domingo, 28 de dezembro de 2008

Celebrando a ciência



Vivemos um período mágico com as escolhas de Obama

Uma lua obscura de Saturno pode ter uma combinação de água e compostos orgânicos necessários para a vida. Planetas girando em torno de outras estrelas foram vistos com telescópios pela primeira vez. Células-tronco não precisam mais ser extraídas de fetos ou mesmo de cordões umbilicais. O gigantesco acelerador de partículas, o LHC, foi ligado e funcionou, ao menos por um pouco. Deve entrar em funcionamento em meados de 2009. Mapas do cérebro por meio de ressonância magnética mostram onde fazemos escolhas morais e quando mentimos, uma descoberta com enormes conseqüências para o processo penal. E que podem ser usados para diagnosticar a doença de Alzheimer nos seus estágios preliminares. Essas são algumas das novidades da ciência de 2008. A lista, claro, é muito mais longa. Mas acho que já é o bastante para celebrar.

Ninguém pensa muito em celebrar a ciência ou os cientistas. Acho que isso deveria mudar. Sei que sou suspeito para falar. Mas olhe em volta. Veja as dezenas de aparelhos eletrodomésticos ou de eletrônicos, seu carro, seu celular, GPS, notícias e futebol ao vivo via satélite, a rapidez das telecomunicações, o progresso da medicina, a internet, os mistérios do universo -dos ocultos no interior dos átomos até os confins do cosmo- sendo revelados de forma magnífica. De onde vem isso tudo? Do trabalho de milhares de cientistas e engenheiros, de pessoas que dedicam suas vidas à busca do conhecimento e à melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Sem dúvida, existe o aspecto comercial da tecnologia. Também, nem toda a ciência é para o bem, como vemos no progresso das armas de destruição em massa, nas tecnologias de guerra biológica, na absurda exploração do planeta feita de forma irresponsável por megacorporações gananciosas. Mais uma vez, a lista é grande.

Mesmo assim, o fato é que nossas vidas, a sociedade moderna como um todo, depende inteiramente dessa infra-estrutura tecnológica. Se ela colapsa, se colapsam as telecomunicações, se ficamos sem energia elétrica, se cai a internet, voltamos a viver como vivíamos há 200 anos. Ficaríamos completamente paralisados. Ninguém mais sabe caçar (ou quase ninguém) ou viver diretamente do que a natureza produz. (Com exceção dos agricultores de subsistência, mas a sua produção seria ineficaz para manter a população global.) Imagine um mundo sem antibióticos, sem aviões, sem carros, sem ar-condicionado.

Após oito anos de uma administração que demonstrou desprezo pelo meio ambiente, de uma política internacional que inventou uma guerra mentirosa e que serviu apenas a alguns grupos de interesse, as coisas parece que estão mudando nos EUA.

Essa semana, Obama escolheu seu secretário de ciência, o equivalente ao nosso ministro de ciência e tecnologia, pasta bem servida atualmente pelo físico Sérgio Resende.

O escolhido aqui, John Holdren, é um físico de primeira linha e, tal como o novo secretário de energia escolhido pelo novo presidente, um militante do combate ao aquecimento global. O que me deixou esperançoso foi o que Obama disse: "minha administração irá restaurar o princípio básico de que decisões governamentais devem ser baseadas na melhor evidência científica possível, baseadas em fatos e não distorcidas por ideologia política".

Belas palavras, que celebram o papel da ciência em nossas vidas e o perigo de corromper fatos a serviço de ideologia. Estamos vivendo um momento mágico. A transição começou. O planeta Terra começará a ser respeitado como deve pelos que causavam os maiores danos. Estava mais do que na hora.

domingo, 21 de dezembro de 2008

O dia em que a Terra parou



Obama chamou gente de primeira para a área ambiental


Semana passada, assisti à nova versão do clássico filme de ficção científica "O dia em que a Terra parou". O original, de 1951, dirigido por Robert Wise, tinha uma missão sombria: alertar a população para os perigos da Guerra Fria e uma possível catástrofe nuclear. Um ser extraterrestre, Klaatu, e seu super-robô Gort, vêm à Terra para interceder junto aos líderes mundiais.

Caso falhem, e a humanidade constitua uma ameaça à galáxia, uma liga interplanetária destruiria a Terra e os seus primitivos habitantes que não sabem viver sem violência. "Viemos visitá-los em paz e com boa vontade", diz Klaatu ao sair da espaçonave. Logo leva um tiro de um soldado. Não temos a sofisticação moral para lidar com seres superiores e aprender com eles. O que tememos, destruímos. Do ponto de vista do alienígena, somos macacos com brinquedos perigosos.

Passados 57 anos, pouco mudou. Continuamos sendo moralmente primitivos e com armas cada vez mais poderosas. Vivemos permanentemente à beira de uma catástrofe nuclear. Mudaram os focos da crise, mas a realidade não. Os EUA e a Rússia mantêm um estoque de milhares de bombas nucleares. O desequilíbrio no Oriente Médio e a crise econômica na Rússia e na Ucrânia podem abrir caminho para que materiais e segredos nucleares caiam nas mãos de terroristas. Mesmo a simples contaminação dos aqüíferos com material radioativo pode afetar milhões de pessoas.

Mas o novo Klaatu não veio aqui para falar de bombas atômicas. Sua missão é outra. Keanu Reeves, um alienígena perfeito (aliás, só mesmo em papéis como esse ou como Neo em "Matrix" ele tem a chance de mostrar o seu talento de não-ator), e seu robô Gort -um monstro ultra-avançado criado a partir de nanorobôs e materiais desconhecidos na Terra- vem aqui para salvar o mundo. Nosso planeta está sendo destruído, diz ele. E os culpados são os humanos. Caso sua missão falhe -e falha logo de saída, como na versão original-, a humanidade será aniquilada para proteger a Terra. Somos uma espécie predadora e destrutiva. Não compreendemos a repercussão global do que fazemos com o nosso planeta. Somos primitivos, moralmente e ecologicamente. Não merecemos viver no planeta em que vivemos, "um dos poucos na galáxia capazes de sustentar a vida com tanta diversidade", diz Klaatu.

Não sabemos quantos planetas na galáxia têm as propriedades da Terra e a capacidade de manter a vida por bilhões de anos. Mas tudo indica que são poucos. A missão de Klaatu é a nossa missão, a missão da nossa geração: salvar o planeta de nós mesmos. A questão não se reduz apenas ao aquecimento global, se bem que essa já deveria ser suficiente para produzir profundas mudanças na política de meio ambiente. Temos que incluir a devastação das florestas, o desrespeito aos animais e à vida em geral, a agricultura sem planejamento que devora os nutrientes dos solos, a exploração cega dos combustíveis fósseis que causa devastações ecológicas de proporções apocalípticas. No estado da Virgínia do Oeste, nos EUA, montanhas inteiras são destruídas na produção do carvão mineral, enquanto os detritos são atirados nos vales e rios. Exemplos como esse não faltam mundo afora. O planeta sofre como um todo.

Felizmente, parece que as coisas estão mudando. Na mesma semana em que o filme foi lançado, Barack Obama anunciou os membros do seu gabinete de energia e proteção ambiental. Gente de primeira, competentes e plenamente cientes daquilo que precisa ser feito. Espero que Klaatu, que sem dúvida estava já por chegar, fique em órbita um tempo, observando. Talvez ele não precise aterrissar.

domingo, 14 de dezembro de 2008

A nova infância da Terra



Os primeiros 500 milhões de anos não são mais um grande mistério

Sabemos que a Terra tem em torno de 4,5 bilhões de anos e que foi formada junto com os outros planetas do Sistema Solar. O grande matemático francês Pierre Simon de Laplace foi o primeiro a propor um modelo para a formação do Sol e da sua corte de planetas. Usando a mecânica de Newton, Laplace provou que uma esfera de matéria girando e encolhendo devido à sua própria gravidade eventualmente se achataria na forma dum disco com a maior concentração de matéria no centro. Quem faz pizza sabe disso intuitivamente.

Modelos mais modernos, usando computadores, mostram que a formação dos planetas se deve à agregação de partículas de matéria, como quando fazemos bolas de neve: a bola cresce ao agregar mais flocos de neve. (Sei que a imagem não é muito ilustrativa no Brasil, mas está nevando lá fora e não pude resistir.) No caso dos planetas rochosos, partículas microscópicas tornaram-se pedregulhos e estes, ao colidir, começaram a formar proto-planetas. Para os planetas gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno), matéria como hidrogênio e metano, que mais perto do Sol é volátil, estava congelada. Por isso, esses planetas têm uma composição bem distinta daquela da Terra e dos seus primos rochosos (Mercúrio, Vênus, Marte e asteróides).

O processo de nascimento planetário é bastante caótico. Durante os primeiros 500 milhões de anos, os planetas e as suas luas foram ferozmente bombardeados por asteróides e cometas, detritos do período de formação do sistema solar. Segundo teorias modernas, a própria Lua nasceu devido à uma gigantesca colisão entre a Terra e um proto-planeta do tamanho de Marte, logo no começo.

A visão que temos é de que a Terra era o próprio inferno: colisões com asteróides de 100 km ou 200 km de diâmetro, capazes de evaporar todos os oceanos, eram relativamente comuns.

Nessas condições, a vida seria impossível. Por isso, teorias que procuram explicar a origem da vida especulam seu início em torno de 3,8 bilhões de anos atrás, quando as coisas principiaram a se acalmar: oceanos não evaporaram mais, e as colisões, embora continuassem, já não alteravam completamente o quadro planetário.

A dificuldade com essa explicação é a falta de evidência que temos dos primeiros 500 milhões de anos de vida da Terra. Como dizem os geólogos, a memória do passado terrestre está escrita nas rochas. Se rochas não existiam, ou se eram aniquiladas e derretidas continuamente por colisões devastadoras, não existe memória: os primeiros 500 anos de vida da Terra seriam permanentemente envoltos em mistério, algo que deixa os cientistas com muito incômodo. Felizmente, as coisas estão mudando.

Tudo por causa dos cristais de zircão, os únicos pedaços de matéria disponíveis que datam dos primeiros 500 milhões de anos da Terra e que sobreviveram ao pandemônio. Combinando o elemento zircônio com silício e oxigênio, os cristais ultra-resistentes, incrustados em rochas australianas de 3 bilhões de anos, guardam a memória da mais tenra infância terrestre. Para facilitar ainda mais, os cristais contêm traços do elemento radioativo urânio, permitindo estimar a data de sua formação como tendo sido nos primeiros 200 milhões de anos da Terra.

Traços de isótopos de oxigênio mostram que já existia água em abundância. Análises mostram ainda que a Terra era mais fria do que se pensava.

Apenas em placas continentais tais temperaturas eram possíveis. Uma Terra com água líquida e placas continentais permite a formação da vida bem antes do que 3,8 bilhões de anos atrás. Talvez a vida tenha tido mais tempo do que se pensa para surgir.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Uma pista cósmica?





Caso a matéria escura exista e seja de fato diferente, uma nova janela se abre na física


A comunidade dos físicos e astrônomos anda bastante empolgada por estes dias. Na primeira semana de novembro, membros da colaboração internacional Pamela, um satélite europeu desenhado para buscar por antimatéria no espaço, finalmente anunciaram oficialmente que seus detectores acusavam um excesso de pósitrons, a antipartícula do elétron.

Esse excesso, segundo eles, podia ser devido à presença da misteriosa matéria escura, um tipo de matéria que é seis vezes mais abundante do que a matéria comum, mas cuja detecção direta ainda não foi feita. A composição da matéria escura, cuja existência no momento é inferida apenas através de sua ação gravitacional sobre a matéria comum, é um dos grandes enigmas da física moderna. Caso a matéria escura exista e seja de fato um tipo de matéria diferente dos elétrons e prótons dos quais somos feitos (a matéria bariônica), uma nova janela se abre na física de partículas e na astrofísica. O entusiasmo da comunidade é plenamente justificável.

Em 1928, o físico inglês Paul Dirac obteve uma equação unindo a teoria da relatividade especial de Einstein e a mecânica quântica, que descreve os átomos e os seus constituintes. Para a sua surpresa, e com a ajuda de J. Robert Oppenheimer, a equação previa que cada partícula de matéria -elétrons, nêutrons, prótons- tinha uma parceira de antimatéria com a mesma massa. A diferença mais importante entre matéria e antimatéria é a carga elétrica oposta: se o elétron é negativo, o pósitron é positivo. O antipróton é negativo. Já o antinêutron também tem carga zero, mas outras propriedades suas são invertidas.

É como se a realidade tivesse duas faces, cada uma de um lado de um espelho. Quando essas duas realidades se encontram, isto é, quando uma partícula de matéria encontra sua parceira de antimatéria, o resultado é dramático: as duas se desintegram em raios gama, a radiação eletromagnética mais energética que existe. Dan Brown, em seu best seller "Anjos e Demônios", usou essa desintegração como um novo tipo de bomba a ser usado por um grupo terrorista. O objetivo? Destruir o Vaticano, o papa e os seus cardeais.

A antimatéria é muito rara. Na Terra, ela é gerada artificialmente em aceleradores de partículas, máquinas que colidem partículas de matéria a velocidades próximas à da luz. Sua origem é conseqüência da famosa fórmula E=mc2, que afirma que existe energia na massa das partículas, ou seja, que energia pode virar massa e massa, energia. Na prática, essas transformações ocorrem de várias formas. Numa delas, um fóton, a partícula da luz e das outras formas de radiação eletromagnética, pode se desintegrar em um elétron e um pósitron. E vice-versa: um elétron e um pósitron, ao colidirem, podem se transformar em fótons de raios gama.

No espaço, raios cósmicos, em geral prótons vindos do Sol, ao se chocarem com as moléculas de nitrogênio e oxigênio da atmosfera, geram verdadeiros chuveiros de partículas, incluindo pósitrons. A surpresa do Pamela foi um excesso de pósitrons a energias muito altas. No momento, existem duas explicações. Uma mais empolgante, a outra mais mundana. A mais empolgante é que os pósitrons são gerados quando partículas de matéria escura, tal qual núcleos radioativos, desintegram-se espontaneamente ou quando colidem com outras partículas de matéria escura. A mais mundana é que os pósitrons vêm de um pulsar, uma estrela de nêutrons que gira rapidamente. Apenas mais dados poderão decidir. No meio-tempo, os físicos tecem seus modelos, tentando decifrar mais esse enigma.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ciência e Espiritualidade: um breve manifesto

A união de dois mundos opostos é possível?
A mágica da vida reside nela mesma


Na opinião popular, o título deste texto representa um paradoxo. Ciên­cia e espiritualidade habitam mundos dife­rentes, que em geral entram em conflito ao se aproxinarem. A primeira é vista como uma atividade exclusivamente racional, reducinista, materialista e fria, sem qualquer interesse por questões espirituais. Já a segunda é bem mais difícil de ser definida, representa uma busca pessoal, uma rela­ção com uma realidade que transcende o imediato, que nos conecta com o que vai além do material. Por isso a espiritualidade é considerada a antítese da ciência.

Para piorar, a busca espiritual costuma adotar uma posição que não só é contrá­ria ao materialismo científico, mas que o confronta. Ela passa a ser quase que uma "vingança" para quem está desiludido com um mundo cada vez mais explicável, des­tituído de mágica e poesia.

O movimento romântico do início do século 19 foi uma resposta direta ao racionalismo extremo do século 18. O poeta John Keats acusou Isaac Newton de ter "desfiado o arco-íris", deter roubado a sua beleza com suas expli­cações precisas sobre o comportamento da luz. Nada poderia ser menos verdadeiro.

Quem fecha os olhos para as des­cobertas da ciência moderna e se fia na ocorrência de fenômenos sobrenaturais, paranormais, astrológicos, quem acredita que duendes povoam florestas, quem jura que almas circulam pelo mundo dos vivos sem serem percebidas, faz o mesmo que o poeta: nega-se a apreciar a poesia e a beleza que a ciência nos revela, preferindo pensar como nossos antepassados. E sua crueldade é explorada por oportunistas.

Existe mágica de sobra no mundo que podemos ver com nossos olhos e com os instrumentos que inventamos para ampliar ­ a nossa visão da realidade. Não é preciso se fiar numa realidade invisível e sobrenatural, cuja existência depende de relatos individuais e que é sujeita à fé. Quando queremos muito acreditar em algo, isso se toma mais real. O querer acreditar compromete nossa habili­dade de decidir imparcialmente - ou quase - se uma asserção é ou não verdadeira.

Se meu pai está doente e a medicina moderna não pode fazer nada por ele, por que não levá-lo a um curandeiro, alguém com supostos poderes de exercer curas milagro­sas e inexplicáveis? A morte assusta, foge ao nosso controle, rouba aqueles que amamos. É difícil aceitar a postura materialista de que ela é mesmo o fim, que essa faísca que anima a matéria e nos faz amar e chorar se esvai por completo num piscar de olhos. Nosso dilema é termos consciência de que temos os dias contados. Aceitar esse fato é tão difícil que fazemos de tudo para driblá-lo, criando meca­nismos que vão além do que podemos provar. Talvez isso ajude muitos a aceitarem seus des­tinos. O triste é que os que estão convictos da existência dessa dimensão sobrenatural fechem os olhos para o que a ciência mostra.

Prefiro viver de olhos bem abertos e acei­tar a pré-condição da vida, a não-vida. lgnorar o que a natureza nos mostra todos os dias é viver menos, é se apegar a contos de fadas para evitar o confronto com a nossa condição humana. Saber morrer é saber viver, é saber aceitar o quanto são preciosos esses breves momentos que temos para amar, chorar, apreciar a beleza do arco-íris, vibrar com um gol e ter medo de perder quem amamos. É na brevidade da vida que reside o seu segredo: saber viver sem medo de morrer. Isso não é nada fácil, e não acredito que tenha conquis­tado o meu próprio medo. Mas prefiro viver com ele a me iludir com algo que nunca saberei se está certo ou não.

Ninguém gosta da idéia de morrer ou to de sofrer. Ninguém gosta de ver o sofri­mento de tantos no mundo. Porém, se a alternativa é achar que tudo isso vai ser diferente no "além", que forças ocultas regem nossas vidas e podem ser contro­ladas por meio de crenças místicas, ela me parece criar uma sociedade que não enfrenta os desafios que tem pela frente, escondendo-se nas promessas de um mundo inescrutável e inexistente.

Para mim, a mágica ocorre a cada momento em que estamos vivos, que podemos amar e sofrer, que podemos refletir sobre quem somos e sobre como podemos melhorar as nossas vidas e as dos que estão à nossa volta. Perceber essa mágica é abraçar a espiritualidade da ciên­cia. Com ela aprendemos quem somos e como nos relacionamos com o mundo e com o Universo. Entre os caminhos que temos para enfrentar nossos desafios, não vejo outro que possa mostrar o quanto a vida é preciosa e rara, que celebre deforma mais clara a mágica da existência.

domingo, 30 de novembro de 2008

Decifrando a "mente de Deus"



Por que sempre buscamos ver a natureza em ordem?

Somos amantes da regularidade.

O que foge aos padrões da normalidade, o comportamento irregular, inesperado, incontrolável, é sempre visto com censura ou mesmo com medo. Isso é tanto verdade na sociedade quanto na natureza.

Quando os primeiros humanos olharam na direção dos céus, perceberam que existiam dois tipos de fenômenos. Os que se repetiam regularmente, como o ciclo das estações do ano, e os inesperados, como o aparecimento de cometas.

Reconhecer esses padrões regulares se fez necessário para a nossa sobrevivência como espécie. Se um caçador na floresta via algo que fugia ao normal, logo ficava alerta. Podia ser um predador, um inimigo ou, com sorte, comida. Evoluímos com a capacidade mental de reconhecer padrões.

A matemática nada mais é do que a linguagem que criamos para descrever esses padrões. Na geometria, descrevemos os padrões espaciais, as formas da natureza e as suas simetrias.

Na aritmética e na álgebra, lidamos com padrões entre números e suas relações. Quando Pitágoras criou sua seita no sul da Itália, em torno de 600 a.C., seu objetivo místico-filosófico era a compreensão dos padrões da natureza através da matemática.

Para os pitagóricos, tudo era número. A essência do conhecimento começava com a matemática e terminava na descrição da mente do "criador" -da sua criação- como um elaborado mosaico de padrões. O filósofo era quem se dedicava a esses estudos, uma espécie de matemático-sacerdote. É natural supor que, com o desenvolvimento da ciência, essas idéias tenham caído em desuso.

Afinal, nenhum matemático ou físico moderno -ou quase nenhum- se diz um místico em busca de desvendar os segredos matemáticos da mente de Deus. Porém, é talvez surpreendente o quanto essa metáfora ainda é usada, o "desvendar a mente de Deus" como sendo o objetivo final da ciência. Um exemplo recente é o de Stephen Hawking em seu livro "Uma Breve História da Tempo". Como o dele, existem vários outros. Por que isso?

A história é longa demais para uma coluna (estou escrevendo um livro sobre o assunto), mas podemos começar a partir de Kepler. No início de século XVII, ele tentou criar um modelo geométrico do cosmo usando os cinco sólidos platônicos (o cubo e a pirâmide são dois deles).

A idéia, meio genial e meio louca, era realizar o sonho pitagórico, obter o padrão geométrico da criação. Pulando para Einstein, sua teoria da relatividade foi o próximo grande passo.
Claro, o modelo de Kepler estava errado e a teoria de Einstein funciona muito bem.

Einstein, influenciado por Spinoza que, por sua vez, foi influenciado por Platão que, por sua vez, foi influenciado por Pitágoras, queria obter uma descrição geométrica do mundo, que ele atribuía à uma inteligência abstrata. Não o Deus judaico-cristão, com certeza. Mas a racionalidade que via manifesta nos padrões do mundo à nossa volta.

Einstein passou as últimas duas décadas de sua vida buscando por uma teoria unificada das forças gravitacional e eletromagnética.

Para ele, essa unificação era inevitável, a expressão mais cristalina da inteligência da natureza. Einstein falhou em sua empreitada, mas outros continuam buscando por essa unificação geométrica, a versão científica da "mente de Deus".

A falta de resultados experimentais indicando a direção certa dificulta muito as coisas. Ou, talvez a natureza esteja tentando nos dizer algo: a ordem que tanto buscamos nela é, na verdade, a ordem que buscamos em nossas vidas.

domingo, 23 de novembro de 2008

A origem do tempo



No universo quântico, intervalos temporais não têm sentido

Continuando nossa exploração do tempo, nesta semana toco na questão de sua origem. Como começou o tempo? Santo Agostinho tinha duas respostas para quem lhe perguntava o que Deus estava fazendo antes de criar o mundo.

"Estava criando o Inferno para pôr os chatos que fazem esse tipo de pergunta" era uma delas. (Parece que ele não levava essa muito a sério.) A outra resposta, bem interessante, é que "o tempo surgiu com a Criação". Ou seja, antes de o mundo existir o tempo também não existia. Em linguagem mais moderna, revertemos a questão ao modelo do Big Bang, que diz que o Universo teve sua origem há aproximadamente 14 bilhões de anos.

Quando afirmamos isso, implicitamente supomos que o tempo, como o conhecemos, começou a passar a partir do Big Bang, o evento que marca a origem cósmica. A pergunta clássica que tantos fazem é: "E antes do Big Bang? O que estava acontecendo?" Perfeitamente natural a pergunta.

Afinal, estamos acostumados com o fluir do tempo, com o passado, o presente e o futuro. Se o Big Bang marca a origem do cosmo, ele marca também a origem do tempo. Segundo a teoria da relatividade de Einstein, que descreve as propriedades do tempo e do espaço, devemos pensar em termos de um espaço-tempo, uma entidade que engloba tanto o tempo quanto o espaço. Um não existe sem o outro. Então, se o Big Bang marca a origem do espaço, marca também a origem do tempo. Ou melhor, a origem do espaço-tempo.

Apenas a partir desse conceito podemos definir distâncias entre dois pontos ou intervalos de tempo entre dois eventos. Por que isso?

Essencialmente, a teoria de Einstein deixa de fazer sentido quando nos aproximamos do momento inicial, o t = 0 (tempo igual a zero.) Aí os cálculos dão resultados absurdos. Isso ocorre porque a teoria, como qualquer teoria em física, tem seu limite de validade. Aplicá-la além desse limite gera erros.

Chamamos a teoria de Einstein de teoria clássica. Isso a diferencia de uma teoria quântica, ideal para tratar de estruturas atômicas ou subatômicas. Perto do Big Bang, as distâncias cósmicas eram subatômicas: o Universo, como um todo, tem de ser descrito pela teoria quântica.

Mas o que vem a ser um Universo quântico? Segundo a teoria quântica, estruturas de dimensões subatômicas estão sempre vibrando, como se tivessem um desconforto. Essas vibrações são descritas pelo celebrado princípio de incerteza de Heisenberg, que diz ser impossível medir simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula, como um elétron, com precisão arbitrariamente alta. Há um limite no que podemos saber sobre essas quantidades. Essa limitação de deve à agitação inerente ao mundo quântico.

É inescapável, propriedade da Natureza. Traduzindo isso para o nosso Universo, quando chegamos perto do início, as distâncias espaciais são tão pequenas que o Universo assume dimensões atômicas. Portanto, deve ser descrito pela teoria quântica. Mesmo que não tenhamos ainda uma teoria quântica do espaço-tempo, sabemos que é inevitável que o próprio espaço-tempo flutue violentamente devido à incerteza quântica, como se fosse uma cama elástica enlouquecida. Distâncias espaciais e intervalos de tempo deixam de fazer sentido. Não existe perto e longe, antes e depois.

Nesse mundo, digno de um conto de Jorge Luís Borges, passado e futuro não existem. Todos os instantes coexistem; o próprio tempo pode ir para a frente ou para trás. De repente, dessas flutuações espaço-temporais, surge uma grande o suficiente para ser descrita pela teoria de Einstein. A partir daí, o tempo começa a passar alegremente, marcando a origem de tudo.

domingo, 16 de novembro de 2008

Um pouco mais sobre o tempo


Existimos numa espécie de cama elástica, o espaço-tempo



Na semana passada, escrevi sobre o tempo, essa misteriosa entidade que tanto define nossas vidas. Expliquei que existiam essencialmente dois tipos de tempo, ou duas percepções dele. Na newtoniana, que é a do nosso dia-a-dia, o tempo passa sempre no mesmo ritmo, inexoravelmente, feito um rio. Sua passagem é independente da nossa percepção dela, absoluta e universal.

Na relativística, as coisas são bem diferentes. A passagem do tempo depende de quem o está medindo. Mais precisamente, do estado de movimento do observador. Dois observadores munidos dos mesmos relógios, um em movimento e outro parado na calçada, discordam se duas bolas de basquete batem no chão ao mesmo tempo. Fenômenos que são simultâneos para um observador não são para o outro. A simultaneidade é relativa.

Essa relatividade do tempo confunde muita gente. O que ela afeta de fato? Os mecanismos dos relógios? Relógios em movimento batem mais devagar, diz a teoria de Einstein. Será que o coração do observador em movimento também bate mais devagar segundo o observador parado?

Para esclarecer um pouco as coisas, é necessário entender que a teoria da relatividade é uma teoria sobre a estrutura do espaço e do tempo, e não sobre mecanismos de relógios ou sobre a fisiologia cardíaca. Ao contrário do que ocorre com a física newtoniana, na relatividade o espaço e o tempo agem conjuntamente: o tempo passa a ser uma dimensão onde medimos "distâncias" e não segundos. O presente é a origem. Pontos no passado e futuro ficam a uma certa distância dele.

A grande inovação da teoria da relatividade foi tornar a velocidade da luz a velocidade limite na natureza. Nada pode viajar mais rápido do que ela. É ela que determina a velocidade com que a informação é trocada entre observadores e que limita a percepção de cada um dos observadores quando se deparam com um fenômeno. Além disso, a velocidade da luz é sempre a mesma, não importa se sua fonte está ou não se movendo. Ela é um absoluto da teoria. Ninguém sabe por que, mas ela é assim. Isso a torna muito peculiar. Todos os efeitos "estranhos" da relatividade, como a dilatação temporal, são conseqüência dessa propriedade da luz.

Como traduzir isso tudo? Segundo a relatividade, existimos numa espécie de cama elástica, o espaço-tempo. Não é o mecanismo do relógio nem as batidas do coração que são alterados, mas a própria estrutura do tempo e do espaço. Imagine uma rua reta numa cidade, com um lampião a cada esquina. Cada lampião pisca com uma freqüência, digamos a cada segundo para quem está em pé ao lado. Agora imagine que você passa muito rápido por essa rua. Você vê os lampiões se aproximarem uns dos outros como se a rua fosse feita de material elástico.

Já a luz demora mais de um segundo para piscar. Quanto mais rápido você passar, mais os lampiões se aproximam e maior o intervalo entre duas piscadas. O que Einstein mostrou foi que essas contorções são conseqüência da luz e das suas peculiaridades. E do movimento relativo entre o observador e o observado. Nossa percepção da realidade com o tempo e o espaço rígidos é uma ilusão, produto de nossas baixíssimas velocidades quando comparadas com a da luz. Se pudéssemos viajar mais rápido, veríamos tudo diferente. Somos míopes por sermos lentos. Não são relógios ou corações que batem mais devagar. É o próprio fluir do tempo que muda, em sua estrutura mais íntima.

Relógios e corações seguem o fluxo desse tempo elástico, como se viajassem num rio cheio de correntes, ora mais rápidas, ora mais lentas.

domingo, 9 de novembro de 2008

Sobre o tempo



Sementes brotam, flores desabrocham e caem pelo chão

Volta e meia leitores me escrevem pedindo que aborde determinados tópicos. Dentre eles, o tempo é, sem a menor dúvida, um dos mais populares.

Que o significado do tempo -filosófico, científico, existencial- exerça um fascínio não é muito surpreendente. Afinal, o tempo está intimamente ligado com a preocupação mais profunda e inquietante da humanidade, a nossa mortalidade.

A consciência que temos de que nosso tempo de vida é finito está por trás de muitos dos anseios que nos afligem. Não é à toa que muitas religiões tentam, de alguma forma, driblar a morte, propondo existências alternativas, seja no paraíso (ou inferno), seja por meio da imortalidade da alma, que reencarna ciclicamente, ou mesmo por meio da aceitação da morte como uma conseqüência inevitável da vida, algo que deveríamos abraçar e não lutar contra.

Apesar de a ciência não oferecer uma resposta de ordem existencial ou teológica, ao menos oferece uma definição concreta do que seja o tempo. A escolha do que fazer com ela, claro, pertence ao indivíduo, embora eu espere que alternativas sobrenaturais não sejam levadas muito a sério.

Existem duas noções de tempo. A newtoniana assume que o tempo flui inexoravelmente, sempre no mesmo ritmo para todo o mundo, do passado ao futuro. É a tal noção do tempo como um rio. Esse é o tempo que percebemos pelas mudanças à nossa volta, uma ferramenta criada para quantificar as transformações da natureza. Sementes brotam, flores desabrocham e caem pelo chão. Nós também. Ao tempo newtoniano, juntamos as leis da termodinâmica, que mostram que a tendência dos sistemas naturais é equalizar diferenças, é evoluir na direção do equilíbrio.

A vida é um sistema fora do equilíbrio, que precisa estar em permanente contato com o ambiente externo, com fontes de energia, para permanecer viável; se não comemos e excretamos, morremos. Claro, a determinação do zero do tempo, quando começamos a marcar datas, ou de quão rápido o tempo passa é arbitrária.

Nós adotamos um sistema baseado no número 60: dividimos a hora em 60 minutos e o minuto em 60 segundos. Como nas medidas de temperatura, em graus Celsius ou Fahrenheit, poderíamos ter inventado um sistema completamente diferente para marcar a passagem do tempo. Mas o tempo passa da mesma forma. A outra noção de tempo, a relativística, vai além da noção newtoniana, mostrando que a passagem do tempo, o quão rápido ele flui, depende de quem o está medindo.

Duas pessoas, uma na calçada e outra num carro, têm relógios idênticos, que foram ajustados quando o carro estava em repouso. Quando o carro passa pela pessoa na calçada, ela olha para o relógio dentro dele e percebe que o intervalo entre um tique e um toque é mais longo: o tempo passa mais devagar para relógios em movimento. Essa é a famosa dilatação temporal da teoria da relatividade especial de Einstein, de 1905. O tempo é plástico, maleável, dependente de movimentos relativos. Contrariamente à nossa intuição newtoniana, não existe um tempo absoluto.

Em 1915, Einstein foi além, mostrando que a gravidade também afeta a passagem do tempo; quanto maior for a atração gravitacional num local, mais devagar o tempo passa ali: um relógio na superfície do Sol (se funcionasse) bateria mais devagar. Num buraco negro, ele pararia! Esses efeitos mudaram de forma profunda nossa concepção do tempo, algo que abordaremos em breve. Infelizmente, para nós, ele continua a passar, inexoravelmente feito um rio.

domingo, 2 de novembro de 2008

Chuva cósmica



O grande mistério hoje são os raros raios com alta energia

Físicos gostam de drama. São os fenômenos com maior energia, os que ocorrem no coração dos átomos ou nas maiores distâncias cósmicas, que expõem alguns dos segredos mais fascinantes do mundo natural. Dentre esses, os misteriosos raios cósmicos estão na linha de frente.

Tudo começou em 1912, quando o físico austríaco Victor Hess subiu num balão para examinar se existia radiação na atmosfera. Destemido como um explorador do Ártico, de seu balão Hess investigou a quantidade de radiação até altitudes de 5,3 km. Sua descoberta foi sensacional: não só existia muita radiação na atmosfera como, a altitudes de 5 km, seu nível era duas vezes maior do que na superfície. A chuva de partículas vinha do espaço. Daí o nome: raios cósmicos.

Após décadas de muitos vôos de balão e detectores nos picos de montanhas, ficou claro que a maioria dos raios cósmicos são elétrons ou núcleos atômicos, principalmente de hidrogênio, que consiste de um próton.

A maioria dessas partículas originam-se no Sol ou na nossa galáxia e são aceleradas por campos magnéticos. Quando colidem com as moléculas de ar na parte superior da atmosfera, provocam um verdadeiro chuveiro de partículas, às vezes bilhões delas.

Muitas chegam até a superfície da Terra, onde podem ser detectadas.

Observações mostram que raios cósmicos chegam com grande variação nas suas energias. Alguns atingem energias dezenas de milhões de vezes maiores que as dos aceleradores de partículas mais poderosos na Terra.

Existem duas perguntas importantes: de onde vêm os raios cósmicos e como são acelerados. Os de energias mais baixas, como vimos, são originados no Sol; os de energias medianas, em explosões de supernovas na nossa galáxia -que marcam a morte de estrelas. O grande mistério hoje são os raros raios cósmicos superenergéticos. Quais mecanismos podem acelerá-los às suas energias gigantescas?

De que canto do Universo eles vêm?

Entra em cena o Projeto Auger. No nordeste da Argentina, mais de 1.300 tanques de água, cada um com 12 mil litros, cobrem uma área de 3.000 quilômetros quadrados. Dentro de cada tanque, detectores sensíveis à radiação medem a passagem das partículas criadas pelos raios cósmicos, registrando suas energias e sua direção.

O projeto é uma operação internacional, envolvendo centenas de físicos de mais de 70 instituições espalhadas pelo mundo. Físicos brasileiros têm um papel extremamente importante.
Dentre dezenas de cientistas, Carlos Escobar, pesquisador da Unicamp, é o coordenador da colaboração nacional, enquanto que Ronald Shellard, da PUC-Rio e do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), é membro oficial do conselho internacional.

Semana passada, dei um colóquio na Universidade de Chicago. Lá, minha amiga brasileira Angela Olinto me convidou para uma reunião do grupo local do Auger. Angela é uma das pessoas-chaves na elaboração de modelos teóricos que visam explicar a origem dos raios cósmicos superenergéticos.

De quebra, o prêmio Nobel Jim Cronin, que junto com Alan Watson, da Inglaterra, foi o pioneiro do projeto, estava presente. Em novembro de 2007, a colaboração publicou uma descoberta crucial: os raios cósmicos mais energéticos parecem vir de fora da Via Láctea, provavelmente de núcleos de galáxias com buracos negros gigantescos. "Foi capa da revista Science", disse Angela empolgada. "O próximo passo é construir outro observatório no hemisfério Norte, ainda maior. Com mais dados, acho que resolveremos de uma vez por todas esse mistério." O clima de entusiasmo na sala não deixava dúvida de que é apenas uma questão de tempo.

domingo, 26 de outubro de 2008

Sobre a origem da vida



Mesmo se existirem, os extraterrestres devem ser raros

Dos grandes mistérios que despertam enorme interesse tanto de especialistas quanto do público em geral, poucos são tão fascinantes quanto a questão da origem da vida. Existem várias facetas diferentes, cada uma com seu conjunto de questões em aberto. Uma das mais óbvias diz respeito à possível existência de vida extraterrestre. Se existe vida na Terra, por que não supor que ela exista também em outros planetas?

Essa pergunta em geral é respondida com outra pergunta. Do que a vida precisa para existir? Se usarmos a Terra como base -e só conhecemos a vida aqui-, consideramos que são essenciais a água líquida, certos compostos químicos e calor ou alguma outra fonte de energia. Água líquida impõe que o planeta não esteja muito distante ou muito perto de sua estrela.

Caso contrário, teria apenas água congelada ou vapor. A água líquida cria o meio onde as reações químicas que sustentam a vida podem ocorrer. Não é à toa que somos mais de 60% água.
Planetas que podem ter água líquida estão na chamada "zona habitável", um cinturão cuja distância varia com o tipo de estrela. No caso do Sol, cobriria Vênus, Terra e Marte.

Imediatamente, vemos que estar na zona habitável não é suficiente. Vênus tem uma temperatura que vai além de 500C, por causa de um acentuado efeito estufa. Marte, como foi descoberto recentemente, teve água líquida no passado, tem alguma hoje e também tem gelo, mas não foram encontrados rios, oceanos ou lagos. A possibilidade de vida lá hoje não é nula, mas é remota.

Aprendemos que composição e densidade da atmosfera e a história do planeta são determinantes. A vida precisa de certos elementos químicos. Carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio são essenciais. Fósforo, ferro, cálcio, potássio também são importantes. Esses elementos são sintetizados em estrelas durante seus últimos estágios de vida. Quando a estrela "morre", explode com tremenda violência, emitindo esses e todos os outros elementos da tabela periódica pelo espaço interestelar. Planetas capazes de desenvolver formas de vida precisam estar numa região com os ingredientes certos. Fora isso, os ingredientes precisam ser combinados corretamente. Pelo que vemos aqui, mesmo as formas mais primitivas de vida dependem de compostos orgânicos consistindo de cadeias muito longas de átomos de carbono ligados a uma série de radicais.

Os átomos de carbono são os ossos da espinha dorsal, dando suporte ao resto. Como que esses átomos formaram cadeias tão complexas? Essa questão permanece em aberto. Mas em 1953, Stanley Miller fez uma grande descoberta: combinando substâncias que acreditava terem feito parte da atmosfera primitiva (metano, gás carbônico, água e outros), Miller isolou-as num frasco e passou faíscas elétricas que simulavam raios.

Para sua surpresa, ao examinar os compostos acumulados no fundo do frasco, percebeu que tinha sintetizado alguns aminoácidos, componentes fundamentais das proteínas. Miller não produziu a vida no laboratório, mas demonstrou que processos naturais podem tornar uma química simples numa química complexa.

Assim como o experimento de Miller, a vida precisa de uma fonte de energia. Aqui, estamos acostumados com o Sol. Mas a descoberta de formas de vida que vivem na mais completa escuridão, em fossas submarinas profundas, demonstra que processos químicos independentes da luz podem gerar a energia capaz de impulsionar os mecanismos da vida. Não basta afirmar que o vasto número de planetas no cosmo torna a vida extraterrestre inevitável. O que aprendemos é que, mesmo se existir, será rara.

domingo, 19 de outubro de 2008

Memórias quentes e geladas



Devemos tratar a variação solar com respeito, mesmo quando é pequena


Uma das questões que aparecem com freqüência quando se debate o aquecimento global é o papel do Sol no clima da Terra. Sendo nossa principal fonte de energia, pode-se imaginar que variações na atividade solar afetam a quantidade de calor recebida aqui na Terra e, conseqüentemente, o clima.

Em geral, esse tipo de questão vem daqueles que duvidam de que o aumento atual na temperatura global seja de fato causado por fatores antropogênicos, isto é, gerados pelo homem -ou, mais precisamente, pela queima dos combustíveis fósseis que sustentam a máquina industrial do planeta. Segundo o argumento, um aumento da atividade solar nos últimos cem anos poderia mais do que ultrapassar qualquer efeito oriundo de nossas atividades poluentes.
Estudos da irradiação solar mostram que a variação nos últimos 2000 anos felizmente foi muito pequena: da ordem de 0,1% até no máximo 0,6%. Se fosse alta, mesmo que da ordem de apenas 5%, provavelmente não estaríamos aqui pensando sobre o aquecimento global. Note que variação não é o mesmo que aumento. A irradiação solar comporta-se como uma onda, aumentando e diminuindo ciclicamente. A variação é a diferença entre o máximo e o mínimo de irradiação.

Variações de até 0,6% concentram-se principalmente em datas antigas, dada a dificuldade de obter dados precisos. Nos últimos 300 anos, foi de 0,1%, em média. O pico de atividade tende a coincidir com o pico do chamado ciclo solar, que tem uma duração média de 11 anos. Um dos sintomas da atividade é o número de manchas que surgem na superfície do Sol; quanto mais ativo, mais manchas aparecem. No auge de um ciclo, mais de cem manchas podem aparecer. Por outro lado, no mínimo de um ciclo, o número pode ser de uma ou duas manchas. Ou, como nos meses de julho e agosto passados, nenhuma.

Quanto à questão do papel do Sol no aquecimento global dos últimos cem anos e, principalmente, dos últimos 15 anos, modelos de variação climática usam uma variação na irradiação solar de 0,25%, ou seja, acima do valor medido de 0,1%. De fato, dados sobre a variabilidade na atividade solar são pedidos aos especialistas da Nasa e de outras entidades que monitoram o comportamento do Sol justamente pelos profissionais que modelam o clima. A conclusão de um estudo de 2006 publicado na revista "Nature" [Foukal, Peter et al. (2006). Nature 443 (7108): 161-166] é que é pouco provável que a variabilidade solar seja um fator relevante no aquecimento global. Os autores não descartam o possível efeito de outros tipos de radiação vinda do Sol, como a ultravioleta ou mesmo um aumento no fluxo de raios cósmicos caindo sobre a Terra, mas essas causas não parecem ser determinantes.

Olhando no sentido contrário, para baixo do solo, é possível extrair informação sobre a variação climática da Terra estudando depósitos de gelo na Antártida com idades que chegam a 800 mil anos. A neve soterrada sob um monte de 80 ou mais metros é comprimida em gelo que fica denso o suficiente para ser impermeável e imune a variações locais. Nele, em colunas de quilômetros de profundidade, ficam presas bolhas de ar contendo gás carbônico e oxigênio, cujas propriedades contam a história do clima no passado. Por exemplo, eras glaciais ocorrem em média a cada 100 mil anos, embora a sua relação com o ciclo solar ainda não tenha sido definitivamente demonstrada.

Mesmo que o Sol tenha um efeito pequeno no aquecimento global atual, devemos tratá-lo com respeito. Se as variações aumentarem, a vida na Terra será impossível.

domingo, 12 de outubro de 2008

Monstro no centro da galáxia



Como sabemos que há um buraco negro no meio da Via Láctea?

Quando visito escolas de ensino fundamental, gosto sempre de contar para as crianças que temos um monstro na nossa galáxia, um buraco negro gigantesco, com uma massa estimada de 4 milhões de sóis. Sabendo já que buracos negros são objetos estranhos, uma espécie de bueiro cósmico que suga tudo ao seu alcance, as crianças ficam espantadas.

Invariavelmente, uma mão se alça: "Mas professor, se tem um buraco negro gigante como esse na galáxia, será que vai engolir todo o mundo?" Explico que, felizmente, estamos muito distantes do centro da Via Láctea e que não podemos sentir os efeitos do buraco negro. Bem de longe, como em nosso caso, buracos negros se comportam como objetos normais, feito estrelas, cuja atração gravitacional cai com o quadrado da distância. "Não existe esse perigo; é como se preocupar com um redemoinho no Caribe quando você está nadando no Guarujá". Dá até para ouvir os suspiros de alívio na audiência.

Raramente, uma criança vai mais além e faz a pergunta que realmente importa: "Mas como os astrônomos sabem que existe um buraco negro lá? Não é impossível ver um? A luz não é sugada para dentro também?" Pois é, todo mundo sabe que buracos negros têm esse nome porque nem mesmo a luz pode escapar de sua atração. Se um buraco negro existisse sozinho no espaço, sem nada à sua volta, ficaria mesmo difícil visualizá-lo. Mas quando gases e estrelas estão suficientemente perto de um buraco negro, podemos detectar a sua presença.

Tal qual a água em um ralo de banheira, a matéria sugada pelo buraco negro circula à sua volta. Toda ela, que é composta de átomos com cargas elétricas como a dos elétrons, quando acelerada, emite radiação eletromagnética; quanto maior a aceleração, mais energética é a radiação emitida. Portanto, o que vemos na região vizinha ao buraco negro é a radiação emitida pela matéria que gira à sua volta. Esse movimento é como uma carteira de identidade do buraco negro, dando informação sobre o seu tamanho e a sua massa. Um outro efeito usado na detecção de buracos negros é a distorção que eles causam no espaço à sua volta. Como explica a teoria da relatividade geral de Einstein, a gravidade pode ser vista como uma curvatura no espaço em torno de um objeto.

Quanto maior e mais concentrada a massa do objeto, mais curvo o espaço à sua volta. Se a luz de uma estrela distante passa perto de um buraco negro, sua trajetória será encurvada. A gravidade funciona como uma lente, dando a esse efeito o nome de lente gravitacional. Na nossa galáxia, astrônomos realizaram um feito e tanto; usando três radiotelescópios, no Arizona, na Califórnia e no Havaí, conseguiram visualizar os contornos do monstruoso buraco negro.

Os telescópios funcionam como um único instrumento, fornecendo uma resolução nunca antes obtida. O buraco negro fica na região conhecida como Sagitário A, rica em radiação. A resolução conseguida foi de 50 milhões de quilômetros, um terço da distância entre a Terra e o Sol. Calcula-se que o buraco negro tenha um diâmetro aproximado entre 12 milhões e 24 milhões de quilômetros. Mas a distorção da luz causada pela gravidade dobra o tamanho aparente dele, que acaba ficando próximo da estimativa obtida pelo grupo americano.

Os dados indicam uma entre duas coisas: a menos que a teoria de Einstein sofra sérias alterações, a única explicação para as observações é mesmo um buraco negro; o pico das observações não está centrado no buraco negro, o que indica uma assimetria na emissão de radiação. Mais detalhes terão que esperar triangulações ainda maiores entre radiotelescópios.

domingo, 5 de outubro de 2008

Neve em Marte



O planeta vermelho está menos marciano e mais terrestre


Na segunda feira passada, o time da Universidade do Arizona que controla a missão da espaçonave-robô Phoenix no solo marciano anunciou algo de sensacional: usando um canhão de raio laser como uma espécie de radar, a estação meteorológica a bordo da Phoenix detectou neve caindo de nuvens à altitudes em torno de quatro quilômetros.

Neve em Marte!

Mesmo que a neve vaporize antes de tocar o solo, a evidência torna Marte menos marciano e mais terrestre.

Cientistas esperam que com a chegada do inverno nos próximos meses, a neve possa acumular no solo. Missões anteriores haviam detectado sinais da existência de água no passado marciano, cicatrizes geológicas como cânions e leitos ressecados de rios.

Tendo pousado em maio numa região próxima ao pólo norte, a Phoenix logo detectou gelo no solo. Mas a recente descoberta muda o quadro radicalmente, demonstrando que o clima marciano ainda comporta o ciclo da água de condensação e precipitação.

Esse dinamismo tão familiar para nós, aumenta ainda mais as semelhantes entre a Terra e o planeta vermelho.

A Phoenix veio equipada com um mini laboratório projetado para fornecer informações sobre a composição do solo marciano. São microscópios de alta resolução, fornos e mini-kits químicos. Usando esses instrumentos, cientistas anunciaram recentemente a presença de carbonato de cálcio, comum na pedra calcária e no giz. Carbonatos são formados sobretudo em reações no meio aquoso, confirmando a presença de água líquida no solo. Fortalecendo ainda mais a evidência, o microscópio de força atômica encontrou sinais da presença de argila, também produto de reações em meio aquoso. A água líquida não existiu apenas no passado marciano. Com a chegada do inverno e o Sol cada vez mais baixo no horizonte, os painéis solares da Phoenix coletam cada vez menos energia solar para carregar suas baterias. Com a temperatura atual em torno de -50C, cientistas esperam que o robô congele em meados de novembro, quando suas baterias drenarem. Antes disso, pretendem ainda buscar evidência de compostos orgânicos no solo, componentes essenciais da vida. No solo onde se encontra a Phoenix, o pH -uma medida da acidez de uma solução que indica os tipos de reações químicas mais prováveis- foi estimado em 8,3, semelhante ao dos oceanos terrestres.

Os achados recentes aumentam ainda mais a possibilidade de que a vida tenha existido em Marte. Os otimistas acham que talvez ainda exista sob o solo. A presença de água, de carbonatos e de argila é consistente com a possibilidade de que a Phoenix tenha pousado numa "micro-zona habitável", um local onde a vida é, ao menos em princípio, possível. De qualquer forma, o acúmulo dos resultados dá suporte à teoria de que Marte era mesmo um planeta bem diferente no passado, possivelmente muito mais semelhante à Terra de hoje, com água líquida em abundância, temperaturas mais amenas, uma atmosfera mais densa e talvez até com oxigênio.

Caso isso seja verdade, teremos que responder a algumas perguntas óbvias. O que causou a mudança radical no clima marciano? Será que existem fósseis nas rochas marcianas? O sucesso da missão Phoenix, mesmo nesses dias de caos financeiro, aumenta as chances de voltarmos em breve ao solo marciano. No meio tempo, antes de as baterias drenarem, cientistas tentarão ligar um microfone a bordo do robô. Se o plano funcionar, ouviremos pela primeira vez os sons do misterioso planeta vermelho. Quem afirma que não existe mágica em ciência precisa prestar mais atenção.

domingo, 28 de setembro de 2008

Repensando a grande revolução

Copérnico não foi o único a propor o Sol como centro do cosmo

Antes de mais nada, defino que grande revolução é essa. Não falo de Garibaldi, de Che Guevara, ou de Lênin. Para esta coluna, a grande revolução é a revolução copernicana, que, conforme conta o mito, ocorreu quando o polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) "pôs" o Sol no centro do cosmo, mudando para sempre a história do conhecimento.

Ainda segundo o mito, antes de o sábio renascentista publicar o livro "Sobre as Revoluções das Esferas Celestes", ou seja, dos babilônios até 1543, todo mundo achava que a Terra era o centro de tudo e que o Sol, a Lua e os planetas giravam à sua volta. Também se acredita que Copérnico tenha enfrentado uma grande resistência por parte da Igreja Católica. Tem gente que acha até que ele tenha sofrido nas mãos da Inquisição.

Não há dúvida de que a obra de Copérnico é extremamente importante na história da astronomia. Mas vale a pena revisitar certas asserções comumente feitas sobre a dita revolução, não só como esclarecimento, mas, também, pelo seu enorme interesse histórico e pedagógico.
A revolução copernicana não é obra apenas de Copérnico. Ela se deve principalmente aos trabalhos do grande astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), do alemão Johannes Kepler (1571-1670) e do italiano Galileu Galilei (1564-1642). Podemos dizer que Copérnico plantou as sementes que foram gerar frutos devido à coragem e à dedicação desses três.
Copérnico também não foi o único a propor o Sol como centro do cosmo.

Mais de 15 séculos antes dele, e como ele mesmo afirma na dedicação de seu livro ao papa Paulo 3º, alguns filósofos gregos haviam proposto que a Terra girasse em torno de si mesma e que não fosse o centro das órbitas. Em particular, Aristarco de Samos (cerca de 300 a.C.) propôs um modelo essencialmente idêntico ao que seria proposto depois por Copérnico.

O fato de Copérnico ter dedicado seu livro ao papa mostra que não tinha nada a temer com relação à Igreja Católica. As maiores críticas ao heliocentrismo de Copérnico vieram de Martinho Lutero, que o acusou de paganismo. A igreja só irá adotar uma posição oficial contrária ao heliocentrismo em 1616, devido à insistência de Galileu (inspirado diretamente em Copérnico) de que a Bíblia não deve ser usada para estudar astronomia e que os teólogos que teimam em pôr a Terra no centro não entendem nem de astronomia nem de teologia. Numa época em que a Igreja Católica via a sua autoridade erodida pelas correntes protestantes, criticar o poder dos cardeais e dos bispos não era um boa política.

Mas era necessário.

Apesar de Copérnico ter publicado o seu livro em 1543, o primeiro a defender abertamente o heliocentrismo foi Kepler. Muita gente afirma que o monge italiano Giordano Bruno foi queimado na fogueira em 1600 pelo seu copernicanismo. Mesmo que ele defendesse as idéias de Copérnico, o seu maior problema com a Inquisição era de natureza teológica; ele duvidada da plausibilidade da Santíssima Trindade, da transmigração das almas e da virgindade de Maria.

Em 1597, Kepler publica o seu primeiro livro, onde toma o heliocentrismo como ponto de partida. Em 1609, usando os dados de Tycho Brahe, publica "Astronomia Nova", onde obtém as três leis do movimento planetário.

Na primeira delas, afirma que as órbitas planetárias são elipses e não círculos. Nesse mesmo ano, Galileu aponta o seu telescópio para os céus, mostrando que as idéias de Copérnico merecem ser levadas a sério. A partir daí, a grande revolução toma rumo, 66 anos após ter sido iniciada por Nicolau Copérnico. E o cosmo nunca mais foi o mesmo.

domingo, 21 de setembro de 2008

Mensagem do espaço



Fora a chuva, coisas que caem dos céus exercem enorme fascínio

Na noite do dia 7 de janeiro de 2007, Srini Nageswaran foi ao banheiro no segundo andar de sua casa em Nova Jersey, nos Estados Unidos, quando percebeu pedaços do teto espalhados pelo chão. Olhando para cima, viu que algo havia perfurado o telhado de sua casa. Os azulejos perto da privada foram estilhaçados.

Investigando os detritos, Nageswaran descobriu um objeto prateado na forma de um croissant com 10 cm de extensão. O formato do objeto era praticamente igual ao buraco no teto do banheiro. Ele concluiu que o objeto havia caído do céu. E que poderia ter matado uma pessoa de sua família.

Nageswaran ligou para a polícia. No dia seguinte, dois técnicos da Administração Federal de Aviação examinaram o estranho objeto, concluindo que não era parte de um avião. Seu pai sugeriu que fosse um meteorito, um pedaço de um meteoro que sobrevive à passagem pela atmosfera da Terra e choca-se com o solo.

Mais de 90% dos meteoros são rochosos. O restante contém ferro e níquel, alguns podendo ser puro metal. As famosas estrelas cadentes são meteoros que queimam em parte ou por inteiro na passagem pela atmosfera.

Os rasgos de luz que nos enchem de emoção e esperança não têm nada a ver com estrelas. Ainda bem: se uma estrela se aproximasse da Terra, seria a última coisa que veríamos.

As novas do meteorito começaram a se espalhar e logo causaram verdadeira sensação. Cientistas foram convidados pela polícia para examinar o objeto. Em geral, meteoritos têm uma crosta de fusão com alta oxidação ou material derretido, devido às altas temperaturas na passagem pela atmosfera. Apesar de esse objeto não ter uma crosta comum, era óbvio que parte do metal havia derretido. Os cientistas explicaram a Nageswaran que uma determinação final só seria possível se o objeto fosse cortado e seu interior examinado. Ele se opôs, pensando na rentabilidade do meteorito; alguns são extremamente valiosos. Se o objeto foi mesmo formado há 4,5 bilhões de anos e viajou milhões de quilômetros até cair na sua casa, não seriam cientistas que iriam alterá-lo.

O meteorito foi exibido num museu da Universidade Rutgers, onde atraiu multidões de curiosos.
Fora a chuva, coisas que caem dos céus exercem enorme fascínio. Quem não faz um desejo quando vê uma estrela cadente? (Que, repito, não tem nada a ver com estrelas.) Desde a Antigüidade, cometas, eclipses e meteoros foram associados com mensagens divinas, em geral de mau agouro. Uma louvável exceção é a Estrela de Belém, que presumivelmente anunciou o nascimento de Jesus.

Esses fenômenos, que discuto em meu livro "O Fim da Terra e do Céu", eram interpretados como uma comunicação entre os deuses e os homens que apenas sacerdotes e feiticeiros podiam interpretar. Hoje, são os cientistas que estão encarregados disso.

Alguns meses após o incidente, um novo instrumento ficou disponível: um microscópio scanner de elétrons a pressão variável, que permitia o estudo do meteorito sem cortá-lo. Os elétrons excitam os átomos do objeto, que, ao relaxar, emitem radiação que é usada para identificá-los. Cada átomo emite a sua, como uma impressão digital. Contrariamente aos meteoritos metálicos, esse não continha níquel.

Os cientistas encontraram manganês e cromo, indicando que o objeto era um amálgama, um tipo de aço inoxidável tipicamente usado em foguetes russos. O meteorito era lixo espacial, um problema cada vez maior. São quase 10 mil satélites em órbita, menos da metade ativos, fora pedaços de foguetes e antenas. Hoje, a mensagem nos céus mudou: ela nos diz que o tráfego está intenso.

domingo, 14 de setembro de 2008

O mundo não acabou!



A verdadeira missão do LHC é manter vivo um campo de pesquisa


Na madrugada de quarta-feira passada, o LHC, o gigantesco acelerador de partículas nos arredores de Genebra, na Suíça, passou por seu primeiro teste. Um feixe de prótons viajou em torno do anel de 27 km de circunferência a uma velocidade próxima à da luz, completando cerca de 11 mil voltas em um segundo. Em alguns meses, quando o LHC estiver funcionando para valer, dois feixes de prótons correrão em sentidos opostos e colidirão de cabeça dentro de enormes detectores.

Essas colisões terão energias jamais atingidas na Terra: apenas durante os primeiros instantes após o Big Bang, o venerável evento que deu origem ao cosmo, as partículas colidiam constantemente com tal energia. Por isso, o LHC é chamado de "máquina do Big Bang". Toda nova tecnologia gera um misto de expectativa e medo, especialmente quando quebra novas barreiras do conhecimento, como é o caso do LHC.

No século passado, o mesmo ocorreu antes do teste da primeira bomba atômica, no deserto de Álamo Gordo: cálculos indicavam que existia uma probabilidade mínima de a explosão rasgar a atmosfera, possivelmente acelerando a extinção da vida no nosso planeta. O teste veio, a explosão ocorreu, o mundo não acabou.

No caso do LHC, bem mais inofensivo, o medo vem da possibilidade de miniburacos negros serem gerados durante as colisões. Dada a reputação nefasta desses objetos astrofísicos, especulações pipocaram em blogs do mundo inteiro: será que esses buracos negros irão crescer e tragar a Terra inteira? Será que esses físicos finalmente conseguirão acabar conosco? Vários processos foram abertos, tentando bloquear a operação do LHC.

Felizmente, foram rejeitados por juízes que, se não conhecem a física, ao menos obtiveram boa consultoria a respeito. Como garante a equipe de segurança do próprio Cern, o laboratório onde fica o LHC, não há qualquer perigo de que algo assim ocorra (public.web.cern.ch/Public/en/LHC/Safety-en.html).

Os miniburacos negros que podem ser produzidos no LHC evaporam em frações de segundo, sendo incapazes de qualquer efeito macroscópico. Na natureza, raios cósmicos também atingem energias altíssimas e podem, a princípio, produzi-los. Apesar de sermos constantemente bombardeados por raios cósmicos, ainda estamos aqui. Mais interessante do que as supostas ameaças é a sociologia do experimento. Dezenas de países e milhares de cientistas do mundo inteiro contribuíram para a construção do LHC. A física de partículas experimental é hoje uma atividade internacional.

Os Estados Unidos, que dominarão a pesquisa nesse campo enquanto o LHC não estiver operando plenamente, entraram com mais de US$ 500 milhões no projeto. No total, o LHC custou em torno de US$ 8 bilhões. Seria trágico se nada muito extraordinário fosse encontrado. Existem várias previsões teóricas do que pode ser encontrado, algumas realistas e outras bem especulativas (como os miniburacos negros). Se apenas o mais "mundano" for visto, como o bóson de Higgs, a partícula que presumivelmente determina a massa de todas as outras partículas de matéria, o LHC terá servido para confirmar o que já era esperado.

Mesmo que essa confirmação seja um feito espetacular, será como beber champanhe choco. A verdadeira missão do LHC é manter vivo um campo de pesquisa que, devido aos seus enormes custos, fica cada vez mais difícil de justificar ao público. De minha parte, torço para que não só o Higgs seja descoberto como para que algo inesperado ocorra. Nada como uma boa surpresa para atiçar a curiosidade humana. E a natureza, sem dúvida, é cheia delas.

domingo, 7 de setembro de 2008

Independência e inovação



Matemática pura à parte, toda pesquisa é aplicada

Já que calhou desta coluna cair no dia da Independência, me parece adequado juntar o conceito de independência com o de liberdade intelectual. Não a liberdade de imprensa; felizmente, hoje não há ameaça ao direito que as pessoas têm de receberem informação sem a censura tendenciosa do Estado. Falo da liberdade intelectual que vem do aprendizado dos fatos e modos do mundo, com a capacidade que temos de compreender a natureza e de aplicar esse conhecimento à melhoria da qualidade de vida das pessoas. Essa liberdade é o arcabouço do pensamento científico.


A ciência só é possível quando indivíduos têm a liberdade de pensar sobre o assunto que lhes interessa e de trocar idéias criticamente entre si. Mesmo que exista a importante pesquisa direcionada, voltada exclusivamente para um fim preestabelecido, como o desenvolvimento de um produto ou de uma tecnologia de interesse comercial ou militar, historicamente as grandes inovações científicas aconteceram quando os cientistas tinham liberdade para criar, independentemente dos compromissos de curto prazo impostos pela economia ou por interesses do Estado.


Falo, portanto, da chamada pesquisa básica, a ser distinguida da chamada pesquisa "aplicada". Ponho aspas porque a palavra aplicada pode ter muitas conotações. De certa forma, com exceção da matemática pura, toda a pesquisa é aplicada, já que busca novos conhecimentos sobre o mundo natural.


Mesmo os assuntos mais esdrúxulos -que vão de buracos negros, por exemplo, à matéria escura que gravita em torno das galáxias- podem um dia vir a ter um papel tecnológico. É impossível prever. O que podemos dizer é que a história nos ensina que as descobertas de hoje são as tecnologias de amanhã. A distinção entre pesquisa aplicada e básica é, a meu ver, bastante sutil.
Como exemplo, cito o caso das ciências dos materiais. Milhares de cientistas buscam atualmente materiais que sejam supercondutores a altas temperaturas, isto é, materiais que não oferecem qualquer resistência à passagem de correntes elétricas. Um fio comum esquenta quando passa uma corrente, o que acarreta num maior uso de energia.


É óbvio que a descoberta desses materiais teria uma série de aplicações industriais. Mas existe também o interesse em descobrir quais são as propriedades físicas de metais e cerâmicas que podem levar à supercondutividade à temperatura ambiente. Muitos cientistas se contentam em entender isso, sem correr a um advogado de patentes apenas feita uma descoberta. Deveria haver uma aliança entre as universidades e a indústria, permitindo cientistas a dedicarem-se à pesquisa sem o pavio curto das necessidades do mercado.


Isso é praxe nas economias de ponta e começa timidamente no Brasil. É difícil para um investidor pensar nas vantagens de uma operação a longo prazo. Mas, no caso da pesquisa científica, a paciência vale ouro. Se um laboratório recebe financiamento sem atraso e em nível suficiente, é quase certo que os frutos venham. E que sejam inesperados. Com liberdade, a pesquisa traça caminhos que nem sempre são previsíveis. O elemento surpresa, tão difícil de quantificar e de vender a um órgão de financiamento, tem um papel muito importante na ciência.


Fala-se muito em descobertas acidentais, como os raios X e a radioatividade. Prefiro dizer que a sorte ajuda aos bem preparados. A melhor garantia de qualquer investimento em pesquisa é dar aos cientistas de boa reputação as condições necessárias para que possam criar com liberdade.

domingo, 31 de agosto de 2008

Sede humana



Em 2050, serão quase 10 bilhões de pessoas para alimentar

Tudo começou cerca de 10 mil anos atrás, quando os humanos decidiram se agrupar em comunidades fixas numa determinada região. Antes disso, grupos nômades pulavam de ponto a ponto, colhendo frutos e raízes que achavam pelo caminho e caçando animais e peixes para sua subsistência. Acumulando experiência, aprenderam quais vegetais eram comestíveis, quais eram venenosos e quais tratavam doenças. Nessa virada da história, os homens descobriram que era possível acelerar a produtividade da natureza, concentrando árvores frutíferas e vegetais em plantações. Em vez de ir atrás da comida, passaram a viver em torno dela.

Assim foi, por exemplo, na região do Crescente Fértil, no Oriente Médio. Essa transição de comportamento iniciou também o profundo impacto ecológico causado pela presença dos seres humanos na Terra.

Plantações precisam de espaço e de água. Portanto, era necessário preparar a terra, ou seja, cortar vastas áreas florestais ou soterrar o mangue para cultivá-las. Era também necessário redirecionar enormes quantidades de água para suprir as novas plantações.

Com o sucesso da agricultura, o acúmulo de riqueza e o desenvolvimento das primeiras cidades, essas necessidades aumentaram. O equilíbrio dinâmico que havia definido a existência da vida na Terra por bilhões de anos foi irreversivelmente rompido pelo desenvolvimento da civilização humana.

É paradoxal que a atividade que historicamente mais devastou o meio ambiente seja a agricultura. Olhe para as enormes áreas do interior do Brasil e da maioria dos países do mundo com regiões férteis. As florestas originais se foram há centenas de anos, deixando plantações ou, caso estas tenham sido abandonadas, a grama alta dos pastos, a terra sem uma árvore sequer.
Fazer o quê, certo? Afinal, as pessoas precisam se alimentar.

E cada vez somos mais. O aumento da população mundial é assustador. Após atingir o pico em 1987 de 87 milhões de pessoas por ano, chegou até a descer. Em 2002 foi de "apenas" 75 milhões de pessoas, começando a subir novamente em 2007, com 77 milhões de pessoas por ano. Se a tendência continuar, em dez anos teremos mais 800 milhões de pessoas no mundo, todas precisando comer, beber e de combustíveis fósseis ou outras fontes de energia para sobreviver.
Como comparação, estima-se que, no início da civilização, a população aproximada da Terra fosse de 5 milhões, em torno de 25% da população da Grande São Paulo. No ano 1000, cresceu para cerca de 300 milhões.

Em 1900, era de 1,7 bilhão de pessoas.

O enorme aumento de 570% em 900 anos foi devido ao desenvolvimento de tecnologias de produção de alimentos, da medicina e da extração de energia. Hoje, a população é de 6,7 bilhões de pessoas. Ou seja, em 108 anos a população mundial quadruplicou.

As estimativas para 2050 giram em torno de 9,3 bilhões de pessoas. Enorme, mas com taxa de crescimento relativo menor. Mesmo assim, são quase 10 bilhões de pessoas para alimentar e hidratar. Será que podemos continuar a nos fiar na inventividade humana, no desenvolvimento de tecnologias para resolver nossos problemas? (Resolver em parte, dada a enorme quantidade de pessoas famintas e doentes no planeta.)

Os problemas da superpopulação, do aquecimento global, da produção de alimentos e da distribuição de água são os maiores desafios já enfrentados pela humanidade. Podemos ver isso com desespero ou como uma grande oportunidade para nos reinventar.

Prefiro apostar na nossa capacidade de sobrevivência. Não temos muito tempo a perder.

domingo, 24 de agosto de 2008

Contos da infância galáctica



O cosmo é semelhante a um campo com árvores de Natal na noite escura


S abemos hoje a idade do Universo: em números arredondados, 14 bilhões de anos. Esse é o tempo passado desde o Big Bang, o evento que deu origem a tudo. Sabemos, também, que o Universo é salpicado de centenas de bilhões de galáxias, cada uma com milhões ou até centenas de bilhões de estrelas. Esse é o caso da nossa galáxia, a Via Láctea, onde o Sol é uma humilde estrela em meio a tantas outras. Mas não se iluda pensando que essas estrelas todas estão pertinho umas das outras. Não, o espaço é praticamente vazio, e as distâncias entre as estrelas são em média de dezenas de anos-luz. Ou seja, viajando à velocidade da luz, demoraríamos dezenas de anos para ir de uma a outra.

Mesmo com tantas estrelas, a galáxia em si é tão enorme que as distâncias entre elas são...astronômicas. A Via Láctea tem um diâmetro de 100 mil anos-luz. Com tecnologia atual, demoraríamos em torno de 25 mil anos para atravessar um mero ano-luz. A galáxia inteira tomaria uns 2,5 bilhões de anos. Penso nisso e sinto uma grande solidão: estamos mesmo muito isolados do resto do cosmo, nós e os outros planetas do Sistema Solar, todos eles -ao menos hoje- sem vida.

A Terra é uma ilha de atividade biológica em meio à desolação total que nos cerca por muitos anos-luz. Mas o Sol não é a única estrela. E a Via Láctea não é a única galáxia. Hoje temos uma visão do cosmo que é semelhante à de um campo com árvores de Natal espalhadas na noite escura.

Cada árvore iluminada é uma galáxia, e as luzes, suas estrelas. Na escuridão da noite, vemos apenas as luzes das árvores piscando, parecendo flutuar pelo campo afora. Assim nos parecem as galáxias, formadas apenas de estrelas e gás. De perto, porém, a história é outra. Na árvore de Natal existe uma estrutura que sustenta as lâmpadas, a árvore e os seus galhos. Mas e nas galáxias? O que as sustenta? Em cada uma delas existe também uma estrutura, uma teia invisível de matéria que dá suporte às estrelas e ao gás que produz sua luz.

Só que essa teia invisível não é feita da mesma matéria que as estrelas e as nuvens de gás. Essa "matéria escura" -esse é o seu nome- não tem nada a ver com a matéria comum que conhecemos. Ninguém sabe que matéria é essa. Mas sabemos que cerca de 80% da massa das galáxias corresponde a essa matéria e não às estrelas. Exagerando um pouco a metáfora das árvores de Natal, nelas também a massa em matéria escura -o tronco e os galhos- é bem maior do que a massa total das pequenas lâmpadas.

Uma das questões de ponta em astrofísica, fora, claro, o que é essa matéria escura, é como nasceram as galáxias. Sabemos que a grande escultora das formas cósmicas é a força da gravidade. Dado que 80% da massa das galáxias é em matéria escura, é claro que sua dinâmica de formação também é dominada por esse tipo de matéria. Estudando as propriedades de galáxias quando o Universo tinha 7 bilhões de anos, metade de sua idade atual, astrônomos descobriram que as coisas eram semelhantes; os mesmos tipos de galáxias, com a mesma dinâmica: galáxias espirais cheias de estrelas nascendo e galáxias elípticas com estrelas velhas.

A matéria escura cria poços gravitacionais para onde flui a matéria normal, que forma as estrelas. Esse movimento causa ondas de choque violentas. Quanto mais matéria escura, mais violenta a onda de choque. Nos casos mais dramáticos, o choque pode interromper a formação de estrelas. Galáxias elípticas são as que têm a formação de estrelas interrompida mais cedo. Mesmo que ainda existam muitos pontos obscuros, a infância das galáxias começa a ser desvendada.

domingo, 17 de agosto de 2008

Sobre a criatividade



Como bom carioca, "sacada" é a boa tradução para "insight"

Na semana passada, escrevi sobre o riso. Como vimos, não existe uma teoria aceita que explique a relação entre o estímulo mental causado pela piada e sua transformação na reação física igual em todas as partes. Todo mundo ri da mesma forma, mesmo que seja de piadas diferentes.

Dentre as teorias populares, a de Kant é bem razoável, especialmente casada com a de Freud.
Kant disse que rimos quando existe uma interrupção inesperada na lógica da história, uma contradição na expectativa do desenlace. Sem surpresa não rimos. Freud disse que a reação física vem da liberação de impulsos que os superegos reprimem. No universo da piada, podemos "deixar cair". Existe uma outra dimensão do riso causado pelo humor que gostaria de abordar: sua relação com a criatividade.

A palavra inglesa "insight" não tem uma boa tradução em português. Segundo o venerado dicionário Michaelis, "insight" significa "introspecção, compreensão, discernimento, critério". Talvez "compreensão" se aproxime do significado, mas ainda não lhe faz jus. Como bom carioca, "sacada" me parece funcionar melhor, especialmente adicionada de "genial". O ponto interessante é a conexão entre humor e "insight", o momento do "ahá!", da compreensão inconsciente de algo.

Toda piada, quando explicada, perde a graça. A reação física característica do riso, o alívio de uma tensão mental, só se manifesta quando "entendemos" a piada de forma não-racional ou consciente.

A compreensão ocorre em algum lugar do cérebro que parece funcionar por si. Se o interrompemos com explicações, a reação da descoberta é perdida. Assim é com os momentos criativos nas artes e nas ciências. Existe uma preocupação com a obra, um objetivo a ser atingido que permanece arredio.

Esse é o análogo da tensão na piada, do encadeamento lógico da história da qual não conhecemos o fim. Não conseguimos provar o teorema, resolver a questão, encontrar a nota certa na composição musical ou o traço certo no quadro. Mas nossos cérebros continuam a funcionar, a buscar conexões na memória, correlacionando fatos e possibilidades. De repente, quando menos esperamos, a solução vem à tona explosivamente, o momento do "ahá!", da sacada. Esse momento é sempre acompanhado de uma sensação física de liberação, de um alívio que pode até mesmo levar a um estado de êxtase.

Deve ser causado por uma corrente turbulenta de reações químicas regadas a muita endorfina. Imagino os neurônios piscando como loucos, transformando o cérebro numa espécie de árvore de Natal. O grego Arquimedes (diz a lenda) saiu correndo nu pelas ruas de Siracusa ao encontrar a solução para um problema que o afligia, um modo de provar que a coroa de seu rei, que deveria ter sido feita de ouro puro, foi na verdade feita de uma mistura de ouro e prata: a densidade determina se algo bóia ou não.

Mas como estudar quantitativamente o momento da sacada? Experimentos nos EUA e na Inglaterra vêm tentando fazer isso. Para tal, usam voluntários com chapéus cobertos de eletrodos capazes de medir as mudanças de corrente elétrica no cérebro quando tentam resolver problemas envolvendo palavras.

Vêem que, quando as pessoas estão num impasse, a atividade cerebral se limita à áreas associadas com o foco seletivo. Segundos antes de a solução chegar, o padrão muda e a atividade migra para a região frontal à direita, implicada na organização do conhecimento e na arquitetura de planos. Porém, os estudos estão longe de serem conclusivos. Falta uma sacada genial para entender o mecanismo mental que leva a ela.

domingo, 10 de agosto de 2008

Sobre o riso



A piada abre os canais para expressarmos impulsos socialmente proibidos ou reprimidos

Um português e um físico entram num bar e encontram um buraco negro aos prantos, tomando uma cerveja. O físico, pasmo, não acredita no que vê e fica olhando, desconfiado, da porta. Já o português, encantado com a visão, se aproxima do buraco negro: "Ó, seu buraco negro, sinto-me muito atraído por você". E o buraco negro responde: "Seu falso! Todos me dizem a mesma coisa antes de sumir..."

Por que rimos? Ninguém sabe. O riso tem uma qualidade universal: todas as culturas têm seus contadores de piadas. E, mesmo que a piada tenha graça só para uma cultura, as pessoas reagem sempre da mesma forma. Não importa se a língua é completamente diferente, se a pessoa é da Mongólia, um aborígene australiano ou um índio tupi, o riso é sempre muito parecido, uma reação física a um estímulo mental. Mas que estímulo mental é esse que nos faz reagir fisicamente de uma forma tão característica?

As teorias são muitas, começando desde a Antigüidade. Platão e Aristóteles diziam que o riso vem de uma sensação de superioridade, vendo o humor como um modo de expressar nosso desprezo pelos que julgamos ser inferiores. Na piada acima, o português faz esse papel. O físico, esperto, sabe que devemos nos manter longe dum buraco negro. Já o português, coitado, se aproxima e tem o mesmo fim dos infelizes que desconhecem as leis da física.
Mas esse não é o único tipo de humor. Existem vários outros, como quando rimos com um jogo de palavras: "O trabalho é a maldição das massas alcoólatras", disse Oscar Wilde, o mestre inveterado das frases feitas. Kant, o grande filósofo alemão, teorizou que o riso é resultado do rompimento inesperado de uma expectativa, o que às vezes é chamado de "teoria da incongruência".

A piada é uma história que esperamos que tenha um fim lógico. É o rompimento inesperado da lógica numa direção absurda que nos faz rir.

Por isso, quando explicamos uma piada ela perde completamente a graça.
O desafio, como afirma o autor Jim Holt em seu recente livro "Stop Me If You've Heard This" (Me Interrompa Se Você Já Ouviu Essa, em inglês, editora W.W. Norton), é entender por que o rompimento com a lógica provoca uma reação física tão peculiar. O que uma coisa tem a ver com a outra?

Entra Freud com a sua "teoria do alívio". Segundo Freud, a piada abre os canais para expressarmos impulsos socialmente proibidos ou reprimidos, não só relacionados ao sexo e à agressividade como, também, o impulso lúdico que adultos, infelizmente, tendem a desprezar em sua pressa diária.

Basta conviver com uma criança para ver como o riso corre mais solto, como tudo é mais engraçado. O riso, para Freud, permite sermos criança mais uma vez, deixando escapar as inibições que nosso superego constrói ao longo de nossas vidas. O que não temos coragem de falar fica sancionado numa boa piada suja ou de conteúdo racista, machista ou xenófobo. No universo da piada vale tudo.

O problema com essa teoria é que ela prevê que, quanto mais inibida a pessoa, mais ela rirá com a piada, maior será o seu alívio. E estudos mostram justamente o oposto. As pessoas sexualmente mais "abertas" são as que riem mais das piadas sujas.

Existe até uma teoria que explica o riso através da teoria da evolução de Darwin. Segundo ela, o riso era um modo de comunicação pré-verbal -os chimpanzés, por exemplo, também riem- que visava diferenciar inimigos de amigos. O riso na chegada de um visitante era o sinal para o grupo de que não existia perigo. Seja qual for a explicação ou as explicações, uma coisa é certa: rir só faz bem.

domingo, 3 de agosto de 2008

O céu embaixo da Terra



Existe uma astronomia que se enterra para estudar os astros

Quando se pensa em astronomia e astrônomos, a primeira imagem que temos é a de um sujeito sozinho no seu observatório no alto de uma montanha, com o olho fixo na lente de seu enorme telescópio. Existe algo de romântico nessa visão, o homem em busca de uma compreensão mais profunda do Universo, armado apenas de seu instrumento e de sua criatividade.

Não há dúvida de que essa imagem do astrônomo foi inspirada pela prática da astronomia que, tradicionalmente, era mesmo feita assim. Porém, com a automatização dos telescópios e a digitação de sua óptica, hoje controlada por CCDs acoplados a computadores ultra-rápidos, poucos astrônomos precisam ir até seus observatórios para colher dados para pesquisa.

Um exemplo extremo dessa automatização é o Telescópio Espacial Hubble, um dos instrumentos científicos mais bem-sucedidos da história, que é operado inteiramente da Terra por controle remoto. O Hubble não passa de um robô extremamente sofisticado, desenhado para colher imagens de alta precisão de objetos celestes próximos e muito distantes.

Assim como ele, existem muitos outros robôs observatórios colhendo dados em regiões do espectro eletromagnético além das que nos são visíveis. Um exemplo recente é o observatório espacial Glast, que estuda a radiação eletromagnética (RE) mais energética, os raios gama. De passagem, menciono que um dos operadores principais do Glast é o físico brasileiro Eduardo do Couto e Silva (tema da coluna de 15 de junho de 2008).

Mas existe outro tipo de astronomia que, paradoxalmente, para estudar o que existe nos céus, é realizada embaixo da Terra. Para entendermos como isso é possível, é bom lembrar que a luz, os raios X, os raios gama e as várias outras formas de RE são compostas de partículas chamadas fótons. Os telescópios que captam a luz, os raios gama ou outros tipos de RE são, na verdade, detectores de fótons, como se fossem redes de pesca desenhadas para apreender essas partículas.

Só que os fótons não são as únicas partículas que existem nos céus. Pelo contrário, muitas outras "chovem" continuamente sobre nós. A maioria faz parte dos chamados raios cósmicos, compostos principalmente de prótons, elétrons e múons, que são elétrons mais pesados. Outras são os neutrinos, as "partículas-fantasma", produzidas no coração do Sol. Neutrinos são capazes de atravessar a matéria normal como se fossem fantasmas.

Paredes ou mesmo a Terra inteira não são obstáculos para eles. Algumas partículas, como os elétrons e os múons, também penetram a matéria por boas distâncias. Portanto, para estudar os neutrinos sem a interferência de outras partículas, físicos usam cavidades subterrâneas, em geral minas abandonadas. Nelas, montam seus "telescópios", detectores capazes de identificar as raras colisões de neutrinos com a matéria comum.

Existem outras partículas cruzando o espaço ainda mais misteriosas do que os neutrinos. Delas sabemos apenas que não são como a matéria comum. Elas não produzem RE, como fazem os elétrons. Portanto, não brilham, sendo conhecidas como "matéria escura". Sabemos que existem apenas porque sua massa afeta o comportamento das galáxias pela gravidade. Cada galáxia tem uma espécie de véu de matéria escura, com uma massa que chega a ser dez vezes maior do que a massa de todas as suas estrelas.

A matéria escura também é caçada em observatórios subterrâneos. Até agora, nenhuma candidata foi detectada, o que causa uma certa ansiedade nos físicos. Mas também aumenta o seu fascínio. Vivemos numa realidade dominada pelo que nos é invisível.

domingo, 27 de julho de 2008

O mito pitagórico




O poder de uma idéia reside no fato de ela ser efetiva

Para a maioria das pessoas, o nome Pitágoras é associado ao teorema que relaciona a hipotenusa aos catetos de um triângulo retângulo. Lembro que, na escola, o professor nos ensinou que Pitágoras foi o fundador da matemática, o primeiro pensador a criar a estrutura de teoremas e provas que a caracteriza.

Lendo sobre sua vida; aprendemos que Pitágoras viveu em torno de 550 a.C., que fundou uma seita filosófica que combinava misticismo e matemática e que foi o primeiro a desenvolver a noção de que os números são a essência da realidade: se quisermos compreender a estrutura da natureza, o funcionamento das coisas, basta explorarmos as relações entre os números. Ou seja, a Pitágoras é atribuído o título de pai da ciência.

Arthur Koestler, em seu maravilhoso livro "Os Sonâmbulos", escreveu que Pitágoras foi o "fundador da cultura européia em sua vertente mediterrânea ocidental". O filósofo e matemático Bertrand Russell escreveu em 1946 que "Pitágoras foi intelectualmente um dos homens mais importantes da história". Realmente impressionante. Pena que quase tudo acima seja falso, resultado de uma elaborada fabricação.

Não há dúvida de que Pitágoras criou mesmo uma seita no sul da Itália, e de que nela se especulava sobre a relação entre os números e a realidade. Mas o objetivo não era criar uma descrição científica da natureza; o foco das atividades parecia ser uma numerologia que atribuía significado mágico aos números.

Por exemplo, ao casamento era atribuído o número 5, pois é a soma do primeiro ímpar, representando os homens (3) e do primeiro par, representando as mulheres (2). Aparentemente, o número 1 não contava. O desafio maior encontrado pelos historiadores é que não existe sequer uma linha escrita por Pitágoras. As fontes são todas póstumas, como é o caso de Aristóteles, que escreveu em torno de 150 anos após a morte de Pitágoras.

Segundo o historiador Walter Burkert, as fontes do mito pitagórico, que dizem que Pitágoras criou uma visão unificadora da natureza descrevendo-a a partir de números e geometria foram deliberadamente criadas. De acordo com elas, ele desenvolvera a relação entre os tons da música e os números inteiros e, também, pregava que a essência da natureza é matemática e que a missão do filósofo é desvendar essa essência para, com isso, compreender a mente de Deus.

Essa criação coube a dois discípulos de Platão, Espeusipo e Xenócrates, ambos líderes da Academia após a morte de seu ilustre mestre.

O que os discípulos tentaram, ao aumentar o conteúdo das descobertas dos pitagóricos, foi atribuir a Platão a continuidade da obra de Pitágoras que, segundo eles, foi o apóstolo de uma filosofia matemática que antecipava vários aspectos da metafísica platônica. Segundo outra lenda, na entrada da Academia, podia-se ler a inscrição: "Que ninguém ignorante de geometria entre".

A estratégia funcionou. O mito pitagórico cresceu com os séculos, influenciando profundamente os místicos neoplatônicos da Idade Média e da Renascença, que contribuíram ainda mais na sua elaboração.

No meu livro "A Dança do Universo", onde descrevo em mais detalhe a lenda e o legado pitagórico, afirmei que "o poder de um mito não está em ele ser falso ou verdadeiro, mas em ser efetivo". Não é tão importante se foi ou não Pitágoras o criador dessa relação entre os números e a natureza.

O mito inspirou grandes pensadores, de Copérnico e Kepler a Einstein. E influencia até hoje, na busca por uma descrição unificada da realidade física baseada na geometria.

domingo, 20 de julho de 2008

Medo dos físicos



O mundo não vai acabar por causa dos miniburacos negros do LHC


Ainda neste ano deve entrar em funcionamento a maior máquina já criada pelos homens (e mulheres), o Grande Colisor de Hádrons, ou LHC. O projeto, com custo estimado em US$ 8 bilhões, envolveu milhares de físicos, engenheiros e técnicos. Seu objetivo principal é explorar uma das questões mais fundamentais da ciência, a origem da massa.

Segundo a física moderna, a matéria é composta por pequenos corpúsculos indivisíveis, as partículas elementares. Os colisores de partículas são máquinas que aceleram esses corpúsculos uns contra os outros ao longo de circuitos semelhantes à pistas ovais de corrida, ocasionalmente provocando colisões frontais entre eles.

O segredo dos colisores está na violência das colisões: as partículas são aceleradas até velocidades próximas à da luz; ao colidirem, sua energia de movimento (ou energia cinética) é transformada -segundo a famosa relação E=mc2- em outros corpúsculos. Com isso, físicos podem estudar a composição da matéria e as diferenças entre as massas das partículas.

Mas o assunto hoje não é a física detalhada do LHC, e sim o medo que a máquina tem gerado. Quando o Centro Europeu de Física Nuclear, o Cern, a casa do LHC, anunciou que dentre as possíveis descobertas está a produção de miniburacos negros, o público logo se interessou. "Opa! Buracos negros sugam tudo, certo? Será que esses físicos loucos vão criar um monstro que vai sugar a Terra inteira, criando o próprio Apocalipse?"

Rapidamente, a notícia motivou inúmeros artigos e discussões em blogs. Um morador do Havaí chegou até a entrar na justiça com uma ação para tentar deter o LHC, alegando que físicos inconseqüentes poderiam destruir o mundo.

O temor é completamente infundado. É verdade que o LHC atingirá energias maiores do que no interior do Sol. Mas a diferença essencial é de escala. Quando prótons (os corpúsculos que irão colidir no LHC) colidem, a energia liberada é equivalente a de um bando de mosquitos. O que o LHC fará magnificamente é concentrar essa energia numa escala submicroscópica. Como afirma o relatório divulgado pelos especialistas de segurança do CERN, quando você bate palmas para esmagar um mosquito, está criando uma colisão com energia muito maior do que a do LHC. E ninguém cria mini buracos negros batendo palmas.

(Aliás, uma imagem bem propícia a um conto de ficção científica...)

Em princípio, é possível que a colisão de prótons crie um miniburaco negro. Mas esse buraco negro não tem nada a ver com algo que pode se tornar um gigante, tragando a massa terrestre e nós com ela. Miniburacos negros têm massa microscópica e vivem por muito pouco tempo. Como propôs Stephen Hawking, esses objetos perdem massa -evaporam- muito mais rapidamente do que são capazes de ganhá-la. Isso porque sua massa é pequena demais para exercer atração eficiente sobre outros objetos. Portanto, mini buracos negros -se criados no LHC, uma possibilidade no mínimo muito remota- irão desaparecer rapidamente, sem criar qualquer efeito detectável macroscopicamente.

Por trás do pânico está o medo do desconhecido, de estarmos nos debruçando sobre uma janela que dá para terras nunca dantes vislumbradas.

Juntando a isso o fato de físicos serem mesmo capazes de destruir o mundo -haja visto as bombas de hidrogênio- e mais as tantas histórias e filmes de ficção científica sobre o cientista louco cuja invenção foge do controle (iniciado com Frankenstein), fica clara a origem do temor. Mas o leitor pode ficar tranqüilo, pois nada de apocalíptico vai ocorrer. A menos, claro, que a máquina não funcione.

domingo, 13 de julho de 2008

A vida vista de longe




Os cientistas da Terra é que devem ir em busca dos ETs


"A vida busca a vida", escreveu o celebrado astrônomo e divulgador de ciência Carl Sagan. Sendo assim, é no mínimo curioso que ainda não tenhamos recebido visitas de extraterrestres.

Afinal, mesmo se nos limitarmos à nossa galáxia, a ilha de cerca de 300 bilhões de estrelas da qual o Sol e os seus planetas fazem parte, há estrelas e planetas demais para que nenhum tenha desenvolvido vida, incluindo a mais rara vida inteligente. Esse é o famoso paradoxo de Fermi: dado o número de estrelas da Via Láctea e os seus 10 bilhões de anos (o dobro da idade do Sol), os ETs teriam tido tempo de sobra para desenvolver tecnologias capazes de cruzar as enormes distâncias interestelares e vir nos visitar. E a verdade é que, tirando as hipóteses absurdas de Erich von Däniken, segundo a qual ETs estiveram já por aqui e ajudaram a construir as pirâmides egípcias, as linhas de Nazca e outros projetos grandiosos de nossos antepassados (e descontando os relatos de indivíduos sem maior prova do que narrativas ou fotos suspeitas), os ETs nunca estiveram por aqui. Se estiveram, não parecem estar interessados em contatar cientistas ou políticos para um papo mais sério, limitando-se a exibir suas espaçonaves nas noites e a realizar experimentos com o aparelho reprodutor humano.

Dada esta crua realidade, são os cientistas da Terra que devem ir em busca dos ETs. O problema que enfrentamos são as enormes distâncias. Infelizmente, o espaço entre as estrelas é muito grande e essencialmente vazio. Temos procurado por vida na nossa vizinhança, nos planetas e nas luas do Sistema Solar. Mas, até agora, não encontramos nada, e é pouco provável que encontremos mesmo uma mísera bactéria no subsolo marciano, ou no oceano sob a espessa camada de gelo que cobre Europa, uma das luas de Júpiter. A vida, mesmo não sendo exclusividade do nosso planeta, é rara.

Tomemos como exemplo nossa estrela vizinha, a Alfa-Centauro. Em números arredondados, ela fica a 5 anos-luz do Sol: a luz demora cinco anos de lá até aqui. Isso equivale a uma distância aproximada de 50 trilhões de quilômetros (5 x 1013km). Com tecnologias atuais, em que espaçonaves atingem velocidades de cerca de 50 mil km/h, demoraríamos em torno de 115 mil anos para chegar lá... Obviamente não será esse o caminho para descobrirmos se existe vida fora da Terra. Seria realmente fascinante se inteligências extraterrestres tivessem desenvolvido tecnologias capazes de cobrir essas distâncias com mais eficiência. Por que eles não vêm aqui nos explicar como se faz? O jeito é procurarmos por vida remotamente. ETs que tivessem telescópios dotados com espectrógrafos poderiam analisar a composição química da atmosfera terrestre. Veriam a enorme quantidade de oxigênio e água; veriam ozônio, metano, óxido nitroso, e concluiriam que aqui existem ciclos de conversão de energia solar em metabolismo típico de seres vivos. Oxigênio, em particular, é um excelente sinal de vida. Em geral, quando presente, é rapidamente usado na oxidação de rochas. Livre, como por aqui, é prova de que algo o está produzindo com muita eficiência. Algo vivo.

Vários projetos futuros farão o mesmo; procurarão por vida na atmosfera de planetas girando em torno de outras estrelas. A vida, se existir, dependerá da estrela que lhe provê energia; estrelas mais fracas do que o Sol poderão ter plantas pretas, para fixar mais energia; nas mais fortes, as plantas terão de refletir parte da luz; nas estrelas que emitem muito ultravioleta, a vida terá que ser embaixo d'água para se proteger da radiação. Se vida busca vida, parece que somos nós que teremos que encontrá-la.