Dentro de poucos dias, o Pacífico Sul vai receber em torno de 40 toneladas de detritos fumegantes, os restos mortais da magnífica estação espacial russa conhecida como Mir. A maior parte das suas 135 toneladas será carbonizada durante a reentrada na atmosfera. Se tudo correr conforme o planejado, a reentrada se dará entre 13 e 18 de março, e o impacto, em uma área desabitada de 6.000 quilômetros por 200 quilômetros, entre a Nova Zelândia e a ilha de Páscoa.
Com o fim da estação Mir, se encerra uma página da história da exploração do espaço, o último capítulo da corrida espacial fomentada pela Guerra Fria.A estação Mir foi a primeira a ser construída a partir de módulos individuais, que podem ser conectados a uma estrutura principal. Essa arquitetura dá tremenda versatilidade à espaçonave, pois novos módulos podem ser adicionados já com a estrutura flutuando em torno da Terra.
Seu primeiro módulo, pesando 20 toneladas, com 13 metros de comprimento e 4,1 metros de diâmetro, foi posto em órbita no dia 19 de fevereiro de 1986, inaugurando 15 anos de exploração espacial, que incluíram a visita de 104 astronautas, russos e americanos, transportados em mais de 140 vôos e 60 missões de reabastecimento. Inúmeras experiências científicas foram realizadas na Mir, uma das mais importantes sendo o teste de como seres humanos se comportam em ambientes quase sem gravidade por longos períodos de tempo.
O médico russo Valeri Polyakov é o detentor atual do recorde de permanência, tendo ficado a bordo da Mir por 14 meses.Esse tipo de experimento é fundamental para o futuro do programa espacial, já que uma missão tripulada de ida e volta para Marte demoraria três anos (seis meses de viagem de ida, seis de viagem de volta e mais dois anos no destino, esperando o ponto justo entre as órbitas da Terra e de Marte que minimize a distância viajada e o combustível utilizado). Fora as mudanças fisiológicas causadas pela ausência prolongada de gravidade, os astronautas têm de lidar com as privações emocionais e o estresse causado ao enfrentarem situações de vida ou morte.
Outro problema é a exposição a doses bem mais altas de radiação do que as que recebemos aqui na Terra, protegidos pela atmosfera.Sem a experiência acumulada pelos russos com a Mir, a Estação Espacial Internacional (ISS), a nova catedral do espaço, não poderia ter sido construída. Sendo uma colaboração entre vários países, mas principalmente entre a Rússia e os EUA, a ISS também inaugura uma nova era no programa espacial, a da cooperação internacional. Se a queda do Muro de Berlim foi o símbolo terrestre do fim da Guerra Fria, a ISS é seu símbolo no espaço.
Na verdade, a ISS é um símbolo maior ainda, uma demonstração concreta da possibilidade de união entre os vários países e as diversas culturas da Terra em prol de um fim conjunto de interesse para toda a humanidade: nosso destino no espaço.A estação espacial Mir, em seus 15 anos de funcionamento, demonstrou a viabilidade de um programa prolongado de exploração espacial baseado em uma plataforma-mãe, um trampolim para o resto do cosmo.
Não é difícil imaginar um futuro onde teremos várias estações espaciais, ilhas espalhadas pelo Sistema Solar, onde missões vindas da Terra ou de outros planetas possam reabastecer seu combustível, sua tripulação possa "esticar as pernas" e dados científicos possam ser discutidos e analisados. Talvez, como no filme "Guerra nas Estrelas", algumas delas tenham até bares onde os astronautas possam beber uma cerveja e ouvir um jazz. Isso supondo que essas estruturas sejam capazes de gerar sua própria gravidade, o que é em princípio possível por meio de rotação ou aceleração (os leitores que assistiram ao filme "2001: Uma Odisséia no Espaço" devem estar lembrados de como a estação espacial girava).
Quando era garoto, eu estava convencido de que em 2001 estaríamos todos viajando em espaçonaves, quem sabe até explorando os mistérios do Sistema Solar em missões tripuladas. Mas os sonhos são assim mesmo, bem mais apressados do que a realidade. Hoje continuo convencido de que isso tudo irá acontecer. Só prefiro não arriscar quando. Mas seja lá quando for, espero que a velha e sábia Mir continue viva na nossa memória como tendo sido o primeiro trampolim para o espaço.
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