Virada de ano. Chegamos ao famoso 2001. Tenho certeza de que muitos de vocês conhecem a obra-prima de Arthur C. Clarke, se não o livro, ao menos o filme lançado em 1969, igualmente brilhante, de Stanley Kubrick. O filme começa (quase) com uma espaçonave da Pan American (falida há anos), que transporta pessoas até uma base lunar. E esse é só o início: o filme conta a história de uma missão tripulada a Júpiter, em uma espaçonave controlada por um computador inteligente chamado HAL.
Um detalhe interessante: o nome HAL é obtido subtraindo uma letra das 3 que compõe a sigla IBM (I-1=H, B-1=A, M-1=L). Como profecia tecnológica, a obra não poderia estar mais errada. Não temos vôos comerciais até a Lua ou uma base lunar, muito menos vôos tripulados a Júpiter ou inteligência artificial.
Por outro lado, obras de ficção científica não têm a obrigação de ser precisas em suas projeções e fantasias futurísticas. O que é importante é que elas nos inspirem e nos façam refletir sobre o presente e o futuro. E isso "2001 - Uma Odisséia no Espaço" faz de sobra.
O filme tem um lado metafísico, representado pelo famoso monolito negro, que aparece em momentos de transição na história das idéias. Por exemplo, ele surge quando primatas bípedes descobrem que podem usar ossos como armas para matar animais e inimigos. Aparece na base lunar e novamente durante a descida até Júpiter.
O que esses monolitos são para Clarke é revelado em outros filmes e livros. Mas eu prefiro o mistério de sua presença mantido nesse filme, pois podemos equacioná-la tanto com Deus quanto com outra divindade, como uma inteligência extraterrestre que nos observa atentamente e que talvez nos inspire.
A possibilidade de vida extraterrestre, inteligente ou não, é hoje assunto de grande interesse, não só da ficção científica, mas também da pesquisa científica. Isso praticamente não era verdade em 1969. O mesmo se aplica aos computadores inteligentes: estamos ainda longe de construir uma máquina que possa "pensar", obedecendo a comandos em um programa, mas, também, criando algo de novo, inesperado (definir o que é "pensar" é assunto para outra coluna).
Mas, se ainda não temos as máquinas inteligentes, temos ao menos um aferradíssimo debate científico sobre inteligência artificial e muitos projetos que visam justamente construir tais máquinas.
Se nossos sonhos não fossem maiores do que nossa realidade, nós ainda estaríamos morando nas cavernas.
Para mim, essa é a mensagem mais importante da obra de Clarke. O futuro depende de nossa imaginação, de nossa dedicação e de nossa responsabilidade como cidadãos em um planeta finito.
Como disse o grande escritor português José Saramago, tolerância apenas não basta -precisamos respeitar também as diferenças no outro, sejam elas políticas, econômicas, culturais ou religiosas. E, acrescento, precisamos igualmente respeitar nosso frágil planeta.
Se sonhos devem ser grandes o suficiente para inspirar a realidade de amanhã, o amanhã só será possível se nós o permitirmos. Não quero deprimir ninguém na véspera do Ano Novo, mas o efeito estufa, a poluição, o buraco na camada de ozônio, o desflorestamento global, a fome, a pobreza, as doenças velhas e novas que continuam a causar sofrimento em bilhões de pessoas, tudo isso também faz parte do nosso futuro. E fingir que esses problemas não existem, ou que não irão nos afetar, sejamos ricos ou pobres, moradores da Grande São Paulo ou do sertão baiano, é absurdo. Sonhar é preciso, mas viver também é preciso.
Em cem anos nós redefinimos a vida na sociedade: rádio, TV, remédios os mais diversos, computadores, raio laser, raios X, aviões, ônibus espacial, viagem à Lua, estação espacial, Telescópio Espacial Hubble, bomba de hidrogênio, energia nuclear, carros, arranha-céus, 6 bilhões de pessoas na Terra, 170 milhões de brasileiros (você se lembra do hino da Copa de 1970? "Noventa milhões em ação, pra frente Brasil...") etc.
E o próximo século? Viagem tripulada a Marte, ao centro da Terra, inteligência artificial, seres bioeletrônicos manufaturados por meio de mistura de tecidos biológicos com componentes eletrônicos, o uso internacional da energia solar como alternativa ao petróleo e à energia nuclear, o controle completo da poluição global, o fim do efeito estufa, o fim do buraco na camada de ozônio, uma maior igualdade social, o fim (ou perto disso) da fome e da discriminação na Terra, a "internetização" completa da sociedade, o fim do analfabetismo, o fim das guerras. Acho que já está bom. Feliz futuro -aquele que nós tornarmos possível.
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