domingo, 23 de dezembro de 2007

Ressuscitação e salvação



A ciência esteve perto de realizar o mito de Frankenstein


C om a chegada do Natal, achei apropriado escrever sobre as recentes descobertas científicas na área da genética que prometem revolucionar o futuro. Não, o assunto não é células-tronco. Em 2003, quando o genoma humano foi finalizado, cientistas descobriram algo surpreendente: nossos corpos possuem restos de tipos de vírus chamados retrovírus, fósseis de batalhas imunológicas travadas há bilhões de anos.

Esses retrovírus são organismos extremamente primitivos: trata-se essencialmente de tiras de material genético circundadas por um invólucro de proteínas. Não se pode nem dizer que sejam vivos. Parasitas, apenas se reproduzem quando conseguem invadir uma célula. Ali, fazem a única coisa que sabem fazer: inserir seus genes no DNA da célula de modo que, quando a célula se divide, eles vão com ela de carona, espalhando-se cada vez mais, numa espécie de colonização celular. O HIV, o vírus causador da Aids, que é um retrovírus, já causou mais de 25 milhões de mortes.

Os pedaços de retrovírus encontrados constituem 8% do genoma. Como comparação, apenas 2% são usados para produzir todas as proteínas que nos mantêm vivos. Esses fósseis genéticos contam a história da nossa evolução, das batalhas contra doenças que definiram nossa espécie. Recentemente, o cientista francês Thierry Heidmann ressuscitou um retrovírus que estava extinto havia centenas de milhares de anos. Para tal, extraiu pedaços do vírus e, como num quebra-cabeças, reconstruiu sua estrutura genética. O vírus, acordando de seu sono profundo, infeccionou ratos no laboratório, comprovando sua eficiência. Nunca a ciência esteve tão próxima de transformar o mito de Frankenstein em realidade.

A idéia de que cientistas possam ressuscitar doenças já extintas parece assustadora. Eu mesmo senti um calafrio quando li sobre isso pela primeira vez. Mas a razão para isso não é criar armas terríveis para subjugar a humanidade (se bem que o risco que isso ocorra está sempre presente). Ao contrário, é usar os retrovírus para curar doenças, a Aids entre elas.

Por que chimpanzés carregam o vírus da Aids mas nunca contraem a doença? Afinal, nosso genoma é praticamente idêntico ao deles. A diferença mais dramática é que os chimpanzés carregam em torno de 130 cópias do retrovírus extinto Pan troglodytes (PtERV), enquanto gorilas têm 80 e nós nenhuma. Quatro milhões de anos atrás, esse vírus infectou chimpanzés e gorilas. Mas não temos traço disso no nosso genoma. Foi então que cientistas da Universidade de Rochester, nos EUA, propuseram algo revolucionário: os processos evolutivos que nos protegeram do PtERV nos deixaram vulneráveis ao HIV.


Em particular, parece que a chave está num gene que nós temos e os macacos também, chamado TRIM5 . Nos humanos, esse gene produz uma proteína que destrói o PtERV. No macaco reso, ela protege contra o HIV. Após ressuscitar o PtERV, os cientistas provaram que a proteína produzida pelo TRIM5 pode proteger contra uma ou outra doença, mas não contra as duas ao mesmo tempo.

Quando nos separamos totalmente dos macacos, há 4 milhões de anos, desenvolvemos uma proteção eficiente contra o PtERV. Mas essa proteção nos deixou vulneráveis ao HIV. O objetivo agora é tentar desenvolver uma droga que atue do mesmo modo que a proteína que protege os macacos contra o HIV. Ou seja, ressuscitação e salvação à moda científica. [Para escrever este artigo, inspirei-me na matéria de Michael Specter, "Darwin's Surprise", publica na revista americana "The New Yorker", dia 3 de Dezembro de 2007.]

domingo, 16 de dezembro de 2007

Testando a relatividade


Não adianta uma idéia ser "bela" sem passar nos testes

Quando perguntaram a Einstein se ele estava preocupado com possíveis erros na teoria da relatividade, ele respondeu: "De modo algum. A teoria é bela demais para estar errada".

Isso é que é confiança! Em 1915, Einstein havia sugerido um novo modo de pensar sobre a gravidade que ficou conhecido como teoria da relatividade geral. Ela substituía a idéia prevalecente na época, sugerida por Isaac Newton em 1686, que dizia que a força gravitacional entre dois objetos com massa agia à distância, sem que os objetos se tocassem. Einstein propôs que a gravidade pode ser interpretada como resultado de uma deformação no espaço devido à presença de um objeto com muita massa.

Quanto mais massa tiver o objeto, maior a curvatura que ele causa no espaço. Como quando nos sentamos num colchão; quanto mais pesados somos, mais o colchão se curva em torno do nosso traseiro.

Em física, idéias novas, especialmente as mais radicais, são sujeitas a inúmeros testes. O que diferencia a ciência é justamente essa insistência em que as hipóteses sejam testadas e verificadas em laboratórios ou, no caso da astronomia, por meio de observações com telescópios e outros instrumentos capazes de colher informação do céu. Não adianta que uma idéia seja "bela" ou extremamente elegante: sem ser verificada, não é aceita pela comunidade científica.

Claro, em alguns casos -especialmente quando a tecnologia é insuficiente-, idéias sobrevivem durante muitos anos sem serem testadas. É o caso da teoria das supercordas nos dias de hoje.
No caso da relatividade geral, o próprio Einstein havia proposto três testes. Um era a explicação para anomalias na órbita do planeta Mercúrio que não eram explicadas pela teoria newtoniana.

Outro, que a luz proveniente de estrelas distantes seriam desviadas ao passar na vizinhança do Sol. Isso porque o Sol, com sua massa gigantesca, deforma a geometria do espaço a sua volta, o que cria um efeito mensurável na Terra. O terceiro teste, mais complicado, dizia que a luz (ou melhor, a radiação eletromagnética) também era afetada pela gravidade: quanto maior a gravidade, menos energia tem a luz. Como a luz vermelha tem menos energia do que a azul, o efeito ficou conhecido como "desvio para o vermelho gravitacional".

Na década de 60, essa previsão da teoria foi testada com sucesso nos EUA. A teoria explicava também a órbita de Mercúrio, e o desvio da luz de estrelas foi verificado em inúmeras oportunidades, inclusive no Brasil em 1919. Mesmo assim, a teoria continua sendo testada.

A insistência em novos testes vem do fato de nenhuma teoria ser perfeita, existindo sempre dentro de limites de validade. A própria teoria da relatividade explica coisas que a teoria de Newton não explica, como os três testes acima. A esperança é que, ao expor a teoria a testes cada vez mais sensíveis, será possível vislumbrar onde ela falha. Essas falhas, por sua vez, apontam para novas teorias, novas idéias sobre a natureza. É sempre bom lembrar que a ciência é uma narrativa que se aprimora constantemente.

Recentemente, a teoria de Einstein foi sujeita a mais um teste: medindo a distância até a Lua com precisão de um centímetro, cientistas refletiram um raio laser num espelho deixado na superfície lunar por astronautas da missão Apollo 11. (Pondere este feito tecnológico). Mais uma vez, as correções propostas por Einstein passaram pelo teste. Com isso, teorias que tentam generalizar as idéias da relatividade ficam cada vez mais restritas.

Mas como nenhuma teoria é perfeita, nem mesmo a relatividade, a busca continua.

domingo, 9 de dezembro de 2007

A mão da criação



Nos animais e plantas todos os aminoácidos são canhotos


E u sei que o título dessa coluna é meio apelativo. Peço desculpas. Mas agora que tenho sua atenção, explico do que se trata. A vida, feito as suas mãos, pode ser destra ou canhota. Quer dizer, não a vida em si, mas as moléculas que compõem os seres vivos. Que existem preferências já sabemos, mesmo ao nível macroscópico. Por exemplo, cerca de 15% da população é canhota; a maioria dos moluscos que tem uma concha espiralada tem, também um sentido prioritário de rotação (algo que vale a pena confirmar).

O mistério dessa chamada "quiralidade" é que, no laboratório, quando os aminoácidos e os açúcares que compõem as proteínas e DNA dos seres vivos são sintetizados artificialmente, moléculas com orientação destra e canhota aparecem na mesma proporção, 50% de cada. Nos animais e plantas todos os aminoácidos são canhotos e todos os açúcares são destros. Por que essa assimetria fundamental? Será que ela é determinante para a vida? Será que, se seres vivos forem achados em outros planetas deste e de outros sistemas estelares, terão a mesma assimetria?

Quando cientistas se deparam com esse tipo de desequilíbrio no mundo natural, procuram logo por uma explicação lógica. Dizer que isso é uma coincidência, mesmo que uma possibilidade viável, não é muito interessante. Além do mais, só podemos afirmar que algo é uma coincidência após eliminarmos todas as outras possibilidades, o que não é nada fácil. Melhor é imaginar que existe algum mecanismo, alguma força que seleciona a orientação espacial das moléculas.

A hipótese mais conhecida usa uma assimetria da física de partículas, ligada ao decaimento radioativo: das quatro forças fundamentais da natureza, a gravitacional, a eletromagnética e as forças nucleares forte e fraca, apenas a última exibe uma assimetria entre as orientações espaciais. Portanto, nada mais natural do que tentar usar essa assimetria como explicação.
Se estiver correta, o efeito seria o mesmo por todo o Universo. O problema é que a força fraca atua a distâncias subnucleares, isto é, dentro do núcleo atômico. É difícil imaginar que ela possa ter algum papel em escalas moleculares, que são muito maiores. Fora isso, o efeito é muito muito pequeno, e pode ser corrompido por outros maiores. Esse colunista provou recentemente que essa explicação é inviável. Temos que procurar por um outro caminho, então.

Outra idéia é que luz ultravioleta e outros tipos de radiação podem influenciar a orientação espacial das moléculas. De fato, esse efeito foi demonstrado no laboratório com vários tipos de radiação. Mas como usar essa idéia na vida primitiva, ou mesmo antes da vida, em eras "pré-bióticas"? Se a nuvem rica em hidrogênio que gerou o sistema solar há pouco menos de cinco bilhões de anos tiver passado por uma região no espaço rica nesses tipos de radiação, o efeito pode ser ativado. Especula-se que, talvez, a nuvem tenha passado perto de uma estrela de nêutrons, que pôde irradiá-la, ou numa região onde estrelas nascem, também rica em radiação.

O problema, aqui, é encontrar essas estrelas e identificar a radiação correta; fora isso, ela tem que sobreviver durante muito tempo para ser efetiva, algo que não é fácil. De qualquer forma, foram encontrados vestígios de aminoácidos com orientação como a dos da Terra em meteoritos provenientes dos confins do Sistema Solar.

Será que fomos todos irradiados e a orientação molecular da vida na Terra veio do espaço? Ainda não sabemos. Eu tenho minha própria teoria, mas hoje não sobrou espaço para explicá-la. Fica para a próxima!

domingo, 2 de dezembro de 2007

O despertar de uma nova era



Parece que o debate sobre embriões já é desnecessário


D ia 21 de novembro, jornais do mundo inteiro anunciaram uma descoberta absolutamente fantástica: cientistas conseguiram criar células-tronco a partir de células da pele. Alguns chegaram até a comparar o evento ao vôo dos irmãos Wright com seu "primeiro" avião. Ou seja, uma nova tecnologia capaz de transformar o mundo. (As aspas são um lembrete de que a pessoa que fez essa asserção é, obviamente, norte-americana. Pois nós, brasileiros, sabemos que essa glória pertence ao nosso Santos Dumont.)

Vale lembrar que a importância das células-tronco vem da sua capacidade de se transformar nas células de todos os tecidos do corpo humano; musculares, nervosas, ósseas etc. Com isso, elas podem ser usadas para gerar tecidos novos, saudáveis, em pessoas afligidas por vários males, da doença de Parkinson e outras enfermidades degenerativas do sistema nervoso à diabetes. As células-tronco são uma espécie de pan-célula, uma célula que é potencialmente todas as células. Basta que seja dirigida nessa ou naquela direção, como trens em trilhos.

É justamente desse poder de transformação das células-tronco que nasce a controvérsia que tem marcado a pesquisa nessa área da biologia. Não é à toa que as células-tronco são encontradas em embriões; afinal, nesse estágio primitivo da vida é necessário justamente ir do mais geral ao mais especializado, que é o que as células-tronco são capazes de fazer. A questão que é levantada em debates que vão do ético e religioso ao político vem do fato que a extração dessas células de embriões acaba por destruí-los. Posições mais conservadoras afirmam que isso é equivalente a assassinar um ser humano, um crime. O governo norte-americano bloqueou fundos de pesquisa que envolvam a destruição de embriões.

No Brasil, o uso de embriões está sendo questionado pelo Ministério Público Federal no Superior Tribunal de Justiça. Toda uma revolução na medicina tem que esperar pela nossa lenta evolução moral. E a controvérsia continuou mesmo após cientistas afirmarem que extrairiam células-tronco apenas daqueles embriões que seriam destruídos de qualquer forma nas clínicas de fertilização.

Agora, parece que esse debate torna-se desnecessário. Ao conseguir transformar células da pele em células-tronco ou, ao menos, em células que tem o mesmo potencial de transformarem-se em células de vários tecidos do corpo humano, a questão "criminal" imediatamente desaparece.

Se as técnicas vingarem -e tudo indica que vingarão- qualquer pessoa poderá ter o seu kit de células-tronco, para ser usado em caso de necessidade, sem preocupações éticas. A técnica utilizada demonstra a incrível sofisticação da pesquisa em genética: vírus foram usados para reativar quatro genes adormecidos numa célula da pele, essencialmente reprogramando a sua função. Meio parecido com o que é feito com programas de computador quando são editados.
Existem, claro, muitos desafios técnicos pela frente: alguns dos genes sofrem mutações cancerígenas, outros causam tumores; a margem de sucesso ainda é relativamente pequena. Mas a pesquisa científica é assim mesmo, sempre obscura no início.

A descoberta alivia o peso político que pontua a questão do uso medicinal das células-tronco. Mas, a meu ver, o debate ético permanecerá. Toda nova tecnologia tem seu lado luminoso e seu lado sombrio. Será fácil manipular não só os genes mas o medo que as pessoas têm do novo. Infelizmente, a história nos mostra que toda grande revolução do conhecimento encontra forte resistência daqueles que preferem viver no passado.

sábado, 1 de dezembro de 2007

A estrela de Belém


Viaje no tempo e descubra detalhes sobre os fenômenos que iluminaram os céus do hemisfério norte à época do nascimento de Jesus

"Em 12 de agosto do ano 3 a.C., ocorreu uma conjunção muito luminosa dos planetas Júpiter e Vênus na constelação do Leão"

Poucos símbolos são tão evocativos quanto a Estrela de Belém. Todo presépio com a cena da Natividade mostra os Reis Magos, vindos do leste, guiados pela estrela cujo brilho dominava os céus, adornando a noite com o augúrio de um bom presságio, o nascimento de Jesus. Já bem antes dessa época, os céus representavam a escrita dos deuses. Para os babilônios, que inventaram a astrologia, a posição relativa dos planetas e estrelas era carregada de significado, determinando o futuro de um rei ou a fertilidade das colheitas vindouras. Para os chineses, cometas eram um sinal de que algo de terrível iria acontecer. Sem compreender o aparecimento imprevisível de luminárias celestes, as civilizações antigas atribuíam a elas mensagens divinas, boas e más.

O que sabemos da Estrela de Belém? Segundo o Evangelho de São Mateus, a melhor pista que temos, deduzimos que deve ter sido um objeto celeste novo, já que serviu para guiar os Reis Magos do leste. A "estrela" apareceu duas vezes: primeiro, quando os reis tiveram uma audiência com Herodes em Jerusalém; depois, ela "pairou" sobre Belém. Mateus não diz que a estrela era particularmente brilhante, e Herodes não a viu, pois perguntou aos reis quando ela surgiu.

Temos, claro, que supor que a "estrela" de fato existiu e que não era uma aparição sobrenatural. Nesse caso, a questão que vários astrônomos e historiadores da ciência vêm se perguntando há anos é: que tipo de fenômeno astronômico poderia ter causado a aparição celeste?

Para obtermos uma resposta, temos que datar o nascimento de Jesus. Isso é um tanto complicado, pois não existe um registro definitivo. O período mais aceito pelos historiadores é entre os anos 8 e 1 a.C. - ou seja, Jesus provavelmente nasceu antes de Cristo. Mesmo esse intervalo é ainda muito longo. Afinal, coisas interessantes ocorrem nos céus todos os anos. Fontes mais recentes localizam o nascimento em torno de 3 a.C. Quais os candidatos astronômicos da época para a Estrela de Belém?

Se supormos que o evento foi luminoso o suficiente para ser visto em outros países do hemisfério norte, podemos descartar a possibilidade de que a estrela era um cometa ou uma explosão de supernova. Ambos os eventos teriam sido registrados por astrônomos em outras partes do mundo, especialmente na China, onde essas coisas eram levadas a sério. Ademais, cometas eram considerados um mau presságio. Se tivesse sido uma supernova, poderíamos ver seus vestígios até hoje. Por exemplo, a Nebulosa do Caranguejo corresponde aos restos de uma supernova que explodiu no ano 1054 e que foi devidamente registrada por astrônomos chineses e árabes.

Outra possibilidade sugerida é uma chuva de meteoros ou mesmo um meteoro de órbita irregular. A probabilidade, porém, é muito pequena, pois meteoros são vistos por pouco tempo, e a "estrela" pairou nos céus por um período relativamente longo.

Que possibilidade resta, então? Se olharmos para o céu em torno de 3 a.C. - e isso é possível hoje com computadores que recriam exatamente a posição dos planetas e estrelas em qualquer momento do passado -, encontramos um candidato para o evento: uma conjunção planetária especialmente brilhante. Conjunções ocorrem quando vemos dois ou mais planetas ocuparem o mesmo ponto no céu. Na verdade, estão muito distantes, mas, vistos da Terra, parecem se sobrepor. No ano 3 a.C., ocorreram nada menos do que nove conjunções. Mas, no dia 12 de agosto, ocorreu uma conjunção dos planetas Vênus e Júpiter na constelação do Leão, que, além de muito luminosa, tinha um forte significado astrológico. E devemos lembrar que os "reis" eram, muito provavelmente, astrólogos. Para os babilônios, Vênus era Ishtar, a deusa da fertilidade, e Júpiter, o planeta-rei. O casamento celeste deu origem ao nascimento do menino-deus.

Não podemos comprovar, ao menos sem mais dados históricos, se foi esse o evento astronômico que transformou-se na Estrela de Belém. De qualquer forma, é importante meditar sobre a relação entre a Bíblia e a História sob a luz da ciência.

sábado, 24 de novembro de 2007

Quantas Terras?


Antes de mais nada, a presença de água parece ser fundamental

Quando pensamos em vida extraterrestre, imaginamos logo seres que, bem ou mal, se parecem conosco: cabeça, olhos, boca, nariz, braços ou tentáculos, enfim, formas humanóides, popularizadas nos filmes de ficção científica.

Esse antropomorfismo dos ETs pressupõe que, nos planetas deles, existam também condições semelhantes às da Terra. O que, então, julgamos ser essencial para o desenvolvimento da vida? Antes de mais nada, a presença de água líquida parece ser fundamental.

Sem ela, fica difícil conceber como é possível que as reações químicas que caracterizam a vida, o metabolismo que transforma alimentos em energia e intenção em ação, possam ocorrer.

Reações em meios sólidos ou cristalinos são mais lentas e limitadas. Fora isso, a água é um solvente universal, extremamente eficiente. Nenhum outro conhecido se compara a ela. Mais uma coisa: a água tem a maravilhosa propriedade de ser menos densa em estado sólido do que no líquido. Isto é, gelo bóia. Caso não fosse assim, a cada vez que chegasse o inverno, a superfície congelada dos oceanos afundaria. Em alguns anos, os oceanos estariam congelados por inteiro e a temperatura do planeta seria muito baixa. Ademais, com os oceanos congelados, fica difícil vislumbrar a vida ou mesmo sua origem. Portanto, sem água líquida, mesmo que pouca, mesmo que muito fria ou muito quente, a vida não parece ser possível.

A pergunta óbvia é se existem outros planetas parecidos com a Terra, ao menos com um pouco de água. Começando com o nosso Sistema Solar, vemos que a coisa não é fácil. De todos os planetas e luas (mais de 60 delas!), apenas a Terra e Europa, uma lua de Júpiter, têm água líquida em abundância. Marte tem um pouco, já teve mais há bilhões de anos, mas agora é essencialmente um deserto gelado.

Europa muito possivelmente tem um oceano de água salgada sob uma crosta de gelo de dois quilômetros de espessura. Existem missões planejadas que irão até lá com brocas robóticas para extrair amostras dessa água.

Os outros planetas ou são muito quentes ou simplesmente não têm água -seja ela líquida, sólida ou gasosa. Não em quantidades apreciáveis. E no resto da galáxia? O número de estrelas na Via Láctea é cerca de 100 bilhões. Na última década, a astronomia respondeu a uma questão que havia séculos intrigava as pessoas: será que existem outros planetas girando em torno de outras estrelas, feito a Terra e seus companheiros que giram em torno do Sol? Hoje sabemos que a resposta é um estrondoso "sim!" Não só existem "exoplanetas", como parece que a maioria absoluta das estrelas tem planetas em órbita a sua volta.

Não podemos dar uma resposta exata, mas estimar que, no mínimo, estrelas em geral têm de um a cinco planetas a sua volta, fora incontáveis luas. Mesmo essa estimativa sendo pessimista, um planeta por estrela, nos dá em torno de 100 bilhões de planetas na nossa galáxia.

E, desses planetas, quantos são como a Terra? Difícil dizer. Mas, no ano que vem, a missão Kepler, da Nasa, vai tentar estimar a fração de planetas do tipo terrestre: com órbitas que permitam a existência de água líquida e com massa semelhante à da Terra. Mas vamos ser pessimistas e dizer que apenas 1 em 1 bilhão de planetas é parecido com a Terra. Só na nossa galáxia seriam umas cem Terras. Considerando que existem outras 100 bilhões de galáxias pelo Universo afora, cada uma com suas 100 bilhões de estrelas (em média), são 10 trilhões de Terras no Universo. Seria muito estranho que a vida tivesse surgido só aqui. Nesse meio tempo, porém, nos resta apenas aguardar.

sábado, 17 de novembro de 2007

A cauda desaparecida



Cometas são como lagartixas: o rabo cortado cresce de novo


No dia 20 de Abril, um astrônomo amador assistia calmamente aos vídeos produzidos por dois satélites (chamados STEREO) dedicados a observar o Sol. Num deles, viu um cometa, chamado romanticamente de 2P/Encke, ter sua cauda devorada. Devorada? E quem ou o que poderia comer a cauda de um cometa?
Assustado, o astrônomo comunicou-se com Angelos Vourlidas, um astrônomo do Laboratório de Pesquisas Navais norte-americano. Vourlidas e seus colegas assistiram ao vídeo boquiabertos. O que estaria acontecendo nos céus naquele momento?
É sabido que, ao se aproximarem do Sol, cometas desenvolvem duas caudas: uma, mais brilhante, formada por partículas de poeira liberadas devido ao calor; outra, mais fraca, é a cauda iônica. Esta última é formada por partículas eletricamente carregadas (os íons) que são literalmente varridas do cometa pelo vento solar, um fluxo de partículas que vem do próprio Sol.
Uma imagem sugestiva é a de uma pessoa de cabelos longos em frente a um ventilador: o vento vindo do ventilador (o vento solar) sopra os cabelos (os íons e os grãos de poeira) para longe. Tal como com cabelos, a cauda do cometa sempre aponta na direção oposta à do vento solar. O que os astrônomos viram seria equivalente aos cabelos da pessoa desaparecerem de repente, sem razão aparente.
Como a cauda é criada devido à proximidade do cometa com o Sol, a resposta tinha de estar por lá. Repassando o vídeo várias vezes, a equipe descobriu que, pouco antes de a cauda desaparecer, o Sol sofreu uma crise magnética, que resultou na expulsão de uma gigantesca bolha de plasma chamada ejeção coronal de massa (do inglês "coronal mass ejection", ou CME). Essas ejeções, gigantescos distúrbios magnéticos solares, são bastante comuns, ocorrem com freqüência no Universo.
Elas causam, entre outras coisas, as auroras boreais e austrais mais espetaculares. (Nem todas as auroras são causadas por ejeções coronais de massa.) Nesse caso, partículas vindas do Sol penetram pelo campo magnético terrestre, emitindo radiação visível.
O agravante das CMEs é que elas carregam consigo pedaços de campos magnéticos que, ao interagir com campos magnéticos terrestres ou cometários, podem gerar efeitos bem dramáticos. No caso específico dos cometas, eles podem até agir como uma espécie de tesoura cósmica, cortando a sua cauda iônica.
O efeito se deve à superposição dos campos magnéticos do cometa e da CME. Para visualizar o que ocorre, imagine um campo magnético como uma espécie de rio fluindo de uma fonte. Só que, ao contrário de um rio comum, um campo magnético pode fluir em duas direções: da fonte para fora, como no caso da água, ou na direção da fonte. Quando dois campos magnéticos em direções opostas se aproximam, eles se atraem. Foi isso o que ocorreu com o cometa.
O campo oriundo da CME encontrou-se com o campo causado pelas partículas iônicas do cometa. O encontro liberou energia de forma explosiva, cortando a cauda do cometa. Tudo isso os astrônomos deduziram reconstruindo os eventos a partir dos vídeos. Outro satélite mostrou que a mesma erupção solar danificou a cauda de dois outros cometas.
Felizmente, cometas são como lagartixas; uma vez cortado, após algum tempo o rabo cresce de novo. Apesar de não ter uma cauda magnética, a Terra tem um campo magnético que é afetado por CMEs. Sem esse campo protetor, estaríamos sujeitos a toda espécie de radiação vinda do Sol. Nossa ligação solar vai muito além da luz e do calor que recebemos.

domingo, 11 de novembro de 2007

A difícil condição humana




Por que o esoterismo pesudocientífico faz tanto sucesso?



Queremos saber mais do que podemos ver". Assim escreveu o filósofo francês Bernard Le Bovier de Fontenelle, em 1686. Seu livro tratava da possível existência de seres extraterrestres, à luz do conhecimento científico da época. Naquele mesmo ano, Isaac Newton, na Inglaterra, publicou o livro em que apresentou as leis de movimento e da gravitação. A realidade física passou a ser explicável a partir de equações determinísticas. Duas massas se atraem com uma força que age à distância.

Newton não arriscou uma explicação para o misterioso fenômeno gravitacional: como massas se atraem sem se tocar? Forças invisíveis permeavam o espaço, a realidade estendendo-se além do que podemos ver. A ciência explicava e criava mistérios.

Numa recente visita ao Brasil, inúmeras pessoas me perguntaram o que achava do filme "Quem Somos Nós?" ou dos livros de Amit Goswami e o absurdo "O Segredo". Todos oferecem uma visão alternativa ao materialismo comumente associado à ciência. Tudo é consciência, diria Goswami, e matéria e mente são manifestações dessa consciência. Se você pensar positivamente sobre sua vida, as coisas mudarão, mesmo que você não faça nada, aprendemos em "O Segredo". Gostaria que todos os moradores da Rocinha imaginassem um cheque de um milhão de reais chegando para cada um na semana que vem.

A realidade é produto de nossas mentes e pode ser alterada, vemos em "Quem Somos Nós". No filme, aprendemos mecânica quântica com o espírito de Ramtha, um guerreiro de Atlântida que viveu há 35 mil anos. Talvez as pessoas devessem ser informadas que a maioria da equipe responsável pelo filme é devota de Ramtha. O filme é propaganda para essa seita esotérica. Os "especialistas" entrevistados são irrelevantes academicamente. Li na contracapa do livro de Goswami que ele é "um dos físicos mais importantes da atualidade". Absolutamente falso. A credibilidade da ciência é manipulada para convencer as pessoas da importância das novas revelações e dos novos "profetas".

Por que esse esoterismo pseudocientífico faz tanto sucesso? O que as pessoas procuram nesses livros e filmes? Se seguirmos a história da ciência e sua relação com a religião, vemos que, após Newton, ficava difícil justificar a presença de um Deus onipresente em um mundo controlado por leis, equações e seleção natural. Por outro lado, a ciência nada oferecia para alimentar a necessidade espiritual das pessoas. Como conciliar o materialismo científico com o ódio, o amor, a morte? No início do século 20, a ciência mudou. A teoria da relatividade e a mecânica quântica redefiniram a realidade física, os conceitos de espaço, tempo e matéria. Apesar de essas teorias serem perfeitamente claras dentro de seu contexto, sua natureza filosófica, em particular, o papel do observador na prática científica, abre espaço também para especulações filosóficas, algumas iniciadas até por pioneiros da física quântica, como Heisenberg e Bohr.

A apropriação dessas teorias pelo esoterismo é inevitável. É fácil deturpá-las para afirmar que a nova ciência põe a consciência humana no centro do cosmo; que o indivíduo tem uma força que vai além de seu corpo; que nossas mentes são conectadas com o cosmo e suas forças ocultas; que somos muito mais do que aparentamos ser. Quem não quer ser mais do que é?

O sucesso do esoterismo pseudocientífico é reflexo da difícil condição humana, da dificuldade de sempre aceitar que somos seres limitados, com vidas finitas, num Universo que nada liga para nossa existência. E que temos de assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas.

domingo, 4 de novembro de 2007

Partículas-fantasmas

Seu corpo é atravessado por trilhões deles por segundo sem que você se dê conta

Todo fantasma que se preze é capaz de atravessar paredes. Provavelmente, isso significa que ele é feito de algum material que não interage com a matéria comum, feita de prótons, nêutrons e elétrons. O estranho é que, mesmo assim, fantasmas podem deslocar móveis, fazer barulho e outros efeitos que dependem de sua interação com a matéria. Bem, talvez seja por isso que sejam entidades "sobrenaturais"; de naturais realmente elas não têm nada.

Existem, no entanto, objetos perfeitamente naturais que também podem atravessar paredes. São os neutrinos, as partículas mais exóticas da natureza, pelo menos das que conhecemos até agora. Sua história, desde que foram propostas até sua descoberta em experimentos, e as últimas surpresas que andam pregando nos físicos (que veremos numa outra semana), ilustra bem algo de que é sempre bom lembrar: a ciência é uma narrativa em andamento, que vai se aprimorando aos poucos, à medida que aprendemos mais sobre o mundo.

Durante as primeiras duas décadas do século passado, várias descobertas sobre o núcleo atômico revelaram que os átomos podem se transmutar uns nos outros, realizando espontaneamente o sonho dos alquimistas. Infelizmente, não era o chumbo que se transmutava em ouro, mas átomos mais pesados, como o urânio, ditos radioativos por emitirem radiação.
Dos três tipos de radiação emitidos pelos núcleos de átomos radioativos, um deles, chamado de radiação beta, era particularmente misterioso. Sabia-se que a radiação beta tinha carga elétrica negativa; logo ficou claro que os raios beta eram elétrons sendo ejetados pelo núcleo. Todavia, sabia-se que o núcleo era eletricamente positivo. De onde vinham esses elétrons com carga negativa? E sua energia?

A situação era exasperadora. Alguns físicos, como o grande Niels Bohr, chegaram até a sugerir que a lei de conservação de energia fosse abandonada. A solução foi oferecida por Wolgang Pauli em 1930: "Tenho uma solução desesperada, a possibilidade de que exista no núcleo uma partícula sem carga elétrica que é ejetada com o elétron". A partícula ficou conhecida como "neutrino", ou seja, um nêutron (o companheiro do próton no núcleo, descoberto em 1932) pequenino.

Ficou claro que o decaimento beta é, na verdade, a desintegração de um nêutron num próton, num elétron e num neutrino (mais precisamente um "antineutrino", mas vamos deixar isso de lado). Note que a carga elétrica é a mesma antes e depois da reação [zero = (+) + (-) + zero]. O neutrino garante, também, a conservação de energia.

Apenas em 1956 o neutrino foi descoberto. A demora se deveu às estranhas propriedades dessa partícula. Para ser detectada, uma partícula precisa interagir com um detector. Por exemplo, você só enxerga porque seus olhos podem detectar os fótons, as partículas da luz. No caso dos neutrinos, sua interação com partículas de matéria como elétrons é tão fraca que eles são capazes de atravessar paredes, pessoas e até mesmo planetas inteiros sem uma única interação.
Seu corpo é atravessado por trilhões deles por segundo sem que você se dê conta!
Por isso, os neutrinos são chamados de partículas-fantasmas.

De onde vêm esses neutrinos todos?

A maioria vem do centro do Sol, onde temperaturas de 15 milhões de graus Celsius são capazes de fundir hidrogênio em hélio, produzindo também neutrinos em abundância: ao menos na física, os fantasmas vêm da luz e não das trevas.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A natureza por trás de um véu


Nosso colunista entra fundo na discussão da reportagem de capa desta edição: afinal, quem (ou o quê) era Deus para Einstein?


"O credo de Einstein era formado por equações, a língua universal do Cosmo"

Quem acha que ciência e religião são duas coisas completamente antagônicas deveria ler a célebre autobiografia de Albert Einstein. Pois é, um dos maiores nomes da ciência de todos os tempos, o homem que nos presenteou com toda uma nova visão de mundo, era uma pessoa profundamente religiosa. Porém o sentido dessa religiosidade deve ser entendido com muito cuidado. Einstein detestava autoridade de qualquer espécie, especialmente a que se impunha por meio de ortodoxias religiosas ou políticas. Não acreditava em um deus sobrenatural ou em qualquer forma de religião organizada. Sua religiosidade foi evoluindo aos poucos, do tradicional ao pessoal, uma história de amor entre a razão e o mundo.

Como ele mesmo afirmou, quando menino era bastante religioso no senso comum, mistificado pelos mistérios da natureza e pela possibilidade de um deus criador. Com 5 anos, seu pai deu-lhe uma bússola de presente. O menino Einstein olhava boquiaberto para o instrumento, tentando entender por que apontava sempre para o norte, que segredos ocultava. Forças invisíveis estavam atuando, revelando um aspecto mágico da natureza, uma realidade que ia além da nossa percepção sensorial.

Aos 12 anos, essa fé num criador que comandava o mundo se transformou. Einstein deixou de acreditar nas histórias da Bíblia e passou a se aprofundar no estudo da ciência. Se a natureza ocultava a sua essência dos homens, cabia a eles tentar desvendá-la. E, para isso, o único caminho era por meio do uso da razão, do método científico. Apenas desse modo seria possível mergulhar fundo nos mistérios do Cosmo e decifrá-los para que todos compartilhem de sua beleza. Einstein considerava essa busca, a devoção de um cientista, a verdadeira religião: "A mais profunda emoção que podemos experimentar é inspirada pelo senso de mistério. Essa é a emoção fundamental que inspira a verdadeira arte e a verdadeira ciência", escreveu. Vemos que os mistérios do mundo despertavam a mesma emoção que sentiu quando era menino, ao ver a bússola apontar para o norte. A emoção do menino inspirou a devoção do cientista, uma devoção que o próprio Einstein acreditava ser essencialmente religiosa: "A existência de algo que nós não podemos penetrar, a percepção da mais profunda razão e da beleza mais radiante no mundo à nossa volta, que apenas em suas formas mais primitivas são acessíveis às nossas mentes - é esse conhecimento e emoção que constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e nesse sentido apenas, eu sou um homem profundamente religioso".

Para Einstein, a religião organizada, com sua ênfase em hierarquias e poder, com seu autoritarismo e repressão, violava a essência da espiritulidade humana, que deveria ser livre para dedicar-se ao que existe de mais importante em nossas vidas, o mundo onde vivemos e as pessoas com quem dividimos nossa existência. Nós somos matéria antes, durante e após as nossas vidas, matéria em diferentes níveis de organização. Enquanto vivos, nada mais nobre do que nos entregarmos à natureza, ao seu estudo e contemplação. Era essa a essência da religiosidade humana, associar o sagrado à natureza, e não a uma divindade antropomórfica, vaidosa e caprichosa.

Einstein acreditava na força da matemática, da razão, para decifrar a essência do mundo natural. Seu credo era formado por equações, a língua universal do Cosmo. Durante as três últimas décadas de sua vida, dedicou-se à busca de uma teoria unificada, uma teoria capaz de descrever todos os fenômenos naturais a partir de uma única força, a causa de todas as causas, o princípio absoluto. Se Einstein acreditava em algum Deus, era nesse, cuja essência única se ocultava na diversidade dos fenômenos naturais, como uma noiva que oculta o seu sorriso por trás de um véu, seduzindo o noivo a vislumbrá-lo.

domingo, 28 de outubro de 2007

50 anos da era espacial

O mundo hoje depende dos satélites de comunicação, heranças do Sputnik

No dia 4 de outubro de 1957, cientistas soviéticos mudaram a história. Nesse dia, o primeiro satélite artificial -um objeto criado por mãos humanas capaz de girar em órbita da Terra- foi lançado ao espaço. A pequena esfera metálica, pesando em torno de 90 quilos, circundou a Terra 14 vezes por dia, viajando a quase 30 mil km/h a uma altitude de 940 km. O feito causou ondas de choque pelo mundo, especialmente nos EUA.

Em meio à Guerra Fria, a tensão entre os americanos e os soviéticos era explosiva. O fato de os soviéticos terem desenvolvido foguetes capazes de lançar objetos de cem quilos ao espaço significava que poderiam facilmente armá-los com explosivos nucleares.
O lançamento do Sputnik marca não só o início da corrida espacial como, também, o de uma plausível guerra nas estrelas. O mundo todo ouviu os sons de rádio em duas freqüências: "bip, bip". Um som vindo do espaço, criado pelos homens. Para quem não era soviético, aquilo era assustador.

No dia 6 de novembro, os soviéticos ampliaram o feito, lançando o Sputnik-2. Pesando dez vezes mais do que o Sputnik-1, esse satélite levou o primeiro ser vivo da Terra ao espaço, a cadela Laika.

Os americanos tentaram responder à altura. No dia 6 de dezembro do mesmo ano, equipes de jornalismo foram convidadas ao Cabo Canaveral para registrar o lançamento do primeiro satélite americano. Após subir menos de dois metros, o foguete explodiu, causando um vexame nacional e muita gozação dos soviéticos. O feito americano foi logo apelidado de "Flopnik", "Dudnik", "Kaputnik".

No dia 31 de janeiro de 1958, Werner von Braun salvou a situação. Usando um foguete Júpiter C, Von Braun lançou o primeiro satélite norte-americano em órbita, o Explorer-1. Desta vez, a imprensa não foi convidada. O satélite, munido com um contador Geiger, registrou pela primeira vez evidência de que a Terra é cercada por cinturões de partículas carregadas, aprisionadas pelo campo magnético terrestre, os cinturões de Van Allen. O espaço não era apenas palco de ameaças bélicas; era, também, um gigantesco laboratório científico, esperando para ser explorado.

Uma mistura de prestígio e vaidade nacional empurraram os programas espaciais americano e soviético. Mais uma vez, foram os soviéticos que assumiram a liderança: Yuri Gagárin circundou a Terra no dia 12 de abril de 1961. O homem não estava mais preso ao seu planeta-mãe.

Os americanos tinham de fazer algo, e rápido. No dia 25 de maio de 1961, John Kennedy anunciou que o objetivo principal da recém-criada Nasa era "levar um homem à Lua e retorná-lo, são e salvo, à Terra". O sucesso da missão Apollo foi tremendo. Lembro-me de assistir, com meus primos, ao astronauta Neil Armstrong dando seus primeiros passos na Lua, no dia 20 de julho de 1969. A bandeira americana, rígida, foi fincada em solo alienígena.

Passados 50 anos, sondas espaciais exploram mundos nos confins do sistema solar e até além, com as missões Voyager-1 e 2. Mas muitos dos sonhos que tantos tinham ainda não foram realizados: a exploração humana de Marte, colônias espaciais, viagens tripuladas até as estrelas. Após a Lua, faltou a continuação do simbolismo mítico de ir além, de explorar o desconhecido. Os custos são imensos, os riscos e desafios tecnológicos também.

Mas convém lembrar que o mundo hoje depende de modo essencial dos satélites de comunicação, dos aparelhos de GPS, todos heranças do Sputnik. Nossa visão cósmica mudou após o telescópio espacial Hubble. Estamos ainda dando os primeiros passos; a jornada até as estrelas é longa.

domingo, 21 de outubro de 2007

A música das esferas

Para os pitagóricos, a essência da realidade estava na matemática, na dança dos números

Tudo começou na Grécia antiga. Mais precisamente, no sul da Itália, que, na época, era parte da Grécia. Num vilarejo chamado Crotona, em torno de 550 a.C., o filósofo Pitágoras fundou uma espécie de comunidade, na qual pensadores -tanto homens quanto mulheres- vislumbravam os mistérios do cosmo e da existência munidos de uma nova arma: a razão.

Claro, isso não significa que as pessoas antes de 550 a.C. eram estúpidas; ao contrário, é sempre bom lembrar que, mesmo que vivessem no passado distante, eram tão inteligentes e criativas quanto nós. Apenas tinham ao seu dispor tecnologias e métodos diferentes dos nossos. A novidade era que, pela primeira vez, passaram a usar a razão e não a superstição para interpretar o mundo à sua volta.

Existiam outros que, como Pitágoras, tentavam aos poucos deixar os deuses do Olimpo de lado, ao menos como explicação para os fenômenos naturais. Mas os pitagóricos eram diferentes: para eles, a essência da realidade estava na matemática, na dança dos números. Refletir sobre o mundo significava investigar as relações entre os números, como podiam eles ser usados para descrever a natureza. Essa é a essência da ciência.

Do pouco que sabemos da escola pitagórica, algo de certo é o status semilegendário de seu fundador, Pitágoras.

O leitor deve se lembrar do famoso teorema que leva seu nome, envolvendo triângulos. Aparentemente, não foi Pitágoras quem obteve o resultado, mas algum, ou alguns, de seus discípulos. A descoberta que é, em geral, atribuída ao mestre é outra. Foi ele quem descobriu a matemática da música.

Pitágoras percebeu que os sons que chamamos de harmônicos vêm de relações diretas do comprimento da corda de um violão (para citar um instrumento moderno), expressas em termos de números inteiros. Por exemplo, uma oitava acima é obtida ao soarmos a corda na metade de seu comprimento, ou seja, na razão de 1/2.

Uma quinta é obtida soando a corda a 2/3 de seu comprimento; uma quarta, a 3/4. Essa descoberta teve repercussões muito profundas, que estão conosco até hoje. Antes de mais nada, elas representam uma matematização da sensação de harmonia, uma expressão tangível duma propriedade dos nossos cérebros. Por que alguns sons são prazerosos enquanto outros são dissonantes, a ponto de ferir nossos ouvidos? O que isso nos diz sobre o funcionamento do cérebro?

Deixando as ciências cognitivas de lado, Pitágoras generalizou a noção de harmonia para além dos sons da lira. Segundo ele, o cosmo era construído de forma harmônica, seguindo princípios matemáticos que representavam a estética do belo: a função do filósofo era desvendar esses princípios, a harmonia cósmica, a linguagem matemática da Criação. A lenda diz que foi ele que propôs a noção de música das esferas: que o Sol e os planetas, girando nos céus em proporções harmônicas, geram uma melodia que expressa a arquitetura cósmica.

Até que ponto foram mesmo Pitágoras e seus discípulos que criaram todos esses conceitos? Difícil dizer.

Estudos recentes mostram que a maioria das grandes descobertas atribuídas a Pitágoras são falsas, construídas durante a Idade Média e a Renascença a partir do pouco que foi escrito sobre ele na Antigüidade.

Mesmo assim, fica o poder simbólico, arquetípico, da visão pitagórica. Grandes pensadores, como Kepler e mesmo Einstein e Bertand Russell, foram influenciados pelo mito pitagórico. Como muitos outros mitos, modernos e antigos, nos informam, é na crença -e não na sua realidade- que reside sua força.

domingo, 14 de outubro de 2007

Injustiças do Nobel

Otto Hahn foi um grande cientista e merecia o prêmio. Mas não sozinho

Na semana que passou foram anunciados os Prêmios Nobel de Física e Química. Com certeza, alguns cientistas devem ter ficado agoniados, esperançosos de que este seria seu ano. Lembro-me bem, quando fazia meu pós-doutorado no Instituto de Física Teórica da Universidade da Califórnia, de que o físico Frank Wilczek ficava extremamente nervoso nessa época. Wilczek finalmente ganhou seu merecido Nobel em 2004, dividindo-o com David Gross e David Politzer. Os três descobriram uma propriedade importante das partículas chamadas quarks, que compõem os prótons e nêutrons no núcleo atômico.

Imagino que Wilczek durma mais sossegado desde então.O mesmo não pode ser dito de alguns físicos e químicos que não foram homenageados pelo prêmio, especialmente aqueles cujos próprios colegas, trabalhando nas descobertas com que estavam associados, o foram. Talvez o exemplo mais flagrante disso seja o Prêmio Nobel de Química de 1944, dado ao alemão Otto Hahn, "pela descoberta da fissão nuclear". A fissão é o processo no qual núcleos pesados, como os de urânio e plutônio, podem ser divididos quando atingidos por um nêutron ou outra partícula. É a fissão que está por trás do funcionamento dos reatores nucleares e das bombas atômicas, como as detonadas em Hiroshima e Nagasaki no final da 2ª Guerra Mundial.

Hahn foi um grande cientista e merecia o Nobel. Mas não sozinho. Seus resultados foram o fruto de uma colaboração de anos com a física austríaca Lise Meitner, iniciada em 1917. Meitner teve um papel fundamental na história da física nuclear. Forçada a fugir da Alemanha nazista em 1938 com apenas um anel de diamante no bolso, ela encontrou asilo na Suécia. Mesmo assim, continuou a corresponder-se com Hahn, que manteve seus experimentos em Berlim. Em 1939, Hahn publicou seus resultados sobre a fissão do urânio nos elementos bário e criptônio.

No dia seguinte, Meitner e seu sobrinho Otto Frisch publicam um artigo com a teoria por trás dos resultados de Hahn. Mesmo que Hahn tenha, em seu discurso de aceitação do Nobel em 1946, prestigiado a importância de Meitner em suas descobertas, nem ele nem o Comitê da Academia Real da Suécia viram como necessário que dividisse o prêmio com ela e Frisch, ou mesmo com Fritz Strassmann, que trabalhou com Hahn em seu laboratório. Como consolo, Hahn, Meitner e Strassmann dividiram a medalha Fermi em 1966, dada pelo governo americano. Mas a injustiça nunca foi corrigida.

Outro exemplo, mais próximo de nossa casa, é o do físico César Lattes, morto em 2005, um dos grandes nomes da ciência nacional. Em 1947, com apenas 23 anos, Lattes foi para a Universidade de Bristol, na Inglaterra, trabalhar no laboratório de Cecil Powell. Powell havia desenvolvido um método para detectar partículas submicroscópicas conhecido como emulsão nuclear, baseado no uso de placas fotográficas especializadas. Lattes aprimorou o método de Powell, convencendo a Kodak a aumentar a sensibilidade das placas, adicionando maiores quantidades de boro.

Munido das novas placas, Lattes e a equipe de Powell descobriram uma nova partícula da matéria, o méson pi (ou píon), responsável pelas interações entre prótons e nêutrons no núcleo atômico. Em 1947, o grupo escreveu um artigo para a revista "Nature" com a seguinte ordem de autores: C. Lattes, H. Muirhead, G. Occhialini e C. Powell. Ou seja, alfabética, com Lattes como primeiro autor. Em 1950, Powell recebeu o Nobel sozinho. Lattes, que fez muitas outras descobertas, nunca se conformou com a omissão.

domingo, 7 de outubro de 2007

A assinatura da natureza

Einstein montou um mundo estranho, mas verdadeiro

Como os cientistas constroem suas teorias? Tudo começa com uma ou mais hipóteses ou princípios, os arcabouços que sustentam o resto. Se um princípio que serve de base para uma teoria é incorreto, a teoria desaba, como um prédio sem fundação. Einstein era o rei dos princípios. Sua teoria da relatividade especial, de 1905, é baseada em dois: as leis da física são as mesmas para observadores em movimento com velocidade constante; e a velocidade da luz é sempre a mesma, independente do movimento de sua fonte ou do observador.O primeiro princípio não era novidade, conhecido já desde o século 17. O da velocidade da luz, porém, era novo e ousado.

Com ele, Einstein propôs que a luz fosse diferente do que conhecemos. Afinal, se você está num carro a 60 km/h e joga uma bola para a frente a 20 km/h, uma pessoa na calçada vê a bola a 80 km/h (60+20=80), descontando a resistência do ar, naturalmente. Com a luz é diferente: substituindo a bola por uma lanterna, a luz tem a mesma velocidade para você no carro ou alguém na calçada: 300 mil quilômetros por segundo.

Estranho mundo esse que Einstein construiu. Estranho, mas verdadeiro. Porém, algo que ele não abordou é o valor da velocidade da luz. Os 300.000 km/s equivalem, aproximadamente, à velocidade da luz no vácuo. (O valor é ligeiramente menor, mas não importa.) Por que não 230.000 km/s, ou 400.000.000 km/s? O que determina o valor da velocidade da luz? Ninguém sabe. O valor é usado na construção da teoria e tudo depende dele. Ele é uma "constante da natureza", um número medido mas não explicado, com um papel fundamental na descrição dos fenômenos naturais. A velocidade da luz não é a única constante da natureza.

Longe disso. Como ela, existem outras que aparecem em teoria diferentes. Às vezes, várias constantes aparecem na mesma fórmula. Cada uma delas contém informações sobre aspectos diferentes da física do sistema. Por exemplo, a velocidade da luz é importante quando as velocidade são muito altas, mas ela não aparece na descrição dos movimentos de baixa velocidade, os do nosso dia-a-dia. Outra constante importante é a constante gravitacional de Newton, que determina a intensidade da atração gravitacional entre duas massas, sejam elas duas bolas de futebol ou o Sol e a Terra. Como é de esperar, essa constante só é relevante em situações nas quais a força gravitacional atua. Viajando ao mundo dos átomos, moléculas e partículas subatômicas, outras constantes vão aparecendo, determinando a intensidade das interações entre os constituintes fundamentais da matéria. Dois elétrons sofrem uma repulsão controlada pelo valor de sua carga elétrica, outra constante fundamental da natureza.

Ninguém sabe por que o elétron tem a carga que tem, mas seu valor é essencial na descrição dos átomos, estabelecendo as propriedades de vários materiais ou então de reações químicas. As constantes da natureza são como as impressões digitais do Universo onde vivemos. Caso mudem, mudam também as características físicas do mundo: átomos ficam instáveis; estrelas, planetas e pessoas, inviáveis. Algumas teorias sugerem que nosso Universo é muito particular -outros universos existiriam e suas constantes teriam valores que proibiriam a formação de estruturas complexas. Difícil saber. Outras teorias afirmam que todas as constantes são, em princípio, calculáveis a partir de uma só, a "mãe" de todas as constantes. Pode ser. No meio tempo, o desafio permanece. Será que um dia explicaremos por que a velocidade da luz é 300.000 km/s?

domingo, 30 de setembro de 2007

Duas culturas


Como teorias tão especulativas e tão difíceis de testar podem ser tão populares?

Quando a expressão "duas culturas" é mencionada, pensa-se logo no físico e escritor inglês C. P. Snow, que no final da década de 1950 argumentou que a rixa entre as culturas científica e humanística ameaçava a produção acadêmica. Esta poderia tornar-se estéril, destituída de idéias verdadeiramente novas. Hoje, quero abordar uma outra rixa que, apesar de mais interna à física, repercute em várias áreas. Trata-se da disputa entre os físicos que trabalham na teoria das supercordas e, essencialmente, todos os outros.

Antes de mais nada, um esclarecimento. "Supercordas" é o nome dado às teorias da física de altas energias que visam mostrar que tudo que existe na natureza é manifestação de uma única força. A física descreve o mundo natural em termos de interações entre os vários tipos de força. Após 400 anos de pesquisa e experimentação, a versão atual dessa narrativa resume tudo que percebemos e medimos em termos de quatro forças: as forças gravitacional e eletromagnética, que conhecemos bem, e as forças nucleares forte e fraca que, como diz o nome, só atuam dentro do núcleo atômico.

Albert Einstein passou os últimos 30 anos de sua vida tentando encontrar uma formulação na qual as forças gravitacional e eletromagnética fossem, na verdade, uma única força, capaz de se manifestar de dois modos.

Apesar de ter falhado na empreitada, a idéia persistiu, em parte porque a maioria dos físicos vive numa cultura monoteísta, em parte pelo sucesso que outras unificações tiveram na física e em parte porque a função da física é tentar obter a descrição mais simples possível dos fenômenos naturais.

Milhares de físicos continuam tentando encontrar essa força unificada. A idéia mais promissora é, sem dúvida, a das supercordas, a teoria que substitui o elétron e outras partículas fundamentais da matéria por tubos de energia -as supercordas- que existem em nove dimensões espaciais (seis a mais do que as que vemos) e cujos efeitos se manifestam a distâncias muito menores do que as que podem ser medidas experimentalmente, ao menos no futuro próximo.

Nada de errado em construir teorias especulativas sobre o mundo. A maioria das grandes idéias científicas surge exatamente assim, por meio de especulações. Mas o que vem ocorrendo é um ressentimento crescente entre os físicos que trabalham em outras áreas, que afirmam que as supercordas atraem gente e dinheiro demais.

Dinheiro, aqui, significa financiamento para pesquisa e o número de empregos nessa área, tanto em pós-doutorados quanto em vagas para professores. "Como teorias tão especulativas, que jamais foram demonstradas e que têm chances apenas remotas de serem testadas com a tecnologia atual, podem ser tão populares e bem-sucedidas?" -perguntam os físicos de outras áreas. O problema é de natureza filosófica, já que a essência da física é a construção de teorias "testáveis" sobre o mundo. Se uma teoria não pode ser testada, ou se pode ser modificada a cada vez que é demonstrada incorreta, feito um peixe escorregadio que ninguém consegue agarrar, o que essa teoria explica? Ela é uma teoria física ou apenas especulação metafísica? Essa é a rixa.

O sucesso das supercordas vem do seu apelo mítico: a teoria das teorias, o mundo numa equação, a "mente de Deus" etc. Mas não é por isso que devem ser desmerecidas. Mesmo se erradas, muito se aprende com elas.

Se certas, serão a coroação de quase três milênios de platonismo. Nesse meio-tempo, o ideal não seria cortar o financiamento dessa área de pesquisa, mas ampliar o das outras. Um bolo maior alimenta mais gente.

domingo, 23 de setembro de 2007

Como fazer galáxias


A força de atração gravitacional é sempre superior

No último século, nossa visão cósmica passou por uma profunda transformação. O cosmo cresceu assustadoramente, virou uma entidade dinâmica, sempre em expansão, povoado por uma variedade imensa de objetos.

Parece até brincadeira, mas até a década de 1920 se acreditava que a Via Láctea fosse a única galáxia no cosmo. Claro, astrônomos viam outras "nebulosas", mas a maioria pensava que elas faziam parte da nossa galáxia. Alguns, porém, afirmavam que essas nebulosas eram outros "universos-ilhas", galáxias como a nossa. Não havia consenso.

Apenas em 1924, o astrônomo americano Edwin Hubble, munido de um telescópio de 100 polegadas (o diâmetro do espelho coletor de luz), pôs fiz ao debate: Hubble provou que os universos-ilhas estavam fora da nossa galáxia, sendo, portanto, galáxias também. O cosmo era muito maior do que se imaginava, com um número de galáxias imenso, chegando a centenas de bilhões. Por sua vez, cada galáxia tem uma enormidade de estrelas, de alguns milhões a centenas de bilhões. Bilhões de ilhas com bilhões de "árvores" iluminadas.

Essa fantástica visão era apenas o começo. Em 1929, Hubble fez outra descoberta fundamental, talvez uma das mais importantes na história da ciência: o Universo está em expansão!
As galáxias estão, na maioria, se afastando umas das outras. Ora, se isso é verdade, a conclusão natural é que, no passado, elas estiveram mais próximas. Num passado muito distante, estariam amontoadas. Este seria o momento "inicial", o Big Bang. Mas o assunto hoje são as galáxias. Como surgiram? A idéia de que o Universo está em expansão vai contra a noção de que galáxias são um aglomerado de matéria. Será que não deveriam se dispersar pelo espaço devido à expansão? O que as mantém coesas?

Para entendermos isso, uma pequena digressão. A coesão das coisas é devida a forças atrativas. No caso das galáxias, a força em atuação é a gravidade, sempre atrativa. Se as galáxias não se dispersam, é porque a atração gravitacional de sua matéria é superior aos efeitos da expansão. Mas que matéria é essa? Outra descoberta surpreendente: a matéria que vemos -que compõe as estrelas e as nebulosas- é apenas uma pequena fração da matéria total que existe numa galáxia.

A maior parte da matéria nas galáxias é invisível. Não só invisível, mas não tem nada a ver com a matéria comum, feita de prótons, nêutrons e elétrons.

Ela é a chamada matéria escura, que não emite luz, interagindo com a matéria comum apenas por meio de sua atração gravitacional. Não podemos vê-la diretamente, mas sabemos que existe pelo modo como a matéria que brilha se move em sua presença.

Portanto, para galáxias existirem, precisamos de matéria comum e de matéria escura. Mas está faltando algo de muito importante, especialmente se queremos entender como as galáxias nasceram durante a infância do Universo. Para que matéria se condense, é necessária uma semente, um amontoado inicial de matéria que atraia mais matéria. Que sementes são essas? Segundo as teorias atuais, essas sementes foram criadas durante os primeiros instantes de existência do cosmo, cerca de 14 bilhões de anos atrás. Elas são os restos mortais de um tipo de matéria exótica que já não existe -fósseis do Big Bang.

Sabemos que essa idéia deve estar correta porque prevê outros efeitos que foram observados recentemente.

Dentre eles, que o Universo tem uma geometria plana. Matéria comum, matéria escura, sementes primordiais de energia. O céu é cheio de surpresas, a maioria delas invisíveis aos olhos.

domingo, 16 de setembro de 2007

Vendo o invisível


No final do século 19, não se sabia o que era um átomo
Aos leitores intrigados pelo título, pensando que se refere a fantasmas e outras entidades sobrenaturais, peço desculpas.

O "invisível" aqui está relacionado com o mundo do muito pequeno, dos átomos e seus componentes. Quando aprendemos na escola que tudo é feito de átomos, pouco sabemos sobre como essa profunda descoberta foi feita.

A história é longa e tem seu prelúdio na Grécia Antiga, em torno de 400 a.C., quando dois filósofos, Leucipo e Demócrito, propuseram que tudo era composto de pequenos tijolos indivisíveis, que chamaram de átomos.

Muita coisa aconteceu de lá até o final do século 19, que é quando a nossa história começa de fato. Resumindo esses 2.300 anos, posso dizer que os átomos foram esquecidos, relembrados por gigantes como Newton, esquecidos mais uma vez, até serem resgatados por John Dalton e outros pioneiros que mostraram que os elementos químicos tinham de ser feitos de átomos de massas diferentes. Porém, até o final do século 19, ninguém sabia o que era um átomo.

Em 1897, o inglês J. J. Thomson abriu as portas para o mundo dos átomos ao descobrir o elétron. Thomson mostrou que os átomos de todos os elementos não são indivisíveis, como se acreditava até então, mas sim formados por partículas (ou "corpúsculos", como ele os chamou) ainda menores. Thomson examinou a radiação que se propaga no chamado tubo catódico, uma versão menos sofisticada dos antigos tubos de TV, concluindo que se tratava de partículas com carga elétrica negativa. A menor massa que se conhecia, a de um átomo de hidrogênio, o mais leve e abundante dos elementos químicos, era duas mil vezes maior que a dessas partículas.

Encontrar essa regularidade no coração da matéria é algo extraordinário: os átomos de todos os elementos, que compõem tudo o que vemos na natureza, têm essas partículas neles, que foram mais tarde chamadas de elétrons. Era claro que as diferentes massas atômicas deveriam estar relacionadas com o número de elétrons nos átomos. Sabia-se que os átomos eram eletricamente neutros, o que indicava a presença neles de carga positiva de igual valor. De alguma forma, essa carga positiva deveria contribuir muito mais do que os elétrons para a massa total do átomo. Mas que massa era essa?

O desafio era tentar ver o invisível. Átomos têm diâmetros de aproximadamente um décimo de billionésimo de metro, muito além do poder de microscópios, ao menos os do início do século 20. Ninguém "vê", propriamente, um elétron. O que se mede são seus efeitos, as correntes elétricas que criam, por exemplo. A partir deles, sua existência e suas propriedades são inferidas. Essa é uma diferença fundamental entre a física do dia-a-dia, palpável e concreta, e a física atômica e subatômica, invisível e indireta. Como, então, ver o invisível?

Entra em cena o neozelandês Ernest Rutherford, que estudou com Thomson em Cambridge. Rutherford sabia que os elementos radioativos, como o urânio, emitem radiação de altas energias: por que não usá-la como projéteis atirados contra os átomos, feito balas? Rutherford bombardeou átomos de ouro com partículas alfa.

Para seu espanto, notou que algumas eram ricocheteadas a ângulos de mais de 90 graus, como se houvessem colidido com algo muito denso e pequeno. A maioria passava direto, levemente defletida. Rutherford concluiu que seus resultados só poderiam ser explicados se toda a carga positiva estivesse numa região central dez mil vezes menor do que o átomo!

Descobriu o núcleo atômico, sem jamais tê-lo "visto".

domingo, 9 de setembro de 2007

Relativamente esquecida


A teoria da relatividade não foi sempre coberta de glória e sucesso

Nenhuma teoria científica, com exceção talvez da teoria da evolução de Darwin, é tão popular quanto a teoria da relatividade de Einstein. Fala-se sempre que "tudo é relativo", ou que "E=mc2", e que Einstein foi o maior dos gênios, junto com Newton, cuja teoria da gravitação foi suplantada pela relatividade geral.

Apesar de a teoria da relatividade ser baseada em absolutos e não em relativos, sua fama é merecida. Einstein criou uma nova visão de mundo, revelando uma íntima relação entre espaço, tempo e matéria que revolucionou nossa concepção do Universo.

O que pouca gente sabe é que a teoria da relatividade não foi sempre coberta de glória e sucesso. Desde o início, a maioria dos físicos teve dificuldade em lidar com essa estranha teoria, que tanto contraria a intuição.

É bom lembrar que existem duas teorias da relatividade. A primeira, que Einstein propôs em 1905, com apenas 26 anos, é conhecida como a teoria especial, que trata de movimentos com velocidades constantes. É dela que vem a expressão E=mc2, que representa a equivalência entre matéria e energia: matéria é energia armazenada, e energia pode se transformar em matéria. Na equação, "E" é energia, "m" é massa, e c2 é a velocidade da luz elevada ao quadrado.

Apesar de a teoria especial ter um história muito interessante, é da teoria geral, de 1915, que quero falar hoje.

Foram necessários dez anos para que Einstein passasse da teoria especial para a geral. Se a teoria especial era já um marco na história intelectual da humanidade, a teoria geral é considerada um dos maiores feitos de todos os tempos. Nela, Einstein generaliza a teoria de Newton, mostrando que a gravidade pode ser interpretada com uma curvatura no espaço em torno de uma massa. Einstein lutou durante anos para encontrar a formulação certa da teoria. A matemática é muito difícil, e poucos físicos sabem como lidar com ela. Esse foi um dos primeiros obstáculos da teoria: sua complexidade técnica e conceitual.

O segundo foi a falta de aplicações. Os efeitos da teoria só são sentidos na presença de campos gravitacionais muito fortes. Em situações normais, como na superfície da Terra, a teoria de Newton funciona muito bem. Por isso, os três testes que Einstein propôs para sua teoria ocorriam na vizinhança do Sol: variações na órbita de Mercúrio, o desvio da luz de estrelas distantes ao passarem perto do Sol e a variação na radiação emitida por átomos na superfície da estrela.

Einstein mostrou que sua teoria explicava a minúscula variação na órbita de Mercúrio, algo que a teoria de Newton não fazia. Mas existiam outras teorias rivais que, apesar de não serem tão completas, poderiam explicar o efeito. O desvio da luz das estrelas só pode ser observado durante eclipses. Após muitas tentativas frustradas por mau tempo e guerras, em 1919 uma expedição para o Ceará observou o desvio que aproximadamente concordava com a teoria. O resultado causou uma sensação, transformando Einstein num ícone, mesmo que o teste não fosse definitivo. O outro, a variação da radiação atômica, podia ter também outras explicações.

O físico Max Born, amigo de Einstein, afirmou em 1955 que, para ele, a teoria era como uma bela obra de arte, para ser apreciada à distância. Após o furor dos anos 1920, pouco aconteceu até a década de 1960. Foi então que novas descobertas na astrofísica provaram a força da teoria. Hoje, vivemos num Universo ensteiniano repleto de pulsares, quasares e buracos negros, que é manifestação concreta da teoria.

Nem mesmo Einstein poderia ter imaginado o alcance das suas idéias.

domingo, 2 de setembro de 2007

Vida sob pressão


A água não sai do copo, mesmo que ele esteja para baixo

Todo mundo que já desceu uma serra de carro ou viajou de avião sentiu aquela inconveniente pressão nos ouvidos.

Outra situação semelhante ocorre quando mergulhamos. Quanto mais fundo, maior a pressão. Quem faz mergulho sabe que é importante despressurizar os ouvidos com freqüência. O fato de a pressão aumentar quando descemos uma ladeira ou mergulhamos nos diz algo sobre as propriedades dos gases (no caso, o ar) e dos líquidos (no caso, a água).

O tímpano é o nosso detector de pressão mais sensível, uma membrana que vibra com a variação de pressão do ar e que, com isso, nos permite ouvir. Se as janelas dos aviões não fossem extremamente rígidas, se despedaçariam quando o avião subisse. Isso porque a pressão no interior do avião é mantida igual a do nível do mar, enquanto lá fora, a altas altitudes, é bem menor. A pressão que sentimos nos ouvidos é essencialmente o peso do ar (ou da água) sobre nossas cabeças. Vivemos literalmente sob pressão.

Em meados do século 17, um cientista irlandês deu o primeiro passo na compreensão desses fenômenos. Robert Boyle (1627-1691) simboliza uma era de profunda transição na história, com um pé no passado pré-científico e outro no futuro, marcando o início da ciência moderna. Nessa era, a distinção entre alquimia e química ou também entre astrologia e astronomia estava apenas começando.

Boyle foi o 14º filho do homem mais rico da Irlanda. Chegando à Inglaterra, juntou-se a outros intelectuais e "filósofos naturais" e criou uma sociedade secreta chamada "Colégio Invisível", onde eram debatidas as últimas novidades científicas. Na época, o clima político da Inglaterra não estava muito para a defesa da liberdade de pensamento.

Essa sociedade seria depois chamada de Sociedade Real (do inglês "Royal Society"), uma das instituições científicas mais prestigiosas do mundo.

Boyle, quando não fazia experimentos alquímicos, explorava as propriedades do único gás conhecido na época, o ar. Montou um laboratório na Universidade de Oxford em 1653 que incluía a mais potente bomba de vácuo já construída, uma máquina capaz de sugar o ar de um vasilhame fechado. Quanto mais poderosa a bomba, menos ar fica no vasilhame e melhor é o "vácuo" em seu interior. Você pode se tornar numa bomba de vácuo usando sua boca para sugar o ar de uma garrafa vazia. Nada recomendável.

Eis um experimento que todos podem fazer que demonstra a importância da pressão atmosférica exercida pelo ar. Encha um copo até a borda com água e tape-o com uma carta de baralho. Usando um dedo para manter a carta no lugar, vire o copo de cabeça para baixo. Remova o dedo, como se fosse deixar a carta cair no chão.

O que acontece? A água não sai do copo, mesmo que esteja virado! (Só para garantir, é bom fazer isso sobre uma pia). A força exercida pelo ar é maior do que o peso da água.
Usando sua bomba, Boyle obteve a primeira lei quantitativa que descrevia propriedades mensuráveis da matéria (do ar). Encheu pela metade uma bexiga de ovelha (feito um balão de aniversário murcho) e colocou-a num vasilhame. Retirando o ar do recipiente, percebeu que a bexiga inflou.

A ausência de ar do lado de fora da bexiga causou um desequilíbrio, deixando que o ar de dentro expandisse. Boyle mostrou que, à temperatura constante, o volume de uma amostra de ar varia inversamente com a pressão: menor pressão, maior volume.

Essa lei simples abriu as portas para um estudo quantitativo das propriedades dos gases e para uma ciência matemática da matéria.

domingo, 26 de agosto de 2007

Sobriedade nuclear


Será que o ato dos EUA de jogar duas bombas em 1945 foi sábio?


Existe um tópico, talvez o mais importantes dos tópicos que eu possa imaginar, que é perenemente esquecido ou ignorado pelas pessoas. Sei que no Brasil a urgência é menor, ou pelo menos achamos isso, dada a nossa distância dos governos bem armados do hemisfério Norte.
Mas a verdade é que não existe distância quando o assunto é o holocausto nuclear. Mesmo se as bombas explodirem além da linha do equador, as repercussões aqui serão imensas.

Imensas não; catastróficas. Só como um exemplo, o desastre na usina ucraniana de Tchernobil espalhou radiação pela Europa do norte, a ponto de comprometer a qualidade da agricultura na Suécia. Uma troca de bombas com potência de megatons seria milhares de vezes pior.

A tradição guerreira, que faz parte da história da humanidade, começou com pedras e hoje chegou às bombas de hidrogênio. Ela teve início em disputas de pequenos pedaços de terra e hoje envolve o mundo inteiro. E não mudou. Temos essa sombra dentro de nós, essa capacidade de nos matar por razões absurdas, mentiras que passam por verdades, mitos que viram missões patrióticas, ganância cega, uma moralidade falida que não muda há milhares de anos.
Criam-se grandes tratados, como o Tratado de Não-Proliferação Nuclear de 1968, com o objetivo de garantir o desarmamento multilateral, de livrar a humanidade da ameaça de autodestruição, Motivos nobres e éticos, elevando seus proponentes ao nível de grandes heróis da história, só para serem completamente ignorados pelos mesmos países que os propõem, os que detêm os maiores arsenais nucleares, num ato da mais flagrante hipocrisia política. Ora, como as potências nucleares, agarradas às sua bombas cada vez mais sofisticadas, esperam que países como a Coréia do Norte, a Índia, o Paquistão e, mais recentemente, o Irã abandonem seus sonhos de poder nuclear?

Pressionado pelos EUA a abandonar a corrida armamentista nuclear, o Iraque, após fazê-lo, foi destruído.

Que exemplo é esse? Por que as potências nucleares se acham no direito de determinar quem pode ou não ter suas bombas, quando elas próprias não abrem mão delas? Será que são mais sábias por terem os brinquedos mais perigosos, exatamente os que elas não querem que ninguém fora elas tenha? Será que a decisão americana de jogar duas bombas atômicas sobre a população civil japonesa em 1945 foi sábia? Ou será que foi um dos maiores crimes já cometidos na história da humanidade?

A única saída é o desarmamento multilateral, absoluto e incondicional.

Claro, muitos dirão que essa possibilidade não existe. Que uma, vez que o gênio sai da lâmpada, não entra mais Que o uso da tecnologia nuclear bélica faz já parte do que não pode mais voltar atrás. É verdade. Mas existem outras tecnologias que não são (praticamente) mais usadas por serem moralmente inviáveis, como o uso de óleo de baleia como combustível, ou o de CFCs nas latas de desodorante.

O uso da tecnologia nuclear como fonte de energia é a melhor alternativa a curto prazo no combate contra o aquecimento global. Existe algo de muito patológico numa espécie que se diz inteligente mas que só é capaz de garantir sua sobrevivência pelo acúmulo de armas de destruição em massa. Vivemos todos com uma corda apertada no pescoço que fingimos não ver. Um dos argumentos para explicar a ausência de vida inteligente no Universo é que é impossível conciliar tecnologia com um espírito guerreiro.

Mais cedo ou mais tarde, as espécies inteligentes se autodestroem. Será que é esse o nosso único destino?

domingo, 19 de agosto de 2007

Enxergando mentiras


Quando se trata da mente humana, não existe uma fórmula perfeita para detectar fraudes

Detectar mentiras não é nada fácil. Há pessoas capazes de mentir com tanta tranqüilidade que é essencialmente impossível saber se elas dizem a verdade ou não. Não é à toa que o sistema legal criou o júri; a esperança é que enganar a muitos seja mais difícil do que a um só. Só para garantir, nos EUA ainda se faz um juramento no início, no qual o acusado e as testemunhas juram, com a mão sobre a Bíblia, dizer "a verdade e nada mais do que a verdade".

Até parece que os poderes de punição divina surtem o mesmo efeito hoje que surtiam, digamos, há 200 anos. Qual mentiroso tem medo do diabo? Num julgamento em que o acusado se proclama inocente, alguém não está dizendo a verdade. Ou o réu mente ou o promotor cria um caso baseado em provas insuficientes. Como decidir?

O sistema judicial funciona, bem ou mal, há séculos. Sem dúvida, muitos inocentes foram condenados e muitos culpados foram absolvidos. Quando se trata da mente humana, não existe uma fórmula perfeita. Detectores de mentiras, máquinas sensíveis a certos sinais metabólicos ligados ao estresse, como o suor ou o fluxo sangüíneo, funcionam, segundo os que defendem o seu uso, com 90% de eficiência. Ou seja, uma a cada dez pessoas pode ter sua vida arruinada pelo teste.

Durante a última década, novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas para pegar os mentirosos no flagra. Duas delas, análise de estresse na voz e imagem térmica do rosto, têm resultados relativamente promissores. Mas a mais espetacular é a fMRI, sigla em inglês para Imageamento por Ressonância Magnética Funcional.

Diferentemente das outras técnicas usadas até agora, que buscam sinais externos, a fMRI vê a mente internamente, captando em imagens dinâmicas as áreas do cérebro que mostram maior atividade. Para que os neurônios em uma determinada região do cérebro funcionem, o sistema vascular cerebral proporciona um aumento da circulação sangüínea naquele local. O aumento da quantidade de sangue oxigenado em uma região do cérebro indica atividade. Devido ao ferro, o sangue oxigenado tem propriedades magnéticas diferentes sendo, portanto, passível de detecção. A fMRI é um detector de atividade magnética no cérebro, acusando as regiões com maior oxigenação. Ela vê, através de uma seqüência de imagens, a mente em funcionamento.

Por trás do uso da técnica está a suposição de que mentir é mais difícil do que dizer a verdade. Esse maior esforço cognitivo é acusado na fMRI por um aumento de oxigenação em determinadas áreas do cérebro. O interessante é que, um estudo conduzido por Daniel Langleben, da Universidade da Pensilvânia (EUA), determinou onde o cérebro processa as mentiras. O teste pedia que pessoas fizessem três declarações verdadeiras e três falsas. Quando as declarações eram falsas, havia um aumento significativo de atividade em três áreas distintas do córtex cerebral, a área ligada à cognição.

A indústria da detecção de mentiras cresce rapidamente. Nos EUA, uma companhia recebe dezenas de clientes por semana; homens acusados de abuso sexual de seus filhos, mulheres querendo provar sua inocência aos seus maridos e namorados ciumentos, até governos da China e de países da África querendo pegar dissidentes. Existem ainda sérias dúvidas com relação ao uso da fMRI para detectar mentiras. O teste está longe de ser 100% eficiente. As implicações éticas são enormes. Mas, se superadas essas dificuldades, os mentirosos que se cuidem. Seus dias estão contados.

domingo, 12 de agosto de 2007

Faísca Vital


Mary Shelley mostra como a ciência influencia o imaginário

"Eu havia dissecado um sapo, deitando-o sobre uma mesa onde encontrava-se também uma máquina elétrica, distante do sapo. Quando um dos meus assistentes acidentalmente encostou a ponta do bisturi num nervo exposto da perna do sapo, seus músculos contraíram-se. Meu outro assistente percebeu que uma faísca havia escapado da máquina elétrica no momento em que o bisturi encostou na perna do sapo. Repetimos o experimento. Encostei meu bisturi na perna do sapo e instruí meu assistente a gerar faíscas. Quando elas surgiram, o animal entrou em convulsão como se estivesse com tétano. [Texto adaptado.]"

Assim escreveu o anatomista italiano Luigi Galvani em um artigo sobre suas experiências em torno de 1790, que revelaram uma ligação entre eletricidade e movimento muscular. Galvani chegou a pendurar sapos mortos em varais, com pequenos pára-raios nas pernas para investigar se raios surtiriam o mesmo efeito. Os sapos dançaram como se estivessem vivos. Seria, então, a eletricidade o segredo da vida eterna? Se sapos mortos dançavam quando eletrificados, quem sabe seria possível reanimar um cadáver do mesmo jeito? O sonho da imortalidade é bem mais antigo do que a ciência moderna.

As múmias egípcias são uma tentativa de preservar o corpo para a jornada que se inicia após a vida. O mito do vampirismo atribui a imortalidade à ingestão de sangue, com uma pequena ajuda do Diabo, claro. Os alquimistas da Idade Média buscavam pelo "Elixir da Longa Vida", uma substância misteriosa capaz de prolongar indefinidamente a vida de uma pessoa. Mas quando a possibilidade de sobrepujar o tempo finito que temos vem da ciência, tudo muda. Mito passa a ser realidade, o sobrenatural passa a ser natural.

As descobertas de Galvani causaram uma sensação na Europa. Em maio de 1816, a jovem Mary Shelley, então com 17 anos, casada com o famoso poeta inglês Percy Shelley, foi passar férias com amigos na casa de outro grande poeta, Lord Byron, às margens do Lago Genebra, na Suíça. O ano de 1816 é conhecido como o "ano sem verão": no norte dos EUA, por exemplo, havia neve ainda em julho.

A Europa também sofreu com a anomalia climática. O grupo de amigos acabou tendo que passar grande parte do verão dentro de casa. Como diversão, resolveram fazer um concurso de contos de terror. Mary Shelley havia acabado de ler sobre as experiências de Galvani. Segundo ela conta, durante uma caminhada teve uma visão, na qual um pálido doutor via sua criatura fantasmagórica, um cadáver feito de vários corpos diferentes, erguer-se semivivo, após ser eletrificado com raios numa tempestade.

Nascia então o clássico livro Frankenstein, na minha opinião o primeiro romance de ficção científica. Como subtítulo, Shelley escolheu "Prometeu Moderno", usando o mito de Prometeu como suporte moral: na Grécia Antiga, Prometeu foi o Titã que criou o homem e ensinou-lhe a usar o fogo, enfurecendo Zeus. Como punição, Zeus acorrentou Prometeu a uma rocha e ordenou que uma águia devorasse seu fígado. Como o Titã era imortal, o fígado se regenerava e o sofrimento se perpetuava dia após dia: existem certos segredos que não devem ser revelados aos homens.

A ligação entre Galvani e Mary Shelley é um exemplo extraordinário da influência da ciência de ponta sobre a imaginação popular. Idéias científicas com dimensões míticas inspiram cientistas e artistas. Deles aprendemos que devemos tomar muito cuidado com nossas invenções, para que não se transformem em pesadelos.

domingo, 5 de agosto de 2007

Sol frio


"Sunshine" é sério, mas tem enredo científico absurdo

Embalado com minha ida ao cinema para assistir "Transformers" (coluna de domingo passado), resolvi continuar a exploração sobre o que anda ocorrendo com a ciência nas telas com um filme muito diferente, mas também de ficção científica, chamado "Sunshine" (a tradução literal seria "Brilho do Sol").

Realmente, é outra coisa, por completo. Para começar, o diretor inglês Danny Boyle tem uma obra bem diferente da de Michael Bay, cria da MTV que dirigiu, entre outros, "Transformers" e "Armageddon". Boyle é sério, e o filme é sério. Mais do que um filme sobre o Sol, é um estudo de o que ocorre com um grupo de pessoas numa situação altamente perigosa e épica, onde nossa fragilidade enquanto seres humanos frente a um universo indiferente à vida é exposta de forma trágica. Ainda bem, pois como dizia o escritor italiano Luigi Pirandello, a ficção tem que ser mais convincente do que a realidade. E, enquanto enredo científico, o filme "Sunshine" é totalmente absurdo.

Num futuro não muito distante, o Sol está morrendo: sua luminosidade, a quantidade de energia que gera por segundo, está diminuindo, ameaçando a sobrevivência dos seres humanos e de toda a vida na Terra. Se nada for feito, nosso planeta se transformará num mundo gelado e destituído de vida. Uma missão internacional, Icarus I, foi enviada em direção ao Sol.

Seu objetivo: detonar uma gigantesca bomba termonuclear ("maior do que Manhattan") no interior do Sol para reacendê-lo. Feito quando usamos um fósforo para reacender a lareira, só que em escala astrofísica. Icarus I falha misteriosamente e Icarus II, a missão que vemos no filme com seus oito tripulantes, é a última esperança da humanidade. Se eles falharem, nós e tudo o que construímos irá perecer, esquecido na imensidão do tempo.

Visualmente, o filme é muito belo. O uso das imagens solares, revelando a fornalha que é nosso astro-rei, é inspirado. A influência plástica e temática da obra prima de Stanley Kubrick, "2001", é forte e bem óbvia. Alguns clichês diminuem um pouco o efeito do filme. Não conto para não estragar a experiência do leitor. Mas como cientista, doeu ver certas coisas. Dessas eu posso tratar.

Começando com a insistência do uso de som no espaço. Sei que sem som não tem tanta graça, mas algo deve ser feito para corrigir isso: sem ar, sem atmosfera, não existe som. Explosões ocorrem em silêncio, mesmo que catastróficas. Será que o show de luz não é suficiente para impressionar a audiência? Mas bem mais séria é a premissa do filme.

O Sol não irá esfriar. Ao contrário, irá esquentar gradualmente. O leitor não precisa se preocupar, pois o processo é muito lento: em um bilhão de anos, sua luminosidade aumentará em aproximadamente 10%, com conseqüências terríveis para a Terra que se transformará numa bola incandescente, sem atmosfera ou oceanos. Esse aquecimento é devido ao que ocorre no centro do Sol: a energia que lhe dá estabilidade contra sua própria gravidade é gerada através da fusão de seu elemento mais comum, o hidrogênio, no elemento químico hélio.

O processo de fusão nuclear necessita de energias e pressões gigantescas, ocorrendo apenas quando a temperatura no interior do Sol atinge 15 milhões de graus. Finalmente, o hidrogênio acaba e o Sol entra em crise. Mesmo que o Sol estivesse esfriando, detonar uma bomba atrapalharia ainda mais, pois diminuiria a densidade de hidrogênio no seu interior. Mas como disse semana passada, vale a pena ignorar (mas não esquecer) isso e ver o filme. Não se esqueça dos óculos escuros e loção de bronzear!

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A unificação da física


Às vésperas da entrada em funcionamento do acelerador de partículas LHC, na Suíça, nosso colunista faz um balanço das expectativas entre a comunidade científica


Esses são meses cheios de expectativa para milhares de físicos. O gigantesco acelerador de partículas suíço, conhecido pelo seu nome nada romântico "Grande Colisor de Hádrons" (do inglês "Large Hadron Collider", ou LHC), está esquentando os motores, prestes a entrar em funcionamento. Na sua performance, está depositada não só a esperança de prêmios Nobel como carreiras inteiras. Milhares de artigos foram escritos sobre os possíveis resultados dos experimentos. Outros milhares serão escritos sobre a análise dos dados que virão a ser colhidos (veja "Horizontes" de dezembro de 2006).

Afinal, por que essa máquina é tão importante? O LHC é um túnel circular de 27 km de circunferência a 100 metros abaixo da superfície, na fronteira entre a Suíça e a França. Uma colaboração de dezenas de países, incluindo o Brasil, o acelerador visa responder a algumas das questões mais fundamentais da física. Qual a origem da massa das partículas elementares, como o elétron? Por que um próton pesa 2.000 vezes mais do que um elétron? Quantas dimensões existem no espaço, fora a altura, a largura e o comprimento que conhecemos? Será que a física pode ser reduzida a uma única teoria capaz de explicar todos os fenômenos do mundo natural?

O sonho de unificação de todas as forças da natureza numa só, o "campo unificado", é uma inspiração misteriosa que move a pesquisa de ponta da física de altas energias. Einstein dedicou os últimos 30 anos de sua vida procurando por uma teoria que unificasse a gravidade e o eletromagnetismo. Acreditava que as duas forças eram, na verdade, manifestação de apenas uma. Por trás da sua busca, encontramos uma visão da natureza influenciada por conceitos judaico-cristãos: a idéia de que o mundo, em todas as suas manifestações materiais, decorre de um princípio único, uma espécie de monoteísmo natural. Será que a natureza realmente funciona assim?

Apesar de Einstein ter falhado em sua empreitada, a busca pela unificação continua a inspirar milhares de físicos. À gravidade e ao eletromagnetismo, juntam-se as forças nucleares forte e fraca, cujos efeitos só são sentidos a distâncias subnucleares. Unificar quatro forças cujos efeitos vão desde o interior do núcleo, a millhares de trilhonésimos de um centímetro (10-15 cm) até distâncias cosmológicas de trilhões de trilhões de centímetros (1024 cm) não é nada fácil. Dentre as várias dificuldades está a formulação da gravidade em termos consistentes com a física quântica, a física que descreve o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas. Esse casamento da gravidade com o átomo ainda não ocorreu. Mas idéias não faltam.

Dentre elas, a mais famosa envolve as "supercordas", tubos de energia de dimensões imperceptíveis mesmo aos aceleradores mais poderosos. No mundo quântico, tudo flutua; é impossível determinar ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula. Como posição e velocidade definem a energia de uma partícula, a própria energia flutua. Com a gravidade isso é um problema. Segundo Einstein, a gravidade é explicada pela curvatura do espaço-tempo, a arena onde ocorrem os fenômenos naturais. Portanto, a distâncias muito pequenas, onde efeitos quânticos influenciam a gravidade, a própria geometria do espaço flutua! Isso acarreta resultados estranhos, que são aliviados pelas supercordas. Essencialmente, elas introduzem uma distância mínima, regularizando o comportamento da gravidade.

Se os físicos tiverem muita sorte, fora a questão da massa, o LHC poderá ver efeitos relacionados com as supercordas. No momento, nada podemos afirmar. Tudo vai depender dos dados colhidos no acelerador gigante. Afinal, nem sempre a natureza corresponde às nossas expectativas e sonhos.

domingo, 29 de julho de 2007

Entidades não-biológicas


Máquinas não são inteligentes, apenas respondem a comandos

Na semana passada fui ao cinema com meus filhos assistir ao novo filme dirigido por Michael Bay, "Transformers". Como o leitor deve estar sabendo, o filme trata de robôs agigantados que podem se transformar em máquinas diversas, como automóveis, rádios ou aviões.

Não sei se é o primeiro, mas o filme inverte uma tendência de mercado que existia em Hollywood: antes, fazia-se o filme e depois vinham os brinquedos, como, por exemplo, em "Guerra nas Estrelas" ou em "Procurando Nemo". Agora, são os brinquedos que inspiram o filme. O problema ou melhor, o desafio, é que, com essa inversão, faz-se necessário criar uma história com princípio, meio e fim. Resultado: uma bobagem tão imensa quanto divertida.

Os "Autobots", nome geral para essas entidades não-biológicas capazes de mudar de forma num piscar de olhos, vêm de um planeta distante, produtos de um Cubo misterioso, uma máquina de origem inexplicada que tem o poder de transformar um objeto qualquer num robô inteligente. Ninguém sabe qual a missão do Cubo, ou se existe alguma. Porém, nesse planeta, o Cubo andou pintando o sete, criando autobots a torto e a direito.

Inevitavelmente, após muitos anos de paz e convivência construtiva, os autobots se dividem em duas facções, obviamente uma boa e uma má, e a guerra começa (bocejos...). A facção má quer controlar o Cubo e construir um exército imbatível para... conquistar a galáxia. Bem, o conflito destrói o planeta dos autobots e vaza pela galáxia afora até chegar à Terra, onde o líder dos autobots ruins encontra-se congelado há décadas. Onde? Num compartimento secreto de uma divisão secreta do serviço secreto norte-americano.

A salvação do filme é o ator John Torturro, líder dessa divisão. Daí em diante, é aquela coisa que conhecemos: explosões, perseguições de carro, o rapaz meio bobo, mas heróico, e a moça impossivelmente bela que se enamoram -aliás, nunca se viu tanto cientista lindo num único filme, uma inspiração aos jovens que acham que ciência é coisa para nerds.

Como reagir a um filme desses? Foi uma produção de US$ 130 milhões e sucesso total de audiência, nos EUA e no resto do mundo. Esse é daqueles filmes que só faz sentido com pipoca e refrigerante, o que se chama nos EUA de "summer blockbuster", diversão pela diversão, pirotecnicamente sensacional, cheio de efeitos especiais e um som tão alto que você sai do cinema meio surdo, como se tivesse assistido a um show de rock.

Procurei refletir sobre a ciência do filme, ao menos para ver se podia extrair algo de interessante. Será que máquinas como essas, inteligentes e capazes de mudar de forma, são viáveis? Será que entidades não-biológicas são viáveis? Se são, é coisa para um futuro longínquo. Claro, existem já máquinas que parecem inteligentes, de um termostato de ar condicionado (que "sabe" quando ligar e desligar o motor) aos computadores capazes de vencer grandes mestres do xadrez. Mas essas máquinas não são inteligentes, apenas respondem a comandos elétricos ou controlados por programas. Recentemente, cientistas conseguiram "solucionar" o jogo de damas; usando computadores, obtiveram todas as permutações possíveis para provar a inviabilidade de uma vitória certa. A inteligência aqui é dos programadores e não da máquina.

Mas como, há 50 anos, mesmo os computadores eram praticamente inexistentes, é melhor não tentar adivinhar qual será o futuro da tecnologia. No meio tempo, numa tarde de domingo, não há nada de errado em virar criança outra vez e ver o Bem e o Mal se atracarem nas telas.

domingo, 22 de julho de 2007

Vida artificial

Temos desafios morais e éticos que há 20 anos seriam ficção

Uma das questões científicas que mais assusta e cativa o público é a manipulação artificial dos seres vivos pelo homem. Começando com a origem da vida, ainda inexplicada, passando pela engenharia genética de animais e terminando com a possibilidade de prolongar a vida -quem sabe até indefinidamente- , é impossível não se deixar levar pelas emoções despertadas pela pesquisa nessas áreas.

Toda semana, lemos sobre novas descobertas sensacionais em um desses campos, e nos deparamos com desafios morais e éticos que, vinte anos atrás, eram mais coisa de ficção científica do que de ciência concreta. Os temores e maravilhamento vêm precisamente dessa transposição da ficção ao real. Uma coisa é ler um livro sobre a criação de novas formas de vida. Outra é saber que isso está ocorrendo em laboratórios pelo mundo afora. Recentemente, cientistas conseguiram implantar o código genético inteiro de uma bactéria em outra de uma espécie próxima. O mais fabuloso disso foi aquilo que ocorreu após o transplante. O micróbio que recebeu o implante passou a exibir todas as propriedades e traços do doador, efetivamente transformando-se nele; nas colônias resultantes, não havia traço da identidade da bactéria original.

Os detalhes do processo são extremamente complexos. Vale mencionar que a margem de sucesso é ainda pequena: apenas uma bactéria em 150 mil aceitaram o novo DNA. Ademais, como as moléculas de DNA são extremamente longas, sua manipulação é delicada, especialmente se elas têm mais de 50 mil unidades genéticas. No entanto, é óbvio que foi aberta uma nova porta na manipulação artificial dos seres vivos. As possibilidades são imensas.

Um dos próximos passos é testar se é possível transplantar material genético preparado artificialmente e não extraído de outro ser vivo. Hoje, cientistas já podem construir cadeias de DNA sintético com mais de 100 mil unidades genéticas, adicionando pedaços a pedaços como num jogo de Lego, um brinquedo de montar. Os objetivos são variados, desde a criação de combustíveis orgânicos até a cura de doenças. Pode-se imaginar cenários onde seres vivos seriam projetados para cumprir as mais variadas tarefas, ou simplesmente para satisfazer os caprichos de clientes suficientemente ricos para criar seus híbridos de cachorro e gato, ou de bem-te-vi e iguana. Diante de toda uma nova tecnologia, é difícil imaginar que a criação de seres artificias não terá também seu lado comercial.

Quanto à criação da vida no laboratório, ainda estamos longe. São várias etapas, e as transições entre elas não são claras. Apenas, talvez, a primeira delas seja compreendida, a passagem de matéria inorgânica, os compostos que existiam na Terra antes da vida -amônia, metano, gás carbônico e água- para aminoácidos, os componentes das proteínas, parte essencial da química dos seres vivos. Mas a organização de aminoácidos em moléculas complexas, capazes de se reproduzir e, delas, às primeiras células, ainda permanece obscura. Mesmo assim, esse é um desafio que, acredito, será resolvido durante as próximas décadas. Ao menos muito se aprenderá sobre o assunto.

A última das questões, a da mortalidade, também é, hoje, amena à pesquisa científica. Se entendermos como as células envelhecem, poderemos talvez desacelerar esse processo, prolongando assim a vida. De certa forma, os avanços da medicina nos últimos cem anos já fazem isso. Basta comparar a idade média de um adulto em 1850 com a de um adulto hoje. A nossa relação com a vida mudou muito. E ainda mudará muito mais.