domingo, 26 de outubro de 2008

Sobre a origem da vida



Mesmo se existirem, os extraterrestres devem ser raros

Dos grandes mistérios que despertam enorme interesse tanto de especialistas quanto do público em geral, poucos são tão fascinantes quanto a questão da origem da vida. Existem várias facetas diferentes, cada uma com seu conjunto de questões em aberto. Uma das mais óbvias diz respeito à possível existência de vida extraterrestre. Se existe vida na Terra, por que não supor que ela exista também em outros planetas?

Essa pergunta em geral é respondida com outra pergunta. Do que a vida precisa para existir? Se usarmos a Terra como base -e só conhecemos a vida aqui-, consideramos que são essenciais a água líquida, certos compostos químicos e calor ou alguma outra fonte de energia. Água líquida impõe que o planeta não esteja muito distante ou muito perto de sua estrela.

Caso contrário, teria apenas água congelada ou vapor. A água líquida cria o meio onde as reações químicas que sustentam a vida podem ocorrer. Não é à toa que somos mais de 60% água.
Planetas que podem ter água líquida estão na chamada "zona habitável", um cinturão cuja distância varia com o tipo de estrela. No caso do Sol, cobriria Vênus, Terra e Marte.

Imediatamente, vemos que estar na zona habitável não é suficiente. Vênus tem uma temperatura que vai além de 500C, por causa de um acentuado efeito estufa. Marte, como foi descoberto recentemente, teve água líquida no passado, tem alguma hoje e também tem gelo, mas não foram encontrados rios, oceanos ou lagos. A possibilidade de vida lá hoje não é nula, mas é remota.

Aprendemos que composição e densidade da atmosfera e a história do planeta são determinantes. A vida precisa de certos elementos químicos. Carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio são essenciais. Fósforo, ferro, cálcio, potássio também são importantes. Esses elementos são sintetizados em estrelas durante seus últimos estágios de vida. Quando a estrela "morre", explode com tremenda violência, emitindo esses e todos os outros elementos da tabela periódica pelo espaço interestelar. Planetas capazes de desenvolver formas de vida precisam estar numa região com os ingredientes certos. Fora isso, os ingredientes precisam ser combinados corretamente. Pelo que vemos aqui, mesmo as formas mais primitivas de vida dependem de compostos orgânicos consistindo de cadeias muito longas de átomos de carbono ligados a uma série de radicais.

Os átomos de carbono são os ossos da espinha dorsal, dando suporte ao resto. Como que esses átomos formaram cadeias tão complexas? Essa questão permanece em aberto. Mas em 1953, Stanley Miller fez uma grande descoberta: combinando substâncias que acreditava terem feito parte da atmosfera primitiva (metano, gás carbônico, água e outros), Miller isolou-as num frasco e passou faíscas elétricas que simulavam raios.

Para sua surpresa, ao examinar os compostos acumulados no fundo do frasco, percebeu que tinha sintetizado alguns aminoácidos, componentes fundamentais das proteínas. Miller não produziu a vida no laboratório, mas demonstrou que processos naturais podem tornar uma química simples numa química complexa.

Assim como o experimento de Miller, a vida precisa de uma fonte de energia. Aqui, estamos acostumados com o Sol. Mas a descoberta de formas de vida que vivem na mais completa escuridão, em fossas submarinas profundas, demonstra que processos químicos independentes da luz podem gerar a energia capaz de impulsionar os mecanismos da vida. Não basta afirmar que o vasto número de planetas no cosmo torna a vida extraterrestre inevitável. O que aprendemos é que, mesmo se existir, será rara.

domingo, 19 de outubro de 2008

Memórias quentes e geladas



Devemos tratar a variação solar com respeito, mesmo quando é pequena


Uma das questões que aparecem com freqüência quando se debate o aquecimento global é o papel do Sol no clima da Terra. Sendo nossa principal fonte de energia, pode-se imaginar que variações na atividade solar afetam a quantidade de calor recebida aqui na Terra e, conseqüentemente, o clima.

Em geral, esse tipo de questão vem daqueles que duvidam de que o aumento atual na temperatura global seja de fato causado por fatores antropogênicos, isto é, gerados pelo homem -ou, mais precisamente, pela queima dos combustíveis fósseis que sustentam a máquina industrial do planeta. Segundo o argumento, um aumento da atividade solar nos últimos cem anos poderia mais do que ultrapassar qualquer efeito oriundo de nossas atividades poluentes.
Estudos da irradiação solar mostram que a variação nos últimos 2000 anos felizmente foi muito pequena: da ordem de 0,1% até no máximo 0,6%. Se fosse alta, mesmo que da ordem de apenas 5%, provavelmente não estaríamos aqui pensando sobre o aquecimento global. Note que variação não é o mesmo que aumento. A irradiação solar comporta-se como uma onda, aumentando e diminuindo ciclicamente. A variação é a diferença entre o máximo e o mínimo de irradiação.

Variações de até 0,6% concentram-se principalmente em datas antigas, dada a dificuldade de obter dados precisos. Nos últimos 300 anos, foi de 0,1%, em média. O pico de atividade tende a coincidir com o pico do chamado ciclo solar, que tem uma duração média de 11 anos. Um dos sintomas da atividade é o número de manchas que surgem na superfície do Sol; quanto mais ativo, mais manchas aparecem. No auge de um ciclo, mais de cem manchas podem aparecer. Por outro lado, no mínimo de um ciclo, o número pode ser de uma ou duas manchas. Ou, como nos meses de julho e agosto passados, nenhuma.

Quanto à questão do papel do Sol no aquecimento global dos últimos cem anos e, principalmente, dos últimos 15 anos, modelos de variação climática usam uma variação na irradiação solar de 0,25%, ou seja, acima do valor medido de 0,1%. De fato, dados sobre a variabilidade na atividade solar são pedidos aos especialistas da Nasa e de outras entidades que monitoram o comportamento do Sol justamente pelos profissionais que modelam o clima. A conclusão de um estudo de 2006 publicado na revista "Nature" [Foukal, Peter et al. (2006). Nature 443 (7108): 161-166] é que é pouco provável que a variabilidade solar seja um fator relevante no aquecimento global. Os autores não descartam o possível efeito de outros tipos de radiação vinda do Sol, como a ultravioleta ou mesmo um aumento no fluxo de raios cósmicos caindo sobre a Terra, mas essas causas não parecem ser determinantes.

Olhando no sentido contrário, para baixo do solo, é possível extrair informação sobre a variação climática da Terra estudando depósitos de gelo na Antártida com idades que chegam a 800 mil anos. A neve soterrada sob um monte de 80 ou mais metros é comprimida em gelo que fica denso o suficiente para ser impermeável e imune a variações locais. Nele, em colunas de quilômetros de profundidade, ficam presas bolhas de ar contendo gás carbônico e oxigênio, cujas propriedades contam a história do clima no passado. Por exemplo, eras glaciais ocorrem em média a cada 100 mil anos, embora a sua relação com o ciclo solar ainda não tenha sido definitivamente demonstrada.

Mesmo que o Sol tenha um efeito pequeno no aquecimento global atual, devemos tratá-lo com respeito. Se as variações aumentarem, a vida na Terra será impossível.

domingo, 12 de outubro de 2008

Monstro no centro da galáxia



Como sabemos que há um buraco negro no meio da Via Láctea?

Quando visito escolas de ensino fundamental, gosto sempre de contar para as crianças que temos um monstro na nossa galáxia, um buraco negro gigantesco, com uma massa estimada de 4 milhões de sóis. Sabendo já que buracos negros são objetos estranhos, uma espécie de bueiro cósmico que suga tudo ao seu alcance, as crianças ficam espantadas.

Invariavelmente, uma mão se alça: "Mas professor, se tem um buraco negro gigante como esse na galáxia, será que vai engolir todo o mundo?" Explico que, felizmente, estamos muito distantes do centro da Via Láctea e que não podemos sentir os efeitos do buraco negro. Bem de longe, como em nosso caso, buracos negros se comportam como objetos normais, feito estrelas, cuja atração gravitacional cai com o quadrado da distância. "Não existe esse perigo; é como se preocupar com um redemoinho no Caribe quando você está nadando no Guarujá". Dá até para ouvir os suspiros de alívio na audiência.

Raramente, uma criança vai mais além e faz a pergunta que realmente importa: "Mas como os astrônomos sabem que existe um buraco negro lá? Não é impossível ver um? A luz não é sugada para dentro também?" Pois é, todo mundo sabe que buracos negros têm esse nome porque nem mesmo a luz pode escapar de sua atração. Se um buraco negro existisse sozinho no espaço, sem nada à sua volta, ficaria mesmo difícil visualizá-lo. Mas quando gases e estrelas estão suficientemente perto de um buraco negro, podemos detectar a sua presença.

Tal qual a água em um ralo de banheira, a matéria sugada pelo buraco negro circula à sua volta. Toda ela, que é composta de átomos com cargas elétricas como a dos elétrons, quando acelerada, emite radiação eletromagnética; quanto maior a aceleração, mais energética é a radiação emitida. Portanto, o que vemos na região vizinha ao buraco negro é a radiação emitida pela matéria que gira à sua volta. Esse movimento é como uma carteira de identidade do buraco negro, dando informação sobre o seu tamanho e a sua massa. Um outro efeito usado na detecção de buracos negros é a distorção que eles causam no espaço à sua volta. Como explica a teoria da relatividade geral de Einstein, a gravidade pode ser vista como uma curvatura no espaço em torno de um objeto.

Quanto maior e mais concentrada a massa do objeto, mais curvo o espaço à sua volta. Se a luz de uma estrela distante passa perto de um buraco negro, sua trajetória será encurvada. A gravidade funciona como uma lente, dando a esse efeito o nome de lente gravitacional. Na nossa galáxia, astrônomos realizaram um feito e tanto; usando três radiotelescópios, no Arizona, na Califórnia e no Havaí, conseguiram visualizar os contornos do monstruoso buraco negro.

Os telescópios funcionam como um único instrumento, fornecendo uma resolução nunca antes obtida. O buraco negro fica na região conhecida como Sagitário A, rica em radiação. A resolução conseguida foi de 50 milhões de quilômetros, um terço da distância entre a Terra e o Sol. Calcula-se que o buraco negro tenha um diâmetro aproximado entre 12 milhões e 24 milhões de quilômetros. Mas a distorção da luz causada pela gravidade dobra o tamanho aparente dele, que acaba ficando próximo da estimativa obtida pelo grupo americano.

Os dados indicam uma entre duas coisas: a menos que a teoria de Einstein sofra sérias alterações, a única explicação para as observações é mesmo um buraco negro; o pico das observações não está centrado no buraco negro, o que indica uma assimetria na emissão de radiação. Mais detalhes terão que esperar triangulações ainda maiores entre radiotelescópios.

domingo, 5 de outubro de 2008

Neve em Marte



O planeta vermelho está menos marciano e mais terrestre


Na segunda feira passada, o time da Universidade do Arizona que controla a missão da espaçonave-robô Phoenix no solo marciano anunciou algo de sensacional: usando um canhão de raio laser como uma espécie de radar, a estação meteorológica a bordo da Phoenix detectou neve caindo de nuvens à altitudes em torno de quatro quilômetros.

Neve em Marte!

Mesmo que a neve vaporize antes de tocar o solo, a evidência torna Marte menos marciano e mais terrestre.

Cientistas esperam que com a chegada do inverno nos próximos meses, a neve possa acumular no solo. Missões anteriores haviam detectado sinais da existência de água no passado marciano, cicatrizes geológicas como cânions e leitos ressecados de rios.

Tendo pousado em maio numa região próxima ao pólo norte, a Phoenix logo detectou gelo no solo. Mas a recente descoberta muda o quadro radicalmente, demonstrando que o clima marciano ainda comporta o ciclo da água de condensação e precipitação.

Esse dinamismo tão familiar para nós, aumenta ainda mais as semelhantes entre a Terra e o planeta vermelho.

A Phoenix veio equipada com um mini laboratório projetado para fornecer informações sobre a composição do solo marciano. São microscópios de alta resolução, fornos e mini-kits químicos. Usando esses instrumentos, cientistas anunciaram recentemente a presença de carbonato de cálcio, comum na pedra calcária e no giz. Carbonatos são formados sobretudo em reações no meio aquoso, confirmando a presença de água líquida no solo. Fortalecendo ainda mais a evidência, o microscópio de força atômica encontrou sinais da presença de argila, também produto de reações em meio aquoso. A água líquida não existiu apenas no passado marciano. Com a chegada do inverno e o Sol cada vez mais baixo no horizonte, os painéis solares da Phoenix coletam cada vez menos energia solar para carregar suas baterias. Com a temperatura atual em torno de -50C, cientistas esperam que o robô congele em meados de novembro, quando suas baterias drenarem. Antes disso, pretendem ainda buscar evidência de compostos orgânicos no solo, componentes essenciais da vida. No solo onde se encontra a Phoenix, o pH -uma medida da acidez de uma solução que indica os tipos de reações químicas mais prováveis- foi estimado em 8,3, semelhante ao dos oceanos terrestres.

Os achados recentes aumentam ainda mais a possibilidade de que a vida tenha existido em Marte. Os otimistas acham que talvez ainda exista sob o solo. A presença de água, de carbonatos e de argila é consistente com a possibilidade de que a Phoenix tenha pousado numa "micro-zona habitável", um local onde a vida é, ao menos em princípio, possível. De qualquer forma, o acúmulo dos resultados dá suporte à teoria de que Marte era mesmo um planeta bem diferente no passado, possivelmente muito mais semelhante à Terra de hoje, com água líquida em abundância, temperaturas mais amenas, uma atmosfera mais densa e talvez até com oxigênio.

Caso isso seja verdade, teremos que responder a algumas perguntas óbvias. O que causou a mudança radical no clima marciano? Será que existem fósseis nas rochas marcianas? O sucesso da missão Phoenix, mesmo nesses dias de caos financeiro, aumenta as chances de voltarmos em breve ao solo marciano. No meio tempo, antes de as baterias drenarem, cientistas tentarão ligar um microfone a bordo do robô. Se o plano funcionar, ouviremos pela primeira vez os sons do misterioso planeta vermelho. Quem afirma que não existe mágica em ciência precisa prestar mais atenção.