quinta-feira, 1 de novembro de 2007

A natureza por trás de um véu


Nosso colunista entra fundo na discussão da reportagem de capa desta edição: afinal, quem (ou o quê) era Deus para Einstein?


"O credo de Einstein era formado por equações, a língua universal do Cosmo"

Quem acha que ciência e religião são duas coisas completamente antagônicas deveria ler a célebre autobiografia de Albert Einstein. Pois é, um dos maiores nomes da ciência de todos os tempos, o homem que nos presenteou com toda uma nova visão de mundo, era uma pessoa profundamente religiosa. Porém o sentido dessa religiosidade deve ser entendido com muito cuidado. Einstein detestava autoridade de qualquer espécie, especialmente a que se impunha por meio de ortodoxias religiosas ou políticas. Não acreditava em um deus sobrenatural ou em qualquer forma de religião organizada. Sua religiosidade foi evoluindo aos poucos, do tradicional ao pessoal, uma história de amor entre a razão e o mundo.

Como ele mesmo afirmou, quando menino era bastante religioso no senso comum, mistificado pelos mistérios da natureza e pela possibilidade de um deus criador. Com 5 anos, seu pai deu-lhe uma bússola de presente. O menino Einstein olhava boquiaberto para o instrumento, tentando entender por que apontava sempre para o norte, que segredos ocultava. Forças invisíveis estavam atuando, revelando um aspecto mágico da natureza, uma realidade que ia além da nossa percepção sensorial.

Aos 12 anos, essa fé num criador que comandava o mundo se transformou. Einstein deixou de acreditar nas histórias da Bíblia e passou a se aprofundar no estudo da ciência. Se a natureza ocultava a sua essência dos homens, cabia a eles tentar desvendá-la. E, para isso, o único caminho era por meio do uso da razão, do método científico. Apenas desse modo seria possível mergulhar fundo nos mistérios do Cosmo e decifrá-los para que todos compartilhem de sua beleza. Einstein considerava essa busca, a devoção de um cientista, a verdadeira religião: "A mais profunda emoção que podemos experimentar é inspirada pelo senso de mistério. Essa é a emoção fundamental que inspira a verdadeira arte e a verdadeira ciência", escreveu. Vemos que os mistérios do mundo despertavam a mesma emoção que sentiu quando era menino, ao ver a bússola apontar para o norte. A emoção do menino inspirou a devoção do cientista, uma devoção que o próprio Einstein acreditava ser essencialmente religiosa: "A existência de algo que nós não podemos penetrar, a percepção da mais profunda razão e da beleza mais radiante no mundo à nossa volta, que apenas em suas formas mais primitivas são acessíveis às nossas mentes - é esse conhecimento e emoção que constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e nesse sentido apenas, eu sou um homem profundamente religioso".

Para Einstein, a religião organizada, com sua ênfase em hierarquias e poder, com seu autoritarismo e repressão, violava a essência da espiritulidade humana, que deveria ser livre para dedicar-se ao que existe de mais importante em nossas vidas, o mundo onde vivemos e as pessoas com quem dividimos nossa existência. Nós somos matéria antes, durante e após as nossas vidas, matéria em diferentes níveis de organização. Enquanto vivos, nada mais nobre do que nos entregarmos à natureza, ao seu estudo e contemplação. Era essa a essência da religiosidade humana, associar o sagrado à natureza, e não a uma divindade antropomórfica, vaidosa e caprichosa.

Einstein acreditava na força da matemática, da razão, para decifrar a essência do mundo natural. Seu credo era formado por equações, a língua universal do Cosmo. Durante as três últimas décadas de sua vida, dedicou-se à busca de uma teoria unificada, uma teoria capaz de descrever todos os fenômenos naturais a partir de uma única força, a causa de todas as causas, o princípio absoluto. Se Einstein acreditava em algum Deus, era nesse, cuja essência única se ocultava na diversidade dos fenômenos naturais, como uma noiva que oculta o seu sorriso por trás de um véu, seduzindo o noivo a vislumbrá-lo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário