domingo, 25 de abril de 2004

Em busca de vida extraterrestre

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Os robôs da Nasa, Spirit e Opportunity, descobriram evidência que, no passado, existia água líquida em Marte. Talvez até salgada, como nos oceanos terrestres. Essa foi uma das poucas notícias boas que vieram dos EUA recentemente. A descoberta é espetacular e confirma o que já se suspeitava há muito: que água líquida não existe só na Terra.

Água é o primeiro passo para que se encontre vida. Ao menos vida como a entendemos no momento. Esse, aliás, é um dos problemas que caçadores de vida extraterrestre enfrentam: o que se conhece de vida é limitado a apenas um exemplo, o nosso. É perfeitamente possível que existam formas de vida tão exóticas que nem sejam reconhecidas como tal pela ciência atual: metabolismos completamente diferentes, comportamentos bizarros. Portanto, quando se fala na busca por vida extraterrestre, fala-se de uma busca limitada àqueles seres que podemos identificar como vivos.

Inúmeros fatores complicam as previsões de como seriam as formas de vida extraterrestre. Por exemplo, a composição química do planeta (ou lua) e de sua atmosfera, se ele tiver uma.
Respiramos oxigênio e exalamos dióxido de carbono. Marte, hoje, tem uma atmosfera rica em dióxido de carbono (95,3%). Se essa era a composição de sua atmosfera no passado, formas de vida marcianas não podiam depender de oxigênio. Elas também deveriam ser imunes à radiação ultravioleta proveniente do Sol. Aqui na Terra, somos protegidos pela camada de ozônio, que funciona como uma espécie de escudo contra os raios ultravioleta solares. Essa camada de ozônio foi sendo formada aos poucos, produto do desenvolvimento de formas de vida. Ou seja, a própria presença da vida modifica a atmosfera do planeta.

Pelo que vemos aqui na Terra, a vida é extremamente criativa. Organismos foram encontrados nas profundezas escuras dos oceanos, perto de fendas subterrâneas que expelem água fervendo e enxofre. Alguns micróbios sobrevivem em meios ricos em ácido sulfúrico, em gelo, ou em ambientes repletos de radiação.

Isso leva muitos cientistas a acreditarem na existência de alguma forma de vida fora da Terra. E, se água existir no local, essas formas de vida provavelmente serão baseadas em carbono, como é o caso aqui. A água age como um meio perfeito para facilitar reações químicas entre compostos de carbono, os componentes básicos dos organismos vivos.

Caso exista vida fora da Terra, ela será provavelmente dominada por organismos unicelulares. Na hierarquia dos seres vivos, o mais simples é o mais abundante. Os micróbios existiram sozinhos durante 85% da história da vida na Terra. A explosão de complexidade nas formas de vida terrestre ocorreu há menos de 1 bilhão de anos. Sei que micróbios extraterrestres não têm tanta graça, mas provavelmente são eles que têm a maior probabilidade de existir em outros cantos do cosmo.

Existem duas questões fundamentais, que mal podemos tocar aqui, devido ao espaço. A primeira questão é sobre a origem da vida em si, isto é, como moléculas orgânicas, ricas em carbono, se tornaram suficientemente complexas a ponto de se auto-replicar e alimentar. Ou seja, como o inanimado tornou-se animado.

A segunda questão é como essas formas de vida primitiva se tornaram cada vez mais complexas a ponto de hoje, aqui na Terra ao menos, existirem urubus, lagostas e pessoas.
A primeira pergunta é um dos grandes mistérios da ciência moderna. Vamos deixá-la de lado, ao menos hoje. A segunda questão nós entendemos melhor.

Por trás da complexificação da vida opera a seleção natural; organismos sofrem mutações em seus genes e, raramente, essas mutações são benéficas, ajudando na adaptação da espécie. A história da vida na Terra é uma história dramática, pontuada por grandes cataclismos e extinções. A variação das espécies depende da história da Terra, de colisões com enormes asteróides e cometas, de erupções vulcânicas que modificaram a atmosfera etc.

Caso a história da Terra fosse outra, a história da vida aqui também seria outra. O que será encontrado em outras partes do cosmo dependerá da história local. Mas uma coisa é certa: de micróbios a ETs inteligentes, o pulo é enorme. E pouco provável.


domingo, 18 de abril de 2004

Desta vez foi por pouco

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Recentemente, dois eventos astronômicos reanimaram temores apocalípticos, como os retratados nos filmes "Armageddon" e "Impacto Profundo": colisões catastróficas entre asteróides ou cometas e a Terra.

No dia 13 de janeiro, um astrônomo trabalhando para o Linear (Lincoln Near Earth Asteroid Research Program, ou Programa Lincoln de Busca por Asteróides Próximos da Terra) detectou um novo asteróide. Fez quatro imagens do objeto em momentos diferentes, numa tentativa de compor a sua órbita.

Isso tudo é rotina e faz parte do Programa Spaceguard Survey, que reúne vários observatórios dedicados à caça de asteróides com diâmetros de pelo menos um quilômetro. O objetivo é observar as suas órbitas, certificando-se de que nenhum irá colidir com a Terra.

Por que asteróides com pelo menos um quilômetro de diâmetro? Por dois motivos. Primeiro, porque, quanto maior o asteróide, mais fácil é achá-lo no espaço. A tarefa dos astrônomos não é nada fácil: é como detectar um mosquito a quilômetros de distância.

Segundo, porque asteróides com mais de um quilômetro de diâmetro podem causar sérios danos ao planeta Terra, inclusive ameaçando a sobrevivência de grande parte da humanidade. É bom lembrar que foi um asteróide que precipitou a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. (Rumores recentes questionando essa conclusão são extremamente duvidosos.)

Existem mais de 1.100 asteróides dessas dimensões circulando pelo Sistema Solar. Metade deles já foi catalogada, e nenhum até o momento apresenta perigo de colisão com a Terra. A outra metade, graças ao trabalho do Spaceguard, deverá ser catalogada até 2008.

O astrônomo Tim Spahr, do Linear, enviou seus dados para um portal especializado e foi jantar. Passada uma hora, o astrônomo amador europeu Reiner Stoss viu os dados de Spahr e concluiu que o asteróide, então chamado de AL00667, estaria seis vezes mais próximo da Terra em um dia.

Stoss enviou mensagem para um grupo de caçadores de asteróides. As observações indicavam que o asteróide era pequeno, com 30 m de diâmetro. Objetos desse tamanho podem explodir ainda na atmosfera, tendo pouco efeito sobre a superfície. Mas, se a explosão ocorrer em baixa altitude e sobre área habitada, eles podem causar grandes danos e perda de vida. Em 1908, um explodiu sobre a Sibéria, devastando dezenas de quilômetros quadrados de floresta.

A essa altura, outro astrônomo, Alan Harris do Instituto de Ciências Espaciais em Boulder, no Colorado (EUA), checou os dados da órbita. Concluiu que, caso estivesse correta, o asteróide iria se chocar com a Terra em um dia. Nervoso, Harris ligou para o chefe do programa de detecção de asteróides da Nasa (agência espacial dos EUA), Don Yeomans.

Em conjunto com outros astrônomos, Yeomans concluiu que o asteróide tinha 25% de chance de colidir com a Terra. Jamais astrônomos haviam chegado a esse tipo de margem de risco. E certamente não com apenas um dia de aviso prévio.
Um certo pânico se espalhou entre os astrônomos. Eram necessárias mais observações para confirmar se o risco era mesmo tão alto. Para piorar a situação, os céus se cobriram de nuvens, as grandes inimigas dos astrônomos.

Finalmente, na madrugada do dia 14, astrônomos buscaram pelo asteróide no local onde ele deveria estar, caso fosse mesmo se chocar com a Terra. Não estava. Ainda bem, pois observações posteriores mostraram que o asteróide é muito maior, com 500 m de diâmetro. O susto foi tão grande que a Nasa preparou um plano de comunicação para o caso de um asteróide entrar em rota de colisão com a Terra.

No dia 18 de março, outro asteróide passou perto. Aliás, mais perto do que qualquer outro já observado. Com 30 m de diâmetro, passou a apenas 43 mil quilômetros de distância, ou 3,4 diâmetros terrestres. Aqui, a novidade não foi que o asteróide tenha passado assim tão perto -estima-se que isso ocorra uma vez a cada um ou dois anos-, mas que tenha sido detectado, o que é um bom sinal.

O Sistema Solar é cheio de detritos, materiais que não se juntaram a planetas ou luas em sua formação. As colisões com a Terra são raras, mas ocorrem. Esses dois episódios provam que não ter um plano de defesa é, no mínimo, arriscado.

domingo, 11 de abril de 2004

O futuro da corrida espacial


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Telescópio Espacial Hubble, instrumento científico mais popular das últimas décadas, está com seus dias contados. Como qualquer máquina, o telescópio orbital precisa de manutenção. Suas baterias solares e seus giroscópios -aparelhos que estabilizam a posição orbital e que são usados para seu redirecionamento- perdem a eficiência com o tempo. Até agora, a manutenção do Hubble vinha sendo feita por astronautas levados ao satélite pelos ônibus espaciais da agência espacial americana.

Conforme escreveu o físico Steven Weinberg na "New York Review of Books" (8 de abril de 2004), o Hubble deu à Nasa a melhor justificativa para o uso de vôos espaciais tripulados por humanos. Mas, como ele e muitos outros afirmam, essas missões de manutenção poderiam ter sido efetuadas por robôs. Pôr humanos no espaço é arriscado -vide os acidentes dos ônibus espaciais Challenger e Columbia- e muito mais caro. Tão mais caro que os custos ameaçam o futuro da exploração do espaço.

Recentemente, o presidente George Bush anunciou o seu plano de exploração espacial: construir uma base lunar até 2020 e de lá viajar até Marte.

O custo de tal empreitada foi estimado de forma conservadora em torno de 600 bilhões de dólares. Como, em geral, essas estimativas são sempre muito otimistas, o custo pode chegar a 1 trilhão de dólares. E de onde vem esse dinheiro? Principalmente da Nasa. O problema é que seu orçamento está sendo aumentado em apenas 5% ao ano. Conclusão: caso esse plano vá adiante, vários outros projetos da Nasa vão pagar a conta. Uma das primeiras vítimas deve ser o Hubble.
Dois dias após o anúncio do plano de Bush, a Nasa cancelou a missão de manutenção projetada para 2006. Sem ela, o telescópio espacial irá operar no máximo até 2009, quando outra missão (com custo de cerca de 300 milhões de dólares, caso seja tripulada) irá depositá-lo no fundo do oceano.

A possível morte do Hubble gerou um maremoto de protestos. Milhares de mensagens vêm sendo enviadas para o portal do telescópio, para a Nasa, para políticos. Alguém sugeriu privatizar o telescópio, vendê-lo para a Coca-Cola ou a Pepsi: a empresa pagaria pela manutenção do telescópio e, em troca, suas fotos trariam um pequeno logotipo de uma das bebidas no canto.

Outros disseram que, se o problema é que as missões com os ônibus espaciais são muito arriscadas, eles mesmos iriam em lugar dos astronautas. Ou, se o problema é dinheiro, que a Nasa peça doações para o público.

Nada disso estaria ocorrendo se a ênfase da corrida espacial fosse em explorar o espaço, e não em explorar o espaço com humanos. Inúmeras missões, incluindo o Hubble, mas também os robôs agora em Marte, os satélites que vêm mapeando as propriedades do Universo em microondas, raios X, raios gama, ultravioleta etc., foram todas robotizadas. Seus custos são incomparavelmente menores do que missões tripuladas. E os riscos, claro, não envolvem vidas humanas.

Do ponto de vista científico, missões tripuladas são praticamente inúteis. Por exemplo, tudo que os astronautas fizeram na Lua com as missões Apollo poderia ter sido feito com robôs. Claro, o romance não teria sido o mesmo, e eu mesmo sou defensor da exploração do espaço por humanos. Mas não agora e não unilateralmente, como querem fazer os EUA. Talvez essa unilateralidade seja a grande culpada. A corrida espacial é vista como símbolo de hegemonia tecnológica e, portanto, explorada politicamente.

E a retórica do "homem desbravador de fronteiras" ajuda a convencer o público de que explorar o espaço é importante, garantindo assim os enormes contratos para empresas de tecnologia aeroespacial. Dividir a exploração espacial com o mundo significa sacrificar essa hegemonia, perder o apoio da opinião pública e a conseqüente alocação de fundos federais para empresas privadas.

O que fazer? Parece-me que existem dois caminhos. Um é continuar a robotização da exploração espacial, que pode ser feita com fundos que já existem. O Hubble, mesmo sendo um robô, cativou o mundo. Outro seria globalizar a exploração humana do espaço. Afinal, a "última fronteira" é de todos, inclusive nossa. Mas isso significa despolitizar o espaço, o que pode ser mais romântico do que pôr um homem em Marte.

domingo, 4 de abril de 2004

Mais um planeta?


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

No dia 16 de março, um time de astrônomos liderados por Michael E. Brown, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, anunciou a descoberta de um novo membro do Sistema Solar, o "pequeno planeta 2003 VB12, cujo nome popular é Sedna". Sedna é uma deusa dos esquimós que vive em uma caverna gelada no fundo do oceano Ártico.

A descoberta iniciou um acirrado debate entre os astrônomos. Sedna é o décimo planeta, ou apenas um grande asteróide? A resposta depende de como se define planeta. E essa definição não é nada trivial. Dependendo do que for decidido pela União Astronômica Mundial, e isso pode demorar mais de uma década, mesmo Plutão pode perder o seu status de planeta. (Pouco provável.)

Pode-se dizer que planeta é um corpo esférico que gira em torno do Sol em órbitas aproximadamente circulares. Todos os nove planetas são aproximadamente esféricos. Sedna também é, o que pode ajudar em seus status de planeta. Mas alguns grandes asteróides também são esféricos e não são considerados planetas. São necessários outros critérios.

"Órbitas aproximadamente circulares" porque órbitas não são circulares, mas elípticas. O alongamento de uma elipse, sua distorção em relação a um círculo perfeito, é chamado de excentricidade. Portanto, um círculo tem excentricidade nula, enquanto órbitas de cometas podem ter excentricidades muito grandes, refletindo suas órbitas alongadas em torno do Sol.
Em termos de excentricidade, Mercúrio e Plutão são já bem diferentes dos outros planetas. Há quem diga que ambos têm excentricidades muito grandes para serem considerados planetas. A excentricidade de Plutão é quase 28 vezes maior que a de seu vizinho Netuno.

Outro problema é a inclinação com relação ao plano eclíptico. Esse plano vem do fato de o Sistema Solar estar arranjado feito uma pizza: os planetas giram em torno do Sol em um plano achatado. Novamente, Mercúrio e Plutão são os rebeldes: Mercúrio está a 7 de inclinação em relação ao plano, enquanto Plutão está a 17,2. Alguns acham que isso deveria expulsar Plutão do time dos planetas.

Sedna é ainda mais controverso. Sua distância da Terra é hoje de mais de 13 bilhões de quilômetros, três vezes maior do que a de Plutão. Astrônomos estimam que Sedna tenha 3/4 do tamanho de Plutão. Considerando que o raio de Plutão é 18% do raio da Terra, Sedna é bem pequeno. Ainda assim, é o maior integrante do Sistema Solar após Plutão, o que ajuda em seu status de planeta.

Sua órbita é incrivelmente excêntrica: em seu ponto de maior proximidade do Sol, Sedna está 76 vezes mais distante do que a Terra. Plutão está 30 vezes. Em seu ponto de maior distância do Sol, está 880 vezes mais distante do que a Terra. Plutão está 49,3 vezes. Ou seja, julgando pela sua excentricidade, Sedna tem mais cara de cometa do que de planeta. Ele demora 10.500 anos para completar uma órbita em torno do Sol. Plutão demora 248.

Cometa ele não é. Sua superfície, ao contrário da dos cometas, não está coberta por materiais gelados típicos de cometas, como amônia, hidrogênio, água e metano. Aliás, sua superfície é quase tão vermelha quanto a de Marte, algo bem misterioso. Astrônomos ainda não conseguiram analisar sua composição química para determinar de onde vem essa cor vermelha.
Outro problema é como Sedna foi parar em sua estranha órbita, tão longe do Sol quando comparada com a de outros planetas, mas tão perto quando comparada com a de cometas de órbita alongada. Isso porque cometas são provenientes de duas regiões do Sistema Solar, espécies de berçários de cometas. Uma, o cinturão de Kuiper, fica um pouco além da órbita de Netuno. Outra, a nuvem de Oort, fica bem mais longe, o berçário dos cometas de órbita alongada, a mais de 10 mil vezes a distância entre Sol e Terra.

Sedna fica no meio. Uma hipótese é que ele tenha sido posto nessa órbita por uma estrela vizinha ao Sol, durante a formação do Sistema Solar. Qualquer que seja a explicação ou o status final de Sedna, fica a lição: quem acha que ciência tira o mistério da natureza, veja como, ao contrário, é ela que nos apresenta sempre novas questões e desafios que ampliam a compreensão do Universo em que vivemos.