domingo, 8 de agosto de 1999

A Guerra Fria e a herança nuclear

Quando os EUA detonaram a primeira bomba atômica no deserto do Novo México, o chefe do Projeto Manhattan, J. Robert Oppenheimer, declarou, sombriamente, que a explosão inaugurou uma nova era para a humanidade. O evento, disse, lembrou-lhe parte de um texto das escrituras sagradas hindus, o Bhagavad Gita, que conta a história de como o deus Vishnu tenta convencer o príncipe-guerreiro Arjuna a concluir suas tarefas. Para impressionar o príncipe, Vishnu assume uma forma monstruosa com vários braços e diz: "Agora sou a Morte, destruidora de mundos".

A proliferação de armas nucleares após a Segunda Guerra Mundial mudou a história do mundo e o papel da ciência na história. Se antes a ciência criar e destruir, a criação e destruição eram sempre locais, de impacto limitado. Mas as armas nucleares inauguraram uma nova era, onde nos tornamos capazes de aniquilar a humanidade como um todo. Se antes a população civil sofria com invasões e saques, bombardeios e incêndios, agora a população do planeta inteiro pode sofrer as consequências de um conflito ou acidente com armas nucleares.

Essa nova realidade redefiniu os últimos 50 anos, com a polarização entre capitalismo e comunismo representando o frágil balanço que define nossa sobrevivência. As bombas de Hiroshima e Nagasaki, horrendas como foram, não se comparam ao poder devastador das bombas de fusão nuclear, ou de hidrogênio. Em um argumento perverso, essa política dizia que apenas através do balanço do poder de destruição entre as potências nucleares poderia ser alcançada uma paz duradoura. Isso me lembra um pouco o que os pais fazem quando compram presentes para suas crianças: para evitar brigas entre irmãos, é sempre melhor comprar dois brinquedos iguais. E assim definimos a sobrevivência de nossa espécie.

Mas com a queda da União Soviética, o balanço nuclear sofreu uma profunda alteração. Hoje, a Rússia está praticamente falida, paralisada por uma séria crise econômica e política, um gigante cego a procura de um novo rumo. Uma das consequências imediatas dessa crise é o abandono do arsenal nuclear e das centrais de controle de materiais usados na construção de armas nucleares. Antes da queda da União Soviética, os cientistas e os técnicos trabalhando no arsenal nuclear eram bem pagos, desfrutando de direitos e privilégios sociais. Hoje, grande parte deles está desempregada, ou recebendo salários que, para nossos padrões, são miseráveis. (Claro, me refiro a profissionais e técnicos com ensino superior.) Pior ainda, vários deles procuram por empregos mais lucrativos em outros países, o que em princípio pode acelerar a construção de armas nucleares em países com intenções nem sempre pacíficas.

Vários incidentes alfandegários envolvendo o contrabando de plutônio, urânio enriquecido ou tecnologia bélica nuclear foram registrados nos últimos anos. Uma nova forma de terrorismo está emergindo, o terrorismo nuclear, onde países com regimes totalitários ou fundamentalistas tentam obter tecnologia nuclear usada na construção de armas capazes de alcançar nações inimigas. A Coréia do Norte e o Irã poderão em breve ter mísseis capazes de atingir alvos a milhares de quilômetros. Juntando-se a possibilidade (muito plausível) de que essas nações possuem um programa nuclear ou de armas bioquímicas, o perigo se torna muito grande. E mesmo sem mísseis, o que aconteceria se um grupo terrorista contaminasse o abastecimento de água de uma grande cidade com lixo nuclear ou bioquímico? Ironicamente, a "vitória" do ocidente na Guerra Fria transformou o "inimigo", temível mas visível, em várias forças invisíveis e, portanto, muito mais difíceis de serem controladas e monitoradas. Essa é a paranóia dos anos 90, herdeira da política de "détente".

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