Poucos episódios na longa história de conflitos entre a ciência e a religião são tão conhecidos como o que ocorreu entre o grande cientista italiano Galileu Galilei e a Igreja Católica durante as primeiras décadas do século 17. De um lado, temos Galileu, o cientista mais respeitado da Itália, brilhante e arrogante, sua personalidade uma complexa mistura de um aguçado racionalismo e uma profunda fé. Do outro, a Igreja Católica, que na época passava por sérios problemas devido à emergência da Reforma protestante, que acusava o papa, os bispos e os cardeais de corrupção e decadência. Essa não era uma boa hora para desafiar a autoridade eclesiástica. Mas foi exatamente isso o que fez Galileu.
Em 1609, Galileu soube da invenção do telescópio por um fabricante de lentes holandês. Astutamente, apoderou-se da idéia, construindo seu próprio telescópio, bem mais potente do que os existentes na Holanda. Seu plano era vendê-lo para o Senado de Veneza, na época uma importante potência marítima. Galileu convenceu o Senado da importância do telescópio como arma de defesa, já que ele permitia a identificação de navios inimigos a distâncias bem maiores do que as perceptíveis a olho nu.
Mas Galileu não era apenas um bom homem de negócios. Ele foi o primeiro a apontar o telescópio para os céus, descobrindo mundos jamais vistos. Entre as suas descobertas cito apenas duas, as irregularidades na superfície da Lua e as quatro maiores luas de Júpiter.
Ambas descobertas iam de encontro às idéias de Aristóteles, que, mesmo tendo sido elaborados 2.000 anos antes, ainda eram fielmente ensinadas nas universidades. Mais ainda, a igreja havia forjado uma aliança com o aristotelismo, baseando sua teologia na premissa de que a Terra é o centro do cosmo e de que ela é imóvel. Segundo Aristóteles, a Lua, os planetas e as estrelas seriam feitos de éter, uma substância que não encontramos aqui na Terra. E todos os corpos celestes girariam em torno da Terra, carregados por esferas cristalinas, invisíveis aos olhos. Se a Lua tinha montanhas e vales, não poderia ser tão diferente da Terra, concluiu Galileu. E as esferas cristalinas certamente teriam sido estilhaçadas pelas luas de Júpiter.
Suas descobertas o convenceram da veracidade das idéias de Copérnico, de que o Sol era o centro do cosmo, e que a Terra era apenas um planeta entre os demais. (Se bem que Copérnico manteve as esferas cristalinas em seu modelo do Sistema Solar.) Como Galileu poderia conciliar o que seus olhos viam tão claramente com a estrutura dos céus apresentada pela igreja, baseada nas interpretações teológicas defendidas pelo clero? Como conciliar a fé e a razão?
Galileu não teve dúvida: use a razão para descrever a natureza e seus fenômenos e reveja, se necessário, as interpretações teológicas baseadas em observações errôneas do mundo. Afinal, argumentou Galileu, nossas interpretações da palavra de Deus podem estar equivocadas, mesmo que Ele jamais erre. Claro que os líderes eclesiásticos não gostaram de ter sua teologia ameaçada por um astrônomo -a autoridade da igreja já estava abalada o suficiente pela Reforma.
Mesmo após ter recebido uma ordem para abandonar tais opiniões em 1616, Galileu resolveu renovar o ataque quando seu amigo, o cardeal Maffeo Barberini, tornou-se o papa Urbano 8º. Seu plano era apresentar uma prova irrefutável do movimento da Terra, baseada em sua explicação das marés. Urbano concordou que Galileu escrevesse um livro sobre seus argumentos, contanto que ele incluísse a possibilidade de que Deus pudesse milagrosamente gerar as marés em uma Terra imóvel todos os dias.
Galileu pôs as opiniões do papa na voz de um personagem chamado Simplício, com o óbvio intuito de ridicularizá-lo. Como resultado, foi detido pela Inquisição e, em 1633, forçado (após visitar um calabouço com vários instrumentos de tortura) a renunciar a suas opiniões. A igreja venceu a batalha, mas, claro, perdeu a guerra: em 1642, ano em que morreu Galileu, nasceu Isaac Newton, que comprovaria as idéias do florentino.
Por que Galileu insistiu em contrariar a igreja? Ao que tudo indica, sua missão era dupla: fazer justiça às descobertas da razão e salvar a igreja de futuros embaraços. Para ele, a grandiosidade da obra divina não podia ser limitada por interpretações arbitrárias da Bíblia. Ela estava escrita nas estrelas.
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