domingo, 7 de maio de 2000

Medindo a geometria do Universo

Se a Terra é redonda, parece que o Universo é plano. Essa afirmação tem sido feita com cada vez mais firmeza por cosmólogos que se preocupam com a geometria do cosmos, uma questão tão antiga quanto os vários relatos de criação do mundo. Em uma versão científica dessa questão, desavenças iniciais devem ser substituídas por um consenso geral, uma vez que os resultados de observações e análise de dados sejam propriamente interpretados e discutidos. Nos últimos oito anos, uma verdadeira bateria de projetos dedicados ao estudo dessa questão vem sistematicamente coletando dados, avidamente discutidos pela comunidade científica. Semana passada, dados de um experimento chamado Boomerang revelaram, de forma realmente convincente, que os resultados convergem mesmo para um Universo plano. Eis aqui como que um balão flutuando durante dez dias 38 km sobre a Antártica pode nos revelar algo sobre a geometria do Universo.

Segundo o modelo do Big Bang, o Universo primordial era extremamente quente e denso, com as partículas de matéria interagindo furiosamente com as partículas de radiação, os chamados fótons. A energia desses fótons está diretamente relacionada com sua temperatura, que é também a temperatura do Universo. À medida que o Universo se expande, e ele está em expansão desde seus momentos iniciais, sua temperatura cai e os fótons ficam cada vez menos energéticos. Passados em torno de 300 mil anos desde o "bang", os fótons não conseguem mais evitar que elétrons e prótons se juntem para formar átomos de hidrogênio. Durante essa época, o Universo muda de composição, sendo então formado por átomos de hidrogênio e fótons, que passam a se propagar livremente pelo espaço. Com a expansão do Universo, que agora tem em torno de 15 bilhões de anos, esses fótons se resfriaram ainda mais, estando hoje a temperaturas em torno de 3 graus acima do zero absoluto, isto é, -270C. Essa é a famosa radiação de fundo cósmico, prevista pelo modelo do Big Bang e observada pela primeira vez em 1965.

Vamos voltar ao momento em que os fótons passam a ser livres do resto da matéria (os recém-formados átomos de hidrogênio). Nessa época, existiam concentrações de matéria espalhadas pelo cosmo, regiões mais densas que, em alguns milhões de anos, com a força atrativa da gravidade, iriam formar as galáxias e grupos de galáxias que observamos hoje com nossos telescópios. Podemos imaginar uma espécie de sopa de legumes, os fótons formando o líquido e, essas regiões mais densas, os vários pedaços de cenoura, batata etc. Com a atração crescente da gravidade, alguns fótons "caem" dentro dessas regiões, iniciando uma espécie de cabo-de-guerra em que de um lado eles tentam escapar e de outro a gravidade os puxa para dentro da região. Esse vai-e-vem gravitacional produz uma oscilação na energia dos fótons. E, como a energia dos fótons está ligada a sua temperatura, esse processo cria pequenas flutuações de temperatura nos fótons que compõem a radiação de fundo cósmico. Ou seja, ao medir a temperatura dessa radiação, devemos detectar pequenas flutuações, que são os fósseis desse cabo-de-guerra que ocorreu na infância do Universo. O grande desafio é que essas flutuações são da ordem de um milionésimo de grau. Encontrá-las é equivalente a encontrar elevações de 1 metro na superfície da Terra, que tem um raio de 6,4 milhões de metros!

Essas medidas são feitas tanto em satélites quanto em balões. Antenas apontam para ângulos diversos no céu, e a temperatura dos fótons é medida por aparelhos de incrível precisão. As flutuações têm vários tamanhos e temperaturas. Flutuações com ângulo acima de 2 graus são produzidas durante o processo de separação entre fótons e matéria. Flutuações menores revelam algo sobre a distribuição das regiões com excesso de matéria antes desse processo. Essas é que foram medidas por Boomerang. A teoria prevê que a localização das flutuações de maior intensidade nos revela a geometria do Universo; os resultados são consistentes com um Universo de geometria plana, uma versão tridimensional da superfície de uma mesa. Agora, precisamos descobrir que tipos de matéria e energia estão servidos em nossa "mesa cósmica".

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