domingo, 25 de maio de 2008

Antepassados não tão distantes


Os chimpanzés sofrem quando perdem a mãe ou um amigo

Quando Darwin afirmou, no século 19, que somos descendentes de macacos, que temos mais a ver com criaturas peludas e barulhentas com rabos longos e dentes afiados do que com anjos celestes, os vitorianos ficaram ultrajados. Por 3.000 anos, a história que vinha sendo contada era diferente. Seríamos criação de Deus, quase tão perfeitos quanto ele. Não fosse a ousadia de Adão e Eva, estaríamos até agora passeando nus pelo Jardim do Éden, sem sabermos da existência do pecado original.

Muita gente ainda se ofende com a insistência dos cientistas em nos chamarem de macacos evoluídos. Mas deveríamos nos orgulhar de nossos antepassados, que encontraram meios de sobreviver em um ambiente austero e cheio de predadores.

Há 30 milhões de anos, babuínos, chimpanzés e humanos eram indiferenciáveis. Desde então, variações genéticas submetidas à pressão da seleção natural foram criando as diferenças que resultaram nos três primatas. Babuínos mostram uma grande sofisticação social, vivendo em grupos de aproximadamente 150 indivíduos que reúnem em torno de oito famílias.

Pesquisadores como Dorothy Cheney (nenhuma relação com o vice-presidente americano) e Robert Seyfarth, que passam longos períodos nas florestas de Botsuana, verificaram que babuínos, especialmente as fêmeas, desenvolvem fortes alianças familiares, defendendo membros da família em caso de desavenças com outros babuínos ou em ataques de predadores.
Para tal, os primatas desenvolveram meios de identificar seus parentes visualmente e por meio de vocalizações.

Não há dúvida de que o agrupamento dos babuínos exibe traços que podemos identificar na nossa sociedade. Quantas famílias têm um assobio especial que usam quando estão em lugares muito cheios?

Mas nossos parentes mais próximos são os chimpanzés, com quem dividimos 98,4% dos nossos genes. Jane Goodall, a pesquisadora inglesa que revelou ao mundo a sofisticação dos nossos primos, passou anos nas florestas da Tanzânia observando seu comportamento.

Diferentemente dos babuínos, a característica mais marcante dos chimpanzés não é o agrupamento, mas a sofisticação de seu comportamento.

Chimpanzés estão entre os poucos animais que usam ferramentas para efetuar tarefas. Cortam galhos longos para "pescar" formigas e cupins em troncos e cupinzeiros.

Como os babuínos, caçam em grupos e defendem seu território em ferozes guerras tribais. Como os humanos, sofrem quando perdem a mãe, o pai ou um irmão, ou quando um companheiro de longa data morre. Esses achados tornam difícil distinguir se somos um pouco macacos ou se os macacos são um pouco humanos. Certamente, eles nos remetem às nossas origens evolucionárias.

Recentemente, um experimento na Universidade de Kyoto, no Japão, comparou a memória dos chimpanzés com a dos humanos. Seqüências de cinco números de um a nove foram mostradas a estudantes e chimpanzés por frações de segundo na tela de um computador. Após 650 milésimos de segundo, os números do monitor viravam quadrados brancos. O teste envolvia tocar os quadrados em ordem numérica crescente.

Tanto os estudantes quanto o chimpanzé acertaram 80% das vezes. Quando o intervalo baixou para 210 milisegundos, os humanos acertaram 40% das vezes e o chimpanzé 80%. Perdemos para um macaco. "Talvez", disse um dos pesquisadores, "nossa habilidade para contar atrapalhe". No mínimo, o experimento mostra que nossos primos são bem menos distantes do que pensamos.

domingo, 18 de maio de 2008

Matéria elusiva



Cientistas tentam achar partículas misteriosas há duas décadas


Uma das revelações mais importantes da ciência moderna é que somos feitos da mesma matéria que as estrelas. Todos os átomos de carbono, ferro, oxigênio etc. que compõem tudo o que existe têm a mesma origem, forjados durante os estágios finais da vida de estrelas.

São elas os grandes alquimistas cósmicos, capazes de transformar hidrogênio (o elemento químico mais simples e abundante no cosmo) em todos os outros elementos químicos. Nossa união com o Universo ocorre já ao nível mais fundamental: somos uma química animada por pensamentos.

Mas existe outra revelação importante e ainda bem misteriosa da ciência moderna. Os átomos feitos nas estrelas são uma pequena parcela, 5% aproximadamente, da matéria que preenche o Universo. Os outros 95% vêm em duas outras formas: 25% de matéria escura e 70% de energia escura. Da energia escura sabemos pouco: não é composta por partículas, como é caso dos átomos, compostos de prótons, nêutrons e elétrons, e mesmo da matéria escura.

É uma espécie de fluido, espalhado igualmente por todo o espaço. Mas ninguém sabe que fluido é esse; apenas que passou a dominar a evolução do cosmo há alguns bilhões de anos, causando uma inesperada aceleração em sua expansão: a energia escura atua como uma forma de antigravidade, aumentando cada vez mais as distâncias entre as galáxias.

A energia escura é uma descoberta recente. Seus efeitos foram observados pela primeira vez em 1998, causando um verdadeiro furor na comunidade científica. Mas a matéria escura é bem mais antiga. Sua existência foi conjecturada durante a década de 1930 pelo astrônomo Fritz Zwicky, que trabalhava no Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech. Zwicky estudava as propriedades de grupos de galáxias agregados por sua gravidade mútua. Medindo as velocidades das galáxias, Zwicky notou que eram bem maiores do que se fossem causadas pela matéria visível nelas.

Concluiu que existia matéria invisível -a matéria escura- que, como já diz o nome, não emite luz. Sua presença é sentida através de sua massa, de seus efeitos gravitacionais.

Medidas precisas da expansão cósmica e das propriedades das galáxias mostram que a matéria escura também é formada por partículas. Só que essas partículas são muito diferentes das partículas dos átomos, constituindo um novo tipo de matéria.

É esse caráter exótico da matéria escura que a torna fascinante e, claro, muito difícil de ser detectada. Durante as duas últimas décadas, vários grupos têm tentado achá-la.

Os experimentos mais promissores procuram medir os efeitos de uma colisão entre uma partícula de matéria escura e núcleos de matéria comum. Por exemplo, cristais de germânio e silício ou de iodeto de sódio.

Quando uma colisão ocorre, vibrações são sentidas no material, como quando pedras de vários tamanhos são jogadas numa piscina. Essas vibrações podem ser detectadas e a energia da colisão medida. Com isso, é possível obter a massa da partícula de matéria escura.

Recentemente, um grupo na Itália afirmou ter encontrado sinais promissores. Imediatamente, a comunidade científica se mobilizou, examinando o experimento e criticando os seus resultados. Esse ceticismo é fundamental em ciência: descobertas importantes precisam ser confirmadas por grupos diferentes. A controvérsia ainda não foi resolvida. Mas não há dúvida de que a descoberta da matéria escura terá um impacto enorme na nossa compreensão do Universo e de seus constituintes mais básicos.

domingo, 11 de maio de 2008

Inteligência seletiva



Talvez o segredo da longevidade dos dinossauros seja a sua estupidez


Uma das confusões mais comuns quando se discute o processo de seleção natural proposto por Charles Darwin é a afirmação de que a evolução das espécies marcha em direção à complexidade crescente, isto é, que a vida tende a criar animais cada vez mais complexos, como se tivesse um plano.

O perigo de tal afirmação é -fora o fato de estar definitivamente errada- que ela põe o ser humano no ápice da criação: nós como objetivo final da vida. Nada mais conveniente para alimentar o discurso dos criacionistas, que diriam que, como a complexificação da vida leva invariavelmente aos humanos, não há dúvida de que somos mesmo a imagem de Deus.

Pensemos nos dinossauros. Os primeiros surgiram no Período Triássico, há 230 milhões de anos. Pelo menos esses são os fósseis mais antigos, aliás achados no Brasil e Argentina. Dada a sofisticação de seus esqueletos, muito provavelmente seus primos reptilianos já existiam bem antes disso.

É sempre bom lembrar que o registro fóssil é necessariamente incompleto, já que é impossível recuperar todas as espécies que viveram há centenas de milhões de anos. De qualquer forma, lá estavam eles, dominando a cadeia alimentar por dezenas de milhões de anos. Os últimos dinossauros são encontrados há 65 milhões de anos, a data da gigantesca colisão de asteróide que selou o destino dos grandes répteis e de mais de 40% da vida na Terra. Arredondando, para simplificar, se os dinossauros surgiram há 250 milhões de anos e sumiram há 50 milhões, viveram por mais ou menos 200 milhões anos. Nada mau, comparado ao nosso 1 milhão.

Se os dinossauros sobreviveram por tanto tempo, podemos supor duas coisas: ou eram muito mais inteligentes do que imaginamos ou inteligência não é necessariamente o caminho da seleção natural. Em outras palavras, a vida não leva necessariamente à inteligência.

Examinemos a primeira hipótese, a de que os dinossauros talvez fossem brilhantes e, por isso, sobreviveram por tanto tempo. Análises dos fósseis de dinossauros demonstram que não eram particularmente inteligentes. Suas caixas cranianas eram pequenas comparadas ao seu tamanho, e não há evidência de córtex frontal avantajado. Também não são encontrados artefatos junto aos ossos petrificados. A conclusão é que não eram mais inteligentes do que uma sucuri ou um jacaré.

A longa existência dos dinossauros e a ausência de qualquer indicação de que tivessem inteligência superior demonstra que a vida não tem um plano que leva necessariamente à inteligência. De fato, a seleção natural não tem nenhum plano. Ela é completamente acidental, levando simplesmente à preponderância das espécies que têm maior facilidade de sobreviver em determinadas condições. Quando essas condições mudam, espécies que antes estavam bem adaptadas podem desaparecer. Por exemplo, se a temperatura do planeta cair rapidamente, animais de sangue frio, como os répteis, terão dificuldade de sobreviver. Caso a temperatura aumente drasticamente, serão os animais peludos e de sangue quente que sofrerão mais. Sempre fico angustiado quando vejo um São Bernardo na praia de Ipanema em pleno verão.

Se estamos aqui há menos de um milhão de anos, temos um grande desafio pela frente. Dado o que já fizemos com o nosso planeta, não é óbvio que iremos sobreviver por tanto tempo quanto os dinossauros. Se a inteligência leva ao domínio sobre as outras espécies e a um maior controle sobre as flutuações climáticas, ela cria novas ameaças. Talvez o segredo da longevidade dos dinossauros seja justamente a sua estupidez.