Wilhelm Röntgen, o físico que descobriu a misteriosa radiação que ele chamou de raios X em 1895, certamente ficaria boquiaberto se soubesse o que aconteceu com a sua descoberta nos últimos 105 anos. As aplicações médicas foram apenas o começo, inspiradas pelas radiografias que o próprio Röntgen tirou do dedo de sua mulher e que, para seu completo espanto, revelavam os ossos com incrível clareza.
A "mágica" dos raios X, seu poder de atravessar os tecidos e serem refletidos pelos ossos, está em seu pequeno comprimento de onda: como todas as formas de radiação eletromagnética _a luz visível sendo uma delas_ os raios X são uma propagação no espaço de um distúrbio eletromagnético, em geral causado pelo movimento acelerado de cargas elétricas. Aliás, qualquer onda é uma forma de distúrbio. Por exemplo, pense no que acontece quando você atira uma pedra em um lago: a queda da pedra disturba a água e esse distúrbio _uma troca de energia_ se propaga como ondas concêntricas, além do ponto de impacto.
Uma carga elétrica, quando acelerada, faz o mesmo, dissipando sua energia por meio de um distúrbio eletromagnético, que se propaga no espaço na velocidade da luz _cerca de 300.000 km/s. A diferença entre a luz e os raios X está no valor do comprimento de onda, que é bem menor para os raios X. Com isso, eles podem penetrar em materiais de densidade baixa, que é o caso da pele e dos músculos. Já os ossos, com sua maior densidade, refletem os raios X do mesmo modo que a pele reflete a luz visível.
Da medicina partimos para o Universo. As estrelas são fornalhas nucleares capazes de gerar quantidades enormes de radiação. As galáxias, que são aglomerados com milhões ou mesmo centenas de bilhões de estrelas, também emitem radiação. A que nós vemos, a radiação (luz) visível, revela apenas uma pequena parte do que realmente está acontecendo nesses objetos celestes. Quanto mais energia tiver a radiação, menor será seu comprimento de onda, e mais raios X serão emitidos. Daí que, ao olharmos para os céus com um telescópio sensível aos raios X, descobrimos os locais onde enormes quantidades de energia estão sendo emitidas.
A radiografia do Universo nos revela a física de seus membros mais exóticos, as estrelas de nêutrons e os buracos negros. Esses dois objetos astrofísicos têm uma coisa em comum: ambos representam os restos de uma estrela que esgotou seu combustível nuclear, sucumbindo à própria atração gravitacional. Em outras palavras, estrelas de nêutrons e buracos negros são estrelas que implodiram. Esse processo de implosão cria uma força gravitacional enorme, acelerando tudo o que passar por perto, inclusive cargas elétricas de uma estrela vizinha, ou da própria estrela que implodiu. Podemos visualizar o efeito gravitacional desses objetos como um ralo cósmico, sugando a matéria que estiver em sua vizinhança, tal como um ralo suga a água ao seu redor.
Esse processo cria uma enorme quantidade de raios X. Sob as lentes dos raios X, o Universo é composto apenas por buracos negros e outros objetos astrofísicos exóticos. Em 1999, a Nasa (agência espacial norte-americana) lançou o telescópio espacial Chandra, sensível apenas a fontes de raios X. O satélite tem uma órbita 200 vezes mais distante do que o telescópio espacial Hubble, viajando a um terço da distância até a Lua. A avançada tecnologia de detecção de raios X utilizada, com precisão equivalente a ler um sinal de "Pare" a uma distância de 18 quilômetros, permite a identificação de fontes extremamente distantes.
Como em astronomia toda a informação viaja na velocidade da luz, quanto mais distante for a fonte, mais tempo sua radiação leva para nos atingir. Olhar para o céu é olhar para o passado do Universo. Chandra identificou fontes a 12 bilhões de anos-luz de distância, quando as galáxias estavam nascendo, revelando um Universo pululando de buracos negros gigantescos, com massas milhões de vezes maiores do que a do Sol. Do dedo da esposa de Röntgen a buracos negros que emitiram sua radiação há 12 bilhões de anos é um pulo gigantesco, em apenas 105 anos. E são apenas as primeiras radiografias do Universo primordial. Para os sucessores de Chandra, as imagens atuais serão tão simples quanto as radiografias de um dedo
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