Em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, dois gigantes da física encontram-se em Copenhague, na Dinamarca: Niels Bohr e Werner Heisenberg. Bohr, dinamarquês, foi o primeiro a desenvolver, em 1913, um modelo do átomo usando princípios da física quântica, proposta na virada do século 20 por Max Planck (1900) e Albert Einstein (1905).
Heisenberg, alemão, propôs as equações que descrevem o comportamento de sistemas atômicos (outra versão, equivalente à de Heisenberg, foi proposta pelo austríaco Erwin Schrödinger). Bohr, mais velho, era tido como o "pai" da mecânica quântica, sendo venerado pelos jovens que a construíram: Heisenberg, Pauli, Born, Dirac, Jordan e outros. Heinsenberg era o menino-prodígio de Bohr, um mestre da matemática. E uma pessoa extremamente misteriosa.
Heisenberg foi o único dos "grandes" a permanecer na Alemanha durante a Segunda Guerra. Todos os outros escaparam, alguns para outros países da Europa, ou para os Estados Unidos, como fez Einstein. Quando Heisenberg foi visitar Bohr em Copenhague, a Alemanha já havia dominado boa parte da Europa, inclusive a Dinamarca. Heisenberg era o chefe do programa nuclear nazista. Bohr deplorava o expansionismo de Hitler e mantinha-se em contato com os aliados. Heisenberg foi visitar seu antigo mentor como representante da potência invasora.
Qual era o objetivo de Heisenberg em Copenhague? Por que ele queria tanto conversar com Bohr? Será que ele queria arrancar segredos de seu velho mentor para usá-los na construção da bomba atômica nazista? Será que ele foi informar a Bohr que ele deveria escapar o quanto antes de Copenhague? Ou será que ele foi confessar a Bohr que sua verdadeira intenção era boicotar o programa nuclear nazista, de modo que Hitler nunca pudesse ter uma bomba atômica em suas mãos?Essas questões formam o pano de fundo para a magnífica peça teatral "Copenhagen", do inglês Michael Frayn, que vem fazendo tremendo sucesso na Inglaterra e nos EUA e que deverá estrear em abril em São Paulo.
O mais fascinante aspecto desse drama é a sua incerteza. Heisenberg foi o criador do famoso princípio da incerteza da mecânica quântica, que diz que certos pares de variáveis não podem ser medidos juntamente com precisão arbitrária. Por exemplo, se tentarmos medir a velocidade e a posição de um elétron em órbita em torno de um núcleo atômico, encontraremos um limite máximo de precisão em nossas medidas e, quanto mais precisas forem as medidas de uma das variáveis, maior será a imprecisão, ou a incerteza, na outra.
As incertezas da visita, ou não sabermos ao certo o que Heisenberg foi fazer em Copenhague, são traduzidas na peça em várias possíveis versões do que de fato aconteceu, todas plausíveis e todas envolvendo profundas decisões éticas. Imagine a responsabilidade moral nas mãos de um homem que seria (ou talvez não) capaz de fornecer a um líder maníaco e assassino um instrumento de destruição global. Se ele seguisse o seu patriotismo, transformando a sua nação no grande império do mundo ocidental, ele mancharia para sempre seu nome nas páginas da história.
Qual o preço da vitória? Se ele boicotasse o seu país, ele estaria ajudando os inimigos de sua nação (seus colegas de profissão e amigos pessoais) a construir a mesma arma de destruição que transformaria para sempre o destino da humanidade. Heisenberg enfrenta no seu dilema moral a mesma incerteza que ele explicou existir na física que rege o átomo. É impossível, para ele, escolher o caminho "certo" com precisão absoluta. A vida, como o átomo, não oferece respostas precisas, exatas. Cada escolha moral envolve ganhos e perdas, a formação de novas alianças e a destruição de outras.
Cada escolha seleciona apenas um caminho, onde antes existiam vários. Nossas escolhas influenciam nosso destino, mesmo quando sabemos que nenhuma delas é a escolha "certa".Não sabemos nem se Heisenberg tinha o conhecimento necessário para produzir a bomba -aparentemente não. Quando comparamos o programa nuclear nazista com a gigantesca operação norte-americana, o Projeto Manhattan, vemos que os nazistas jamais poderiam ter construído a bomba em tempo hábil. Se isso foi devido ao boicote ou à ineficiência de Heisenberg, jamais saberemos. Teremos de nos contentar com a incerteza e tentar aprender com ela.
O programa político de armamento a meu ver foi uma farsa, aliás, mantida até hoje. Muitos não entendem o que as equações revelam, muitos ignoram que a matemática é uma invenção humana e acreditam, graças a Pitágoras, que a matemática está na natureza e que as complicadas equações guardam os segredos do universo, seja macro ou micro. A Física, que obrigatoriamente precisa lidar com o que é físico, sólido, desviou-se para aquilo que podemos chamar de busca divina. Fritjof Capra, igenuamente compara físicos com pensadores orientais quando procura revelar ao leitor que, aquilo que é sentido por um monge budista na India (INSIGHT), também o é sentido pelos físicos modernos quando tentam em palavras, explicar o que está por baixo da "divina" matemática. Jung deixou isso bem claro quando comparou a personalidade nº 1 com a nº 2. A primeira mundana, a segunda contemplativa. Se os físicos modernos em sua maioria sentem ou sentiram esse tal sentimento oceânico que Freud não conseguia compreender, jamais delegariam ou continuariam a buscar nas idéias pitagóricas, tal sentimento, pois os gregos se afastaram de tudo o que o oriente proporciona ao homem ocidental. Matemáticos e físicos aos milhares no mundo seriam místicos. Nem mesmo Bohr podemos suspeitar, revelou em seus escritos tal sentimento oceânico.
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