domingo, 24 de dezembro de 2000

A estrela de Belém

Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram magos do Oriente a Jerusalém, perguntando: Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos sua estrela no seu surgir e viemos homenageá-lo [Mateus 2, 1-2].
Assim é descrita a chegada dos reis magos a Belém no "Evangelho Segundo São Mateus". A famosa estrela ilumina os céus, celebrando o nascimento do Redentor. Que objeto celeste foi esse, que brilhou nos céus durante o dia?
Na Capela Scrovegni, em Pádua, Itália, encontra-se um dos afrescos mais belos do grande mestre toscano Giotto di Bondone, a "Adoração dos Magos", pintado no ano de 1304.
Giotto é famoso por ter sido o primeiro pintor a dar expressões humanas aos personagens da iconografia cristã. Mas hoje, para nós, a importância desse quadro é outra. Nele, Giotto representou a estrela de Belém como sendo um cometa. E não qualquer cometa, mas o cometa de Halley, que ele viu em 1301.
Essa interpretação não era novidade. Pelo menos desde 1500 a.C. os chineses já relacionavam cometas a mensagens divinas, em geral ligadas à morte de líderes políticos. Com raríssimas exceções, qualquer evento celeste inusitado, como um eclipse, um meteorito, um cometa ou uma "nova" estrela, era um mau agouro, um emissário de calamidades que estavam por vir.
Origen de Alexandria (185-253), além de ter sido um dos primeiros arquitetos da teologia cristã, foi também o primeiro cristão a argumentar que cometas, às vezes, podem trazer boa sorte.
Ele sugeriu que a estrela de Belém tivesse sido um cometa ou um meteoro: "A estrela que foi vista no leste, nós consideramos ser uma estrela nova, tal como esses objetos celestes que aparecem de vez em quando, cometas ou meteoros. Nós lemos no Tratado sobre Cometas, de Caermão, o Estóico, que, em algumas ocasiões, quando algo de bom estava por acontecer, cometas aparecem nos céus".
Origen inspirou-se em uma profecia em "Números": "Um astro procedente de Jacó se torna chefe, um cetro se levanta, procedente de Israel" [Números 24, 17". O "cetro" sobre Israel simbolizava, segundo Origen, um cometa.
São Tomás de Aquino (1225-1274) também interpretou a estrela de Belém como um sinal criado e dirigido por Deus, mas não um cometa com a missão benigna defendida por Origen.
"Cometas não aparecem durante o dia ou variam seu percurso ordinário", argumentou São Tomás. Para ele, o sinal celeste representava o inevitável fim dos tempos, anunciado através do nascimento de Jesus Cristo.
Apesar da enorme influência de São Tomás, a imagem da estrela de Belém como sendo um cometa benigno foi propagada no livro "A Lenda Dourada", de Jacó de Voragine (1230-1298), Arcebispo de Gênova. Giotto muito provavelmente conhecia a obra de Voragine, que era mais popular entre mercadores e artesãos do que a própria Bíblia.
Qual é hoje a interpretação mais provável para o evento celeste que marcou o nascimento de Jesus? Não existe um consenso. Antes de mais nada, temos de supor que o evento realmente ocorreu e que não foi apenas um símbolo alegórico de um acontecimento fundamental para a religião dos cristãos. Afinal, o próprio Origen de Alexandria insistiu que, das três interpretações possíveis para a Bíblia -a literal, a moral e a alegórica-, a última era a mais adequada.
É pouco provável que a interpretação da estrela de Belém como um cometa esteja correta. Cometas têm uma luminosidade baixa e difusa e, devido à cauda, não se parecem muito com estrelas.
É mais provável que a estrela de Belém tenha sido uma supernova ou uma nova, ambas fenômenos decorrentes de grandes explosões estelares.
Uma supernova ocorre quando estrelas com massas superiores a oito vezes a massa do Sol esgotam seu combustível e implodem devido à sua própria gravidade. Essa implosão reverte sua direção quando a matéria das camadas superiores da estrela choca-se com o núcleo denso, liberando quantidades enormes de energia. Tão grandes que podem fazer uma supernova brilhar por meses a fio, mesmo durante o dia.
Mas a possibilidade maior é que a Estrela de Belém tenha sido mesmo uma nova próxima, que brilha apenas por dias ou semanas. Uma nova ocorre quando duas estrelas orbitam muito perto uma da outra. Uma das estrelas, uma anã branca -o resto mortal e compacto de uma estrela como o Sol- "suga" a matéria da outra estrela até acumular uma quantidade de hidrogênio em sua superfície que, devido à altíssima temperatura, detona como uma bomba termonuclear gigantesca. Essa sim é uma celebração à altura da inauguração da Era Cristã. Feliz Natal a todos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário