nitroso (responsável pela chuva ácida) e os clorofluorocarbonos também contribuem. Por que os cientistas não conseguem convencer os líderes políticos da seriedade da situação? A resposta está relacionada, em parte, com a dificuldade de provar em definitivo o papel dos gases em suspensão na atmosfera no aumento gradativo das temperaturas globais. A temperatura média da Terra oscila devido a vários fatores, incluindo a atividade solar. Os dados não mentem: a temperatura está, de fato, aumentando. Mas concluir que esse aumento se deve exclusivamente à poluição industrial é difícil e deixa espaço para interpretações contraditórias.
São essas interpretações que servem aos grupos de interesse dos industriais e dos produtores de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural), que não têm a menor intenção de arcar com as despesas envolvidas no controle da emissão de gases. A economia vai de encontro à consciência ambiental e à responsabilidade global dos líderes políticos e dos grandes industriais.
Como costumo afirmar, nosso planeta é finito: ele tem uma quantidade finita de matéria-prima e uma capacidade limitada de reciclar os dejetos que abandonamos em sua atmosfera, superfície e em seus oceanos. Seria errôneo acreditar que a situação atual não representa um problema para nós e para as gerações futuras. Infelizmente, como vimos com a nossa própria crise energética, líderes políticos tendem a responder apenas quando a situação torna-se insustentável. E, em geral, quem sofre é a população, que precisa fazer sacrifícios. Mas o aquecimento global não é equivalente a um "apagão". As consequências são mais sérias, desde a erosão do litoral e a consequente destruição das comunidades costeiras, devido ao aumento do nível do mar, até a proliferação de novas pestes e doenças infecciosas. Planejar o futuro é condição fundamental para a preservação da nossa qualidade de vida. E o futuro já chegou.
Bush faz parte de uma tradição política antiquada, definida pelos interesses dos grandes produtores de petróleo de seu Estado, o Texas. Ele se recusa a enxergar o óbvio: a repercussão global de decisões políticas locais, especialmente no que tange ao balanço ecológico do planeta. Segundo a maioria dos cientistas que pesquisam o impacto ambiental da poluição, os últimos 20 anos foram os mais quentes dos dois últimos séculos, e essa tendência só tende a continuar.
A atmosfera está se transformando, tornando-se cada vez mais impermeável à irradiação de calor de baixo para cima, ou seja, da superfície para o espaço. O efeito é um pouco como um carro estacionado na praia com as janelas fechadas: o calor solar entra, mas não sai por completo. E, tal como em um carro, mesmo após as portas serem abertas, a temperatura não cai imediatamente. A reversão do aquecimento global, supondo que, de fato, novas políticas de controle da emissão de gases sejam implementadas em breve por todas as nações industrializadas, levaria décadas.
O aquecimento será pior nas altas latitudes e nas regiões áridas. E o gás carbônico, apesar de ser o principal responsável, não é o único. Outros gases, como metano, ozônio (aquela nebulosidade amarelada que vemos pairando sobre as cidades grandes), óxido nitroso (responsável pela chuva ácida) e os clorofluorocarbonos também contribuem. Por que os cientistas não conseguem convencer os líderes políticos da seriedade da situação? A resposta está relacionada, em parte, com a dificuldade de provar em definitivo o papel dos gases em suspensão na atmosfera no aumento gradativo das temperaturas globais. A temperatura média da Terra oscila devido a vários fatores, incluindo a atividade solar. Os dados não mentem: a temperatura está, de fato, aumentando. Mas concluir que esse aumento se deve exclusivamente à poluição industrial é difícil e deixa espaço para interpretações contraditórias.
São essas interpretações que servem aos grupos de interesse dos industriais e dos produtores de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural), que não têm a menor intenção de arcar com as despesas envolvidas no controle da emissão de gases. A economia vai de encontro à consciência ambiental e à responsabilidade global dos líderes políticos e dos grandes industriais.
Como costumo afirmar, nosso planeta é finito: ele tem uma quantidade finita de matéria-prima e uma capacidade limitada de reciclar os dejetos que abandonamos em sua atmosfera, superfície e em seus oceanos. Seria errôneo acreditar que a situação atual não representa um problema para nós e para as gerações futuras. Infelizmente, como vimos com a nossa própria crise energética, líderes políticos tendem a responder apenas quando a situação torna-se insustentável. E, em geral, quem sofre é a população, que precisa fazer sacrifícios. Mas o aquecimento global não é equivalente a um "apagão". As consequências são mais sérias, desde a erosão do litoral e a consequente destruição das comunidades costeiras, devido ao aumento do nível do mar, até a proliferação de novas pestes e doenças infecciosas. Planejar o futuro é condição fundamental para a preservação da nossa qualidade de vida. E o futuro já chegou.
domingo, 15 de julho de 2001
Dualismo solar
O Sol é a nossa fonte de vida: precisamos do seu calor, da sua luz, da sua gravidade. Mas, como sabemos muito bem,qualquer coisa em exagero faz mal. Muito calor, muita luz, muita gravidade e poderemos dizer adeus à vida aqui na Terra. Apesar de seu aspecto pacato e confiável, o Sol é uma gigantesca usina de fusão nuclear.
A temperatura em sua superfície é de 6.000C e, em seu interior, ela pode chegar a 15.000.000C. A quantidade de energia radiativa gerada pelo Sol por segundo é de 4 X 1026 (4 seguido de 26 zeros) Watts, equivalente a 100 bilhões de bombas nucleares de um megaton cada. Compare essa luminosidade com a de sua lâmpada na sala de jantar, de talvez 100 Watts. É claro que uma existência com tanta dramaticidade não pode ser muito pacata ou estável. O Sol muda com o tempo, e nós iremos sofrer as consequências dessas mudanças. A menos que possamos nos proteger.
Como qualquer estrela, o Sol tem uma história, com princípio, meio e fim. No momento, estamos no meio da história: o Sol, com aproximadamente 5 bilhões de anos, está na metade de sua vida. Esse período relativamente estável, onde a estrela gera energia fundindo núcleos de hidrogênio em hélio, é conhecido como sequência principal. Em 5 bilhões de anos, o Sol esgotará o hidrogênio em sua região central e sairá da sequência principal. Infelizmente, bem antes disso, variações em sua luminosidade - a quantidade total de energia gerada pelo Sol por segundo- terão seríssimas consequências para a preservação da vida na Terra.Desde a sua formação, há cerca de 5 bilhões de anos, a luminosidade do Sol aumentou entre 30% e 40%.
No próximo bilhão de anos, ela aumentará mais 10%, o suficiente para destruir a vida na superfície da Terra. Sem dúvida, 1 bilhão de anos é um intervalo enorme de tempo, especialmente se nos lembrarmos que os primeiros hominídeos apareceram há menos de 10 milhões de anos. Mas esta situação nos faz refletir sobre a preservação da vida na Terra, na preservação de tudo que nós construímos no intervalo de apenas 10 mil anos, que marca o início da civilização.
Supondo que nós seremos sábios o suficiente para sobreviver à nós mesmos, uma enorme suposição no momento, o que os nossos descendentes poderiam fazer para escapar da ira solar?Uma possibilidade é nos afastarmos do Sol. Se o astro começar a nos cozinhar, devemos aumentar a nossa distância orbital. Para tal, podemos usar um efeito já bastante conhecido das sondas espaciais, a catapulta gravitacional. A idéia é semelhante ao que uma criança faz em um balanço, mexendo as pernas em um movimento de vaivém, sempre no ponto mais longe da vertical.
Esse movimento impulsiona o balanço, fazendo com que ele ganhe altura. Uma sonda espacial passando perto de um planeta também pode receber uma espécie de empurrão, causado pela gravidade do planeta. Com isso, a sonda é acelerada sem ter de gastar combustível, podendo alcançar distâncias maiores.Segundo a Terceira Lei de Movimento de Newton, a cada ação corresponde uma reação. Portanto, o planeta também ganha um empurrão igual ao da sonda (no sentido contrário).
Só que, como a massa do planeta é muito maior do que a da sonda, o empurrão é desprezível.Imagine se conseguíssemos forçar um asteróide de aproximadamente cem quilômetros de diâmetro e com uma massa em torno de 10 mil trilhões de toneladas a se aproximar da Terra. A idéia seria fazer com que o asteróide passasse perto o suficiente para nos dar um empurrão em direção oposta ao Sol, alongando a nossa órbita. Para tal, a órbita do asteróide deve ser programada de modo que ele voe em direção a Júpiter ou Saturno após passar pela Terra.
Ao chegar ao extremo de sua órbita, o asteróide é relançado em direção à Terra, com a ajuda da gravidade de Júpiter e de turbinas instaladas em sua superfície controladas por controle remoto aqui da Terra. Um grupo de astrônomos da Universidade da Califórnia em Santa Cruz calculou que, se o asteróide passar por aqui a cada 6.000 anos, seremos capazes de nos afastar o suficiente do Sol para preservarmos a vida na Terra até o fim da sequência principal, isto é, por mais 5 bilhões de anos. Parece ficção científica, mas não é. No futuro, será uma questão de vida ou morte.
A temperatura em sua superfície é de 6.000C e, em seu interior, ela pode chegar a 15.000.000C. A quantidade de energia radiativa gerada pelo Sol por segundo é de 4 X 1026 (4 seguido de 26 zeros) Watts, equivalente a 100 bilhões de bombas nucleares de um megaton cada. Compare essa luminosidade com a de sua lâmpada na sala de jantar, de talvez 100 Watts. É claro que uma existência com tanta dramaticidade não pode ser muito pacata ou estável. O Sol muda com o tempo, e nós iremos sofrer as consequências dessas mudanças. A menos que possamos nos proteger.
Como qualquer estrela, o Sol tem uma história, com princípio, meio e fim. No momento, estamos no meio da história: o Sol, com aproximadamente 5 bilhões de anos, está na metade de sua vida. Esse período relativamente estável, onde a estrela gera energia fundindo núcleos de hidrogênio em hélio, é conhecido como sequência principal. Em 5 bilhões de anos, o Sol esgotará o hidrogênio em sua região central e sairá da sequência principal. Infelizmente, bem antes disso, variações em sua luminosidade - a quantidade total de energia gerada pelo Sol por segundo- terão seríssimas consequências para a preservação da vida na Terra.Desde a sua formação, há cerca de 5 bilhões de anos, a luminosidade do Sol aumentou entre 30% e 40%.
No próximo bilhão de anos, ela aumentará mais 10%, o suficiente para destruir a vida na superfície da Terra. Sem dúvida, 1 bilhão de anos é um intervalo enorme de tempo, especialmente se nos lembrarmos que os primeiros hominídeos apareceram há menos de 10 milhões de anos. Mas esta situação nos faz refletir sobre a preservação da vida na Terra, na preservação de tudo que nós construímos no intervalo de apenas 10 mil anos, que marca o início da civilização.
Supondo que nós seremos sábios o suficiente para sobreviver à nós mesmos, uma enorme suposição no momento, o que os nossos descendentes poderiam fazer para escapar da ira solar?Uma possibilidade é nos afastarmos do Sol. Se o astro começar a nos cozinhar, devemos aumentar a nossa distância orbital. Para tal, podemos usar um efeito já bastante conhecido das sondas espaciais, a catapulta gravitacional. A idéia é semelhante ao que uma criança faz em um balanço, mexendo as pernas em um movimento de vaivém, sempre no ponto mais longe da vertical.
Esse movimento impulsiona o balanço, fazendo com que ele ganhe altura. Uma sonda espacial passando perto de um planeta também pode receber uma espécie de empurrão, causado pela gravidade do planeta. Com isso, a sonda é acelerada sem ter de gastar combustível, podendo alcançar distâncias maiores.Segundo a Terceira Lei de Movimento de Newton, a cada ação corresponde uma reação. Portanto, o planeta também ganha um empurrão igual ao da sonda (no sentido contrário).
Só que, como a massa do planeta é muito maior do que a da sonda, o empurrão é desprezível.Imagine se conseguíssemos forçar um asteróide de aproximadamente cem quilômetros de diâmetro e com uma massa em torno de 10 mil trilhões de toneladas a se aproximar da Terra. A idéia seria fazer com que o asteróide passasse perto o suficiente para nos dar um empurrão em direção oposta ao Sol, alongando a nossa órbita. Para tal, a órbita do asteróide deve ser programada de modo que ele voe em direção a Júpiter ou Saturno após passar pela Terra.
Ao chegar ao extremo de sua órbita, o asteróide é relançado em direção à Terra, com a ajuda da gravidade de Júpiter e de turbinas instaladas em sua superfície controladas por controle remoto aqui da Terra. Um grupo de astrônomos da Universidade da Califórnia em Santa Cruz calculou que, se o asteróide passar por aqui a cada 6.000 anos, seremos capazes de nos afastar o suficiente do Sol para preservarmos a vida na Terra até o fim da sequência principal, isto é, por mais 5 bilhões de anos. Parece ficção científica, mas não é. No futuro, será uma questão de vida ou morte.
domingo, 8 de julho de 2001
Os padrões da história humana
Por que a história da humanidade evoluiu de forma tão distinta nos vários continentes nos últimos 13 mil anos? Quais fatores determinaram o domínio das culturas eurasianas sobre as culturas nativas da África e das Américas?
Essas questões são o foco do trabalho do professor de fisiologia americano Jared Diamond, que leciona na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Diamond resumiu suas idéias em um livro, "Guns, Germs and Steel", que recebeu o prestigioso prêmio Pulitzer em 1998. Hoje, gostaria de refletir sobre algumas dessas idéias, que acredito serem extremamente importantes no combate a um dos maiores males da sociedade, o racismo.
A questão do racismo não pode ser ignorada. Infelizmente, a noção aparece ao comparar-se o "sucesso", ou melhor, a dominação econômica das culturas européias e do leste asiático sobre as culturas nativas da África e das Américas, que são consideradas mais "primitivas". Ao analisar as causas desse desequilíbrio, Diamond tenta chegar à raiz do problema, mostrando que ele é consequência de diversos fatores, que incluem desde a preponderância das sociedades agrárias e do desenvolvimento de certas tecnologias devido a vantagens geográficas até a distribuição de doenças infecciosas nas várias partes do globo.
Historicamente, os impérios com instrumentos de metal conquistaram ou exterminaram as tribos com instrumentos de pedra. Até o final da última Idade do Gelo, que terminou há cerca de 13 mil anos, todos os humanos em todos os continentes viviam na Idade da Pedra, obtendo sua subsistência a partir da caça e da colheita direta de alimentos nas florestas e nos campos. Por alguma razão, as populações em diferentes continentes desenvolveram-se em ritmos distintos entre 11000 a.C. e 1500 d.C., época que demarca o claro domínio das culturas européias sobre as culturas nativas.
Segundo Diamond, e eu estou de pleno acordo, a resposta não tem nenhuma relação com diferenças de Q.I. entre os vários povos. O único modo de entendermos essas disparidades é examinando os processos que as produziram. Como é que algumas centenas de conquistadores espanhóis dizimaram os impérios inca e asteca, cujas populações eram de dezenas de milhões? O mesmo se deu com os nativos em nosso país e na América do Norte. Os invasores europeus tinham espadas de metal, armas de fogo e cavalos, enquanto que os nativos das Américas tinham apenas armas de madeira e pedra e nenhum animal que pudesse ser usado em combate.
Mas a conquista européia do Novo Mundo não se deu apenas por meio da vantagem militar. Foram as doenças infecciosas, como a varíola e o sarampo, introduzidas pelos europeus, que se espalharam de tribo em tribo, matando em torno de 95% da população nativa do Novo Mundo. Enquanto que na Europa essas doenças eram endêmicas, nas Américas e na África elas atuaram de forma devastadora. O mesmo na Austrália e nas ilhas do Pacífico.
Por que essas diferenças? É claro que as culturas nativas não desenvolveram doenças igualmente devastadoras para os europeus. A maioria das doenças epidêmicas que conhecemos floresceu em áreas de população densa, concentradas em cidades e vilas. Estudos mostram ainda que a maioria dessas doenças evoluiu a partir de doenças semelhantes em animais domésticos, muito mais comuns nas culturas agrárias européias. As culturas nativas tinham um número muito menor de animais domesticáveis.
O mesmo desequilíbrio ocorreu com plantas. O fato de a Eurásia ser geograficamente horizontal, enquanto que as Américas e a África são verticais é também fundamental. Na Eurásia, espécies domesticadas em um local podem facilmente adaptar-se ao leste e ao oeste, sem ter de enfrentar grandes diferenças climáticas. Já nas Américas e na África, o movimento tem de ser norte-sul, o que restringe a mobilidade dos animais e plantas domésticos.
O excesso de comida proveniente da domesticação de animais e plantas favoreceu o desenvolvimento de sociedades agrárias onde o poder era centralizado. Com isso, uma classe de artesãos tornou-se possível, que passou a desenvolver tecnologias e não apenas alimentos. Claro, não podemos ir a fundo aqui. Mas acho que Diamond deu um grande passo na compreensão das disparidades que hoje regem a nossa sociedade: armas de fogo, germes e ferro.
Essas questões são o foco do trabalho do professor de fisiologia americano Jared Diamond, que leciona na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Diamond resumiu suas idéias em um livro, "Guns, Germs and Steel", que recebeu o prestigioso prêmio Pulitzer em 1998. Hoje, gostaria de refletir sobre algumas dessas idéias, que acredito serem extremamente importantes no combate a um dos maiores males da sociedade, o racismo.
A questão do racismo não pode ser ignorada. Infelizmente, a noção aparece ao comparar-se o "sucesso", ou melhor, a dominação econômica das culturas européias e do leste asiático sobre as culturas nativas da África e das Américas, que são consideradas mais "primitivas". Ao analisar as causas desse desequilíbrio, Diamond tenta chegar à raiz do problema, mostrando que ele é consequência de diversos fatores, que incluem desde a preponderância das sociedades agrárias e do desenvolvimento de certas tecnologias devido a vantagens geográficas até a distribuição de doenças infecciosas nas várias partes do globo.
Historicamente, os impérios com instrumentos de metal conquistaram ou exterminaram as tribos com instrumentos de pedra. Até o final da última Idade do Gelo, que terminou há cerca de 13 mil anos, todos os humanos em todos os continentes viviam na Idade da Pedra, obtendo sua subsistência a partir da caça e da colheita direta de alimentos nas florestas e nos campos. Por alguma razão, as populações em diferentes continentes desenvolveram-se em ritmos distintos entre 11000 a.C. e 1500 d.C., época que demarca o claro domínio das culturas européias sobre as culturas nativas.
Segundo Diamond, e eu estou de pleno acordo, a resposta não tem nenhuma relação com diferenças de Q.I. entre os vários povos. O único modo de entendermos essas disparidades é examinando os processos que as produziram. Como é que algumas centenas de conquistadores espanhóis dizimaram os impérios inca e asteca, cujas populações eram de dezenas de milhões? O mesmo se deu com os nativos em nosso país e na América do Norte. Os invasores europeus tinham espadas de metal, armas de fogo e cavalos, enquanto que os nativos das Américas tinham apenas armas de madeira e pedra e nenhum animal que pudesse ser usado em combate.
Mas a conquista européia do Novo Mundo não se deu apenas por meio da vantagem militar. Foram as doenças infecciosas, como a varíola e o sarampo, introduzidas pelos europeus, que se espalharam de tribo em tribo, matando em torno de 95% da população nativa do Novo Mundo. Enquanto que na Europa essas doenças eram endêmicas, nas Américas e na África elas atuaram de forma devastadora. O mesmo na Austrália e nas ilhas do Pacífico.
Por que essas diferenças? É claro que as culturas nativas não desenvolveram doenças igualmente devastadoras para os europeus. A maioria das doenças epidêmicas que conhecemos floresceu em áreas de população densa, concentradas em cidades e vilas. Estudos mostram ainda que a maioria dessas doenças evoluiu a partir de doenças semelhantes em animais domésticos, muito mais comuns nas culturas agrárias européias. As culturas nativas tinham um número muito menor de animais domesticáveis.
O mesmo desequilíbrio ocorreu com plantas. O fato de a Eurásia ser geograficamente horizontal, enquanto que as Américas e a África são verticais é também fundamental. Na Eurásia, espécies domesticadas em um local podem facilmente adaptar-se ao leste e ao oeste, sem ter de enfrentar grandes diferenças climáticas. Já nas Américas e na África, o movimento tem de ser norte-sul, o que restringe a mobilidade dos animais e plantas domésticos.
O excesso de comida proveniente da domesticação de animais e plantas favoreceu o desenvolvimento de sociedades agrárias onde o poder era centralizado. Com isso, uma classe de artesãos tornou-se possível, que passou a desenvolver tecnologias e não apenas alimentos. Claro, não podemos ir a fundo aqui. Mas acho que Diamond deu um grande passo na compreensão das disparidades que hoje regem a nossa sociedade: armas de fogo, germes e ferro.
domingo, 1 de julho de 2001
As três origens
Existem três questões que tradicionalmente eram província exclusiva da religião, mas que, com o passar dos anos, tornaram-se parte integral do discurso científico. Elas podem ser agrupadas como o "mistério das três origens" -a do Universo, a da vida e a da mente. O que a física vem fazendo para compreender o mistério da criação, ou melhor: "Por que existe algo, ao invés do nada?" O que a biologia vem fazendo para desvendar o mistério da vida, ou: "Em que grau de complexidade um grupo de moléculas orgânicas pode ser considerado vivo?"
Finalmente, as ciências cognitivas vêm tentando entender como o cérebro cria aquilo que algumas pessoas chamam de mente, outras de alma. É difícil contemplar questões mais profundas sobre o Universo que nos cerca e sobre a natureza humana. Para muitos, principalmente para aqueles mais religiosos, é difícil aceitar o fato de que a ciência pode avançar o nosso conhecimento ao tentar responder, mesmo se apenas em parte, a essas questões. Devemos, porém, diferenciar a temática das três questões: elas envolvem áreas muito distintas da ciência moderna.
Dentro dessa separação temática, é importante analisarmos, mesmo se hipoteticamente, até onde essas questões podem mesmo ser resolvidas por meio da indagação científica. Volta e meia retornaremos à esse tema. Hoje, sabemos que o Universo teve um princípio, um momento inicial a partir do qual ele passou a se expandir. Sabemos também que esse momento inicial deu-se há aproximadamente 14 bilhões de anos, quando a matéria do Universo encontrava-se dissociada em seus componentes mais fundamentais.
Mas não podemos ter certeza do que de fato ocorreu no momento inicial. Na verdade, a pergunta não faz sentido dentro do discurso científico. Isso porque a nossa descrição das propriedades físicas do Universo tem limites e deixa de fazer sentido ao nos aproximarmos do instante inicial. Em particular, não sabemos nem falar sobre espaço e tempo: a noção de um espaço onde os fenômenos naturais ocorrem durante a passagem do tempo não é mais válida.
E, mesmo se soubéssemos, aceitando alguns modelos matemáticos propostos nas últimas décadas para descrever a origem do Universo, uma outra questão permaneceria em aberto: "Qual a origem das leis da física?". E essa pergunta não pode ser respondida dentro da estrutura atual da ciência: a ciência não pode explicar a sua própria origem. A origem da vida permanece um mistério. Vários cientistas acreditam que a vida originou-se em alguma outra parte (ou partes) do nosso Sistema Solar ou da galáxia e que chegou aqui transportada por asteróides ou cometas. Mesmo que essa hipótese seja verdadeira, ela não explica a origem da vida, apenas a origem da vida na Terra.
A questão é complicada, pois não sabemos nem mesmo como definir vida propriamente. Um vírus, por exemplo, só está vivo quando em contato com um outro organismo vivo. Em princípio, deveria ser possível encontrar uma "receita", misturando-se alguns dos ingredientes que sabemos serem importantes em seres vivos, de forma a criar moléculas orgânicas capazes de se reproduzir e de se alimentar do ambiente à sua volta, duas condições usadas na definição de um ser vivo. Mas ainda estamos longe de encontrar essa receita.
Finalmente, a origem da mente. De onde vem a nossa essência, o que chamamos de "eu"? Hoje, a pesquisa em ciências cognitivas indica que a mente (ou o nosso "eu") é criada pelo cérebro, por meio de manifestações complexas de redes de neurônios espalhadas pelo seu volume. Imagens do cérebro em funcionamento, obtidas usando ressonância magnética ou tomografia de elétron-pósitron, mostram como áreas diferentes respondem tanto a estímulos externos, como a foto de alguém conhecido ou uma música, como a estímulos internos, como na invocação de memórias ou na redação de uma carta.
Dentro da visão moderna, o cérebro funciona como uma espécie de teatro da mente, recriando a realidade física externa a partir de nossos sentidos e percepções. O que chamamos de "eu" é uma atividade fisiológica do cérebro, resultado de um contínuo processamento de informação. Na complexidade do cérebro residem tanto nossas concepções do que é vida ou da origem do Universo como de seu próprio funcionamento.
Finalmente, as ciências cognitivas vêm tentando entender como o cérebro cria aquilo que algumas pessoas chamam de mente, outras de alma. É difícil contemplar questões mais profundas sobre o Universo que nos cerca e sobre a natureza humana. Para muitos, principalmente para aqueles mais religiosos, é difícil aceitar o fato de que a ciência pode avançar o nosso conhecimento ao tentar responder, mesmo se apenas em parte, a essas questões. Devemos, porém, diferenciar a temática das três questões: elas envolvem áreas muito distintas da ciência moderna.
Dentro dessa separação temática, é importante analisarmos, mesmo se hipoteticamente, até onde essas questões podem mesmo ser resolvidas por meio da indagação científica. Volta e meia retornaremos à esse tema. Hoje, sabemos que o Universo teve um princípio, um momento inicial a partir do qual ele passou a se expandir. Sabemos também que esse momento inicial deu-se há aproximadamente 14 bilhões de anos, quando a matéria do Universo encontrava-se dissociada em seus componentes mais fundamentais.
Mas não podemos ter certeza do que de fato ocorreu no momento inicial. Na verdade, a pergunta não faz sentido dentro do discurso científico. Isso porque a nossa descrição das propriedades físicas do Universo tem limites e deixa de fazer sentido ao nos aproximarmos do instante inicial. Em particular, não sabemos nem falar sobre espaço e tempo: a noção de um espaço onde os fenômenos naturais ocorrem durante a passagem do tempo não é mais válida.
E, mesmo se soubéssemos, aceitando alguns modelos matemáticos propostos nas últimas décadas para descrever a origem do Universo, uma outra questão permaneceria em aberto: "Qual a origem das leis da física?". E essa pergunta não pode ser respondida dentro da estrutura atual da ciência: a ciência não pode explicar a sua própria origem. A origem da vida permanece um mistério. Vários cientistas acreditam que a vida originou-se em alguma outra parte (ou partes) do nosso Sistema Solar ou da galáxia e que chegou aqui transportada por asteróides ou cometas. Mesmo que essa hipótese seja verdadeira, ela não explica a origem da vida, apenas a origem da vida na Terra.
A questão é complicada, pois não sabemos nem mesmo como definir vida propriamente. Um vírus, por exemplo, só está vivo quando em contato com um outro organismo vivo. Em princípio, deveria ser possível encontrar uma "receita", misturando-se alguns dos ingredientes que sabemos serem importantes em seres vivos, de forma a criar moléculas orgânicas capazes de se reproduzir e de se alimentar do ambiente à sua volta, duas condições usadas na definição de um ser vivo. Mas ainda estamos longe de encontrar essa receita.
Finalmente, a origem da mente. De onde vem a nossa essência, o que chamamos de "eu"? Hoje, a pesquisa em ciências cognitivas indica que a mente (ou o nosso "eu") é criada pelo cérebro, por meio de manifestações complexas de redes de neurônios espalhadas pelo seu volume. Imagens do cérebro em funcionamento, obtidas usando ressonância magnética ou tomografia de elétron-pósitron, mostram como áreas diferentes respondem tanto a estímulos externos, como a foto de alguém conhecido ou uma música, como a estímulos internos, como na invocação de memórias ou na redação de uma carta.
Dentro da visão moderna, o cérebro funciona como uma espécie de teatro da mente, recriando a realidade física externa a partir de nossos sentidos e percepções. O que chamamos de "eu" é uma atividade fisiológica do cérebro, resultado de um contínuo processamento de informação. Na complexidade do cérebro residem tanto nossas concepções do que é vida ou da origem do Universo como de seu próprio funcionamento.
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