domingo, 29 de junho de 2008

O mistério de Tunguska


Nesta semana, conferências vão comemorar centenário do evento

Na madrugada do dia 30 de junho de 1908, o sr. Semenov fumava calmamente seu cachimbo na varanda de uma estação comercial na bacia do rio Tunguska, na Sibéria, quando uma gigantesca explosão celeste lançou-o a seis metros de distância. O pobre Semenov, além de perder o seu cachimbo, perdeu também a consciência. Mais tarde, deu graças a Deus por ter sobrevivido, embora -imagino- tenha se perguntado o que os siberianos haviam aprontado para merecer tal castigo divino. A explosão devastou mais de 2.000 km2 de floresta, derrubando 80 milhões de pinheiros como se fossem palitos de fósforo. Sismógrafos detectaram tremores equivalentes a um terremoto com magnitude 5 na escala Richter. Ondas de choque na atmosfera foram detectadas por barômetros na Inglaterra. Se a explosão tivesse ocorrido num centro urbano, milhões de pessoas teriam morrido.

Com as complicações da Revolução Bolchevique, da Primeira Guerra Mundial iniciada em 1914 e a localização remota da devastação, passaram-se quase duas décadas até que uma expedição científica fosse averiguar o que ocorreu. Apesar de termos hoje melhores detalhes do evento, ainda existem dúvidas sobre a sua causa exata. Os danos na região sugerem que a explosão tenha ocorrido entre seis e oito quilômetros de altitude, liberando uma energia de 15 megatoneladas de TNT, equivalente à detonação simultânea de mil bombas atômicas como a que arrasou Hiroshima.

Satélites militares, equipados com sensores desenhados para detectar, entre outras coisas, detonações nucleares clandestinas, indicam que versões em miniatura do evento de Tunguska ocorrem freqüentemente. Nos anos 1990, a desintegração de um asteróide de aproximadamente sete metros de diâmetro liberou dezenas de quilotons na atmosfera. Impactos de objetos com diâmetros em torno de um metro ocorrem ao menos uma vez por semana, segundo os dados.

O fenômeno de Tunguska, bem maior, ocorre com uma freqüência de centenas de anos. Simulações em computadores que levam em conta a compressão e superaquecimento do ar à frente do bólido colocam o seu diâmetro em torno de 30 metros, como menciono no livro "O Fim da Terra e do Céu". A violência se deve à incrível velocidade do asteróide, cerca de 15 quilômetros por segundo: você pisca os olhos e o asteróide cruza os céus da área metropolitana do Rio.

Nesta semana, várias conferências vão comemorar o centenário do evento. Cientistas italianos afirmam que um lago na região teria sido escavado pela colisão de um dos fragmentos do bólido. Até hoje não se sabe se era um pedaço de cometa -formado por gases congelados e poeira- ou de um asteróide rochoso. Outros afirmam que fotos da região logo após o impacto mostram árvores intactas, o que contraria os italianos. Uma nova teoria proposta é que a explosão foi devida a um fenômeno terrestre conhecido como depósito de kimberlita, um tipo de erupção que traz diamantes à superfície terrestre e que libera enormes quantidades de metano, um gás altamente inflamável.

Dentre outras teorias bem mais implausíveis, como a do escritor de ficção científica Alexander Kazantsev, que sugeriu a explosão de um óvni, ou a de dois físicos que propuseram a explosão de um miniburaco negro que atravessou a Terra de sul a norte, explodindo na saída, fica o importante fato de que nossa atmosfera é como um colete à prova de balas: protege contra balas até um certo calibre, mas não consegue parar um tiro de bazuca.
Refletir sobre nossa fragilidade cósmica é um excelente exercício coletivo de humildade.

domingo, 22 de junho de 2008

Mito ou Verdade?


A coroação da razão humana seria revelar o plano da Criação

Q uando resolvi que seria físico, tinha em mente um caminho bem claro: queria participar da busca pelas leis que estão por trás de tudo o que existe na natureza, as leis que ditam desde a origem do Universo até o comportamento dos átomos e das partículas de matéria.

Inspirado por livros como "A Evolução da Física", de Leopold Infeld e Albert Einstein, entendi que essa era a grande crença das ciências físicas, que a diversidade do mundo é uma ilusão dos sentidos. Ocultas entre as aparências estão essas leis fundamentais, esperando para serem descobertas.

O ápice do conhecimento, a coroação da razão humana, seria revelar o plano da Criação. Como escreveu Stephen Hawking em "Uma Breve História do Tempo", a descoberta dessas leis, da unificação de todos os processos naturais, seria equivalente a conhecer a "mente de Deus".

Não há dúvida que esse "Deus" de Hawking é uma metáfora, que ele não se referia ao Deus judaico-cristão.

Sendo esse o caso, que Deus é esse? Por que cientistas como Hawking e o Prêmio Nobel Steven Weinberg, por que imortais como Einstein e os arquitetos da física quântica Max Planck, Erwin Schrödinger e Werner Heisenberg dedicaram tantos anos de suas vidas à busca dessa teoria unificada? Por que milhares de físicos hoje continuam essa busca, convictos de que essa unificação existe? Tudo começou, como sempre, na Grécia antiga. Os filósofos da escola de Pitágoras, famoso pelo teorema dos triângulos retângulos (que, aparentemente, ele não inventou), acreditavam que a essência da natureza era matemática: os números, e as relações entre eles, descrevem tudo o que ocorre. O objetivo da filosofia era entender como. Segundo os pitagóricos, números e geometria eram inseparáveis.

O exemplo do triângulo torna isso claro, já que os comprimentos dos três lados do triângulo são dados por números relacionados por uma equação.

Formas e números, portanto, expressam a realidade.

O grande filósofo Platão abraçou a idéia dos pitagóricos e foi além. Segundo ele, a geometria era o caminho da verdade. A essência da realidade era geométrica e só podia ser contemplada pela mente. Simetria passou a ser sinônimo de beleza e de verdade.

Para Platão, o arquiteto divino do cosmo (que ele chamou de Demiurgo) era um geômetra.

Chegando ao século 17, Galileu, Kepler e, mais tarde, Newton abraçaram a geometria como a língua da natureza. Os "Principia", a obra em que Newton elabora os princípios da mecânica e a lei da gravidade, são escritos como um tratado geométrico. Inspirados pelo sucesso desses patriarcas, os físicos abraçaram o conceito de simetria platônico: por trás da diversidade dos fenômenos naturais, além das distorções de nossa percepção da realidade, há uma ordem que pode ser expressa em termos matemáticos. Essa ordem é a expressão máxima da verdade e cabe ao cientista desvendá-la. É ela a "mente de Deus". (Literalmente, para Kepler e Newton.)
Não há dúvida de que a idéia de simetria serviu bem à física. Ainda serve. Ela simplifica as equações: o Sol pode ser tratado como uma esfera, mesmo que não seja. Mas a avidez com que a idéia de unificação de tudo é buscada indica algo mais profundo.

No curto espaço dessa coluna, afirmo apenas que ela é diferente da idéia de que simetrias são boas aproximações para descrever o mundo natural. Não encontramos (ainda) indícios de que ela exista. Talvez porque seja mesmo muito sutil, ou talvez porque seja uma ilusão, um mito.

Seria herético imaginar que a natureza não se presta às nossas expectativas de ordem?

domingo, 8 de junho de 2008

O dilema da escuridão cósmica



A especulação desenfreada faz a física virar metafísica

As ciências são baseadas em medidas e hipóteses construídas para explicá-las. A história de como essas hipóteses variaram desde os primórdios do pensamento científico está intimamente ligada à nossa capacidade de medir as propriedades da natureza com precisão crescente.

Mas o que ocorre quando não conseguimos medir com precisão suficiente, quando não dispomos de tecnologia para diferenciar as hipóteses plausíveis e demonstrar qual é a correta? Essa é uma questão de grande importância no desenvolvimento das teorias científicas. Talvez não seja exagero dizer que estamos passando por um momento de crise na física e na astronomia, onde não dispomos de dados para discernir dentre teorias que visam explicar o mesmo fenômeno.

Não só não dispomos de tecnologia no presente, como possivelmente não a teremos por décadas. O perigo, quando esse tipo de situação ocorre, é nos perdermos nos labirintos da especulação desenfreada, transformando física em metafísica.

Em geral, o que ocorre é o oposto: novas tecnologias revelam novos fenômenos, que requerem novas teorias para serem explicados. E, de fato, foi assim que a presente crise começou.

Em 1998, dois grupos de astrônomos descobriram uma anomalia na expansão do Universo. Desde 1929, sabemos que as distâncias entre as galáxias estão aumentando de acordo com uma lei bem simples, a chamada Lei de Hubble: as velocidades de afastamento das galáxias crescem linearmente com a sua distância: quanto mais longe a galáxia, maior a sua velocidade. Isso vem ocorrendo desde a origem do Universo, há 13,8 bilhões de anos.

Usando telescópios poderosos e técnicas avançadas de análise de dados, os astrônomos mostraram que, de 5 bilhões de anos para cá, a expansão cósmica passou a acelerar, como se uma espécie de antigravidade estivesse afastando as galáxias umas das outras ainda mais rapidamente do que prevê a Lei de Hubble. A causa responsável recebeu o nome de energia escura.

Imediatamente, hipóteses baseadas em processos físicos completamente diferentes foram propostas para explicar as novas observações. Até aí tudo bem, assim caminha a ciência.
O problema é que, passados 10 anos, ainda não temos como diferenciar qual é o caminho mais correto. E a possibilidade de termos novas tecnologias capazes de fazer isso nas próximas duas décadas não é boa.

Numa das explicações, uma espécie de fluido permeia todo o cosmos, idéia muito semelhante ao venerado éter da filosofia de Aristóteles, a quinta-essência que, segundo o grande pensador grego, preenchia o espaço, tornando-o pleno. Esse fluido, hoje chamado de "constante cosmológica", reapareceu com Einstein que, em 1917, usou-o em seu modelo cósmico.

Outra explicação afirma que o cosmo é preenchido por uma espécie de matéria difusa que, ao contrário da constante cosmológica, pode variar no espaço e no tempo, mesmo que discretamente. Ainda outra afirma que a teoria da gravidade de Einstein tem que ser modificada. Uma dessas três explicações -ou talvez outra, desconhecida- está certa. Mas qual?
A questão é, sem dúvida, abstrata. Mas faz parte da tentativa milenar de explicarmos o mundo em que vivemos e qual o nosso lugar nele. Do esforço, novas tecnologias serão desenvolvidas e novas idéias sobre o cosmo surgirão.

Ao contrário do que possa parecer, crise é coisa boa em ciência. Pelo menos aquelas que podem ser resolvidas. Apostando na nossa inventividade, acredito que encontraremos a resposta para o mistério da energia escura. Muito possivelmente, ela surpreenderá a todos.

domingo, 1 de junho de 2008

Buscando vida em Marte



O planeta vermelho sofreu uma mudança climática radical

As primeiras imagens coloridas da sonda Phoenix chegaram na segunda-feira. Após uma viagem iniciada em agosto de 2007, cobrindo 680 milhões de quilômetros, a espaçonave-robô finalmente pousou com sucesso na superfície de Marte.

É a sexta missão a pousar no planeta vermelho, das 12 tentativas até agora.

A operação é um feito tecnológico simplesmente espetacular. Não só o pouso ocorreu quase sem problemas -o pára-quedas abriu sete segundos mais tarde, afetando em 25 quilômetros o local do pouso-, mas três satélites em torno de Marte voltaram suas câmaras em direção à Phoenix permitindo que pudéssemos ver o pouso. (Consulte a página da Wikipedia http://en.wikipedia.org/wiki/Phoenix_spacecraft, em inglês, atualizada constantemente).
Quem gosta de brincar com carrinhos e aviões de controle remoto sabe o quanto é difícil operá-los sem problemas. Imagine programar e operar uma espaçonave para pousar num planeta a centenas de milhões de quilômetros de distância.

A missão tem dois objetivos principais. O primeiro é estudar a história geológica do local de pouso, uma região plana no paralelo 68 em direção ao pólo Norte marciano. Em particular, os vários aparelhos científicos a bordo da Phoenix foram desenhados para verificar a existência de água na subsuperfície e identificar os seus traços. Por exemplo, se água, que hoje está congelada, existiu no passado em estado líquido, sua assinatura pode ser encontrada por padrões causados pela erosão das rochas e do solo.

Vários cientistas acreditam que Marte era bem mais quente no passado, quente o suficiente para que água líquida existisse em abundância. Possivelmente, Marte passou por uma mudança climática radical que causou um severo resfriamento em sua superfície. A memória desse passado está registrada no solo marciano.

O segundo objetivo da missão é procurar por uma zona habitável entre a superfície e o gelo subterrâneo. A sonda é dotada de um braço mecânico de 2,35 m com uma escavadeira que pode obter amostras do subsolo a meio metro de profundidade. Essas amostras serão analisadas pelo laboratório químico à bordo da sonda, que contêm oito fornos em miniatura (do tamanho de uma carga de caneta) capazes de aquecer as amostras a 1.000 C, quatro células de análise química e um espectrômetro de massa, aparelho capaz de identificar diferentes compostos químicos em uma amostra.

Com isso, cientistas serão capazes de analisar em detalhe a composição química do solo e subsolo marciano, incluindo minerais e compostos orgânicos, se eles existirem. A idéia é executar as experiências por três meses, o tempo de vida da missão. Tudo isso remotamente, da Terra. E ainda tem gente que acha que não fomos à Lua.

A última tentativa de identificação de vida em Marte foi com as sondas Viking 1 e 2, em 1976. Elas enviaram fotos fantásticas da superfície marciana, mas nenhum traço de vida. Isso não chega a ser surpreendente.

Mitos à parte, a superfície de Marte é extremamente nociva à vida. Temperaturas muito baixas, atmosfera quase sem oxigênio e, mais importante, doses imensas de radiação, tornam a possibilidade de vida na superfície muito remota. Daí a idéia de que se vida existir agora ou tiver existido no passado, estaria no subsolo.

A missão terá enorme sucesso se encontrar traços químicos dessa vida, ou, ao menos, a confirmação de água líquida no passado.

De qualquer forma, a desolação que vemos em Marte nos faz cientes da preciosidade da vida que temos aqui e da importância de preservarmos a nossa bela e frágil casa planetária.