sábado, 24 de novembro de 2007

Quantas Terras?


Antes de mais nada, a presença de água parece ser fundamental

Quando pensamos em vida extraterrestre, imaginamos logo seres que, bem ou mal, se parecem conosco: cabeça, olhos, boca, nariz, braços ou tentáculos, enfim, formas humanóides, popularizadas nos filmes de ficção científica.

Esse antropomorfismo dos ETs pressupõe que, nos planetas deles, existam também condições semelhantes às da Terra. O que, então, julgamos ser essencial para o desenvolvimento da vida? Antes de mais nada, a presença de água líquida parece ser fundamental.

Sem ela, fica difícil conceber como é possível que as reações químicas que caracterizam a vida, o metabolismo que transforma alimentos em energia e intenção em ação, possam ocorrer.

Reações em meios sólidos ou cristalinos são mais lentas e limitadas. Fora isso, a água é um solvente universal, extremamente eficiente. Nenhum outro conhecido se compara a ela. Mais uma coisa: a água tem a maravilhosa propriedade de ser menos densa em estado sólido do que no líquido. Isto é, gelo bóia. Caso não fosse assim, a cada vez que chegasse o inverno, a superfície congelada dos oceanos afundaria. Em alguns anos, os oceanos estariam congelados por inteiro e a temperatura do planeta seria muito baixa. Ademais, com os oceanos congelados, fica difícil vislumbrar a vida ou mesmo sua origem. Portanto, sem água líquida, mesmo que pouca, mesmo que muito fria ou muito quente, a vida não parece ser possível.

A pergunta óbvia é se existem outros planetas parecidos com a Terra, ao menos com um pouco de água. Começando com o nosso Sistema Solar, vemos que a coisa não é fácil. De todos os planetas e luas (mais de 60 delas!), apenas a Terra e Europa, uma lua de Júpiter, têm água líquida em abundância. Marte tem um pouco, já teve mais há bilhões de anos, mas agora é essencialmente um deserto gelado.

Europa muito possivelmente tem um oceano de água salgada sob uma crosta de gelo de dois quilômetros de espessura. Existem missões planejadas que irão até lá com brocas robóticas para extrair amostras dessa água.

Os outros planetas ou são muito quentes ou simplesmente não têm água -seja ela líquida, sólida ou gasosa. Não em quantidades apreciáveis. E no resto da galáxia? O número de estrelas na Via Láctea é cerca de 100 bilhões. Na última década, a astronomia respondeu a uma questão que havia séculos intrigava as pessoas: será que existem outros planetas girando em torno de outras estrelas, feito a Terra e seus companheiros que giram em torno do Sol? Hoje sabemos que a resposta é um estrondoso "sim!" Não só existem "exoplanetas", como parece que a maioria absoluta das estrelas tem planetas em órbita a sua volta.

Não podemos dar uma resposta exata, mas estimar que, no mínimo, estrelas em geral têm de um a cinco planetas a sua volta, fora incontáveis luas. Mesmo essa estimativa sendo pessimista, um planeta por estrela, nos dá em torno de 100 bilhões de planetas na nossa galáxia.

E, desses planetas, quantos são como a Terra? Difícil dizer. Mas, no ano que vem, a missão Kepler, da Nasa, vai tentar estimar a fração de planetas do tipo terrestre: com órbitas que permitam a existência de água líquida e com massa semelhante à da Terra. Mas vamos ser pessimistas e dizer que apenas 1 em 1 bilhão de planetas é parecido com a Terra. Só na nossa galáxia seriam umas cem Terras. Considerando que existem outras 100 bilhões de galáxias pelo Universo afora, cada uma com suas 100 bilhões de estrelas (em média), são 10 trilhões de Terras no Universo. Seria muito estranho que a vida tivesse surgido só aqui. Nesse meio tempo, porém, nos resta apenas aguardar.

sábado, 17 de novembro de 2007

A cauda desaparecida



Cometas são como lagartixas: o rabo cortado cresce de novo


No dia 20 de Abril, um astrônomo amador assistia calmamente aos vídeos produzidos por dois satélites (chamados STEREO) dedicados a observar o Sol. Num deles, viu um cometa, chamado romanticamente de 2P/Encke, ter sua cauda devorada. Devorada? E quem ou o que poderia comer a cauda de um cometa?
Assustado, o astrônomo comunicou-se com Angelos Vourlidas, um astrônomo do Laboratório de Pesquisas Navais norte-americano. Vourlidas e seus colegas assistiram ao vídeo boquiabertos. O que estaria acontecendo nos céus naquele momento?
É sabido que, ao se aproximarem do Sol, cometas desenvolvem duas caudas: uma, mais brilhante, formada por partículas de poeira liberadas devido ao calor; outra, mais fraca, é a cauda iônica. Esta última é formada por partículas eletricamente carregadas (os íons) que são literalmente varridas do cometa pelo vento solar, um fluxo de partículas que vem do próprio Sol.
Uma imagem sugestiva é a de uma pessoa de cabelos longos em frente a um ventilador: o vento vindo do ventilador (o vento solar) sopra os cabelos (os íons e os grãos de poeira) para longe. Tal como com cabelos, a cauda do cometa sempre aponta na direção oposta à do vento solar. O que os astrônomos viram seria equivalente aos cabelos da pessoa desaparecerem de repente, sem razão aparente.
Como a cauda é criada devido à proximidade do cometa com o Sol, a resposta tinha de estar por lá. Repassando o vídeo várias vezes, a equipe descobriu que, pouco antes de a cauda desaparecer, o Sol sofreu uma crise magnética, que resultou na expulsão de uma gigantesca bolha de plasma chamada ejeção coronal de massa (do inglês "coronal mass ejection", ou CME). Essas ejeções, gigantescos distúrbios magnéticos solares, são bastante comuns, ocorrem com freqüência no Universo.
Elas causam, entre outras coisas, as auroras boreais e austrais mais espetaculares. (Nem todas as auroras são causadas por ejeções coronais de massa.) Nesse caso, partículas vindas do Sol penetram pelo campo magnético terrestre, emitindo radiação visível.
O agravante das CMEs é que elas carregam consigo pedaços de campos magnéticos que, ao interagir com campos magnéticos terrestres ou cometários, podem gerar efeitos bem dramáticos. No caso específico dos cometas, eles podem até agir como uma espécie de tesoura cósmica, cortando a sua cauda iônica.
O efeito se deve à superposição dos campos magnéticos do cometa e da CME. Para visualizar o que ocorre, imagine um campo magnético como uma espécie de rio fluindo de uma fonte. Só que, ao contrário de um rio comum, um campo magnético pode fluir em duas direções: da fonte para fora, como no caso da água, ou na direção da fonte. Quando dois campos magnéticos em direções opostas se aproximam, eles se atraem. Foi isso o que ocorreu com o cometa.
O campo oriundo da CME encontrou-se com o campo causado pelas partículas iônicas do cometa. O encontro liberou energia de forma explosiva, cortando a cauda do cometa. Tudo isso os astrônomos deduziram reconstruindo os eventos a partir dos vídeos. Outro satélite mostrou que a mesma erupção solar danificou a cauda de dois outros cometas.
Felizmente, cometas são como lagartixas; uma vez cortado, após algum tempo o rabo cresce de novo. Apesar de não ter uma cauda magnética, a Terra tem um campo magnético que é afetado por CMEs. Sem esse campo protetor, estaríamos sujeitos a toda espécie de radiação vinda do Sol. Nossa ligação solar vai muito além da luz e do calor que recebemos.

domingo, 11 de novembro de 2007

A difícil condição humana




Por que o esoterismo pesudocientífico faz tanto sucesso?



Queremos saber mais do que podemos ver". Assim escreveu o filósofo francês Bernard Le Bovier de Fontenelle, em 1686. Seu livro tratava da possível existência de seres extraterrestres, à luz do conhecimento científico da época. Naquele mesmo ano, Isaac Newton, na Inglaterra, publicou o livro em que apresentou as leis de movimento e da gravitação. A realidade física passou a ser explicável a partir de equações determinísticas. Duas massas se atraem com uma força que age à distância.

Newton não arriscou uma explicação para o misterioso fenômeno gravitacional: como massas se atraem sem se tocar? Forças invisíveis permeavam o espaço, a realidade estendendo-se além do que podemos ver. A ciência explicava e criava mistérios.

Numa recente visita ao Brasil, inúmeras pessoas me perguntaram o que achava do filme "Quem Somos Nós?" ou dos livros de Amit Goswami e o absurdo "O Segredo". Todos oferecem uma visão alternativa ao materialismo comumente associado à ciência. Tudo é consciência, diria Goswami, e matéria e mente são manifestações dessa consciência. Se você pensar positivamente sobre sua vida, as coisas mudarão, mesmo que você não faça nada, aprendemos em "O Segredo". Gostaria que todos os moradores da Rocinha imaginassem um cheque de um milhão de reais chegando para cada um na semana que vem.

A realidade é produto de nossas mentes e pode ser alterada, vemos em "Quem Somos Nós". No filme, aprendemos mecânica quântica com o espírito de Ramtha, um guerreiro de Atlântida que viveu há 35 mil anos. Talvez as pessoas devessem ser informadas que a maioria da equipe responsável pelo filme é devota de Ramtha. O filme é propaganda para essa seita esotérica. Os "especialistas" entrevistados são irrelevantes academicamente. Li na contracapa do livro de Goswami que ele é "um dos físicos mais importantes da atualidade". Absolutamente falso. A credibilidade da ciência é manipulada para convencer as pessoas da importância das novas revelações e dos novos "profetas".

Por que esse esoterismo pseudocientífico faz tanto sucesso? O que as pessoas procuram nesses livros e filmes? Se seguirmos a história da ciência e sua relação com a religião, vemos que, após Newton, ficava difícil justificar a presença de um Deus onipresente em um mundo controlado por leis, equações e seleção natural. Por outro lado, a ciência nada oferecia para alimentar a necessidade espiritual das pessoas. Como conciliar o materialismo científico com o ódio, o amor, a morte? No início do século 20, a ciência mudou. A teoria da relatividade e a mecânica quântica redefiniram a realidade física, os conceitos de espaço, tempo e matéria. Apesar de essas teorias serem perfeitamente claras dentro de seu contexto, sua natureza filosófica, em particular, o papel do observador na prática científica, abre espaço também para especulações filosóficas, algumas iniciadas até por pioneiros da física quântica, como Heisenberg e Bohr.

A apropriação dessas teorias pelo esoterismo é inevitável. É fácil deturpá-las para afirmar que a nova ciência põe a consciência humana no centro do cosmo; que o indivíduo tem uma força que vai além de seu corpo; que nossas mentes são conectadas com o cosmo e suas forças ocultas; que somos muito mais do que aparentamos ser. Quem não quer ser mais do que é?

O sucesso do esoterismo pseudocientífico é reflexo da difícil condição humana, da dificuldade de sempre aceitar que somos seres limitados, com vidas finitas, num Universo que nada liga para nossa existência. E que temos de assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas.

domingo, 4 de novembro de 2007

Partículas-fantasmas

Seu corpo é atravessado por trilhões deles por segundo sem que você se dê conta

Todo fantasma que se preze é capaz de atravessar paredes. Provavelmente, isso significa que ele é feito de algum material que não interage com a matéria comum, feita de prótons, nêutrons e elétrons. O estranho é que, mesmo assim, fantasmas podem deslocar móveis, fazer barulho e outros efeitos que dependem de sua interação com a matéria. Bem, talvez seja por isso que sejam entidades "sobrenaturais"; de naturais realmente elas não têm nada.

Existem, no entanto, objetos perfeitamente naturais que também podem atravessar paredes. São os neutrinos, as partículas mais exóticas da natureza, pelo menos das que conhecemos até agora. Sua história, desde que foram propostas até sua descoberta em experimentos, e as últimas surpresas que andam pregando nos físicos (que veremos numa outra semana), ilustra bem algo de que é sempre bom lembrar: a ciência é uma narrativa em andamento, que vai se aprimorando aos poucos, à medida que aprendemos mais sobre o mundo.

Durante as primeiras duas décadas do século passado, várias descobertas sobre o núcleo atômico revelaram que os átomos podem se transmutar uns nos outros, realizando espontaneamente o sonho dos alquimistas. Infelizmente, não era o chumbo que se transmutava em ouro, mas átomos mais pesados, como o urânio, ditos radioativos por emitirem radiação.
Dos três tipos de radiação emitidos pelos núcleos de átomos radioativos, um deles, chamado de radiação beta, era particularmente misterioso. Sabia-se que a radiação beta tinha carga elétrica negativa; logo ficou claro que os raios beta eram elétrons sendo ejetados pelo núcleo. Todavia, sabia-se que o núcleo era eletricamente positivo. De onde vinham esses elétrons com carga negativa? E sua energia?

A situação era exasperadora. Alguns físicos, como o grande Niels Bohr, chegaram até a sugerir que a lei de conservação de energia fosse abandonada. A solução foi oferecida por Wolgang Pauli em 1930: "Tenho uma solução desesperada, a possibilidade de que exista no núcleo uma partícula sem carga elétrica que é ejetada com o elétron". A partícula ficou conhecida como "neutrino", ou seja, um nêutron (o companheiro do próton no núcleo, descoberto em 1932) pequenino.

Ficou claro que o decaimento beta é, na verdade, a desintegração de um nêutron num próton, num elétron e num neutrino (mais precisamente um "antineutrino", mas vamos deixar isso de lado). Note que a carga elétrica é a mesma antes e depois da reação [zero = (+) + (-) + zero]. O neutrino garante, também, a conservação de energia.

Apenas em 1956 o neutrino foi descoberto. A demora se deveu às estranhas propriedades dessa partícula. Para ser detectada, uma partícula precisa interagir com um detector. Por exemplo, você só enxerga porque seus olhos podem detectar os fótons, as partículas da luz. No caso dos neutrinos, sua interação com partículas de matéria como elétrons é tão fraca que eles são capazes de atravessar paredes, pessoas e até mesmo planetas inteiros sem uma única interação.
Seu corpo é atravessado por trilhões deles por segundo sem que você se dê conta!
Por isso, os neutrinos são chamados de partículas-fantasmas.

De onde vêm esses neutrinos todos?

A maioria vem do centro do Sol, onde temperaturas de 15 milhões de graus Celsius são capazes de fundir hidrogênio em hélio, produzindo também neutrinos em abundância: ao menos na física, os fantasmas vêm da luz e não das trevas.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A natureza por trás de um véu


Nosso colunista entra fundo na discussão da reportagem de capa desta edição: afinal, quem (ou o quê) era Deus para Einstein?


"O credo de Einstein era formado por equações, a língua universal do Cosmo"

Quem acha que ciência e religião são duas coisas completamente antagônicas deveria ler a célebre autobiografia de Albert Einstein. Pois é, um dos maiores nomes da ciência de todos os tempos, o homem que nos presenteou com toda uma nova visão de mundo, era uma pessoa profundamente religiosa. Porém o sentido dessa religiosidade deve ser entendido com muito cuidado. Einstein detestava autoridade de qualquer espécie, especialmente a que se impunha por meio de ortodoxias religiosas ou políticas. Não acreditava em um deus sobrenatural ou em qualquer forma de religião organizada. Sua religiosidade foi evoluindo aos poucos, do tradicional ao pessoal, uma história de amor entre a razão e o mundo.

Como ele mesmo afirmou, quando menino era bastante religioso no senso comum, mistificado pelos mistérios da natureza e pela possibilidade de um deus criador. Com 5 anos, seu pai deu-lhe uma bússola de presente. O menino Einstein olhava boquiaberto para o instrumento, tentando entender por que apontava sempre para o norte, que segredos ocultava. Forças invisíveis estavam atuando, revelando um aspecto mágico da natureza, uma realidade que ia além da nossa percepção sensorial.

Aos 12 anos, essa fé num criador que comandava o mundo se transformou. Einstein deixou de acreditar nas histórias da Bíblia e passou a se aprofundar no estudo da ciência. Se a natureza ocultava a sua essência dos homens, cabia a eles tentar desvendá-la. E, para isso, o único caminho era por meio do uso da razão, do método científico. Apenas desse modo seria possível mergulhar fundo nos mistérios do Cosmo e decifrá-los para que todos compartilhem de sua beleza. Einstein considerava essa busca, a devoção de um cientista, a verdadeira religião: "A mais profunda emoção que podemos experimentar é inspirada pelo senso de mistério. Essa é a emoção fundamental que inspira a verdadeira arte e a verdadeira ciência", escreveu. Vemos que os mistérios do mundo despertavam a mesma emoção que sentiu quando era menino, ao ver a bússola apontar para o norte. A emoção do menino inspirou a devoção do cientista, uma devoção que o próprio Einstein acreditava ser essencialmente religiosa: "A existência de algo que nós não podemos penetrar, a percepção da mais profunda razão e da beleza mais radiante no mundo à nossa volta, que apenas em suas formas mais primitivas são acessíveis às nossas mentes - é esse conhecimento e emoção que constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e nesse sentido apenas, eu sou um homem profundamente religioso".

Para Einstein, a religião organizada, com sua ênfase em hierarquias e poder, com seu autoritarismo e repressão, violava a essência da espiritulidade humana, que deveria ser livre para dedicar-se ao que existe de mais importante em nossas vidas, o mundo onde vivemos e as pessoas com quem dividimos nossa existência. Nós somos matéria antes, durante e após as nossas vidas, matéria em diferentes níveis de organização. Enquanto vivos, nada mais nobre do que nos entregarmos à natureza, ao seu estudo e contemplação. Era essa a essência da religiosidade humana, associar o sagrado à natureza, e não a uma divindade antropomórfica, vaidosa e caprichosa.

Einstein acreditava na força da matemática, da razão, para decifrar a essência do mundo natural. Seu credo era formado por equações, a língua universal do Cosmo. Durante as três últimas décadas de sua vida, dedicou-se à busca de uma teoria unificada, uma teoria capaz de descrever todos os fenômenos naturais a partir de uma única força, a causa de todas as causas, o princípio absoluto. Se Einstein acreditava em algum Deus, era nesse, cuja essência única se ocultava na diversidade dos fenômenos naturais, como uma noiva que oculta o seu sorriso por trás de um véu, seduzindo o noivo a vislumbrá-lo.