A origem do Universo inspirou incontáveis mitos de criação no passado e inspira muita ciência no presente. De fato, todas as culturas relatam, de uma forma ou de outra, uma história da criação do mundo. A cultura moderna, tão influenciada pela ciência, não é uma exceção. Essa necessidade que temos de explicar a origem de "tudo", incluindo a nossa, não escapa aos cientistas.
E, muito da "crise" que existe entre a ciência e a religião vem justamente da -desnecessária- colisão entre a versão (ou, melhor, versões) religiosa da origem do cosmo e a versão científica.Para focarmos melhor nossa discussão, vamos nos concentrar na versão judaico-cristã da Criação, conforme ela é relatada no Antigo Testamento. O ponto fundamental aqui é que a criação do mundo, segundo esse relato, marcou também a origem do tempo.
Essa interpretação é sugerida, por exemplo, por Santo Agostinho, que escreveu que Deus criou o tempo juntamente com o cosmo. "Antes" da Criação, argumentou Santo Agostinho, não faz sentido. (Segundo ele mesmo escreveu, alguns respondem à questão de o que Deus estava fazendo antes de criar o mundo dizendo que estava criando o Inferno para todos aqueles que fazem esse tipo de pergunta.)Continuando com o relato judaico-cristão, Deus criou o cosmo ex nihilo, do nada: sua ação criadora foi a causa inicial da existência material do mundo.
Por que Deus, que é por definição perfeito, sentiu a necessidade de criar, é um problema mais complicado, muitas vezes atribuído a uma vaidade divina: para ser amado pela sua criação. Mas acho melhor deixar este debate de lado. De qualquer forma, o ponto crucial aqui é que, segundo o Antigo Testamento, a Criação é um processo eminentemente sobrenatural, atribuído à ação divina, milagrosa e onipotente.Entram os cientistas, especialmente os cosmólogos modernos, atribuindo ao Universo propriedades quantitativas e explicáveis por meio de leis naturais.
O modelo cosmológico conhecido como Big Bang, que localiza a Criação do Universo no tempo (mas não no espaço -o Big Bang não foi uma explosão a partir de um ponto central) imediatamente inspira analogias com o relato do Gênese. Afinal, ambos falam de um início de tudo, antes do que o tempo não existia. Esse tipo de comparação só gera confusão e animosidade entre cientistas e pessoas de fé. Eis por quê: primeiro, a Bíblia não tem o intuito de descrever quantitativamente a estrutura do cosmo. Voltando a Santo Agostinho, a interpretação da Bíblia deve ser alegórica e não literal.
Usar a narrativa do Gênese como texto científico corrompe a função do texto, que é a de estabelecer a natureza onipotente de Deus. Note, também, que existem dois relatos de Criação no Gênese. Qual é o "correto"?Por outro lado, os cosmólogos que dizem entender a origem do Universo não estão sendo honestos.
Antes de mais nada, a teoria que descreve a expansão do Universo usada em cosmologia, a teoria da relatividade geral de Einstein, tem, como qualquer teoria física, limite de validade. Ela deixa de ser válida quando a matéria atinge densidades inimaginavelmente altas, possíveis bem perto do tempo "t=0". Se o Universo está em expansão, e as galáxias estão se afastando cada vez mais, ao voltarmos no tempo elas estarão cada vez mais próximas. Perto do "t=0", a matéria estaria espremida em volumes tão pequenos que sua densidade e temperatura seriam enormes.
A relatividade geral deixa de funcionar e temos de usar outra teoria. Mas qual? Existem versões diferentes, mas todas misturam idéias da mecânica quântica, que estuda a física atômica e subatômica -no Universo primordial, a física do muito pequeno passa a ser fundamental. Uma das versões chama-se supercordas, outra, cosmologia quântica.
Ambas ainda incompletas, se bem que muito sugestivas.Vamos supor que, um dia, tenhamos uma teoria física da origem do Universo. Será que ela explicará o mistério da Criação? Eu acredito que não: essa será uma resposta científica da questão, e, portanto, calcada em leis naturais e conceitos. Podemos sempre perguntar de onde vêm essas leis e esses conceitos. Acredito que a melhor atitude com relação ao mistério da Criação é a de complementaridade: a ciência oferece um relato, a religião, outros (vários). É importante aceitar que ambos têm limitações, o que não tira em nada sua beleza e importância.
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