domingo, 27 de outubro de 2013

Toda criança nasce cientista

Nesta semana estive em Brasília, participando da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. O tema deste ano, muito propiciamente, é "Ciência, Saúde e Esportes". Aproveitando que o Brasil será palco dos maiores eventos desportivos do planeta, nada melhor que mostrar as alianças e a interdependência entre os esportes, a saúde e a ciência.

O centro das atividades é no Pavilhão Central no Parque da Cidade, onde foram montadas várias exibições, algumas bem avançadas, usando tecnologia virtual para integrar o visitante em algum jogo, por exemplo, futebol e vôlei.
Mas o que me empolgou logo na chegada foi ter visto centenas, talvez milhares de crianças, trazidas por escolas. Me disseram que eram mais de 10 mil por dia e que atividades ligadas ao evento estão ocorrendo em 800 municípios do país.

As crianças menores, do jardim de infância, iam circulando pelo espaço das exposições, de mãos dadas e olhos arregalados, olhando para tudo, tentando tocar tudo. Algumas jamais esquecerão a visita a um mundo tão diferente da realidade em que vivem, onde a ciência é simplesmente desconhecida.

Fiquei feliz e triste ao mesmo tempo; feliz de ver que quando o governo monta algo de porte para trazer ciência ao público, o público vem. Triste por entender que esse tipo de evento é raro, e que a maioria das crianças nunca terá oportunidade de visitá-los.

O grande físico Isidor Rabi, vencedor do prêmio Nobel, costumava dizer que os cientistas são os "Peter Pans" da sociedade, aqueles que não querem crescer, que passam a vida perguntando "por quê". Vendo as crianças na exposição, olhando para tudo, tocando tudo, participando das atividades com entusiasmo, fica claro que Rabi tinha razão.

Qualquer pai e mãe sabem bem que criança é explorador nato; botando o dedo aqui e ali, comendo terra, pegando formiga, trepando em árvore, subindo e descendo a mesma escada dez vezes até desenvolver uma melhor percepção da gravidade e melhorar sua habilidade motora. Para uma criança, a vida é um grande experimento, uma grande aventura de descoberta.

Até entrarem na escola ou serem "pegas" pelos pais.

"Não faz isso! Solta! Olha o degrau! Cuidando com a tomada! Você vai cair daí." Como pai de cinco, sei que sem o nosso cuidado as crianças correm mesmo risco de se machucar. Mas cuidar não é o mesmo que reprimir o espírito único que têm de experimentar o mundo para poder entendê-lo. O mesmo acontece nas escolas, que acabam sendo fábricas de conformismo onde todos devem fazer a mesma coisa, onde a criança mais curiosa é reprimida e, salvo casos raros, calada.

Temos muito a aprender com as crianças. E, se queremos de fato transformar o Brasil numa potência inovadora, onde tecnologia e patentes não são compradas do exterior mas criadas aqui, temos que dar asas a esse espírito criativo das crianças, que são grandes inventores e sonhadores.

Isso não deve apenas ocorrer nas escolas; a educação começa em casa, com os pais se engajando no processo criativo das crianças. E o melhor de tudo é que ao ensinarmos também aprendemos. E colorimos a vida de novidade e aventura, ficando um pouco mais "Peter Pans".

domingo, 20 de outubro de 2013

Gravidade, o filme

 Nesta semana assisti ao filme "Gravidade", com George Clooney e Sandra Bullock como astronautas em uma missão na órbita da Terra. A direção, magistral diga-se de passagem, é do mexicano Alfonso Cuarón, que dirigiu filmes de "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" a "E Sua Mãe Também".

 Dos muitos ângulos em que o filme pode ser analisado, o que escolho hoje é o da sobrevivência da vida no Universo. Fala-se muito, especialmente alguns cientistas, que o Universo é propício à vida, que talvez até o sentido de sua existência é nos ter criado. Claro, este tipo de raciocínio é cripto-religioso, no sentido que dá ao Universo a intenção de criar algo, no caso, a gente.

 Este tipo de posição é extremamente problemático. Como determinar tal coisa, ou seja, como provar que o Universo tem como propósito criar a vida? Me parece impossível. Fora isso, como vemos no filme, saindo da atmosfera a situação fica muito difícil; a sobrevivência no espaço é impossível, conforme afirma o texto de abertura.

 Se a Terra fosse uma maçã, a atmosfera teria a espessura de sua casca, menor ainda. Esta fina camada, com menos de 50 quilômetros de espessura, é que garante nossa sobrevivência aqui. Se o filme tem uma mensagem direta e clara, é que o Universo é extremamente hostil à vida.
Sem estragar para quem ainda não viu, sobreviver no espaço pode parecer fácil quando tudo dá certo e os sistemas de transporte e de pressurização e oxigenação funcionam. Mas quando algo dá errado, a experiência, que é de profunda beleza e plena de significado espiritual, rapidamente torna-se num pesadelo aterrorizante.

 O espaço não é nosso amigo. Se conseguimos sobreviver fora da Terra é graças à nossa inventividade e determinação.
O filme mostra isso de forma clara, respeitando exemplarmente as leis da física. (Aliás, a lei da conservação do momento linear tem um papel essencial no enredo.) Mostra, também, a enormidade do espaço, o terror de nos perdermos em seus confins, caso nossos "cordões umbilicais" sejam cortados.
Existe uma ligação óbvia entre nós e a Terra, que é uma afirmação da nossa dependência do nosso planeta-casa. Fica claro que, para sobreviver, precisamos da Terra; mas que a Terra está muito bem sem a gente. É bom lembrar disso, que estamos aqui há pouco mais de 200 mil anos, enquanto que a Terra já existe há 4,6 bilhões de anos e a vida aqui há uns 3,5 bilhões, pelo menos.
Apesar da ansiedade da narrativa, vejo "Gravidade" como uma celebração da vida, da sua fragilidade, da importância de termos todo o cuidado para não destruí-la. É característica essencial da nossa espécie o desejo de explorar, de ir além do conhecido. O espaço e as profundezas dos oceanos e da Terra são nossas fronteiras atuais.
No filme, a missão dos astronautas era consertar o telescópio espacial Hubble, para ampliar sua visão. Esta é uma metáfora perfeita da condição humana, pois sempre queremos ver além daquilo que enxergamos, sempre queremos estender nossa visão da realidade.

Pôr um telescópio no espaço e ir até ele para consertá-lo --o que foi feito de verdade, sem que a missão tenha falhado-- é algo que devemos comemorar como um dos grandes feitos da nossa história coletiva. Apesar da nossa fragilidade como espécie, nossa fragilidade nos permite estender nossa presença e nossa visão aos confins do cosmo.

domingo, 13 de outubro de 2013

Cinco bilhões de anos de solidão

Cinco bilhões de anos de solidão. Esse é o nome do novo livro do jornalista Lee Billings, lançado na semana passada nos EUA. O título, obviamente, faz menção ao romance de Gabriel García Márquez, com os cem anos mudados para 5 bilhões.
Os 5 bilhões aqui retratam, em números arredondados, a idade da Terra e do Sistema Solar. O número mais preciso é 4,5 bilhões de anos, mas ficaria meio estranho no título de um livro.
A afirmação de que são 5 bilhões de anos de solidão vem do fato de que não temos indicação de que haja outras formas de vida no Cosmo, especialmente inteligentes. Billings traça a história da busca pela vida extraterrestre, incluindo entrevistas com alguns de seus protagonistas.
Quando falamos de vida extraterrestre, temos de ter cuidado para diferenciar entre vida simples e vida complexa. Por vida simples, entende-se seres unicelulares, como bactérias. A vida surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos, 1 bilhão de anos após a formação do nosso planeta.
Por que a demora? Durante seus primeiros 600 milhões de anos, a Terra foi bombardeada por asteroides e cometas, que tornavam sua superfície um inferno. Só em torno de 3,9 bilhões de anos atrás é que a coisa se acalmou e os oceanos fincaram pé. Se a primeira vida de que temos informação surgiu cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, foram apenas 400 milhões de anos entre a calmaria dos bombardeios celestes e a vida. Não é muito tempo quando se pensa em bilhões de anos.
A vida na Terra foi dominada por bactérias por quase 3 bilhões de anos. Houve uma sofisticação em que células simples (procariotas) tornaram-se mais complexas (eucariotas, com o material genético protegido num núcleo), mas ficou por aí. A transição da vida unicelular para a multicelular deu-se em torno de 600 milhões de anos atrás e, na explosão do Cambriano (540 milhões de anos atrás), tomou força.
Se as leis da física e da química são as mesmas no Cosmo, e se só na nossa galáxia há cerca de 200 bilhões de estrelas e mais de 1 trilhão de planetas e luas, é natural especularmos que há a probabilidade de existirem outras terras --planetas com água, carbono e oxigênio, onde a vida também é sofisticada.
Mas esse raciocínio é simplista, como explico no livro "Criação Imperfeita". A história da vida em um planeta reflete sua história.
A trajetória da vida na Terra é única e depende de vários fatores geofísicos: a existência de uma Lua grande, que estabiliza a inclinação do eixo de rotação do planeta; de um campo
magnético forte o suficiente para refletir radiação cósmica nociva a seres vivos; de placas tectônicas que, ao moverem-se, regulam o gás carbônico na atmosfera, que por sua vez é densa e rica em oxigênio. A lista é longa. Seres complexos precisam de planetas estáveis, com muita energia disponível. Não basta o planeta ter água líquida e carbono para que tenha vida.
Quando vemos as várias barreiras que a vida simples transpôs para tornar-se inteligente, entendemos o título do livro de Billings. Mesmo se outros seres inteligente existirem na galáxia, estariam tão longe que, para todos os efeitos, estamos sós.

domingo, 6 de outubro de 2013

Por que ser cientista?

Essa é uma pergunta que escuto frequentemente, quando converso com jovens ainda indecisos com relação a qual carreira seguir. Na verdade, o que vejo, e tenho certeza que meus colegas confirmam isso, é que a maioria absoluta dos jovens não tem a menor ideia do que significa ser um cientista ou como se constitui a carreira. Imagino que nem 5% da população brasileira possa mencionar o nome de três (ou um?) cientista brasileiro da atualidade. A questão não é essa constatação, que é óbvia, mas o que podemos fazer para mudar isso.
O primeiro obstáculo é o da invisibilidade. Se ninguém conhece um cientista, fora o que se vê na TV ou no cinema, fica difícil contemplar a possibilidade de uma carreira em ciências. Contraste isso com médicos, dentistas, professores, policiais, profissões que fazem parte da vida dos jovens. Quando um jovem imagina um cientista, provavelmente pensa no programa de TV "The Big Bang Theory", ou em uma foto do Einstein de língua de fora.
A solução é maior visibilidade: é ter cientistas visitando escolas públicas e particulares, incluindo estudantes de pós-graduação que, na maioria absoluta, têm uma bolsa de estudos do governo. Proponho que, como parte da bolsa, estudantes de mestrado e doutorado devam fazer uma visita ao ano (ou mais se desejarem) a uma escola local para conversar com as crianças sobre o seu trabalho de pesquisa e planos para suas carreiras. Sugiro que seus orientadores façam o mesmo.
Sim, eu faço isso com muita frequência, tanto no Brasil quanto nos EUA. Pelo menos uma visita ou palestra (às vezes via Skype) por mês. Não tira pedaço e é extremamente útil e gratificante.
O segundo obstáculo é o estigma de nerd. Cientista é o cara bobão, o que não tem nenhum amigo e por isso vira CDF. Grande bobagem. Tem cientista de todo jeito, e alguns são nerds, como são alguns médicos, dentistas e policiais, e outros são "supercool", com suas motocicletas, pranchas de surfe e sintetizadores. Tem nerd que é "cool". Tem cientista ateu e religioso, flamenguista e corintiano, conservador e comunista. A comunidade é tão variada quanto em qualquer outra profissão.
O terceiro obstáculo é o da motivação. Por que fazer ciência? Esse é o mais importante deles, e o que requer mais cuidado. A primeira razão para se fazer ciência é ter uma paixão declarada pela natureza, um desejo insaciável de desbravar os mistérios do mundo natural. Essa visão, sem dúvida romântica, é essencial para muita gente: fazemos ciência porque nenhuma outra profissão nos permite dedicar a vida a entender como funciona o mundo e como nós humanos nos encaixamos no grande esquema cósmico. Mesmo que o que cada um pode contribuir seja, na maioria dos casos, pouco, é o fazer parte desse processo de busca que nos leva em frente.
Existe também o lado útil da ciência, ligado diretamente a aplicações tecnológicas, em que novos materiais e novas tecnologias são postos a serviço da criação de produtos e da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Mas dado que a preparação para a carreira é longa --depois da graduação ainda tem a pós com bolsas bem baixas-- sem a paixão fica difícil ver a utilidade da ciência como a única motivação. No meu caso, digo que faço ciência porque não me consigo imaginar fazendo outra coisa que me faça tão feliz. Mesmo com todas as barreiras da profissão, considero um privilégio poder pensar sobre o mundo. E poder dividir com os outros o que vou aprendendo no caminho.