domingo, 22 de janeiro de 2012

Por que duvidam da evolução?





Será que é tão ofensivo ter um ancestral em comum com outros primatas, como os chimpanzés?

Ao menos nos EUA, a evidência é indiscutível. Em uma pesquisa do grupo Gallup na véspera do aniversário de 200 anos do nascimento de Charles Darwin, no dia 12 de fevereiro de 2009, apenas 39% dos americanos responderam que "acreditam na teoria da evolução".

Não há dados semelhantes no Brasil, mas imagino que os números sejam semelhantes ou piores.

A mesma pesquisa relaciona o resultado com o nível educacional dos respondentes. Apenas 21% das pessoas com ensino médio completo ou menos acreditam na evolução. O número sobe para 53% nos graduados e 74% em quem tem pós-graduação.

Outra variável investigada foi a relação do resultado com frequência à igreja. Dos que acreditam em evolução, 24% vão a igreja semanalmente, 30% ao menos uma vez por mês e 55% nunca vão. Quanto mais crente, maior a desconfiança em relação à teoria de Darwin.

Por outro lado, a evidência em favor da evolução também é indiscutível. Ela está no registro fóssil, datado usando a emissão de partículas de núcleos atômicos radioativos. Rochas de erupções vulcânicas (ígneas) enterradas perto de um fóssil contêm material radioativo. O mais comum é o urânio-235, que decai em chumbo-207.

Analisando a razão entre o urânio-235 e o chumbo-207 numa amostra de rocha ígnea e sabendo a frequência com que o urânio emite partículas (em 704 milhões de anos, a quantidade de urânio numa amostra cai pela metade), cientistas obtêm uma medida bastante precisa da idade do fóssil. Por exemplo, os dinossauros desapareceram há 65 milhões de anos.

A evidência em favor da evolução aparece também na resistência que bactérias podem desenvolver contra antibióticos. Quanto mais se usam antibióticos, maior a chance de que mutações gerem bactérias resistentes. Esse tipo de adaptação por pressão seletiva pode ser investigado no laboratório, sujeitando populações de bactérias a certas drogas e monitorando modificações no seu código genético.

Posto isso, pergunto-me por que a evolução causa tanto problema para tanta gente. Será que é tão ofensivo assim termos tido um ancestral em comum com outros primatas, como os chimpanzés?

A nossa descendência é ainda muito mais dramática: se formos mais para o passado, todos os animais que existem descenderam de um único ancestral, o Último Ancestral Universal Comum (na sigla Luca, em inglês), que provavelmente era um ser unicelular.

Essa desconfiança do conhecimento científico é muito estranha, dada a nossa dependência dele no século 21. (De onde vêm os antibióticos e iPhones?) O problema parece estar ligado ao Deus-dos-Vãos, a noção de que quanto mais aprendemos sobre o mundo, menos Deus é necessário. Os que interpretam a Bíblia literalmente veem nisso uma perda de rumo. Se Deus não criou Adão e Eva e se não nos tornamos mortais após a "queda do Paraíso", como lidar com a morte?

Uma teologia que insiste em contrapor a fé ao conhecimento científico só leva a um maior obscurantismo. Mesmo que não acredite em Deus, imagino que existam outras formas de encontrar Deus ou outros caminhos em busca de uma espiritualidade maior na vida.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Antes do Big Bang




Voltando no tempo, as galáxias se apertam, o calor aumenta e a matéria se dissocia em partículas

Como escreveu Milan Kundera, "as únicas perguntas sérias são aquelas que até uma criança pode fazer". Dentro desse espírito, hoje olharemos para algumas dessas perguntas sobre o Universo.

O modelo do Big Bang usa observações para concluir que o Universo originou-se há 13,7 bilhões de anos e que vem se expandindo e esfriando desde então. Essa afirmação não é uma crença. Ela se baseia em evidências concretas. O princípio da ciência é "ver para crer" e não vice-versa.

Sabemos que o Universo está em expansão pois, ao medirmos a luz de galáxias distantes, vemos que ela é desviada em direção a maiores comprimentos de onda, como prevê o efeito Doppler. Imaginando a luz como uma onda (ou o fole de um acordeão), a expansão implica na maior separação entre os picos, causando mudanças na luz que é medida na Terra.

Essa expansão é uma dilatação do próprio espaço. Galáxias não são como os detritos de uma bomba que explodiu. Caso fossem, o Universo teria um centro onde tudo começou. Pelo contrário, todos os pontos no Cosmo são importantes, como na superfície de uma bola.

Imaginando as galáxias como moedas coladas à bola, quando ela infla, um observador em uma galáxia verá todas as outras afastando-se dele. Mas outros observadores em outras galáxias verão a mesma coisa: nenhum é mais central que os outros. Nosso Universo é assim, mas em três dimensões (a superfície da bola tem duas dimensões).

Mas se o Universo está se expandindo, o que há do lado de fora?

A confusão vem de vermos a expansão cósmica como uma bola imersa no espaço à sua volta. Vendo a superfície da bola como um Universo em duas dimensões, tudo o que existe é a superfície e nada mais: a bola infla e crescem as distâncias entre as moedas (as galáxias). Nada existe, ou precisa existir, do "lado de fora". O espaço nasce e cresce com a expansão.

A coisa é mais sutil pois, devido à velocidade da luz, só podemos ver até uma certa distância. Nosso "horizonte" chega a uns 42 bilhões de anos-luz, distância percorrida pela luz em 13,7 bilhões de anos. (Seriam 13,7 bilhões de anos-luz se o Universo não estivesse em expansão, mas a luz pega carona com a dilatação do espaço e viaja três vezes mais longe.) Portanto, pode haver bastante espaço "lá fora", além do horizonte, também em expansão.

Porém, ao voltarmos no tempo, a "bola" fica menor e as galáxias se apertam. O calor aumenta e a matéria se dissocia em seus constituintes básicos: de moléculas a átomos e, depois, outras partículas. Rapidamente, chegamos a uma época em que as energias estão além do que podemos testar em laboratório.

O que ocorreu no começo? Há duas escolas: uma afirma que o Universo, como uma bolha em uma sopa fervendo, surgiu de uma flutuação submicroscópica, e que só então, quando a energia dessa bolha espacial transformou-se em matéria, o tempo começou. Não existia um "antes" pois não existia mudança alguma para ser quantificada.

Outra diz que o Universo é parte de um multiverso eterno, entidade em que todos os universos possíveis coexistem. O fascinante é que essa hipótese pode até ser verdadeira. Mas não sabemos como testá-la.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Uma bolha no tempo

Cientistas criaram um intervalo de tempo em que as coisas ocorrem sem serem vistas

Os melhores mágicos são aqueles que conseguem realizar os feitos mais improváveis, que parecem violar as leis da natureza: o truque do desaparecimento, de serrar alguém ao meio, de parecer adivinhar que carta você escolhe, de tirar um coelho da cartola... A mágica da mágica está justamente em ludibriar a nossa percepção do real, fazendo o impossível parecer possível.

Pois bem, nesta semana, cientistas da Universidade de Cornell, nos EUA, anunciaram um feito que parece ludibriar as leis da natureza: criaram uma "bolha no tempo", um intervalo de tempo em que coisas ocorrem sem que sejam detectadas por um observador externo.

Como diz o ditado, "ver para crer" forma a base da nossa percepção. Recebemos informação através de pulsos de luz que chegam aos nossos olhos, refletidos do objeto que observamos. Se o objeto está em movimento, esses pulsos vão mudando com o tempo. Para não vermos que algo ocorreu, "basta" não recebermos luz vinda do objeto.

A experiência envolve pulsos de luz viajando em fibras óticas modificadas. Fibras óticas são essencialmente tubos de vidro por onde a luz, por exemplo na forma de raios laser, pode viajar. Como sabemos, essas fibras revolucionaram as telecomunicações pois têm perdas muito menor de sinal do que meios mais comuns, como cabos de cobre.

Os cientistas enviaram um pulso de laser por uma fibra desenhada para dispersar ou colimar luz de forma controlada. Um pulso de laser é uma onda de luz pura, com apenas uma frequência. A certa altura na fibra, o pulso de laser sofre interferência de outro pulso que muda a luz de uma para várias frequências.

Esse pulso combinado entra então numa parte da fibra onde pulsos com frequências diferentes viajam com velocidades diferentes, com o azul indo mais rápido do que o vermelho. Com isso, as duas cores são separadas até que, entre elas, existe um espaço onde não há luz alguma. Esse intervalo de escuridão total, com um centímetro de comprimento e duração de 50 trilionésimos de segundo, é interpretado como uma bolha no tempo. O que ocorre nela não pode ser visto.

Para se certificar de que a bolha era real, os cientistas fizeram um pulso de luz passar pelo local onde a bolha foi criada. Em geral, a interferência entre os dois pulsos acusaria a existência do pulso dentro da bolha. Mas quando o pulso enviado foi examinado após passar pela região da bolha, nada havia mudado.

Mesmo que o intervalo de tempo tenha sido muito curto, "curto demais para alguém roubar um quadro num museu", brincou Moti Fridman, que trabalhou no experimento, o feito demonstra que "invisibilidade" pode ocorrer tanto no espaço quanto no tempo.

Uma analogia seria a seguinte: um trem com 40 carros viaja na sua direção. Você vê um motociclista querendo atravessar os trilhos do trem. Sem que você saiba, os carros de número 20 e 21 se soltam, criando um espaço entre eles. O motociclista aproveita a brecha e atravessa antes dos carros se juntarem novamente. Você vê apenas o motociclista já do outro lado do trem. "Será que vi um fantasma?", você poderia se perguntar. Não... Foi apenas uma manipulação sensacional das propriedades da luz, um exemplo da mágica da ciência.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Um ano que promete

Descobertas sobre energia escura e sobre a esquiva 'partícula de Deus' podem vir no ano que começa

foi um ano curioso para a ciência, em particular para a física.

O Nobel foi dado aos três astrônomos que descobriram a misteriosa energia escura, responsável pela aceleração do Universo.

Físicos do acelerador de partículas LHC (Grande Colisor de Hádrons, em inglês) caçaram implacavelmente o esquivo bóson de Higgs, conhecido como a "partícula de Deus", ainda sem sucesso.

E, ainda mais estranho, cientistas do laboratório italiano de Gran Sasso afirmaram ter encontrado partículas chamadas neutrinos capazes de viajar mais rápido do que a luz, algo que, em princípio, vai contra a premissa da teoria da relatividade de Einstein.

A energia escura é um dos grandes mistérios da ciência moderna. Confesso que, quando as primeiras observações foram apresentadas em 1998, duvidei que fosse possível. Como explicar que uma espécie de fluido (não líquido, claro) permeia o Universo e dita com que velocidade ele se expande?

A ideia de que algo preenche todo o espaço é muito antiga, já popular com o éter dos gregos. A energia escura é o éter moderno. Só que, ao contrário do éter da Antiguidade, que não existe, a energia escura foi comprovada de diversas formas diferentes, que mostram que ela contribui com cerca de 73% do total de matéria e energia no Cosmos.

Em dezembro, cientistas trabalhando no Cern, centro europeu que é a casa do LHC, divulgaram os resultados de um ano de coleta de dados. O Higgs continua arredio, se bem que temos agora limites firmes para a sua massa, ao menos nas teorias mais simples que postulam a sua existência. Se existir, deverá ter uma massa entre 115 vezes e 130 vezes maior que a de um próton. Até o final de 2012, é muito provável que tenhamos uma resposta.

Existem várias possibilidades: o Higgs pode existir, como previsto, e será encontrado neste ano; pode existir, mas com uma massa bem maior do que a que o LHC pode encontrar; ou, claro, pode não existir.

De qualquer forma, seria muito estranho se nada fosse encontrado na margem de massa esperada. Caso isso ocorra, saberemos que o Modelo Padrão, a teoria-mestra da física de partículas, está mesmo incompleto. Isso apresentará tanto um desafio quanto um problema para a física de partículas: se os resultados do LHC puxarem a massa do Higgs para muito mais alto, não poderemos continuar essa busca com as tecnologias atuais.

Isso poderia levar a física de aceleradores a um hiato. Muitas teorias permaneceriam sem ser testadas. E teorias sem experimentos são cegas.

Quanto ao neutrino superveloz, a esperança é a de que cientistas no acelerador americano Fermilab possam recalibrar seus experimentos para confirmar ou refutar os resultados do laboratório de Gran Sasso.

Isso é imprescindível para que o achado ganhe credibilidade; em ciência, grandes descobertas precisam ser confirmadas em laboratórios diferentes. De minha parte, acho pouco provável que o resultado vingue. Mesmo se vingar, a teoria da relatividade continuará válida, visto que foi confirmada inúmeras vezes (por exemplo, a cada vez que você usa o seu GPS). Teria apenas de ser emendada. Mas, para isso, temos de esperar os resultados. Pois quem decide é a Natureza.