domingo, 28 de janeiro de 2001

O retorno da quinta essência

O grande filósofo grego Aristóteles, que viveu em torno de 350 a.C., dividia o cosmo em duas regiões: acima e abaixo da Lua. A Terra, para ele, era o centro do Universo, que podia ser visto como uma série de esferas concêntricas, como uma cebola cósmica. Cada camada definia a órbita de um objeto celeste diferente, primeiro a Lua, depois Mercúrio e Vênus, o Sol, Marte, Júpiter, Saturno e, por último, a esfera das estrelas.

Aristóteles postulou que haveria uma diferença fundamental entre as duas regiões: transformações materiais, como as que observamos na Terra, só seriam possíveis da Lua para baixo. Toda matéria que se transforma seria composta de um dos quatro elementos básicos: terra, ar, fogo e água. Da Lua para cima, as transformações não existiriam. Todos os objetos celestes seriam compostos de um tipo de matéria especial, o éter, ou quinta essência, que seria eterna.

Mais ainda, o próprio espaço entre os corpos celestes seria cheio dessa substância etérea: para Aristóteles, o espaço vazio era uma aberração, "horror vacui".A história do vazio daria (e já deu) assunto para um livro inteiro. A possibilidade de o Nada existir, o espaço destituído de matéria, foi discutida com igual ardor pelos seus defensores e pelos seus críticos. Por exemplo, enquanto o filósofo francês René Descartes era defensor de algo como o éter, Newton era seu grande crítico, chegando a demonstrar que, se a quinta essência -ou quintessência- existisse, as órbitas planetárias seriam instáveis, e os planetas acabariam espiralando de encontro ao Sol.

Durante o século 20, o éter caiu em desuso, basicamente devido à falta de motivação: Einstein mostrou que as ondas eletromagnéticas (a luz sendo uma delas) se propagam no vazio, sem a necessidade de um meio material -as ondas de som precisam de ar. Mas, na cosmologia, encarnações do éter volta e meia reaparecem, em geral em épocas de crise, quando as observações vão contra às previsões teóricas.

O próprio Einstein reinventou algo como o éter em 1917, a constante cosmológica, que age como uma espécie de gravidade repulsiva -ele precisava de um efeito repulsivo para balancear o seu modelo estático do cosmo. Sem ela, a matéria que permeia o espaço causaria a sua própria implosão. Com a descoberta da expansão do Universo em 1929, a constante cosmológica foi abandonada.

Se bem que ela voltou logo depois, para explicar por que o Universo aparentemente é mais jovem do que a Terra. (O leitor pode ficar descansado, que essa questão não representa mais um problema para a cosmologia, mesmo sem a constante cosmológica.)Em 1998, dois grupos de astrônomos fizeram uma descoberta impressionante: supernovas -a explosão que marca o final da vida de estrelas bem mais maciças do que o Sol- distantes estão se afastando mais lentamente do que objetos mais próximos do Sol. Como a luz de uma estrela demora muito tempo para chegar até nós, olharmos uma estrela distante é olharmos para o passado do cosmo.

A conclusão é que o Universo está acelerando no presente e não estava no passado. E o que pode causar tal aceleração? Algo que crie uma repulsão cósmica, como uma constante cosmológica ou, numa solução mais elegante do problema, um tipo de matéria etérea que preencha o Universo, a quintessência. Isso é o que o meu colega de Dartmouth, Robert Caldwell, juntamente com Rahul Dave e Paul Steinhardt, da Universidade de Princeton, propôs em 1998.

A quintessência retorna, com a benção da cosmologia moderna e ainda por cima fundamentada em observações que, se ainda não são conclusivas, são ao menos fortemente sugestivas.A (possível) descoberta da recente aceleração do Universo leva a uma pergunta óbvia: por que agora? Afinal, o Universo tem mais de 14 bilhões de anos, e a quintessência poderia ter causado sua aceleração a qualquer momento. Mas, se o tivesse feito, nós não estaríamos aqui.

Um Universo que acelerou desde cedo não poderia formar galáxias, estrelas e, portanto, vida. Será que existe alguma relação entre a existência de vida e o valor da quintessência? Acho que não diretamente. É bem mais razoável supor que uma teoria mais completa venha a determinar a época em que o Universo passou a acelerar. Ou, quem sabe, que a aceleração não exista, e a quintessência possa ser, novamente, aposentada.

domingo, 21 de janeiro de 2001

Cuidando da nossa casa

Semana passada, recebi um resumo das notícias mais importantes no mundo científico durante o ano 2000, publicado pela revista americana "Science News". Na área de ciências da terra, 11 das 18 manchetes eram sobre aspectos diversos da poluição do planeta. E as notícias não eram nada boas. O debate entre o meio científico e o meio industrial sobre o impacto da poluição no clima terrestre continua. Não existe uma ciência completamente apolítica ou desinteressada economicamente. Mas acho no mínimo suspeito quando um engenheiro da gigantesca indústria petroquímica norte-americana Mobil ou da marinha norte-americana (um dos maiores poluentes do mundo) critica os dados de simulações climáticas feitas por vários grupos do mundo inteiro que apontam para sérios perigos futuros, caso os atuais níveis de poluição continuem como estão. Outro exemplo, não diretamente ligado à poluição externa, mas à interna, do nosso corpo, quando bioquímicos da fábrica de cigarros Philip Morris afirmam que os vínculos do cigarro com o câncer são inconclusivos ou que cigarros não são impregnados com substâncias que causam o vício.

Eis uma pequena amostra das últimas notícias no setor climático: a temperatura do oceano Pacífico oscilou de um extremo ao outro nos últimos dois anos, com consequências climáticas que podem durar mais de uma década. A superpopulação do planeta causou emissão de clorofluorocarbonetos -agentes que destroem o ozônio estratosférico- maior do que a atividade vulcânica.

Novos gases extremamente eficientes no bloqueio do fluxo de calor através da atmosfera -causadores do efeito estufa- foram descobertos. A agência espacial norte-americana, Nasa, mostrou que o degelo da costa da Groenlândia aumentou assustadoramente nos últimos anos, contribuindo para o aumento do nível dos oceanos. A quebra de parte da plataforma de gelo da Antártida criou um iceberg maior que o Estado de Connecticut (EUA), que viajou em direção ao Chile. Falando em Chile, foi lá que, pela primeira vez, uma região povoada ficou exposta ao buraco no ozônio.

O ano 2000 foi um dos 6 anos mais quentes nos últimos 120. Ele também esteve entre os dez mais chuvosos nesse período. A cidade de Barrow, no Alasca, acusou sua primeira tempestade elétrica. Mais de um quarto das construções situadas até 200 metros da costa norte-americana serão perdidas até o ano 2060. Apesar de desconhecer os dados para o Brasil, não imagino que eles sejam muito melhores do que os dos EUA.

Acho que é ingenuidade, e uma ingenuidade extremamente perigosa, afirmar que todos esses fatos são meras flutuações climáticas, perfeitamente razoáveis estatisticamente. Sem dúvida, a Terra passou por vários períodos em que sua temperatura média aumentou claramente. Uma perfuração com 600 metros de profundidade da camada de gelo da Groenlândia mostrou três períodos de alta acumulação de sedimentos, há 0,9 milhão, 1,9 milhão e 2,8 milhões de anos, causados por um aumento do nível do mar. Mas acredito que o aumento da temperatura e da precipitação na última década não foi causado por vulcões, oscilações solares ou chuvas de meteoros, para citar alguns agentes naturais de mudança. Esse desequilíbrio climático é produto de nossas próprias mãos.

Os esforços dos governos mundiais, como no Protocolo de Kyoto (1997) ou na Conferência do Rio (1992), não são suficientes, muito pela própria postura dos EUA, que se negam a restringir seriamente suas emissões de dióxido de carbono, entre outras. Agora, com um novo presidente conservador que vem do Texas, o império das companhias de petróleo, e sem o menor comprometimento político com o controle da poluição, não vejo como a coisa possa melhorar.

No entanto, existe algo que cada um de nós pode fazer, que é controlar localmente os vários abusos em nossa vida diária. Quando alguém queima lixo contendo plástico, cria mais toxinas do que um incinerador urbano de grande porte. O Brasil está atrasadíssimo na reciclagem de lixo. O desperdício de energia elétrica é enorme. O mesmo com os ônibus e caminhões com motores ligados, mesmo parados. Tenho certeza de que o leitor pode citar vários outros exemplos. O planeta é finito. E muito mais frágil do que pensamos. É bom não esquecer que nossas vidas são mais frágeis ainda.

domingo, 14 de janeiro de 2001

Representações do infinito

Nicolau de Cusa (c. 1401-1464), bispo de Bressanone, Itália, acreditava que apenas aqueles que são verdadeiros sábios aceitam a impossibilidade de nossa mente finita compreender a natureza infinita de Deus, onde todos os opostos se encontram. Para Cusa, o Universo não poderia ter um centro geométrico, pois esse ponto teria de ser necessariamente perfeito, e só em Deus essa perfeição é encontrada.

E, como Deus está em todos os pontos ao mesmo tempo, o universo de Cusa é centrado na infinitude de Deus e circundado por ela. Para a teologia cristã do final da Idade Média e do início do Renascimento, a possibilidade de um infinito espacial e, portanto, concreto era assustador, pois removia a onipresença e onipotência de Deus. "Apenas em Deus encontramos infinita igualdade", escreveu Cusa.

A representação geométrica de Deus na teologia de Cusa pode ser interpretada como uma imagem metafórica do infinito. Nisso, Cusa não está sozinho. O conceito do infinito é uma dessas coisas que é muito mais fácil compreender do que explicar. Santo Agostinho dizia a mesma coisa sobre o tempo. "Se você me perguntar o que é o tempo, eu sei. Mas, se você me pedir para explicar o que é o tempo, permanecerei calado."Matematicamente, o primeiro a vislumbrar a idéia de infinito foi o grande filósofo e cientista grego Arquimedes.

Arquimedes encontrou o infinito nos números, ou, mais precisamente, na sequência dos números inteiros, que ele compreendeu não terminar jamais. É sempre possível imaginar um número maior do que o precedente.A idéia de infinito reaparece no cálculo diferencial e integral, encarnada no conceito de limite. Aqui pode ser o infinitamente pequeno, por exemplo, ao dividirmos uma linha reta em segmentos cada vez menores até que seu comprimento vá a zero.

Na geometria encontramos o infinitamente grande, por exemplo, ao imaginarmos uma linha reta que se estende ao infinito. Ou ao supormos, como Euclides, que duas linhas paralelas se encontram no infinito. Já um ponto é infinitamente pequeno. Ele existe apenas em nossas mentes. A matemática abstrai o conceito de infinito de modo a torná-lo uma quantidade capaz de ser manipulada nas mais diversas operações.

Musicalmente, o conceito de infinito pode ser encontrado, por exemplo, nas belíssimas fugas de Bach, com notas seguindo notas de forma a gerar uma sensação de verticalidade sonora, a música do homem ascendendo ao firmamento divino. A mesma verticalidade é encontrada na arquitetura das catedrais góticas ou na pintura de El Greco, com suas imagens esticadas de Cristo, novamente ligando o mundo dos homens ao céu de Deus.

Aliás, essa também é a interpretação da primeira letra do alfabeto hebreu, o aleph, que tem uma perna plantada no chão e outra apontando para o céu.Não é uma coincidência que o grande escritor argentino Jorge Luis Borges tenha usado o aleph como inspiração de um de seus contos mais famosos. Nele, um homem descobriu em seu porão o aleph, o ponto de onde todos os pontos no espaço e no tempo são visíveis simultaneamente, uma condensação do infinito espacial e temporal em um ponto geométrico, o Deus de Cusa.

"Naquele momento, vislumbrei milhões de atos belíssimos e horrendos, e nenhum me impressionou mais do que o fato de todos ocuparem o mesmo ponto infinito."Nas representações do infinito, encontramos uma belíssima complementaridade entre arte e ciência.Vários exemplos de representação gráfica do infinito aparecem na obra de M. C. Escher, um verdadeiro mestre do absurdo, que, com suas representações de formas geométricas encurvadas repetidas em sequência, mas em proporções cada vez menores (ou maiores, dependendo do ponto de vista), reproduz em papel uma imagem do infinito extremamente convincente e inspiradora.

São poucos os matemáticos que conheço que não são fãs de Escher e que não decoram os escritórios com seus pôsteres.Não poderia terminar sem mencionar a cosmologia. Hoje acreditamos viver em um Universo infinito, mesmo que nossa percepção desse infinito seja limitada pelo horizonte causal: a distância viajada pela luz desde o instante inicial, que ocorreu em torno de 15 bilhões de anos atrás. O infinito, mesmo que ele exista fisicamente, só pode ser representado através de nossa imaginação.

Representações do infinito

Nicolau de Cusa (c. 1401-1464), bispo de Bressanone, Itália, acreditava que apenas aqueles que são verdadeiros sábios aceitam a impossibilidade de nossa mente finita compreender a natureza infinita de Deus, onde todos os opostos se encontram. Para Cusa, o Universo não poderia ter um centro geométrico, pois esse ponto teria de ser necessariamente perfeito, e só em Deus essa perfeição é encontrada. E, como Deus está em todos os pontos ao mesmo tempo, o universo de Cusa é centrado na infinitude de Deus e circundado por ela. Para a teologia cristã do final da Idade Média e do início do Renascimento, a possibilidade de um infinito espacial e, portanto, concreto era assustador, pois removia a onipresença e onipotência de Deus. "Apenas em Deus encontramos infinita igualdade", escreveu Cusa.

A representação geométrica de Deus na teologia de Cusa pode ser interpretada como uma imagem metafórica do infinito. Nisso, Cusa não está sozinho. O conceito do infinito é uma dessas coisas que é muito mais fácil compreender do que explicar. Santo Agostinho dizia a mesma coisa sobre o tempo. "Se você me perguntar o que é o tempo, eu sei. Mas, se você me pedir para explicar o que é o tempo, permanecerei calado."

Matematicamente, o primeiro a vislumbrar a idéia de infinito foi o grande filósofo e cientista grego Arquimedes. Arquimedes encontrou o infinito nos números, ou, mais precisamente, na sequência dos números inteiros, que ele compreendeu não terminar jamais. É sempre possível imaginar um número maior do que o precedente.

A idéia de infinito reaparece no cálculo diferencial e integral, encarnada no conceito de limite. Aqui pode ser o infinitamente pequeno, por exemplo, ao dividirmos uma linha reta em segmentos cada vez menores até que seu comprimento vá a zero. Na geometria encontramos o infinitamente grande, por exemplo, ao imaginarmos uma linha reta que se estende ao infinito. Ou ao supormos, como Euclides, que duas linhas paralelas se encontram no infinito. Já um ponto é infinitamente pequeno. Ele existe apenas em nossas mentes. A matemática abstrai o conceito de infinito de modo a torná-lo uma quantidade capaz de ser manipulada nas mais diversas operações.

Musicalmente, o conceito de infinito pode ser encontrado, por exemplo, nas belíssimas fugas de Bach, com notas seguindo notas de forma a gerar uma sensação de verticalidade sonora, a música do homem ascendendo ao firmamento divino. A mesma verticalidade é encontrada na arquitetura das catedrais góticas ou na pintura de El Greco, com suas imagens esticadas de Cristo, novamente ligando o mundo dos homens ao céu de Deus. Aliás, essa também é a interpretação da primeira letra do alfabeto hebreu, o aleph, que tem uma perna plantada no chão e outra apontando para o céu.

Não é uma coincidência que o grande escritor argentino Jorge Luis Borges tenha usado o aleph como inspiração de um de seus contos mais famosos. Nele, um homem descobriu em seu porão o aleph, o ponto de onde todos os pontos no espaço e no tempo são visíveis simultaneamente, uma condensação do infinito espacial e temporal em um ponto geométrico, o Deus de Cusa. "Naquele momento, vislumbrei milhões de atos belíssimos e horrendos, e nenhum me impressionou mais do que o fato de todos ocuparem o mesmo ponto infinito."

Nas representações do infinito, encontramos uma belíssima complementaridade entre arte e ciência.

Vários exemplos de representação gráfica do infinito aparecem na obra de M. C. Escher, um verdadeiro mestre do absurdo, que, com suas representações de formas geométricas encurvadas repetidas em sequência, mas em proporções cada vez menores (ou maiores, dependendo do ponto de vista), reproduz em papel uma imagem do infinito extremamente convincente e inspiradora. São poucos os matemáticos que conheço que não são fãs de Escher e que não decoram os escritórios com seus pôsteres.

Não poderia terminar sem mencionar a cosmologia. Hoje acreditamos viver em um Universo infinito, mesmo que nossa percepção desse infinito seja limitada pelo horizonte causal: a distância viajada pela luz desde o instante inicial, que ocorreu em torno de 15 bilhões de anos atrás. O infinito, mesmo que ele exista fisicamente, só pode ser representado através de nossa imaginação.

domingo, 7 de janeiro de 2001

O mapa dos sentimentos

Onde é a morada dos sentimentos? Será que a ciência pode nos levar a uma melhor compreensão, se possível até quantitativa, do que é sentir? Se você fizer essa pergunta a alguém trabalhando na área de Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) ou de Imagem por Ressonância Magnética Funcional (fMRI), a resposta é um surpreendente "sim".

Essas duas técnicas, PET e fMRI, permitem a construção de imagens sequenciais do cérebro como em um filme, que os neuropsicólogos usam para estudar a atividade cerebral em resposta a certos estímulos emocionais. De modo geral, ambas as tecnologias medem as diferenças do fluxo sanguíneo no cérebro, contrastando as partes mais usadas -onde o fluxo é maior- com aquelas mais quietas. Com isso, é possível fazer um mapa dinâmico do cérebro, recriando seu funcionamento na medida em que ele é submetido a diferentes estímulos.

Essas técnicas de imagem já são conhecidas da psicologia e da neurologia, especialmente como ferramentas que ajudam a diagnosticar certas patologias, emocionais ou físicas, como um tumor cerebral. Mas a aplicação de tecnologias como a PET e a fMRI ao estudo das emoções é bastante nova e ainda controversa. O resultado mais geral desses estudos é que, quando sentimos algo, seja alegria ou tristeza, raiva ou medo, a atividade cerebral não se concentra em uma área específica, sendo distribuída por várias regiões do cérebro. E cada uma das emoções é caracterizada por atividades muito semelhantes: o medo se manifesta sempre nas mesmas áreas, a alegria também, como se cada emoção tivesse sua assinatura neuronal particular. O sentir gera ressonâncias cerebrais únicas, que serão traduzidas em expressões faciais e fisiológicas, como lágrimas, tensão muscular e riso. Mais ainda, humores interferem na eficiência dos processos mentais, como o raciocínio lógico, a memória ou a percepção sensorial. No caso de emoções extremas, o cérebro deixa de processar informação normalmente, confirmando algo que todos nós já sabemos, que os sentimentos fortes comprometem a clareza de nosso pensamento, "não tome decisões de cabeça quente".

O amor, claro, não podia ser deixado de lado. Cientistas do University College London detectaram um padrão distinto de atividade cerebral em 17 pessoas examinadas que diziam estar profundamente apaixonadas. Eles compararam a atividade cerebral desses voluntários quando eles olhavam fotos de seus amados e de pessoas apenas amigas, mostrando que o amor gera mesmo um sentimento de euforia representado pela alta atividade cerebral. O amor estaria, então, espalhado pelo cérebro: e aquele aperto no coração que sentimos vem, claro, de estímulos cerebrais. Portanto, a confusão histórica de atribuir o amor ao coração é bastante razoável.

Não querendo ligar o amor à depressão, estudos feitos com pessoas sofrendo de depressão profunda revelaram a necessidade do cérebro de se realinhar para que os sintomas sejam aliviados. Comparando pessoas que tomam Prozac e melhoram com outras que tomam a droga e não melhoram, cientistas demonstraram que o cérebro dos pacientes que foram beneficiados pela droga se transformou, criando novas conexões neuronais que permitiram o melhor processamento de informação. A droga, quando funciona, abre novas rotas no cérebro, que podem ser mapeadas com essas tecnologias de imagem.

Sem a menor dúvida, esses estudos são extremamente promissores, mesmo que ainda estejam na infância. Nada é tão complicado quanto o cérebro humano, pelo menos dentro do que nós conhecemos do Universo. Um dos problemas que os cientistas encontram nesses estudos é justamente como definir emoções de modo a tratá-las quantitativamente.

O que é amor para um pode não ser para outro. Quando o temor vira pânico e o afeto, amor? Poetas e escritores os mais diversos, de todas as épocas, vêm tentando definir as várias gradações emocionais, os vários níveis do sentir, se é que podemos falar em níveis. Daí que essas pesquisas poderão apenas traçar as linhas mais gerais das complicadas emoções humanas e de como elas são processadas na cabeça de cada um de nós. Pelo menos, assim espero. É bom se nós deixarmos um pouco de mistério no ato de sentir, mesmo que isso atrase um pouco a compreensão do funcionamento do nosso cérebro.