Outro dia apareceu na minha sala um senhor muito bem apessoado, de terno e gravata, portando uma série de papéis e planos em sua maleta. O visitante abriu seus planos, complicadíssimos, de uma máquina com um enorme pêndulo feito de um material magnético que, segundo seu inventor, poderia funcionar para sempre, em flagrante violação das leis da termodinâmica, a parte da física que estuda o efeito da temperatura no comportamento de sistemas. Se sua invenção funcionasse como anunciado, ela viraria mesmo a física ao avesso. Infelizmente, a engenhoca precisava de um dispositivo descartável bastante familiar, uma pilha elétrica, consumindo mais energia do era capaz de gerar.
O desejo de construir uma máquina capaz de funcionar para sempre, gerando mais energia do que consome, é um sonho muito antigo. Caso isso fosse possível, o problema econômico relacionado ao custo de combustíveis desapareceria, e o mundo seria um lugar muito diferente. De certa forma, o movimento perpétuo está relacionado à busca da imortalidade, da libertação da necessidade de estarmos sempre a construir o que naturalmente decai. Esse aspecto castrador da natureza é expresso nas duas primeiras leis da termodinâmica.
A primeira diz que, em um sistema isolado, não é possível gerar ou destruir energia, apenas transformá-la: uma pilha transforma energia química em energia elétrica, por exemplo. A segunda lei diz que o calor sempre flui de um corpo mais quente para um mais frio. Só assim o sistema realiza trabalho. Em outra versão, ela diz que um sistema isolado sempre evolui de um estado mais organizado para um mais desorganizado.
Se você pingar uma gota de mercurocromo em um copo d'água, ela se dispersará. Mas o contrário -a gota voltar a agregar-se espontaneamente dentro da água- jamais acontecerá. Escondido nessa lei está o fato que para criarmos ordem temos de gastar energia. Uma máquina, dispositivo capaz de criar ordem, necessariamente consome energia para fazê-lo. Na segunda metade do século 19, o grande físico escocês James Clerk Maxwell achou que podia driblar a segunda lei. Ele imaginou um ser, seu demônio, que vivia em uma caixa cheia de um gás a uma temperatura fixa. A caixa era dividida por uma partição com uma pequena porta, e o gás inicialmente estava todo em um lado.
A temperatura de um gás está relacionada à velocidade média de suas moléculas: há moléculas com velocidades maiores e menores que a média. O demônio abria a porta apenas para deixar passar as moléculas mais rápidas. Com isso, ele conseguiria separar o gás entre as duas partições, uma com moléculas mais velozes e outra com as mais lentas. E, como a velocidade está relacionada à temperatura, o demônio separaria o gás em uma parte mais quente e outra mais fria, a condição básica para que um sistema possa realizar trabalho.O que Maxwell não incluiu em sua análise foi que seu demônio, seja ele um ser sobrenatural ou um dispositivo eletrônico, também precisa de energia para operar.
Quando essa energia extra é incluída, o sistema caixa-demônio gasta mais energia do que é capaz de gerar. Venceu a segunda lei. Recentemente, um par de físicos revisitou esse problema usando não um demônio, mas uma caixa minúscula cheia de microondas e um átomo. Esse sistema é descrito pela mecânica quântica, onde efeitos que Maxwell consideraria impossíveis são perfeitamente normais. Aplicando a essa caixa um campo magnético que varia periodicamente, os cientistas argumentam que é possível gerar vibrações que liberam mais energia do que a usada para causá-las. Isso porque, na física quântica, partículas não são descritas como bolas de gude, mas como ondas, que podem interagir de forma coerente, criando cristas e depressões.
A energia depositada pelas oscilações do campo magnético é distribuída nas ondas, fazendo com que o átomo oscile como uma rolha boiando no mar. Essas oscilações geram energia que pode, em princípio, ser extraída. Será que a segunda lei foi vencida pela mecânica quântica? Aparentemente sim, mas por enquanto o sistema só existe em teoria. E não é claro que a termodinâmica possa ser aplicada à esse sistema. De qualquer forma, talvez o demônio de Maxwell venha a existir um dia, mesmo se apenas no mundo do muito pequeno
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