domingo, 27 de maio de 2007

Conversa com ETs


Talvez eles sejam um modelo do que podemos ser no nosso futuro

Semana passada, reli o romance de ficção científica "Contato", do famoso astrônomo e divulgador de ciência norte-americano Carl Sagan. Mais uma vez, o livro me surpreendeu pela sua clareza e pela intensidade de sua narrativa. Uma montanha de tópicos importantes é abordada, desde os princípios da radioastronomia e os absurdos da Guerra Fria (o livro foi publicado em 1985) até questões relacionadas com o embate entre ciência e religião.

Para quem não se lembra, o livro explora o primeiro contato entre nós e os seres extraterrestres. Sagan tenta manter a ciência em xeque, usando apenas conceitos aceitos, mesmo que alguns deles sejam bem especulativos. Ele foi um dos pioneiros do programa Seti, que busca inteligências extraterrestres (do inglês Search for Extra-Terrestrial Intelligence) usando antenas parabólicas gigantescas capazes de captar sinais de rádio de fontes extremamente distantes.

A idéia é bem simples. Do mesmo modo que, ao sintonizarmos um rádio numa estação de FM, digamos, 93,5 megahertz (93,5 milhões de ciclos por segundo), estamos captando ondas transmitidas de uma antena distante nessa freqüência específica, poderíamos sintonizar nossos radiotelescópios para receber sinais emitidos por "rádios" alienígenas, ou seja, transmissões de ondas de rádio vindas de outros planetas.

Vale esclarecer que ondas de rádio não têm nada a ver com o som que sai dos alto-falantes de um rádio. Elas são ondas eletromagnéticas viajando à velocidade da luz, semelhantes à luz visível mas com freqüências bem menores. O rádio é um aparelho capaz de transformar essas ondas eletromagnéticas invisíveis em ondas de som que podemos ouvir. Você está sempre rodeado de inúmeras ondas eletromagnéticas invisíveis aos olhos.

Fora as diversas ondas de rádio de todas as estações de AM, FM e TV, existem também microondas, e ondas no infravermelho e no ultravioleta. Se pudéssemos ver essas ondas todas, nossa realidade seria completamente caótica! Sagan explora com maestria essa possibilidade de ouvirmos extraterrestres. A heroína da história (já algo de muita importância, uma mulher como protagonista em uma obra de ciência) capta sinais extraterrestres.

Uma vez que a Terra gira, um consórcio mundial é montado para que o sinal seja captado continuamente. A mensagem, quando decifrada, tem informação de como construir uma máquina. Interessante que, no livro, cinco cientistas viajam, enquanto que, no excelente filme dirigido por Robert Zemeckis só vai um.

Claro que é um americano. (Ou melhor, americana.) Mas o interessante aqui é a discussão sobre a construção da máquina. Como nós reagiríamos numa situação dessas? Alguns argumentam que a máquina é uma bomba que destruirá a Terra. Outros que é uma espaçonave que trará os ETs aqui para nos escravizar. Por trás desses medos reside uma questão importante: se recebêssemos uma mensagem de ETs, será que deveríamos responder? Afinal, somos uma civilização extremamente imatura tecnologicamente.

Nossos primeiros rádios têm pouco mais de 80 anos. Certamente, outra civilização inteligente seria mais avançada. E se ela tivesse intenções destrutivas? Afinal, veja o que os europeus fizeram com suas colônias. Sagan demonstra seu otimismo ao imaginar ETs muito mais avançados e sábios do que nós, capazes de criar realidades virtuais indistinguíveis do mundo real. Os ETs são essencialmente o que chamaríamos de deuses. Talvez um modelo do que poderemos vir a ser no futuro, se soubermos conter nossos instintos destrutivos.

domingo, 20 de maio de 2007

Sobre os campos

Os campos quânticos volta e meia aparecem citados em livros e filmes esotéricos

O conceito de campo é um desses que, quando usados fora de contexto, dão vazão a mil e uma distorções. Claro, falo aqui dos campos da física, não dos de esportes. Eu me lembro, quando era garoto, de assistir à série "Perdidos no Espaço", e de como a espaçonave deles -acho que se chamava Júpiter 2- tinha um campo de força que a protegia de eventuais invasores, uma espécie de escudo invisível e muito eficiente.

Essa noção de campo de força era mesmo meio mágica e parecia ser coisa do futuro, de ficção científica. Mal sabia eu então que nosso próprio planeta também tem um campo de força, no caso o campo magnético terrestre, que nos protege de outros invasores do espaço, os raios cósmicos e a radiação e as partículas vindas do Sol. Foi durante o século 19 que o conceito de campo tomou forma, a partir dos trabalhos do inglês Michael Faraday e do escocês James Clerk Maxwell. Faraday era o físico experimental por excelência, brilhante em sua intuição sobre as propriedades da eletricidade e do magnetismo. Foi ele quem descobriu que o magnetismo pode gerar uma corrente elétrica.

O experimento é bem simples: basta ter um imã e um fio circular. Passando o imã dentro do fio, como uma bola de basquete no aro da cesta, cria-se uma corrente elétrica no fio. O essencial aqui é que o imã tem de estar em movimento. Faraday visualizou o resultado de sua experiência através do que chamou de "linhas de força", representações espaciais da presença da eletricidade e do magnetismo nos objetos. Por exemplo, uma carga elétrica esférica tem linhas de força que emanam radialmente do seu centro, feito cabelos no estilo punk. Maxwell generalizou as idéias de Faraday, criando o conceito de campo.

Essencialmente, o campo reflete a presença de alguma fonte no espaço à sua volta. Por exemplo, o campo da carga elétrica é esse conjunto de linhas de força radiais. Mesmo sem vermos a carga elétrica, podemos sentir sua presença por meio de seu campo. Basta aproximarmos outra carga elétrica dela e observaremos que, se for positiva, será repelida, e se for negativa, será atraída. Maxwell obteve as equações que descrevem o comportamento dos campos elétricos e magnéticos criados por cargas e imãs, mostrando que são manifestações de uma coisa só, o campo eletromagnético.

Eis outro exemplo de campo. Você é uma fonte de calor. Aproxime a mão de sua testa. Você sentirá calor emanando dela; quanto mais longe da testa, menor a temperatura. (A menos, claro, que esteja muito quente no quarto. Vamos supor que a temperatura do quarto seja de uns 15 graus Celsius, bem mais baixa do que os 36,5 graus de um ser humano normal.) Existe um campo de temperatura à sua volta, cuja intensidade diminui em função da distância.

Com o desenvolvimento da física atômica, o conceito de campo ganhou ainda mais importância. Hoje os físicos representam as partículas elementares da matéria (elétrons, quarks etc.) como sendo flutuações de um campo, no caso, do campo dos elétrons e dos quarks. É comum não se falar mais de partículas, apenas de seus campos associados e de como eles interagem entre si. Tudo isso ocorre a distâncias subatômicas, completamente fora do alcance dos nossos sentidos e sem nenhum efeito macroscópico. Esses são os campos quânticos, que volta e meia aparecem citados em livros e filmes esotéricos. Ao que tudo indica, sua ação só é relevante em escalas submicroscópicas. A união espiritual do homem com o cosmo ocorre por meio de nossa busca por significados. Aí sim a física pode oferecer um caminho, uma visão de mundo.

domingo, 13 de maio de 2007

A célula e o tribunal

Pesquisa com embrião deve ser debatida sem viés religioso

Dia 20 de abril de 2007 ficará registrado como a data em que o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou, pela primeira vez nos seus 178 anos de história, uma audiência pública. Nada como a transparência para alavancar o processo democrático que, sem ela, é inviável.

A pauta não poderia ter sido mais apropriada e relevante: a decisão sobre o uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas que visam desenvolver curas para uma série de doenças que matam ou incapacitam milhões de pessoas, do mal de Parkinson e do diabetes às paralisias causadas por danos à medula espinhal.Fiquei orgulhoso quando soube que 96% dos senadores e 85% dos deputados federais aprovaram a passagem da Lei de Biossegurança em 2005, e que o Presidente da República fez o mesmo.

Decisões como esta estão sendo duplicadas pelo mundo afora, pelo menos nos países que levam a pesquisa científica a sério, dada a promessa clínica desses futuros tratamentos. Mas meu orgulho durou pouco. Foi durante a sessão aberta do STF, onde 34 cientistas foram convidados para depor sobre a questão das células-tronco e suas implicações éticas, que a natureza do processo ficou clara.

Primeiro, é importante lembrar que a lei parou no STF devido à ação do subprocurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que a considera inconstitucional. Seu argumento, semelhante ao de grupos conservadores aliados da Igreja Católica, é que assim que o espermatozóide funde-se ao óvulo, está se falando de um ser vivo: destruir o embrião para extrair-lhe as células-tronco seria assassiná-lo.

A questão debatida assiduamente pelos cientistas, e que monopoliza a opinião pública, é determinar onde começa a vida. Entretanto, a resposta é completamente irrelevante para este debate. Isto por que não se está propondo a criação de fábricas de embriões para extração de suas células-tronco, a clonagem de humanos ou outros cenários funestos que incitam os piores pesadelos de livros e filmes de ficção científica.

O que se propõe é a utilização dos embriões que seriam descartados por clínicas de reprodução por serem inviáveis, como argumentou a pró-reitora de pesquisa da USP, a geneticista Mayana Zatz. Que fim mais digno pode ter um embrião condenado à destruição do que participar de uma pesquisa que tem o potencial de salvar milhões de pessoas? A escolha me parece semelhante, ao menos em parte, à dos que doam seus órgãos para transplantes.

Ao menos partes de seus corpos poderão ajudar aqueles em necessidade, em vez de apodrecerem sob a terra ou de serem cremadas. Focar o debate constitucional na questão de onde começa a vida é desviá-lo para o inevitável conflito religioso, tirando seu mérito científico. Não surpreende que Fonteles, franciscano, tenha acusado a doutora Zatz, judia, de ser influenciada por sua religião, que diria que a vida começa no nascimento e não na fecundação.

Ora, é claro então que a posição de Fonteles é baseada em sua fé e não em qualquer consideração científica. A primeira audiência pública do STF, um momento histórico para o Brasil, transformou-se numa troca de acusações de cunho religioso. Enquanto isso, milhões de pessoas continuam morrendo e os embriões apodrecendo nos congeladores ou no lixo.

A questão do uso de embriões decretados inviáveis para reprodução na pesquisa médica deve ser separada da questão religiosa. A missão da ciência é aliviar o sofrimento humano. A da religião também. A única inconstitucionalidade aqui é ir contra os votos dos representantes do povo e impedir que essa missão seja cumprida.

domingo, 6 de maio de 2007

Rebolado Cósmico

E o que faz a estrela rebolar? Sua corte de admiradores!

Nos últimos dias de abril, uma notícia estampou as manchetes de jornais do mundo inteiro: cientistas descobriram um planeta com propriedades semelhantes às da Terra, circulando uma estrela a 20 anos-luz de distância. A descoberta é importante por vários motivos. Primeiro, porque é extremamente difícil detectar exoplanetas, planetas que giram em torno de estrelas distantes, feito nós giramos em torno do Sol.

Mais difícil ainda é detectar planetas de porte modesto, com massas semelhantes à da Terra. Segundo, porque a estrela central daquele sistema planetário, a Gliese 581, está relativamente perto. Em termos astronômicos, 20 anos-luz não é muita coisa. Como comparação, as estrelas mais próximas do Sol, na constelação do Centauro, estão a aproximadamente 4,5 anos-luz de distância.

Ou seja, a luz delas, viajando a 300 mil km/segundo, demora 4 anos e meio para chegar até nossos olhos. Gliese 581 está apenas 5 vezes mais distante, praticamente nossa vizinha. A descoberta demonstra algo que já se suspeitava; a Terra não é uma anomalia astronômica. Existem outros planetas semelhantes à ela. Essa e outras descobertas indicam que planetas com características terrestres são abundantes.

Numa estimativa conservadora, ao menos um décimo das estrelas na Via Láctea são orbitadas por planetas como a Terra. Como existem em torno de 100 bilhões de estrelas na nossa galáxia, estamos falando de umas 10 bilhões de Terras espalhadas pelo espaço. As observações em si são um feito tecnológico notável.

Os astrônomos usaram um espectroscópio de alta definição, um aparelho que analisa as propriedades da luz vinda da estrela. A luz que passa pelo espectroscópio é captada por um telescópio operado pelo Observatório Europeu do Sul (European Southern Observatory) em La Silla, no Chile.

O método de detecção de planetas usa um efeito bem conhecido, o efeito Doppler: quando uma ambulância se aproxima tocando sua sirene, ouvimos a freqüência do som aumentar; mas quando se afasta, o som se torna mais grave para os nossos ouvidos. O mesmo ocorre com ondas de luz: quando a fonte de luz se aproxima, sua freqüência aumenta e a luz fica mais azulada; quando se afasta, a freqüência diminui e a luz fica avermelhada.

O que os astrônomos detectam é uma variação na luz da estrela, que ora se aproxima e ora se afasta da gente, numa espécie de rebolado cósmico. E o que faz, então, a estrela rebolar? Sua corte de admiradores, em outras palavras, os seus planetas! Quanto mais massa e mais próximos estiverem os planetas, maior a atração gravitacional exercida por eles sobre a estrela e mais ela rebola.

Medindo a variação na freqüência da luz da estrela, relacionada com a amplitude do seu rebolado, astrônomos determinam a massa e a distância dos planetas girando à sua volta. A Gliese 581 é uma estrela vermelha do tipo M, com luminosidade 100 vezes menor do que a do Sol. Se o planeta novo, chamado Gliese 581c, estivesse à mesma distância que nós do Sol, seria um mundo congelado, morto. Porém, está 15 vezes mais próximo.

Se sua atmosfera não for densa como a de Vênus, que é um verdadeiro inferno, a temperatura na superfície pode variar entre 0 e 40 graus, perfeita para água líquida e, quem sabe, a vida. É isso que explica o enorme interesse na descoberta. Se outras Terras são comuns, talvez a vida também seja. O próximo passo é tentar analisar a composição da atmosfera do novo planeta. Caso sejam encontrados traços de água, carbono e ozônio, podemos começar a nos sentir menos sozinhos no Universo.