domingo, 25 de março de 2007

Solidão cósmica

De 1 milhão de mundos com vida, uma pequena fração terá vida multicelular

Nos últimos 15 anos, astrônomos confirmaram algo que muitos cientistas e, antes deles, filósofos, suspeitavam: o Sol não é a única estrela que tem planetas girando à sua volta. Os planetas nascem juntamente com as estrelas, como conseqüência da implosão gravitacional de nuvens ricas em hidrogênio, hélio, oxigênio e muitos outros elementos.

Ou seja, nosso Sistema Solar não é especial, ao menos no que tange ao fato de ter planetas e luas em órbita de uma estrela central.Vamos então supor que, em média, as estrelas tenham ao redor de si em torno de cinco planetas e um número indefinido de luas. Claro, algumas vão ter mais planetas, outras menos -ou até nenhum planeta. Mas a suposição é razoável dentro do que sabemos hoje.

Como existem em torno de 200 bilhões de estrelas na nossa galáxia, a Via Láctea, nossa suposição implica que cerca de um trilhão de planetas, um trilhão de mundos, circulem pela nossa "vizinhança" cósmica. As aspas são um lembrete de que por vizinhança quero dizer apenas a nossa galáxia, com um diâmetro de 100 mil anos-luz. Uma vizinhança aparentemente grande mas ínfima na escala cósmica, onde existem algumas centenas de bilhões de galáxias, cada qual com seus milhões ou bilhões de estrelas.

Desse trilhão de planetas em nossa galáxia, talvez 1% esteja localizado na "zona habitável", o cinturão que define a distância entre planetas e estrela na qual é possível que exista água líquida: muito perto da estrela o calor evapora a água; muito longe, o frio a congela. No Sistema Solar, a Terra é o único planeta na zona habitável. Mas veja que mesmo essa regra é apenas relativamente útil: Europa, uma das luas de Júpiter -portanto, fora da zona habitável-, tem um oceano de água salgada sob uma crosta de gelo que cobre toda a sua superfície, como um bombom com licor dentro, duro por fora e líquido por dentro.

Desse 1% de planetas com água líquida, em torno de 10 bilhões em nossa galáxia, quantos podem ter desenvolvido vida? Ninguém sabe ao certo. Porém, o que vemos aqui na Terra é que a vida é extremamente criativa e resistente: bactérias foram encontradas sob o gelo das calotas polares, ao redor de chaminés submarinas onde a água ferve e não existe luz ou oxigênio, e até mesmo em piscinas usadas para resfriar reatores nucleares.

Dado que as mesmas leis da química e da física valem em todo o cosmo, não é absurdo supor, e, de fato, não vejo como pode ser diferente, que as leis da bioquímica e da biologia também valham em todo o Universo. Conseqüentemente, é muito provável que formas de vida primitiva tenham aparecido em outros mundos com água líquida. Digamos que 0,01% dos mundos com água líquida tenham vida, um em cada 10 mil. Ficamos com 1 milhão de mundos na Via Láctea com alguma forma de vida primitiva.

Quantos desses mundos desenvolvem seres multicelulares? Mais uma vez, ninguém sabe. Aqui na Terra, a vida permaneceu unicelular por quase 2 bilhões de anos. O pulo para seres multicelulares é difícil. Para seres complexos, como répteis ou mamíferos, maior ainda. Portanto, desse 1 milhão de mundos com vida, uma pequena fração terá vida multicelular. Qual? Ninguém sabe. Digamos 0,01%, o que nos deixa com cem mundos. Deles, talvez alguns tenham vida inteligente, um punhado deles. Ou talvez apenas um, o nosso. Difícil aceitar essa solidão cósmica. Mas pelo que sabemos hoje, ela parece ser inevitável. O que nos torna raros e preciosos.

domingo, 18 de março de 2007

A matemática da beleza

O belo segue princípios que o artista aprende olhando o mundo

O que conchas de caracóis, galáxias, furacões, os chifres de um bode e a curva do seu lábio superior têm em comum? Todos seguem a mesma curva fundamental, a espiral logarítmica. Não, seus lábios não são uma espiral, mas parte dela. Todas essas formas, além de revelarem uma elegância única, atestam também uma unidade nos processos criativos que existem no mundo natural.

No caso da espiral, ela surge quando a parte externa de um objeto cresce mais rapidamente do que a interna. Observar e apreciar a beleza das espirais equivalem a olhar para o mundo com os olhos de um artista e de um matemático ao mesmo tempo. Por trás dessas e muitas outras formas, existe um número mágico, a chamada seção áurea ou proporção divina, 1,618.

O número aparece na famosa série de Fibonacci, o italiano que em 1202 escreveu um manual de matemática chamado "Livro do Ábaco". Nele, Fibonacci examinou a série de números obtidos ao somarmos os dois anteriores: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144... Quando dividimos um número pelo seu antecessor, a série converge para a seção áurea. Por exemplo, 34/21 = 1,6190..., e 144/89 = 1,61798... Aliás, é essa a razão aproximada da sua altura e da altura do seu umbigo até o chão.

A sessão áurea define as proporções do retângulo áureo (o lado maior 1,618 vez maior do que o menor). A espiral logarítmica cabe dentro desse retângulo áureo. Deles surge também o triângulo áureo, um triângulo isósceles (dois lados iguais) com ângulos de 72-36-72. Essas formas aparecem e reaparecem na natureza e na organização espacial de inúmeras obras de arte.

Por exemplo, a Mona Lisa, talvez o quadro mais famoso do mundo, pintado por Leonardo da Vinci e terminado em 1507, respeita várias proporções áureas: a cabeça e o torso da modelo cabem num retângulo áureo e seu corpo e cabeça, num triângulo áureo. Seu olho esquerdo divide o quadro ao meio, dando-lhe a dimensão psicológica que o tornou imortal. Acabo de ler o livro "Math and the Mona Lisa" (A Matemática e a Mona Lisa) do físico e ilustrador Bülent Atalay.

O livro sairá em breve no Brasil pela editora Mercúrio Jovem. Nele, o autor explora uma pergunta essencial, usando Da Vinci como inspiração: Até que ponto é possível integrar os princípios criativos da arte e da ciência? A escolha de Leonardo não é acidental. Deixando de lado o furor recente provocado pelo livro "O Código Da Vinci", de Dan Brown, Leonardo, mais do que qualquer personagem da história, encarna a união da razão e da sensibilidade artística. "Olhe para a natureza e deixe-a ser sua mentora", afirmou.

Para Leonardo, a natureza obedece a regras estéticas ditadas pela matemática, a matemática da beleza. Mesmo que não tenha declarado explicitamente que seus quadros e ilustrações foram criados a partir de proporções baseadas na seção áurea, ela aparece em várias ocasiões. Seus projetos tecnológicos, como máquinas voadoras, submarinos, pára-quedas e catapultas, bem como seus quadros e desenhos anatômicos, são prova de que ele seguia à risca seu próprio conselho, usando as soluções estéticas encontradas na natureza para criar suas obras.

A construção da beleza segue princípios científicos que o artista aprende olhando para o mundo. Para Leonardo da Vinci, ciência e arte eram uma coisa só, um veículo de expressão cuja função era recriar a beleza das formas naturais. A natureza era sua grande mestra.

domingo, 11 de março de 2007

Luz estranha

Marie Curie amava o brilho dos minerais radioativos

H enri Becquerel era um homem que respeitava a tradição familiar. Tal qual seu avô e seu pai, dedicou a vida investigando a enigmática luminescência, o fenômeno em que um objeto emite luz sem ser aquecido. Um vaga-lume, por exemplo, pisca sem produzir calor.

Materiais fluorescentes, como telas antigas de TV, produzem luz quando irradiados e deixam de brilhar na ausência de irradiação. Já os materiais fosforescentes continuam brilhando mesmo sem serem irradiados, como por mágica. A diferença é enorme: objetos fosforescentes produzem sua própria radiação, enquanto os fluorescentes apenas convertem a radiação que recebem em luz visível.

O que Becquerel e o resto do mundo em 1896 ainda não sabiam é que existem dois tipos de materiais fosforescentes. Os mais comuns brilham durante um tempo após serem irradiados por luz, feito as estrelinhas que crianças usam para decorar o teto de seus quartos. Essa é uma fosforescência de origem química. Mas existe uma outra fosforescência que é bem mais misteriosa.

Foi essa que Becquerel descobriu e que ficou conhecida pelo nome de radioatividade. Becquerel suspeitava que a fosforescência tinha algo a ver com a luz do Sol. Para testar sua hipótese, pretendia deixar uma amostra de um mineral pegar um pouco de Sol, pô-la sobre uma placa fotográfica e embrulhar ambas com papel opaco.

Se o mineral emitisse alguma forma de radiação, seria registrada na placa fotográfica. Num dia ensolarado, Becquerel executou seu teste. Ao revelar a placa fotográfica, achou que tinha comprovado sua hipótese: viu a silhueta do mineral impressa sobre a placa, como se ele tivesse mesmo emitido radiação após ser exposto ao Sol. Felizmente para a ciência, o clima nublado de Paris complicou as coisas.

Becquerel quis testar uma variação do experimento, onde punha uma cruz de metal entre a placa fotográfica e o mineral. A idéia era ver se a radiação emitida pelo mineral fosforescente podia atravessar metais. Com as nuvens, seu experimento não pôde ser executado. Frustrado, Becquerel resolveu pôr o embrulho com a cruz entre o mineral e a placa numa gaveta.

Qual não foi a sua surpresa quando, após alguns dias, resolveu, ninguém sabe exatamente por quê, revelar a placa fotográfica após tirá-la da gaveta. A região coberta pela cruz era a única da placa que não tinha recebido nenhuma radiação! Ou seja, o mineral emitia radiação por si só, sem precisar ser irradiado pelo Sol.

Mais ainda, a radiação não atravessava o metal da cruz. Como a amostra mineral era rica em urânio, Becquerel chamou a radiação de "raios urânicos": havia descoberto a radioatividade natural, na qual a radiação é emitida espontaneamente pelos núcleos de átomos pesados. O átomo urânio, por exemplo, tem 92 prótons em seu núcleo.

A descoberta empolgou Pierre e Marie Curie, um casal jovem que trabalhava na Universidade Sorbonne, em Paris. Logo mostraram que outros elementos também eram radioativos: o tório, conhecido desde 1828, e dois outros que eles descobriram, o polônio e o rádio. Estes eram muito mais radioativos do que o urânio. Madame Curie amava a luz verde-azulada que alguns minerais radioativos emitiam, essa luz estranha que vem do coração da matéria.

Em 1903, Becquerel e os Curie receberam o Prêmio Nobel de Física. Mas a explicação da radioatividade demoraria um pouco mais, até que as propriedades do núcleo atômico fossem exploradas por Ernest Rutherford e outros cientistas

domingo, 4 de março de 2007

Breve história do átomo

Na Antiguidade, gregos achavam que matéria era algo indivisível

Q uando olhamos em torno e nos deparamos com a incrível diversidade do mundo natural, das múltiplas formas que os objetos assumem, das texturas, da variedade de materiais e substâncias, da areia às nuvens, das flores às baleias, parece impossível imaginar que existe uma ordem por trás disso tudo, que todas as formas de matéria são compostas por menos de 100 tipos de blocos fundamentais.

Mas é assim. E é assim não só aqui na Terra como também pelo Universo afora: os planetas e suas luas, os cometas e os asteróides, as estrelas, as nebulosas e as galáxias, todos os objetos que encontramos até agora são feitos dos mesmos blocos fundamentais, chamados átomos.Esses átomos têm uma nobre história, que começa nos primórdios da ciência, em torno de 400 a.C., na Grécia Antiga.

Foi lá que Leucippo e seu discípulo Demócrito, postularam que toda a matéria é feita de partículas indivisíveis chamadas átomos, o que não pode ser cortado. É bem verdade que os átomos dos gregos são bem diferentes dos átomos modernos. Enquanto que os átomos da Antiguidade eram infinitos em número, sabemos que existem 92 átomos ocorrendo naturalmente (outros podem ser produzidos no laboratório).

Para os gregos, os átomos encaixavam-se como num jogo de lego, sendo as interações entre eles estruturais. Já os modernos existem devido à interação entre os seus componentes, os elétrons, os prótons e os nêutrons. Ou seja, os átomos modernos não são indivisíveis: a interação que mantêm os átomos coesos é a eletricidade, a atração entre os elétrons e os prótons.

Os nêutrons, como já diz o nome, são eletricamente neutros e seu papel é ajudar a estabilizar os prótons no núcleo. Durante a Idade Média, os átomos foram essencialmente esquecidos na Europa. No século 17 apareceram críticos, como Descartes, que não gostavam da idéia de que átomos podiam se mover no espaço vazio, e entusiastas, como Pierre Gassendi e Isaac Newton, que defendiam a granularidade da matéria.

Mas foi o inglês John Dalton que, no início do século 19, deu o passo definitivo, propondo que todos os elementos químicos, do hidrogênio e carbono ao ouro e platina, são feitos de átomos, e que cada elemento tem o seu átomo, diferente dos demais. Dalton foi além, propondo que átomos podem se combinar para formar compostos e que reações químicas ocorrem quando os átomos se reagrupam.

A água, por exemplo, tem dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, sendo representada, como o leitor certamente sabe, pela notação H2O. Os compostos de Dalton são aquilo que chamamos de moléculas. No final do século 19 e início do século 20, com a descoberta de elétrons e prótons, ficou claro que átomos não são indivisíveis, como propuseram os gregos e Dalton. Átomos mudam quando o número de prótons muda.

É isso que caracteriza um elemento químico, o número de prótons em seu núcleo. O mais simples, o de hidrogênio, tem um próton, o de carbono tem seis e o de urânio 92. Quando Ernest Rutherford descobriu os prótons em 1918, ficou profundamente surpreso: os átomos são essencialmente vazios, os prótons no núcleo e os elétrons circulando em órbitas bem distantes. Por exemplo, se ampliarmos um núcleo até o tamanho de uma cereja, os elétrons estarão girando aproximadamente a 1 quilômetro de distância.

Hoje, quando pensamos nas partículas indivisíveis de matéria vamos além dos átomos. Até mesmo os prótons e nêutrons são compostos de partículas menores, chamadas quarks. Mas foram Leucippo e Demócrito que iniciaram essa longa jornada, há mais de 2400 anos.