domingo, 27 de agosto de 2000

As maiores estruturas do Universo

Às vezes, gosto de visualizar o Universo como a superfície de uma lagoa, cheia de vitórias-régias, as belas plantas flutuantes que aparecem em bandos, arquipélagos de ilhas verdes de tamanhos e formas variados. Cada planta é uma galáxia, e cada grupo de plantas é um agregado de galáxias. Claro, esse é um modelo bidimensional do Universo, pois estou me restringindo a visualizar a superfície da lagoa. Uma outra diferença importante é que o Universo está em expansão, as distâncias entre galáxias e seus aglomerados sempre aumentando, enquanto que, em geral, lagoas não costumam estar em expansão. De qualquer forma, a imagem vale, senão pela sua precisão, pelo seu poder evocativo.


Apesar de não ser um especialista em colônias de vitórias-régias, imagino que elas jamais atinjam dimensões comparáveis à da lagoa. (Se estiver enganado, vamos então imaginar uma espécie de planta que satisfaça essa regra.) Usando um argumento baseado na teoria da evolução, muitas plantas em um meio de dimensões limitadas acabam se prejudicando. Enquanto um número razoável garante o controle dos nutrientes encontrados na lagoa, um número muito grande acaba tendo de competir, com resultados danosos à população como um todo. Deve existir uma relação entre o tamanho dos arquipélagos de vitórias-régias e o tamanho da lagoa onde se encontram, de modo que uma situação ótima de equilíbrio seja atingida.

Agora, voltemos ao Universo povoado por bilhões de galáxias, cada uma com milhares de anos-luz de extensão, arranjadas em aglomerados que podem conter milhares delas, ou mesmo em superaglomerados (aglomerados de aglomerados). Será que existe um limite máximo para essas estruturas? Durante as últimas décadas, astrônomos de todo o mundo fizeram mapas do Universo, localizando galáxia por galáxia e identificando aglomerado por aglomerado. Finalmente, podemos responder a essa pergunta.

Quando Albert Einstein propôs o primeiro modelo cosmológico da era moderna usando sua teoria da relatividade, ele supôs que o Universo, em grandes escalas de distância, fosse essencialmente idêntico ou homogêneo. Claro que o céu noturno não tem nada de homogêneo, já que vemos estrelas e constelações muito diferentes umas das outras. Mas essas distâncias são ridiculamente pequenas para as escalas que estamos interessados. É como olhar um gramado de perto ou de longe: de longe, não vemos mais os tufos de grama, mas um "tapete verde". Essa suposição, conhecida como Princípio Cosmológico, torna possível (ou ao menos facilita muito) uma análise matemática das propriedades do Universo, incluindo sua expansão.

Se estruturas envolvendo galáxias e seus aglomerados podem ser arbitrariamente grandes, o Princípio Cosmológico teria de ser abandonado, já que o Universo não seria homogêneo em nenhuma escala. Como consequência, os modelos cosmológicos teriam de ser seriamente revistos. Durante os anos 80, os primeiros mapas mostraram uma incrível variação na distribuição de galáxias.

Elas aparecem em filamentos enormes, como se fizessem parte de uma vasta teia cósmica. Os filamentos adornam imensas regiões, onde praticamente nenhuma galáxia é encontrada, os chamados vazios cósmicos. O problema é que esses primeiros mapas também mostraram que alguns desses filamentos eram tão grandes quanto o próprio mapa, em torno de centenas de milhões de anos-luz. Como o Universo à nossa volta ocupa aproximadamente 13 bilhões de anos-luz, a distância percorrida pela luz desde o Big Bang, a questão da homogeneidade permaneceu em aberto, porém de forma bastante incômoda.

Em julho deste ano, um novo mapa, bem maior que seus antecessores, resolveu de vez a questão: incluindo 100 mil galáxias a até 4 bilhões de anos-luz de distância, quatro vezes mais do que qualquer mapa anterior, astrônomos trabalhando em um observatório na Austrália provaram que, de fato, as maiores estruturas têm no máximo 250 milhões de anos-luz. O Princípio Cosmológico pode ser aplicado sem problemas. O arquiteto das vastas estruturas cósmicas é a força gravitacional, que parece também satisfazer um princípio evolucionário: estruturas muito maiores levariam ao colapso deste Universo, ao menos de um descrito pela teorias atuais, tal como um excesso de vitórias-régias em uma lagoa finita.

domingo, 20 de agosto de 2000

Os perigos de uma história malcontada

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Ciência pode causar pânico. Às vezes com razão, como no caso do desenvolvimento de armas nucleares, químicas ou biológicas. Imagine o que aconteceria se um grupo terrorista, com uma bactéria geneticamente alterada, contaminasse o abastecimento de água de Brasília. A bactéria, "construída" em laboratórios clandestinos com tecnologia roubada de indústrias de ponta, mataria em apenas dois dias. A mídia espalharia a notícia com a velocidade da luz, alertando a população para o perigo. Nesse caso, a velocidade de propagação da informação e o choque da notícia salvariam inúmeras vidas. Vamos analisar o outro lado -a mídia propagando o pânico erroneamente, também devido a uma "ameaça" científica, agora nas mãos de cientistas: os cientistas como assassinos!

Eis um exemplo recente e, na minha opinião, bastante ilustrativo. Em julho de 1999, a prestigiosa revista "Scientific American" publicou reportagem sobre uma experiência do laboratório de Brookhaven (EUA), conhecida como "Colisor de Íons Relativísticos Pesados" (a sigla, em inglês, é RHIC). Na experiência, núcleos de átomos de ouro são bombardeados por prótons acelerados a velocidades próximas à velocidade da luz. A idéia é recriar, por frações de segundo, as condições existentes durante o primeiro centésimo de milésimo de segundo após o Big Bang, evento que marcou a origem do Universo. Segundo as teorias modernas da física nuclear, os prótons e os nêutrons (integrantes do núcleo atômico) são compostos por partículas chamadas quarks, que interagem entre si trocando outras partículas, os glúons. Os glúons agem como uma cola nuclear: mantêm o núcleo coeso, apesar da repulsão elétrica de seus componentes. A densidades e temperaturas muito altas, como no Universo primordial ou no centro das colisões no RHIC, o núcleo e seus componentes são transformados em um novo estado da matéria, um plasma de quarks e glúons. Essa é a previsão da teoria que o experimento irá testar.

O artigo da "Scientific American", intitulado "Mini Big Bang", provocou o interesse de alguns leitores. Um deles perguntou se o experimento poderia criar um miniburaco negro que engoliria a Terra; afinal, argumentou, Stephen Hawking escreveu que miniburacos negros teriam existido momentos após o Big Bang. A resposta foi dada por Frank Wilczek, físico renomado, então no Instituto de Estudos Avançados em Princeton: "A idéia é muito implausível", disse ele. "Mas outra forma de matéria poderia aparecer no experimento, chamada "strangelet", com resultados catastróficos. Mas isso também é implausível", finalizou. Implausibilidade representa algo muito diferente para um cientista treinado ou uma pessoa fora da área. Afinal, vencer na loteria também é implausível, mas acontece. O público quer ouvir a palavra "impossível", que raramente é usada em física, a menos que exista uma violação óbvia de suas leis.

Uma enxurrada de artigos sensacionalistas apareceu em seguida. O jornal inglês "The Times" publicou a manchete: "Máquina do Big Bang pode destruir a Terra". Um repórter da rede norte-americana ABC chamou o RHIC de "máquina do juízo final", acusando os cientistas de "brincar de Deus". Um processo foi aberto para parar o experimento; um jovem escreveu ao diretor de Brookhaven dizendo estar desesperado com a possibilidade de um buraco negro em Nova York; surgiu um rumor de que um buraco negro criado pelo RHIC teria engolido o avião de John Kennedy Jr. Incrível a irresponsabilidade dos jornais e TVs que propagaram esses absurdos. Incrível também a falta de sensibilidade dos cientistas com relação à repercussão social de seu trabalho. Ciência pode causar pânico, especialmente se a sua divulgação depender de profissionais despreparados e do silêncio arrogante dos cientistas. Nesse meio tempo, no mês passado, o RHIC entrou em funcionamento -e nós ainda estamos aqui, sãos e salvos.

domingo, 6 de agosto de 2000

Brincando com a velocidade da luz

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Volta e meia eu recebo uma carta ou um trabalho de algum leitor irritado com a velocidade da luz. Afinal, se ela é mesmo a velocidade máxima com que a informação pode se propagar, ela também determina a causalidade na natureza, isto é, garante que a causa sempre precede o efeito. Imagine a situação oposta: um universo onde não exista uma relação necessária de causa e efeito. Nesse universo, seria possível que estivéssemos presentes no nosso nascimento, ou mesmo antes disso. Um paradoxo perverso diz que, nesse universo, um louco poderia voltar ao passado e matar seu próprio pai, ainda garoto. Mas, se o pai foi morto quando criança, como o seu filho assassino pode existir?

Por trás dessa ansiedade toda, está escondida, entre outras coisas, uma versão científica da mítica fonte da eterna juventude. Se pudéssemos controlar a causalidade, poderíamos viver para sempre. Daí que muita gente -de cientistas trabalhando em laboratórios de ponta a pessoas interessadas nessas questões por meio de um enfoque mais, digamos, filosófico- vem tentando bater a velocidade da luz. Bem, segundo a teoria da relatividade, proposta por Einstein em 1905, estabelecendo a relação entre causalidade e velocidade da luz, se um objeto tem massa, é impossível acelerá-lo até a velocidade da luz. Quanto maior a velocidade do objeto, maior sua massa, até que, ao chegar na velocidade da luz, sua massa fica infinitamente grande. E, para mover um objeto com massa infinita, precisamos de uma quantidade infinita de energia. A conclusão é simples: nós não vamos viajar a velocidades mais altas do que a velocidade da luz. Mas por que não a própria luz? Afinal, a única razão pela qual a luz viaja na sua velocidade é porque ela não tem massa. Basta criar um tipo de luz que seja capaz de viajar mais rápido do que a luz.

Em meados de julho, cientistas trabalhando no laboratório NEC em Nova Jersey, nos EUA, anunciaram, para grande espanto da comunidade científica e de todos os que ouviram a notícia, que eles haviam produzido pulsos de luz que viajaram mais rápido do que a velocidade da luz! Para entender o que aconteceu, devemos lembrar que a velocidade máxima da luz se dá no espaço vazio, ou vácuo, e é de 300 milhões de metros por segundo. Entretanto, em meios distintos, como a água ou o ar, a luz se propaga mais devagar. Recentemente, um grupo da Universidade de Harvard criou o equivalente a uma luz tartaruga, que se propagou a alguns metros por segundo. Mas bater a velocidade da luz no vácuo é outra história.

Quando falamos em velocidade da luz, estamos nos referindo a apenas uma onda eletromagnética com uma determinada frequência. Um "pulso" luminoso é um objeto muito distinto, composto por uma superposição de várias ondas luminosas, cada uma com uma frequência diferente. Quanto mais fino for o pulso, maior o número de ondas que o compõem; a superposição de ondas diferentes determina o feitio do pulso luminoso. Seu perfil é semelhante ao de um sino ou uma montanha com um pico bem arredondado. Existem duas velocidades associadas ao movimento do pulso; a velocidade de seu pico é chamada velocidade de grupo, e a velocidade de cada onda é a velocidade de fase. No vácuo, as duas são iguais, mas em meios absorventes ou dispersivos elas podem ser diferentes. Foi essa diferença que criou o efeito superluminal: um pulso luminoso atravessou um volume saturado com o elemento césio em forma gasosa; nesse meio, certas frequências sofrem uma dispersão anômala, mudando suas velocidades de fase. Com isso, o formato do pulso é deformado de modo a "empurrá-lo" para a frente. O resultado é uma velocidade de grupo (ou do pico) mais rápida do que a velocidade da luz no vácuo. De fato, o pico do pulso foi visto deixando o volume antes de entrar! (Lembre-se do formato de sino: o pico fica no meio do pulso.)

A velocidade superluminal foi a velocidade de grupo, ou do pico, do pulso; para que o pico tivesse saído antes de entrar, a parte frontal do pulso foi deformada radicalmente, "redesenhando" o formato do pulso luminoso.

Não existiu violação de causalidade, já que o efeito veio da reorganização das ondas compondo o pulso. Por enquanto, ainda vivemos em um universo onde a causa precede o efeito.