sábado, 21 de fevereiro de 2009

A ciência e as religiões



Forçar a rigidez é condenar a congregação a viver no passado

Como escrevi em colunas recentes, neste ano celebramos dois grandes aniversários. O primeiro, o bicentenário do nascimento de Charles Darwin e o sesquicentenário da publicação de seu revolucionário "A Origem das Espécies". O segundo, os quatrocentos anos da publicação do livro "Astronomia Nova", em que Johannes Kepler mostrou que a órbita de Marte é elíptica, inferindo que todas as outras seriam também.

No mesmo ano, 1609, Galileu Galilei apontou o seu telescópio para os céus mudando a astronomia para sempre.

Em ambos os casos, as descobertas científicas criaram sérios atritos com as autoridades religiosas. Atritos que, infelizmente, sobrevivem de alguma forma até hoje, principalmente com as religiões monoteístas que dominam o mundo ocidental e o Oriente Médio: judaísmo, cristianismo e islamismo. O momento é oportuno para iniciarmos uma reavaliação das suas causas e apontar, talvez, resoluções.

Simplificando, pois temos apenas algumas linhas, o problema maior não começa no embate entre a ciência e a religião. Começa no embate entre as religiões. Existe uma polarização cada vez maior já dentro das religiões entre correntes mais ortodoxas e aquelas mais liberais. As diferenças são enormes. Por exemplo, no caso do judaísmo, podemos hoje encontrar rabinas liderando congregações, algo que enfureceria ao meu avô e a seus amigos.

Nos EUA, algumas correntes protestantes, como os episcopélicos, têm pastores e bispos abertamente homossexuais. Nessas correntes mais liberais dentre as religiões se vê também uma relação completamente diferente com a ciência.

Em vez do radicalismo imposto por uma interpretação liberal da Bíblia, as correntes mais liberais tendem a ver o texto bíblico de forma simbólica, como uma representação metafórica de acontecimentos e fatos passados com o intuito -dentre outros- de fornecer uma orientação moral para a população. (A questão da necessidade de um código moral de origem religiosa deixo para outro dia.)

Escuto pastores e rabinos afirmarem regularmente que é absurdo insistir que a Terra tenha menos de 10 mil anos ou que Adão e Eva surgiram da terra. Para um número cada vez maior de congregações, é fútil fechar os olhos para os avanços da ciência.

Para eles, a preservação dos valores religiosos, da coesão de suas congregações depende de uma modernização de suas posições de modo que possam refletir o mundo em que vivemos hoje e não aquele em que pessoas viviam há dois mil anos.

O mundo mudou, a sociedade mudou, a religião também deve mudar.

Insistir na rigidez da ortodoxia é condenar a congregação a viver no passado, numa realidade incompatível com a sociedade moderna. Se o pastor ou rabino ortodoxo tem câncer e recebe terapia de radiação, ele deve saber que é essa mesma radiação que permite a datação de fósseis com centenas de milhões de anos. É hipocrisia aceitar a cura da radiação nuclear e ainda assim negar os seus outros usos.

Fechar os olhos para os avanços da ciência é escolher um retorno ao obscurantismo medieval, quando homens viviam suas vidas assombrados por espíritos e demônios, subjugados pelo medo a aceitar a proteção de Deus. A escolha por uma devoção religiosa -se é essa a sua escolha- não deveria ser produto do medo.

No fim de semana passado, a catedral de São Paulo em Melbourne, Austrália, ofereceu um simpósio sobre Darwin. Nos EUA, outro simpósio reuniu cerca de 800 pastores e rabinos para discutir modos de reconciliação entre ciência e religião. Parece que finalmente um novo diálogo está começando. Já era tempo.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Rejeição cósmica



A noção de que objetos podem escapar da atração gravitacional é importante na exploração do espaço

Pobre SDSS J090745.0+24507. A uma incrível velocidade de três milhões de quilômetros por hora, essa pobre estrela já está muito longe do seu berçário, a Via Láctea. Ela foi catapultada de nossa galáxia por um gigante furioso, o buraco negro que reina em seu centro, um monstro com uma massa equivalente a quatro milhões de sóis.

Atualmente, a estrela rejeitada está a uma distância aproximada de 200 mil anos-luz do centro galáctico, bem mais distante do que o Sol, que fica a 30 mil anos-luz do centro. Ainda bem. Caso contrário, poderíamos ter um fim parecido. Ou, pior ainda, poderíamos ser sugados para as entranhas do monstro faminto.

Descoberta em 2005, essa foi a primeira "estrela hiperveloz", tipo de objeto que atinge velocidades tão altas que é capaz de escapar da atração gravitacional da galáxia e ser lançado no espaço sideral. A noção de que objetos podem escapar da atração gravitacional é extremamente importante na exploração do espaço.

Por exemplo, para que um foguete escape da Terra, precisa atingir uma velocidade aproximada de 11 quilômetros por segundo, um pouco menos do que 40 mil quilômetros por hora. (Na prática, como a propulsão continua quando o foguete está voando e a atração gravitacional diminui com a altitude, a velocidade é menor.) No caso da estrela, como ela não tem um motor, o mecanismo de propulsão deve ser diferente. É o próprio buraco negro que fornece a energia para o escape da estrela.

Modelos que visam explicar o mecanismo de expulsão das estrelas hipervelozes usam uma propriedade conhecida como catapulta ou estilingue gravitacional.

Quando um satélite se aproxima de um planeta, ele sofre uma aceleração, como uma pedra que cai no chão. À medida que o satélite vai se aproximando e o planeta continua em sua órbita em torno do Sol, o satélite pode ganhar velocidade e ser lançado adiante, como se tivesse ganho um empurrão. Um efeito parecido ocorre se você está num carrossel que gira rápido e de repente larga dele. Ou se está patinando no gelo de mãos dadas com alguém, girando alegremente até que sua companheira cai e você continua, lançado para longe.

Esse efeito foi usado para lançar a sonda espacial Pionneer-10 para fora do Sistema Solar. No caso, o planeta que deu o empurrão foi Júpiter, acelerando a sonda de 9,8 km/s até 22,4 km/s. Esse truque é usado comumente em voos espaciais.

No caso das estrelas hipervelozes, o modelo aceito atualmente considera que seja um par de estrelas que se aproxime do buraco negro. Essas estrelas binárias são muito comuns, de fato muito mais comuns do que estrelas solitárias como o Sol. Ao chegarem cada vez mais perto, uma das estrelas é tragada pelo buraco negro enquanto a outra é acelerada com tremenda violência para fora do plano da galáxia. O efeito é dramático. Estrelas na galáxia costumam viajar a uma velocidade média de 100 quilômetros por segundo. O adjetivo hiperveloz é bem dado.

Hoje já são dezenas delas, todas ejetadas do centro da Via Láctea. A descoberta oferece mais uma confirmação da existência do buraco negro no centro da nossa galáxia. Oferece também um mapa da gravidade em torno da galáxia, especialmente da matéria escura, matéria que não produz a própria luz e não é formada por átomos comuns.

A imagem de estrelas sendo ejetadas a velocidades de milhões de quilômetros por hora nos dá uma noção da incrível violência dos processos que ocorrem no centro da galáxia. Certamente, o centro da Via Láctea é um lugar para observarmos bem de longe.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Darwin e a escravidão



Livro diz que ideias abolicionistas levaram britânico a propor a teoria da evolução

Como o bicentenário do nascimento de Darwin é nesta quinta-feira dia 12 de fevereiro, nada mais adequado do que voltarmos a escrever sobre a sua obra e seu legado.

Acaba de sair aqui nos EUA um livro oferecendo um ponto de vista bem diferente sobre a motivação principal que levou Darwin a desenvolver a teoria da evolução.

Em "A Missão Sagrada de Darwin" ("Darwin's Secret Cause"), Adrian Desmond e James Moore argumentam que foi a repugnância moral de Darwin à escravidão que o motivou a levar adiante suas ideias.

E foi quando Darwin visitou o Brasil durante a famosa viagem em torno do mundo com o navio HMS Beagle que ele travou contato direto com os horrores da escravidão.

Certo dia, quando passava de canoa por um mangue, Darwin ouviu um grito terrível. O doloroso episódio ficou gravado na sua memória.

"Até hoje", escreveu o naturalista em seu jornal mais tarde, "quando ouço um grito à distância, revivo com enorme intensidade o que senti quando, ao passar perto de uma casa em Pernambuco, ouvi gemidos terríveis, certamente vindos de um escravo sendo torturado e, tal qual uma criança, não pude fazer nada."

Em seus livros "A Origem das Espécies" e "A Origem do Homem e a Seleção Natural", Darwin argumenta por uma origem comum da vida. Sendo assim, existe uma irmandade entre todos os homens, o que torna a escravidão um crime absurdo. O interessante do argumento é que, segundo os autores, foram as ideias abolicionistas de Darwin que o levaram à teoria da evolução e não o contrário.

Seu avô, o famoso médico e poeta Erasmus Darwin, era um notório abolicionista, muito amigo do industrial Josiah Wedgwood, cujas porcelanas são conhecidas até hoje. Wedgwood usou seus fornos para criar um medalhão com a imagem de um escravo acorrentado e a legenda: "Não sou também um Homem e seu Irmão?" O medalhão era um objeto cobiçado por todos que eram da mesma opinião.

As famílias Darwin e Wedgwood foram unidas por uma série de matrimônios. O próprio Charles casou-se com Emma Wedgwood, sua prima de primeiro grau. (Interessante que o pai da evolução tivesse feito isso. Tiveram dez filhos e dois morreram na infância. A cada vez que um dos filhos ficava doente, Darwin se preocupava com os laços excessivamente estreitos de sua família. Nesse caso, ter dez filhos deve ter sido provavelmente uma espécie de experimento.)

A abolição era certamente tema constante nas conversas da família, um trato quase hereditário. Foi nesse ambiente ideológico que Darwin cresceu e criou os filhos. Certamente, Darwin viu escravos ainda na Inglaterra. Ao estudar (teologia) em Cambridge, aprendeu que certos membros da igreja anglicana eram radicalmente contra a escravidão. Sabia que não estava sozinho e que o movimento abolicionista apenas cresceria com o tempo. Mas queria mais do que argumentos apenas morais. Queria argumentos científicos.

Ao propor a evolução das espécies, Darwin não nos excluiu. Esse foi o maior motivo para a recepção nem sempre positiva de suas ideias. "O quê? Nós, descendentes de orangotangos? Primos dos negros da África, dos chineses e dos aborígenes da Austrália? Ridículo!"

Para Darwin, não havia dúvidas. A vida bifurcava a partir de um tronco único. O fato de sabermos hoje que nossa constituição genética é extremamente próxima da dos chimpanzés (entre 95% e 98,7%) só fortalece o seu argumento. Se a ciência de Darwin não foi criada para justificar a unidade da vida, ela certamente o fez.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O peso da alma

Para a surpresa do bom doutor, a balança acusou 21,3 gramas

Caro leitor: após o assunto de extrema seriedade que tratamos na semana passada -o novo governo de Obama e as mudanças positivas que esperamos nos EUA e, quem sabe, no Brasil- gostaria de voltar a minha e a sua atenção para assuntos mais imponderáveis.

Eis que, essa semana, quando pesquisava material para o meu novo livro (que deverá sair no ano que vem), deparei-me com uma matéria deliciosa que imagino seja do interesse de todos os leitores: o peso da alma.

Pois é, a alma tem ou não um peso?

Claro está, como não estabelecemos contato com uma alma livre ou, se estabelecemos, a pergunta de cunho científico sempre fica deixada para trás perante às de cunho emocional, não temos ainda uma resposta universalmente aceita.

Devo dizer, para maior esclarecimento, que nem todas as religiões acreditam em alma. As que acreditam dificilmente atribuiriam à alma propriedades materiais, como o peso ou um campo eletromagnético. Por outro lado, visto que nós humanos podemos apenas medir aquilo que é material, ficamos limitados a esse tipo de estratégia mais metodológica. Na pior das hipóteses, se obtivermos resultados negativos, confirmaremos mais uma vez nossa incapacidade de mergulharmos nos mistérios mais profundos da existência de forma racional. Que ingênuos aqueles cientistas que acham que poderia ser diferente!

No dia 11 de Março de 1907, leitores do prestigioso jornal americano "The New York Times", depararam-se com a manchete: "Médico acredita que a alma tem peso". O doutor Duncan MacDougall, de Haverhill (EUA), conjecturou que, se a alma fosse material teria uma massa. Para provar a sua hipótese, equipou seis leitos com balanças de boa precisão e ocupou-os com pacientes que estavam à beira da morte. Seguiu-se um período de observação, durante o qual o doutor esperou pela morte de seus pacientes. Cuidadoso, certificou-se de que a perda de peso medida já antes da morte era devida aos fluidos eliminados pelos pacientes pelo suor ou urina; após a sua evaporação, as balanças acusavam uma pequena perda de peso.

Um deles morreu após três horas e quarenta minutos. Para a surpresa do bom doutor, em alguns segundos, a balança acusou uma perda de 21,3 gramas. Seria esse o peso da alma, 21 gramas? Dos seis testes, dois tiveram que ser eliminados devido a erros nas balanças: num deles, a balança não havia sido calibrada corretamente; o outro morreu tão rápido que o médico não teve tempo de calibrá-la.

Dos outros três, dois indicaram uma perda de peso que continuou durante um bom tempo, e o último indicou uma perda de peso que depois reverteu ao normal. O doutor especulou que a partida da alma depende do temperamento da pessoa: as almas daquelas mais lentas demoram mais para abandonar o corpo.

O doutor repetiu o experimento com quinze desafortunados cachorros, não encontrando qualquer diferença no momento da morte. O resultado não o surpreendeu. Pelo contrário, serviu de apoio à sua conclusão.

Afinal, cachorros não têm almas.

Quatro anos mais tarde, o doutor MacDougall voltou às manchetes do "The New York Times". Desta vez, pretendia fotografar a alma usando o recém-descoberto raio-X. Resultados negativos foram atribuídos à agitação da substância animista no momento da morte. De qualquer forma, o doutor afirmou ter visto "a alma de doze pacientes emitir uma luz semelhante àquela vista no éter interestelar".

Pobre doutor. Provavelmente não sabia que em 1905 um jovem físico alemão de nome Albert Einstein havia demonstrado que o éter não existe.