domingo, 30 de abril de 2006

Dia da Terra: um guia para os perplexos



No dia 22 de abril, o mundo comemorou o 36º Dia da Terra. Acho a coincidência de o dia ser o mesmo em que o Brasil foi "descoberto" muito fortuita. Assim fica mais fácil pensarmos no planeta quando comemoramos o aniversário do país. Claro, é politicamente incorreto falar em descobrimento quando já viviam aqui povos com culturas distintas há milênios. Dia 22 de abril marca a data em que os europeus chegaram aqui para ficar (portanto, excluindo possíveis explorações anteriores que não resultaram em colonização).


A Terra é bem maior do que uma casa mas também é finita. Todo sistema finito tem um limite


O debate sobre a preservação do planeta e sua exploração tem se tornado cada vez mais acirrado e confuso. Cientistas que pregam a seriedade do aquecimento global são acusados de alarmismo. Por outro lado, os que afirmam que não temos provas conclusivas para de fato defender a tese de que a Terra está aquecendo devido à emissão de gases poluentes são acusados de serem vendidos às indústrias ou ao menos tendenciosos em suas conclusões. Vemos manchetes que dizem que a década de 1990 foi a mais quente do século (foi), que o ciclo do El Niño, que marca o aquecimento das águas do Pacífico perto do Peru, está desregulado (está), que as calotas polares estão descongelando a taxas muito altas (estão), que os níveis de poluição em países de rápida industrialização, como a China e a Índia, estão tornando-se intoleráveis (estão), que o desmatamento acelerado das grande florestas, incluindo as nossas, provocará instabilidades climáticas por todo o planeta (provocará), enfim, notícias que causam medo, talvez até pânico. Fica difícil saber em que acreditar, especialmente porque construir uma nova conscientização global de preservação do planeta pode exigir mudanças custosas em informar e educar a população, em monitorar indústrias e plantações, o uso de poluentes, o controle dos esgotos, do lixo, das emissões dos carros, caminhões, navios, aviões.

O que fazer? Existem três possibilidades. Uma é deixar para lá essa história de tomar conta do planeta e se preocupar só quando o problema for realmente óbvio e irremediável. Péssima escolha. Outra é tentar filtrar do mundo de informação que recebemos as que são de fato confiáveis e não tendenciosas. Essa possibilidade é meio difícil pois, a menos que sejamos especialistas no assunto, não sabemos a priori em quem acreditar. A terceira, que me parece a mais sábia, é usar o bom senso.

Talvez uma analogia entre a Terra e a nossa casa seja útil. Começamos com a casa limpa, abastecida e com o número de pessoas ideal para que todos possam viver com conforto. O número de pessoas cresce, o espaço aperta, a demanda por água e alimentos aumenta.

Um número maior de pessoas implica em aumento no consumo de energia e na produção de lixo. Ainda por cima, alguns habitantes gostam de fumar, enchendo o ar de poluentes. A solução é impor regras contra o fumo em excesso, reduzir o lixo e o consumo de energia. Caso contrário, a casa original rapidamente não daria conta da demanda crescente dos seus habitantes.

A Terra é bem maior do que uma casa mas também é finita. A atmosfera, os oceanos e o solo reciclam eficientemente a poluição e o lixo que criamos. Mas todo sistema finito tem um limite. Não há dúvida de que, se não mudarmos o modo como usamos e abusamos do planeta, acabaremos chegaremos a esse limite. Infelizmente, a ciência não pode prever exatamente quando isso vai ocorrer. Mas ela, junto com o bom senso, afirma que é uma mera questão de tempo.

domingo, 23 de abril de 2006

O mundo invisível das partículas elementares


Na semana passada, escrevi sobre um detector de partículas chamado Atlas, que entra em funcionamento em 2007 na Suíça. Ele vai detectar os menores tijolos que compõem toda a matéria que existe no Universo, as partículas elementares. Alguns leitores pediram que explicasse melhor como esses experimentos são feitos. Aí vai.

Primeiro, uma questão de escalas. Quando estudamos partículas elementares, estamos lidando com as menores distâncias que podem ser examinadas. Um átomo, composto de prótons e nêutrons no núcleo e elétrons girando à sua volta, tem um diâmetro em torno de um bilionésimo de centímetro. Um próton é aproximadamente 100 mil vezes menor do que isso.

Não dá para estudar objetos tão pequenos por métodos usuais -com a ajuda de um microscópio, por exemplo. A luz dele tem tanta energia que empurraria a partícula para longe. O estudo desses objetos é feito em máquinas conhecidas como aceleradores de partículas. Os detectores são parte dos aceleradores.

Talvez o primeiro físico a ter usado um "acelerador" de partículas com sucesso tenha sido o inglês J. J. Thomson, o descobridor do elétron. Em 1897, Thomson usou um filamento aquecido como fonte de "raios catódicos". Esses raios, quando submetidos a um campo elétrico, são acelerados. Que campo elétrico é esse? Pensemos na gravidade, que conhecemos bem.

Os aceleradores promovem uma transmutação, revelando as sutilezas do universo subatômico

Soltamos uma pedra, ela cai no chão. Na verdade, ela é acelerada para baixo pela atração gravitacional da Terra. Um elétron tem massa pequenina; o que importa mesmo é que tem também uma carga elétrica. E cargas elétricas opostas se atraem, feito massas em gravidade mas muito mais fortemente, enquanto que cargas iguais se repelem. Tal como a Terra, que tem um campo gravitacional imenso devido à sua massa enorme, se pusermos muitas cargas juntas criamos um campo elétrico grande também. Com isso, podemos usar um campo elétrico para acelerar elétrons ou qualquer partícula que tenha carga. Quando um elétron sai do filamento aquecido (feito num tubo de TV antigo), ele é acelerado por um campo elétrico, como se fosse uma pedra caindo. Essa aceleração causa um aumento de velocidade, como o de uma pedra caindo.

Esse é, essencialmente, o princípio físico dos aceleradores de partículas: eles usam campos elétricos fortíssimos para acelerar partículas que têm carga elétrica. Voltando à analogia com a gravidade, os aceleradores são como torres muito altas, de onde físicos deixam cair suas pedras, ou melhor, partículas. O acelerador do Cern (Centro Europeu de Pesquisa Nuclear), a casa do detector Atlas, tem forma de túnel circular. Por que o círculo? A idéia é injetar um monte de partículas (prótons, no caso) indo no sentido horário e um monte no sentido anti-horário, girando cada vez mais rápido.

Ao mesmo tempo, campos magnéticos são usados para fazer com que permaneçam no túnel circular. (Como isso ocorre fica para outro dia.) Quando as partículas atingem as velocidades desejadas, os dois feixes são apontados um de frente para o outro. Nessa chuva de partículas voando em direções opostas ocorrem colisões. Essas colisões, com as maiores energias que podemos simular na Terra, despedaçam as partículas em seus componentes fundamentais e criam muitas outras, transformando energia em matéria. Os aceleradores promovem essa transmutação e os detectores a registram, revelando as sutilezas fascinantes do invisível mundo subatômico.

domingo, 16 de abril de 2006

Sobre os ombros de gigantes


Na mitologia grega, Atlas era um do titã que se revoltou contra Zeus. Sua punição? Sustentar os céus por toda a eternidade. Imagens do gigante equilibrando a Terra sobre os ombros são bastante comuns. A partir do século 16, o nome virou um adjetivo para alguém forçado a suportar um peso enorme, físico ou emocional. E também é familiar da palavra atleta. O nome está sendo usado novamente, desta vez bem longe da mitologia. Atlas é o gigantesco detector de partículas que está sendo construído no Centro Europeu de Física de Partículas, conhecido como Cern.


É uma ironia que máquinas tão gigantescas sejam necessárias para estudarmos o que de menor existe no cosmo

Convém começar discutindo o que é um detector de partículas. Como diz o nome, o detector detecta. No caso, detecta as partículas de matéria criadas em colisões extremamente violentas que ocorrem em máquinas chamadas aceleradores de partículas. Duas bolas de tênis, atiradas uma contra a outra a velocidades normais, sofrem uma colisão pouco interessante: após colidirem, desviarão suas trajetórias. O "detector" aqui pode ser uma câmera fotográfica com um disparo rápido que nos permita acompanhar as bolas. Os aceleradores de partículas também provocam colisões. Só que essas colisões envolvem elétrons, prótons e outras partículas de matéria chocando-se a velocidades muito próximas à velocidade da luz. Em máquinas como o LHC (do inglês Large Hadron Collider, grande colisor de hádrons) do Cern, as distâncias estudadas são milhões de vezes menores do que o raio de um núcleo atômico. A função do detector é recriar os detalhes da colisão de modo a permitir que físicos e engenheiros possam analisar quais partículas estavam presentes. Quanto mais sensível o detector, mais precisa a análise. Um detector com baixa precisão é como uma foto fora de foco: vários detalhes preciosos podem ser perdidos.

Esses detalhes são as partículas que constituem os tijolos fundamentais de toda a matéria que existe no Universo. Desde que Tales, o primeiro filósofo grego, perguntou em torno de 650 a.C. do que tudo é feito, a questão da composição material do mundo ocupa um lugar privilegiado na história do pensamento ocidental.

Os físicos de partículas de hoje continuam respondendo à mesma questão, mantendo a tradição viva. O que muda é a resposta. A pergunta (e a curiosidade) permanece essencialmente a mesma. Cada época formula sua resposta e, com isso, sua cultura.

Hoje temos o Atlas, um gigante de sete mil toneladas, do tamanho de meio campo de futebol. O LHC, a casa do Atlas, um túnel a 100 m de profundidade com 27 km de circunferência, fará colidir prótons contra prótons na esperança de resolver muitas questões relativas às partículas elementares. Dentre elas, a origem da massa, um dos grandes mistérios da física. O papel do Atlas, que entra em funcionamento em meados de 2007, será fundamental: na forma de um cilindro oco (do tamanho de um prédio de seis andares), o detector será capaz de seguir as várias partículas que surgem do ponto de colisão em seu centro, obtendo suas massas, carga elétrica e energia. A criação dessas partículas é conseqüência direta da famosa fórmula E=mc2: a enorme energia dos prótons é convertida em um chuveiro de outras partículas. É por isso que aceleradores têm de ser tão grandes: quanto maiores, maior a energia da colisão. Já os detectores são grandes para aumentar sua precisão. É uma dessas ironias da ciência, que máquinas tão gigantescas sejam necessárias para estudarmos o que de menor existe no cosmo.

domingo, 9 de abril de 2006

Cosmologia para a vida moderna

Querendo ou não, somos produto de nossa visão cosmológica. Talvez o leitor não passe as noites em claro se perguntando sobre a origem das coisas ou por que o Universo está em expansão. Mas a verdade é que nossa concepção de mundo é parte integral de quem somos. Para uma pessoa do século 15, o cosmo era finito, estático, esférico como uma cebola, a Terra no centro e o Sol e os planetas girando à sua volta em órbitas concêntricas. Deus ocupava a esfera mais externa, de onde comandava os afazeres dos astros e dos homens. O objetivo das pessoas era ascender do centro à esfera externa, da Terra ao Paraíso. Os que falhavam afundavam em direção às entranhas da Terra, condenados a arder eternamente nas chamas do Inferno. Para as pessoas do século 15, a cosmologia e a religião andavam de mãos dadas: a direção moral da vida e da morte refletia o arranjo dos céus.


Nosso lugar no cosmo é ordinário, mas nós não somos, porque fazemos as perguntas que levam a novas descobertas

Dado isso, não é difícil entender o impacto que a visão copernicana do cosmo, deslocando a Terra do centro e pondo o Sol em seu lugar, teve durante os séculos 16 e 17. A bela e simples ordem do cosmo medieval era intuitiva, fácil de ser compreendida e ainda por cima tinha o aval da Igreja.

Que petulância desses astrônomos de virar o céu às avessas sem oferecer uma nova teologia que restabelecesse a ordem das coisas! O casamento entre a ordem teológica e a cósmica nunca foi refeito. Alguns cientistas dessa nova era bem que tentaram, como Kepler, que sugeriu que o Sol era a morada de Deus, ou Newton, que disse que as dimensões infinitas do cosmo refletiam o poder infinito de Deus.

Foi a partir daí que se deu a separação entre as concepções científica e religiosa do cosmo. De lá para cá, os céus da ciência se tornaram cada vez mais distintos do firmamento cristão. E as pessoas mais desnorteadas, já que a visão vertical da Idade Média -os que são bons sobem e os que são ruins descem- não fazia mais sentido, ao menos concretamente.

Passados 300 anos, temos uma nova cosmologia. Infelizmente, o distanciamento das pessoas das descobertas da ciência é diretamente proporcional aos seus avanços. Poucos sabem em que Universo vivemos agora. A coisa complica ainda mais devido ao fato de a ciência ser um processo onde não se chega à verdade final das coisas, mas a verdades temporárias: hoje sabemos mais sobre o Universo do que ontem, mas amanhã saberemos mais. Como então essa nova cosmologia deve ser apreendida pelas pessoas?

Aos poucos. Começando pelo que sabemos e progredindo em direção ao que não sabemos. Eis uma lista de coisas que sabemos. Nosso Sol é uma estrela ordinária. Há centenas de bilhões de outras só na nossa galáxia. Dessas, a maioria tem planetas girando ao redor.

Não sabemos se existe vida em alguns deles, mas seria terrível imaginar que estamos sozinhos nessa enorme vastidão. Existem também centenas de bilhões de outras galáxias espalhadas pelo cosmo. A expansão do Universo significa que essas galáxias estão se afastando mutuamente como se fossem pontos na superfície de um balão que infla. Isso vem ocorrendo há pouco menos de 14 bilhões de anos, que marca o Big Bang. Nosso lugar no cosmo é ordinário. Mas nós não somos. Não somos porque fazemos as perguntas que levam a novas descobertas. Se a ciência não oferece um substituto espiritual para a religião, oferece ao menos razão para preservarmos a preciosidade da vida. Isso já é o suficiente para mim, racional e espiritualmente.


domingo, 2 de abril de 2006

A Terra em fúria


No Brasil não ocorrem terremotos (quando ocorrem, são muito fraquinhos). Tampouco temos vulcões. Não fossem as notícias nos jornais ou na TV, onde podemos ver a devastação causada por terremotos ou erupções, teríamos a impressão de que o interior de nosso planeta é muito pacato. Nada poderia ser menos verdadeiro.


Vivemos na superfície de uma bolha de metal incandescente, a mercê de seus ajustes


Para entender de onde vem essa agitação interna, temos de começar do começo, ou seja, da origem da Terra, há 4,6 bilhões de anos. Nosso planeta nasceu junto com o Sol e os outros planetas, a partir da contração de uma enorme nebulosa rica em hidrogênio e com traços dos minerais que encontramos aqui. Para que o Sol entrasse em ignição, sua temperatura interna teve de atingir 15 milhões de graus Celsius. Já a externa é de "apenas" 6.000C. As massas que giravam à sua volta - os futuros planetas - nasceram também superaquecidas. Durante os primeiros 700 milhões de anos, o caos era total: pedaços de asteróides e cometas chocavam-se violentamente com os planetas nascentes. A própria Lua nasceu dessas colisões, quando um planeta do tamanho de Marte resvalou na Terra-bebê, arrancando-lhe um pedaço. Ao olharmos para a Lua, vemos as entranhas da Terra primitiva, devidamente resfriadas e solidificadas.

A superfície da Terra só se solidificou após 700 milhões de anos. E, se a superfície era quente a ponto de derreter rochas e minérios, o interior era muito mais. Fora o calor proveniente do processo de formação e das constantes colisões, minérios radioativos aumentavam ainda mais a temperatura interna. Como resultado, o material mais denso foi afundando em direção ao centro da Terra, enquanto o menos denso ficou na superfície, flutuando sobre esse "oceano" de rochas derretidas.

Essa diferença de densidade causou uma estratificação da Terra, que ficou dividida em camadas, como uma cebola. No centro está o material mais denso, ferro e níquel. A temperatura permanece muito elevada, a ponto de manter os metais liquefeitos: o interior da Terra é feito de ferro líquido aquecido a temperaturas de 5.000C, quase tão altas quanto as da superfície do Sol. As densidades também são gigantescas: um cubo de material do centro da Terra com um metro de lado pesa em torno de 10 toneladas. Em seguida vem o manto, formado principalmente de rochas ígneas, compostos de silício e oxigênio com temperaturas que chegam a 3.000C nas partes mais profundas. Acima do manto vem a crosta, a única parte da Terra que conhecemos bem.

Os vulcões são nosso passaporte para o interior da Terra. Já que não conseguimos ainda cavar um buraco mais profundo do que 10 km e o raio da Terra é de 6.500 km, o material expelido durante erupções vulcânicas nos traz informação direto do manto. Devido à diferença de temperatura, a crosta literalmente flutua lentamente sobre o manto. Assim é explicada a origem dos continentes. O leitor já deve ter percebido que a África e o Brasil se encaixam um no outro. Pois bem, medindo a deriva continental, geólogos estimam que há 200 milhões de anos existia apenas um continente na Terra, chamado Pangéia. Os continentes, flutuando sobre placas, foram se separando aos poucos. Quando duas placas se encontram, surgem distorções e falhas. É ao longo delas que os vulcões e terremotos se concentram. Cada terremoto ou erupção é uma lembrança de que a Terra é um planeta ativo. Vivemos na superfície duma bolha de metal incandescente, a mercê de seus caprichosos ajustes.