domingo, 31 de janeiro de 2010

O Homem e o Universo





Somos criaturas espirituais num cosmo que só mostra indiferença



Algo paradoxal ocorre quando nos deparamos com nossa "pequenez" perante a Natureza.
Por um lado, vemo-nos como seres especiais, superiores, capazes de construir tantas coisas, de criar o belo, de transformar o mundo através da manipulação de matéria-prima, da pedra bruta ao diamante, da terra inerte ao monumento cheio de significado, dos elementos químicos a plásticos, aviões, bolas e pontes. Somos artesãos, meio como as formigas, que constroem seus formigueiros aos poucos, trazendo coisas daqui e dali, erigindo seus abrigos contra as intempéries do mundo.

Por outro lado, vemos nossas obras destruídas em segundos por cataclismas naturais, prédios que desabam, cidades submersas por rios e oceanos ou por cinzas e lava, nossas criações arruinadas em segundos, feito os formigueiros que são achatados sob as sandálias de uma criança, causando pânico geral entre os insetos.
O paradoxo se intensifica mais quando olhamos para o céu e vemos a escuridão da noite ou o azul vago do dia, aparentemente estendendo-se ao infinito, uma casa sem paredes ou teto, sem uma fronteira demarcada. E se pensamos que cada estrela é um sol, e que tantas delas têm sua corte de planetas, fica difícil evitar a questão da nossa existência cósmica, se estamos aqui por algum motivo, se existem outros seres como nós -ou talvez muito diferentes- mas que, por pensar, também se inquietam com essas questões, buscando significado num cosmo que só mostra indiferença. 

O que sabemos dos nossos vizinhos cósmicos, os outros planetas do Sistema Solar, não inspira muito calor humano. Vemos mundos belíssimos e hostis à vida, borbulhantes ou frígidos, cobertos por pedras inertes ou por moléculas que parecem traçar uma trilha interrompida, que ia a algum lugar mas, no meio do caminho, esqueceu o seu destino. Só aqui, na Terra, a trilha seguiu em frente, criou seres de formas diversas e exuberantes, compromissos entre as exigências ambientais e a química delicada da vida.
Se continuarmos nossa viagem para longe daqui, veremos nossa galáxia, soberana, casa de 300 bilhões de estrelas, número não tão diferente do total de neurônios no cérebro humano. A pequenez é ainda maior quando pensamos que a Terra, e mesmo o Sistema Solar inteiro, não passa de um ponto insignificante nessa espiral brilhante que se estende por 100 mil anos-luz. Porém, se o que vemos no Sistema Solar, a incrível diversidade de seus planetas e luas, é uma indicação, imagine que surpresas nos esperam em trilhões de outros mundos, cada um um grão de areia numa praia.

Ao olhar para o Universo, o homem é nada. Ao olhar para o Universo, o homem é tudo. Esse é o paradoxo da nossa existência, sermos criaturas espirituais num mundo que não se presta a questionamentos profundos, um mundo que segue, resoluto, o seu curso, que procuramos entender com nossa ciência e, de forma distinta, com nossa arte.

Talvez esse paradoxo não tenha uma resolução. Talvez seja melhor que não tenha. Pois é dessa inquietação do ser que criamos significado, conhecimento e aprendemos a lidar com o mundo e com nós mesmos. Se respondemos a uma pergunta, devemos estar prontos a fazer outra. Se nos perdemos na vastidão do cosmo, se sentimos o peso de sermos as únicas criaturas a questionar o porquê das coisas, devemos também celebrar a nossa existência breve. Ao que parece, somos a consciência cósmica, somos como o Universo pensa sobre si mesmo.


 


Dedico esse texto ao meu querido Luiz, que hoje faz 60 anos.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Ciência, religião e o Haiti

A realidade é crua: a natureza não precisa de nós


É impossível encontrar palavras para descrever a tragédia no Haiti. De longe, lemos depoimentos e jornais. Assistimos às notícias na TV, chocados em ver uma população inteira em profunda agonia, num estado de total fragilidade e de caos. Crianças perdidas de seus pais (ou órfãs) e milhares de pessoas morrendo de fome e sede.
 
Gangues de jovens -mais de 50% da população tem menos de 18 anos- atacando aqueles que tem algo para comer ou tentando roubar tudo o que podem. Nenhuma água, gasolina ou qualquer forma de comunicação. A vida forçada a parar por completo, um apocalipse real, provocado por forças muito além do nosso controle.

Mesmo que a ciência possa explicar as causas dos terremotos e das erupções vulcânicas, permanece incapaz de prever quando irão ocorrer. Saber a localização das falhas geológicas onde os terremotos ocorrem claramente não é suficiente. Modelos e explicações permanecem especulativos. Por exemplo, existe uma proposta que terremotos tendam a ocorrer quando há um aumento na força das marés, como em torno da época de um eclipse. De fato, um eclipse anular ocorreu três dias após o terremoto do Haiti. Infelizmente, previsões dessa natureza raramente são precisas o suficiente para salvar vidas.

A Terra é um planeta ativo, borbulhando em suas entranhas, com uma crosta formada de placas que tendem a mudar de posição em busca de um maior equilíbrio quando a pressão subterrânea aumenta. Obviamente, fazem isso sem dar a menor importância para a destruição que causam. Cataclismos naturais, como o do Haiti ou o tsunami de 2004 no oceano Índico, que causou em torno de 230 mil mortes, expõe a crua realidade da vida na Terra: precisamos da natureza, mas a natureza não precisa de nós. No nosso desespero, e sem poder prever quando cataclismos dessa natureza irão ocorrer, atribuímos tais eventos a "atos divinos". Nisso, não somos muito diferentes de nossos antepassados, que associavam divindades a quase todos os aspectos e fenômenos do mundo natural.

Talvez a transição do panteísmo ao monoteísmo, sobretudo no ocidente, tenha removido Deus do contato mais direto com os homens, relegando-o a uma presença etérea, distante da realidade do dia-a-dia. Mas muitos continuam atribuindo o que não entendem a "atos divinos", seguindo a receita tradicional do "deus das lacunas": a fé começa onde a ciência termina.

Talvez faça mais sentido associar esses cataclismos a uma indiferença divina. É horripilante testemunhar a crueldade -e até mesmo a estupidez- de certos homens de fé nesses momentos difíceis. Um exemplo é do pastor evangélico americano Pat Robertson, que recentemente atribuiu o terremoto a uma punição divina contra o povo haitiano, que supostamente assinara um pacto com o diabo para conseguir obter sua independência dos franceses. Nossos antepassados nas cavernas teriam concordado.

Dentro do contexto desta coluna, a tragédia provocada pelo tremor no Haiti nos ensina ao menos duas coisas. Primeiro, que a ciência tem limites, e que existe muito sobre o mundo que ainda não sabemos. Porém, não é por isso que devemos atribuir o que não sabemos explicar a atos sobrenaturais. Nossa ignorância deve abrir caminho ao conhecimento e não à superstição. Segundo, aprendemos que a vida -e aqui estamos nos incluindo- é extremamente frágil e deve ser protegida a todo custo. Nosso planeta, apesar de demonstrar fúria ocasionalmente, é nossa única morada viável. Devemos tratá-lo com o respeito que merece.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Espelho extraterrestre




Aos 50 anos, o programa Seti continua ativo e dividindo opiniões


Em 1960, o rádio-astrônomo americano Frank Drake organizou uma conferência meio às pressas, com um tema um tanto incomum: a possibilidade de detectar a existência de civilizações extraterrestres sem irmos até o planeta deles (ou eles até o nosso). Um ano antes, havia começado o programa Seti (Busca por Inteligência Extraterrestre, sigla em inglês), com o uso de telescópios capazes de detectar ondas de rádio emitidas, em princípio, por outros seres interessados em comunicação.
 
A ideia do projeto era simples: se outras civilizações inteligentes são parecidas conosco, terão, também, criado tecnologias como o rádio e a TV, que dependem da emissão e da recepção de ondas eletromagnéticas. Essas ondas viajam na velocidade da luz, a 300 mil quilômetros por segundo. Portanto, em oito minutos, uma onda viaja da Terra até o Sol, pois a distância do Sol à Terra é de oito minutos-luz. Em quatro anos e meio, a onda chega à nossa estrela vizinha, Alfa Centauri, pois ela se localiza a 4,5 anos-luz daqui. Se nós, após apenas 400 anos de ciência, podemos fazer isso, sem dúvida outras inteligências espalhadas pelo cosmo também devem ser capazes de fazê-lo. Era só ligar os detectores e ficar ouvindo, esperando pelo primeiro "alô".

Passados 50 anos, o projeto Seti continua ativo. Sua história tem sido meio turbulenta, dividindo as opiniões de cientistas e do público em geral. Existem aqueles que acham que o projeto é uma grande perda de tempo e de dinheiro. Como interpretar sinais de vida inteligente extraterrestre? Que "língua" eles falam? E se não tiverem o menor interesse em serem detectados ou de emitir ondas de rádio fora do seu sistema solar? Qual seria o sinal típico que poderíamos esperar de outras formas de inteligência? Será que todas inteligências pensam de forma semelhante?

Fora isso, não é nada óbvio, dizem os críticos, que exista vida extraterrestre inteligente em nossa vizinhança cósmica, e muito menos com habilidades tecnológicas. Afinal, em 4,5 bilhões de anos desde a origem da Terra, só nos últimos cem é que chegamos a esse ponto! Existem outras críticas, mas essas já dão uma ideia.

Por outro lado, os defensores do projeto dizem que só podemos ter certeza de que a busca será infrutífera se tentarmos: quem não arrisca não petisca. O impacto da descoberta de vida extraterrestre inteligente (ou da vida não inteligente, mas essa é uma outra história) seria tão épico e transformador que os esforços valem à pena. O apelo popular é imenso. Tanto assim que, em 2007, a Nasa resolveu reiniciar o fomento ao projeto Seti, que havia sido suspenso na década de 1990. E o projeto tem crescido, graças ao entusiasmo de investidores privados. Por exemplo, Paul Allen, cofundador da Microsoft, doou US$ 25 milhões ao projeto.

Com o dinheiro, cientistas estão construindo uma gigantesca rede de detecção de ondas de rádio nas montanhas da Califórnia que terá 42 telescópios quando concluída, cada um com uma antena parabólica de sete metros de diâmetro. A busca está se diferenciando. Não são mais só ondas de rádio: astrônomos também procuram detectar pulsos de laser emitidos de outros sistemas estelares ou por projetos de engenharia em megaescala, algo que uma civilização avançada poderia fazer.

Por exemplo, extraterrestres com telescópios ultrassensíveis poderiam ver a muralha da China ou as luzes na superfície da Terra. Até mesmo lixo espacial está entrando na lista. O que prova um ponto interessante: vamos buscar nos ETs o que encontramos aqui. Nossa busca é limitada pelo que sabemos. Fico imaginado o que esses ETs estarão fazendo em cem anos.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Avatar




Não temos a opção de ir a outro planeta atrás de recursos que esgotamos


O tão comentado filme de James Cameron, "Avatar", explodiu nas telas terráqueas em dezembro. Parece que já arrecadou mais de US$ 1 bilhão, superando seus enormes custos (US$ 237 milhões na produção e mais US$ 150 milhões de marketing e promoção).
 
O que se poderia esperar do diretor de "Exterminador do Futuro", "Alien" e "Titanic"? Com certeza, muita ação e efeitos especiais. E uma história que não inspira muito. Pelo menos, essa era a minha expectativa antes de assistir ao filme.

Sem dúvida, ação e efeitos especiais não faltaram. As técnicas de computação gráfica são revolucionárias e iniciam uma nova fase na história da cinematografia. Mas me enganei na história. Extremamente oportuna e necessária, a criação de Cameron faz, de forma muito bela e eficiente, o que milhares de cientistas vêm tentando há anos: mostrar às pessoas os riscos da exploração desordenada das fontes de riqueza de um planeta.

O que se passa em Pandora, um planeta distante (aparentemente uma lua de um planeta gasoso), é uma metáfora para o que acontece aqui na Terra. Alguns podem até afirmar que é óbvia demais, quase trivialmente revivendo os antigos filmes de faroeste. A diferença é que, agora, os "mocinhos" são os malvados e os "índios" são os bonzinhos. Mas, às vezes, é necessário simplificar a mensagem para que seu conteúdo atinja o objetivo desejado. Kevin Costner fez o mesmo em "Dança com Lobos".

O filme é um dos mais belos que já vi. As árvores majestosas e seus "espíritos", uma representação da hipótese Gaia -segundo a qual a Terra como um todo é um ser vivo- são pura poesia visual. Um paraíso inspirado por visões de uma floresta tropical não tão diferente da nossa Amazônia.

O time corporativo, interessado em explorar a qualquer custo o minério que existe sob as vilas dos Na'Vis-os habitantes azuis de três metros de altura que vivem em completa união com a natureza -representa a cobiça das corporações multinacionais que invadem terras distantes para fazer o mesmo, pouco ligando para as tradições e costumes locais.

O filme me fez pensar nas indústrias farmacêuticas norte-americanas e europeias e seu interesse em extrair conhecimento e riqueza da medicina nativa e da biodiversidade da Amazônia e de outras florestas.

Seguindo a tradição das histórias de extraterrestres, o filme de Cameron usa sua existência como um espelho de nós mesmos, das nossas ações -ou, ao menos, das ações de potências expansionistas- contra os povos nativos. A mesma temática do encontro dos europeus com os nativos das Américas e da África.

A mensagem do filme é simples: se não controlarmos o ritmo em que estamos explorando as riquezas do nosso planeta, em breve não teremos mais o que explorar. Como o zinco, por exemplo, que deve se esgotar em torno de 2040. Outros metais têm o mesmo destino.
No filme, temos a opção de ir a outro planeta encontrar o que não temos aqui. O metal "unobtainium" (que significa "que não pode ser obtido") é uma óbvia metáfora para qualquer preciosidade rara por aqui.

A realidade, infelizmente, é que não temos esse tempo todo. E nem a opção de irmos a um outro planeta. Temos que resolver nossos problemas por aqui mesmo. E o mais rápido possível.

No filme, a natureza, a força vital que move Pandora, junta-se aos nativos e ajuda a derrotar o exército corporativo. Na Terra, estamos sozinhos nessa guerra contra nós mesmos. Como escrevi antes, somos nossos piores inimigos e nossa única esperança. A natureza não vai nos ajudar.

sábado, 2 de janeiro de 2010

A pressa do tempo




A assimetria na qual o presente vira passado é a marca do cosmo e da vida


Oano de 2009 passou. Para mim ao menos e, imagino, para muitos leitores, passou rápido demais. Aconteceram tantas coisas nesse ano quanto nos outros -talvez um pouco mais ou um pouco menos-, mas a percepção que temos é de que foi tudo mais rápido, que o tempo parece estar com pressa, atrasado para chegar a algum lugar.
 
Volta e meia, alguém me escreve perguntando se o tempo pode passar mais rápido. A questão é interessante, já que envolve nossa percepção do tempo psicológico e como ela difere da representação do tempo físico.
 
O tempo é uma medida de mudança. Se nada ocorre, o tempo se faz desnecessário. Portanto, no plano pessoal, percebemos a passagem do tempo nas mudanças que ocorrem à nossa volta e na nossa pessoa. O que torna a discussão interessante é que a "percepção" da passagem do tempo não precisa ser através dos cinco sentidos, como é o caso de outras percepções. Por exemplo, podemos determinar se algo está quente ou frio, perto ou longe, claro ou escuro, barulhento ou quieto, doce ou salgado, usando os nossos sentidos. Mas se nos isolássemos completamente, de modo a bloquear qualquer tipo de sensação sensorial de fora para dentro, ainda poderíamos perceber a passagem do tempo através dos nossos pensamentos. Na nossa cabeça, o tempo nunca para.
 
Dizem que a geometria veio das medidas de distância e os números vieram da passagem do tempo. Sendo assim, a percepção do tempo é ligada à à passagem: existe uma ordenação de eventos, coisas que acontecem uma após as outras. Os números nos ajudam a contá-las e à pô-las em ordem. Mas, para que seja possível ordenar eventos -o que vem antes de quê- precisamos lembrar o que ocorreu.
 
Logo, a percepção do tempo depende fundamentalmente da memória. Se nossas memórias desaparecessem por completo, nossa percepção da passagem do tempo se transformaria: voltaríamos a ser como bebês, e cada dia seria imensamente longo, cheio de memórias sendo acumuladas, baseadas nas tantas novidades que a vida oferece. Quanto mais temos para descobrir, mais memórias para criar, mais devagar o tempo passa. Na verdade, o tempo passa sempre do mesmo jeito, segundo após segundo. Mas nossa percepção dessa passagem depende do nível de envolvimento que nosso cérebro tem com a experiência que estamos tendo. A relatividade psicológica da passagem do tempo depende de quão nova a experiência é. Rotinas, a falta de novidade, faz com que o tempo acelere.
 
Na física a situação é diferente. O tempo é uma quantidade fundamental, que não pode ser definida em termos de outra quantidade. Um segundo, a unidade universal de tempo para a humanidade, é definido como sendo 9.192.631.770 oscilações entre dois níveis do átomo de césio-133. Bem diferente do tique-taque dos relógios mecânicos, que não são muito confiáveis. Einstein, explicando a relatividade de forma coloquial, disse uma vez que se estamos ao lado de uma bela garota, uma hora passa em um segundo; se pomos a mão no fogão quente, um segundo parece ser uma hora.

Vemos a passagem do tempo se manifestando nos céus a cada dia, dada a periodicidade dos fenômenos astronômicos. A expansão do Universo, quem vem ocorrendo há 13,7 bilhões de anos, mostra que mesmo no nível cósmico existe uma direção bem definida de tempo, do passado ao futuro. Essa assimetria do tempo, na qual o presente vira passado e o futuro vira presente, é a marca do cosmo e da vida. Se quisermos desacelerar sua passagem, é bom criarmos experiências novas. Por exemplo, aprender a tocar um instrumento ou estudar física.