Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Antes de serem estudadas por cientistas, eram "respondidas" pelas religiões. As aspas são para lembrar que as respostas religiosas nem sempre estão de acordo, pelo contrário. É só ver as chacinas entre muçulmanos e hindus na Índia e Paquistão ou as Cruzadas (as medievais e a atual), para constatar que a revelação pela fé é uma escolha subjetiva. O que as religiões têm em comum é tentar responder a essas três questões. Em geral (mas não sempre), essas narrativas supõem a existência de um poder sobrenatural, absoluto, que decide criar o mundo, as pessoas e os animais. Todo mito de criação supõe que o Um dá origem à pluralidade das formas existentes.
Em física, a noção de que existe uma unidade fundamental na natureza é expressa pela geometria. Que a matemática é a linguagem usada pelas ciências físicas não é uma novidade. Mas a idéia que todos os fenômenos naturais podem ser reduzidos a um único princípio, baseado na geometria, é. Essa crença tem suas origens em Platão, que acreditava que a verdade só pode ser encontrada no mundo abstrato da razão, habitado por formas geométricas. Segundo ele, a percepção sensorial da realidade é falsa: o único círculo perfeito existe apenas em nossas mentes. Qualquer tentativa de representação do círculo será necessariamente imperfeita.
O platonismo ecoa nas salas dos físicos preocupados com questões sobre origens. Como escreveu Stephen Hawking em "Uma Breve História do Tempo", entender a estrutura geométrica do cosmos é entender a "mente de Deus". A metáfora não é acidente. Deus é o maior dos geômetras.
A física busca padrões ordenados na natureza. Cada padrão tem uma simetria associada. A esfera perfeita, objeto mais simétrico que existe, é sempre a mesma após qualquer rotação. Simetrias existem também nas atrações entre as partículas fundamentais da matéria, embora não seja fácil visualizá-las como no caso da esfera. Essas simetrias definem como as partículas trocam energia entre si. Um físico de partículas descreve o mundo material como sendo composto por partículas que interagem entre si com base em certas leis. Por exemplo, quando partículas interagem, a carga elétrica total é a mesma antes e depois da interação. Essas leis são expressas por simetrias, ou padrões geométricos.
A crença mítica no Um, o criador absoluto, se manifesta na física na crença de que a formulação final das leis que regem as interações entre matéria e força também têm uma formulação única, conhecida como teoria do campo unificado. Hoje, sabemos que existem quatro forças entre partículas. A gravidade e o eletromagnetismo são duas delas. Imagine então que o campo unificado seja um rio majestoso, que vai fluindo em direção ao mar. Na medida que se aproxima do mar, vai se separando, até que, na costa, divide-se em quatro.
Nós vivemos na costa, e percebemos a realidade por causa das quatro forças. Alguns aventureiros nadaram rio acima e encontraram o ponto da primeira das unificações. Até agora, ninguém conseguiu passar desse ponto. Os que tentaram falharam. Mas lendas relatam que a união final existe, que é só continuar nadando contra a corrente, rio acima. A crença na lenda inspira novas expedições. Conforme escreveu Steven Weinberg, um dos que encontraram o ponto onde dois rios se juntam, temos de supor que teremos sucesso. Caso contrário, certamente falharemos".