MARCELO GLEISER
especial para a Folha
Certas idéias em ciências, abandonadas por razões que são perfeitamente justificáveis em uma determinada época, tendem a reaparecer em tempos de crise como possíveis explicações de aparentes mistérios. Na maioria das vezes, essas idéias gozam de um curto período de glória, para serem novamente abandonadas, substituídas por explicações mais simples e eficazes.
Uma idéia que apareceu e reapareceu na história da física foi a da existência de um meio material que permeia todo o espaço, o "éter", cuja função mudava conforme as necessidades de uma determinada teoria.
Para Aristóteles, os objetos celestes eram compostos de éter, ou a quinta-essência, que tinha propriedades completamente diferentes dos quatro elementos que descreviam então a matéria: água, ar, terra e fogo.
Bem mais tarde, o filósofo francês René Descartes assumiu a existência de um meio material responsável pelo transporte de objetos celestes pelos céus. Isaac Newton, em sua magnífica obra sobre as leis do movimento e da gravitação, mostrou que esse meio era desnecessário.
Já no século 19, um outro tipo de éter era aceito como o meio onde ondas eletromagnéticas se propagavam como ondas de som pelo ar. Em 1905, Einstein mostrou que esse éter era desnecessário e que ondas eletromagnéticas poderiam se propagar no espaço vazio.
Mas o próprio Einstein introduziu uma dessas idéias, que chamo de "idéias fênix", pois tal como o pássaro mítico, ressurgem de suas próprias cinzas.
Quando, em 1917, Einstein usou as equações de sua nova teoria da relatividade geral para descrever o Universo como um todo, não existia nenhuma evidência definitiva de que o Universo está em expansão. Como a maioria dos cientistas da época, Einstein acreditava que o Universo era estático e o mais simétrico possível. Mas suas tentativas de encontrar uma solução para suas equações, que descrevesse um universo estático, falharam.
Para evitar o desastre, Einstein introduziu uma constante que hoje chamamos de "constante cosmológica", cuja função era produzir uma força repulsiva para balancear o colapso da matéria. Ou seja, a constante cosmológica funcionava como uma espécie de antigravidade: em um universo vazio de matéria e só com a constante cosmológica, a distância entre dois pontos cresceria exponencialmente.
Quando o astrônomo Edwin Hubble mostrou, em 1929, que o Universo não é estático, mas está em expansão, Einstein abandonou sua constante cosmológica. Conforme já havia provado o russo Alexander Friedmann, em 1922, as equações de Einstein eram perfeitamente compatíveis com um universo em expansão.
Mas os problemas começaram cedo. Hubble também mostrou que suas observações previam que a idade do Universo era cerca de 2 bilhões de anos, mais novo do que a própria Terra! Alguns modelos tentaram resolver esse dilema. Um deles, proposto inicialmente por Georges Lemaitre, que além de cosmólogo era padre, usava a constante cosmológica para desacelerar a taxa de expansão do Universo, tornando-o "mais velho". Em 1952, novas medidas mostraram que o Universo era confortavelmente mais velho do que a Terra. A constante cosmológica foi novamente abandonada.
Portanto, foi com um misto de "incredulidade e terror" que cientistas receberam as novidades sobre objetos muito distantes sendo acelerados a distâncias cada vez maiores, como se uma força os tivesse empurrando para longe. Novamente, a explicação mais simples para tal fenômeno é a constante cosmológica, mesmo que não tenhamos a menor idéia por que tal constante deveria existir na natureza. Embora seja necessária muita cautela, pois essas observações recentes são muito difíceis e passíveis de erros de interpretação, me pergunto quantas vidas terá a constante cosmológica, ou se, de fato, ela é mesmo imortal.
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