domingo, 26 de agosto de 2007

Sobriedade nuclear


Será que o ato dos EUA de jogar duas bombas em 1945 foi sábio?


Existe um tópico, talvez o mais importantes dos tópicos que eu possa imaginar, que é perenemente esquecido ou ignorado pelas pessoas. Sei que no Brasil a urgência é menor, ou pelo menos achamos isso, dada a nossa distância dos governos bem armados do hemisfério Norte.
Mas a verdade é que não existe distância quando o assunto é o holocausto nuclear. Mesmo se as bombas explodirem além da linha do equador, as repercussões aqui serão imensas.

Imensas não; catastróficas. Só como um exemplo, o desastre na usina ucraniana de Tchernobil espalhou radiação pela Europa do norte, a ponto de comprometer a qualidade da agricultura na Suécia. Uma troca de bombas com potência de megatons seria milhares de vezes pior.

A tradição guerreira, que faz parte da história da humanidade, começou com pedras e hoje chegou às bombas de hidrogênio. Ela teve início em disputas de pequenos pedaços de terra e hoje envolve o mundo inteiro. E não mudou. Temos essa sombra dentro de nós, essa capacidade de nos matar por razões absurdas, mentiras que passam por verdades, mitos que viram missões patrióticas, ganância cega, uma moralidade falida que não muda há milhares de anos.
Criam-se grandes tratados, como o Tratado de Não-Proliferação Nuclear de 1968, com o objetivo de garantir o desarmamento multilateral, de livrar a humanidade da ameaça de autodestruição, Motivos nobres e éticos, elevando seus proponentes ao nível de grandes heróis da história, só para serem completamente ignorados pelos mesmos países que os propõem, os que detêm os maiores arsenais nucleares, num ato da mais flagrante hipocrisia política. Ora, como as potências nucleares, agarradas às sua bombas cada vez mais sofisticadas, esperam que países como a Coréia do Norte, a Índia, o Paquistão e, mais recentemente, o Irã abandonem seus sonhos de poder nuclear?

Pressionado pelos EUA a abandonar a corrida armamentista nuclear, o Iraque, após fazê-lo, foi destruído.

Que exemplo é esse? Por que as potências nucleares se acham no direito de determinar quem pode ou não ter suas bombas, quando elas próprias não abrem mão delas? Será que são mais sábias por terem os brinquedos mais perigosos, exatamente os que elas não querem que ninguém fora elas tenha? Será que a decisão americana de jogar duas bombas atômicas sobre a população civil japonesa em 1945 foi sábia? Ou será que foi um dos maiores crimes já cometidos na história da humanidade?

A única saída é o desarmamento multilateral, absoluto e incondicional.

Claro, muitos dirão que essa possibilidade não existe. Que uma, vez que o gênio sai da lâmpada, não entra mais Que o uso da tecnologia nuclear bélica faz já parte do que não pode mais voltar atrás. É verdade. Mas existem outras tecnologias que não são (praticamente) mais usadas por serem moralmente inviáveis, como o uso de óleo de baleia como combustível, ou o de CFCs nas latas de desodorante.

O uso da tecnologia nuclear como fonte de energia é a melhor alternativa a curto prazo no combate contra o aquecimento global. Existe algo de muito patológico numa espécie que se diz inteligente mas que só é capaz de garantir sua sobrevivência pelo acúmulo de armas de destruição em massa. Vivemos todos com uma corda apertada no pescoço que fingimos não ver. Um dos argumentos para explicar a ausência de vida inteligente no Universo é que é impossível conciliar tecnologia com um espírito guerreiro.

Mais cedo ou mais tarde, as espécies inteligentes se autodestroem. Será que é esse o nosso único destino?

domingo, 19 de agosto de 2007

Enxergando mentiras


Quando se trata da mente humana, não existe uma fórmula perfeita para detectar fraudes

Detectar mentiras não é nada fácil. Há pessoas capazes de mentir com tanta tranqüilidade que é essencialmente impossível saber se elas dizem a verdade ou não. Não é à toa que o sistema legal criou o júri; a esperança é que enganar a muitos seja mais difícil do que a um só. Só para garantir, nos EUA ainda se faz um juramento no início, no qual o acusado e as testemunhas juram, com a mão sobre a Bíblia, dizer "a verdade e nada mais do que a verdade".

Até parece que os poderes de punição divina surtem o mesmo efeito hoje que surtiam, digamos, há 200 anos. Qual mentiroso tem medo do diabo? Num julgamento em que o acusado se proclama inocente, alguém não está dizendo a verdade. Ou o réu mente ou o promotor cria um caso baseado em provas insuficientes. Como decidir?

O sistema judicial funciona, bem ou mal, há séculos. Sem dúvida, muitos inocentes foram condenados e muitos culpados foram absolvidos. Quando se trata da mente humana, não existe uma fórmula perfeita. Detectores de mentiras, máquinas sensíveis a certos sinais metabólicos ligados ao estresse, como o suor ou o fluxo sangüíneo, funcionam, segundo os que defendem o seu uso, com 90% de eficiência. Ou seja, uma a cada dez pessoas pode ter sua vida arruinada pelo teste.

Durante a última década, novas tecnologias vêm sendo desenvolvidas para pegar os mentirosos no flagra. Duas delas, análise de estresse na voz e imagem térmica do rosto, têm resultados relativamente promissores. Mas a mais espetacular é a fMRI, sigla em inglês para Imageamento por Ressonância Magnética Funcional.

Diferentemente das outras técnicas usadas até agora, que buscam sinais externos, a fMRI vê a mente internamente, captando em imagens dinâmicas as áreas do cérebro que mostram maior atividade. Para que os neurônios em uma determinada região do cérebro funcionem, o sistema vascular cerebral proporciona um aumento da circulação sangüínea naquele local. O aumento da quantidade de sangue oxigenado em uma região do cérebro indica atividade. Devido ao ferro, o sangue oxigenado tem propriedades magnéticas diferentes sendo, portanto, passível de detecção. A fMRI é um detector de atividade magnética no cérebro, acusando as regiões com maior oxigenação. Ela vê, através de uma seqüência de imagens, a mente em funcionamento.

Por trás do uso da técnica está a suposição de que mentir é mais difícil do que dizer a verdade. Esse maior esforço cognitivo é acusado na fMRI por um aumento de oxigenação em determinadas áreas do cérebro. O interessante é que, um estudo conduzido por Daniel Langleben, da Universidade da Pensilvânia (EUA), determinou onde o cérebro processa as mentiras. O teste pedia que pessoas fizessem três declarações verdadeiras e três falsas. Quando as declarações eram falsas, havia um aumento significativo de atividade em três áreas distintas do córtex cerebral, a área ligada à cognição.

A indústria da detecção de mentiras cresce rapidamente. Nos EUA, uma companhia recebe dezenas de clientes por semana; homens acusados de abuso sexual de seus filhos, mulheres querendo provar sua inocência aos seus maridos e namorados ciumentos, até governos da China e de países da África querendo pegar dissidentes. Existem ainda sérias dúvidas com relação ao uso da fMRI para detectar mentiras. O teste está longe de ser 100% eficiente. As implicações éticas são enormes. Mas, se superadas essas dificuldades, os mentirosos que se cuidem. Seus dias estão contados.

domingo, 12 de agosto de 2007

Faísca Vital


Mary Shelley mostra como a ciência influencia o imaginário

"Eu havia dissecado um sapo, deitando-o sobre uma mesa onde encontrava-se também uma máquina elétrica, distante do sapo. Quando um dos meus assistentes acidentalmente encostou a ponta do bisturi num nervo exposto da perna do sapo, seus músculos contraíram-se. Meu outro assistente percebeu que uma faísca havia escapado da máquina elétrica no momento em que o bisturi encostou na perna do sapo. Repetimos o experimento. Encostei meu bisturi na perna do sapo e instruí meu assistente a gerar faíscas. Quando elas surgiram, o animal entrou em convulsão como se estivesse com tétano. [Texto adaptado.]"

Assim escreveu o anatomista italiano Luigi Galvani em um artigo sobre suas experiências em torno de 1790, que revelaram uma ligação entre eletricidade e movimento muscular. Galvani chegou a pendurar sapos mortos em varais, com pequenos pára-raios nas pernas para investigar se raios surtiriam o mesmo efeito. Os sapos dançaram como se estivessem vivos. Seria, então, a eletricidade o segredo da vida eterna? Se sapos mortos dançavam quando eletrificados, quem sabe seria possível reanimar um cadáver do mesmo jeito? O sonho da imortalidade é bem mais antigo do que a ciência moderna.

As múmias egípcias são uma tentativa de preservar o corpo para a jornada que se inicia após a vida. O mito do vampirismo atribui a imortalidade à ingestão de sangue, com uma pequena ajuda do Diabo, claro. Os alquimistas da Idade Média buscavam pelo "Elixir da Longa Vida", uma substância misteriosa capaz de prolongar indefinidamente a vida de uma pessoa. Mas quando a possibilidade de sobrepujar o tempo finito que temos vem da ciência, tudo muda. Mito passa a ser realidade, o sobrenatural passa a ser natural.

As descobertas de Galvani causaram uma sensação na Europa. Em maio de 1816, a jovem Mary Shelley, então com 17 anos, casada com o famoso poeta inglês Percy Shelley, foi passar férias com amigos na casa de outro grande poeta, Lord Byron, às margens do Lago Genebra, na Suíça. O ano de 1816 é conhecido como o "ano sem verão": no norte dos EUA, por exemplo, havia neve ainda em julho.

A Europa também sofreu com a anomalia climática. O grupo de amigos acabou tendo que passar grande parte do verão dentro de casa. Como diversão, resolveram fazer um concurso de contos de terror. Mary Shelley havia acabado de ler sobre as experiências de Galvani. Segundo ela conta, durante uma caminhada teve uma visão, na qual um pálido doutor via sua criatura fantasmagórica, um cadáver feito de vários corpos diferentes, erguer-se semivivo, após ser eletrificado com raios numa tempestade.

Nascia então o clássico livro Frankenstein, na minha opinião o primeiro romance de ficção científica. Como subtítulo, Shelley escolheu "Prometeu Moderno", usando o mito de Prometeu como suporte moral: na Grécia Antiga, Prometeu foi o Titã que criou o homem e ensinou-lhe a usar o fogo, enfurecendo Zeus. Como punição, Zeus acorrentou Prometeu a uma rocha e ordenou que uma águia devorasse seu fígado. Como o Titã era imortal, o fígado se regenerava e o sofrimento se perpetuava dia após dia: existem certos segredos que não devem ser revelados aos homens.

A ligação entre Galvani e Mary Shelley é um exemplo extraordinário da influência da ciência de ponta sobre a imaginação popular. Idéias científicas com dimensões míticas inspiram cientistas e artistas. Deles aprendemos que devemos tomar muito cuidado com nossas invenções, para que não se transformem em pesadelos.

domingo, 5 de agosto de 2007

Sol frio


"Sunshine" é sério, mas tem enredo científico absurdo

Embalado com minha ida ao cinema para assistir "Transformers" (coluna de domingo passado), resolvi continuar a exploração sobre o que anda ocorrendo com a ciência nas telas com um filme muito diferente, mas também de ficção científica, chamado "Sunshine" (a tradução literal seria "Brilho do Sol").

Realmente, é outra coisa, por completo. Para começar, o diretor inglês Danny Boyle tem uma obra bem diferente da de Michael Bay, cria da MTV que dirigiu, entre outros, "Transformers" e "Armageddon". Boyle é sério, e o filme é sério. Mais do que um filme sobre o Sol, é um estudo de o que ocorre com um grupo de pessoas numa situação altamente perigosa e épica, onde nossa fragilidade enquanto seres humanos frente a um universo indiferente à vida é exposta de forma trágica. Ainda bem, pois como dizia o escritor italiano Luigi Pirandello, a ficção tem que ser mais convincente do que a realidade. E, enquanto enredo científico, o filme "Sunshine" é totalmente absurdo.

Num futuro não muito distante, o Sol está morrendo: sua luminosidade, a quantidade de energia que gera por segundo, está diminuindo, ameaçando a sobrevivência dos seres humanos e de toda a vida na Terra. Se nada for feito, nosso planeta se transformará num mundo gelado e destituído de vida. Uma missão internacional, Icarus I, foi enviada em direção ao Sol.

Seu objetivo: detonar uma gigantesca bomba termonuclear ("maior do que Manhattan") no interior do Sol para reacendê-lo. Feito quando usamos um fósforo para reacender a lareira, só que em escala astrofísica. Icarus I falha misteriosamente e Icarus II, a missão que vemos no filme com seus oito tripulantes, é a última esperança da humanidade. Se eles falharem, nós e tudo o que construímos irá perecer, esquecido na imensidão do tempo.

Visualmente, o filme é muito belo. O uso das imagens solares, revelando a fornalha que é nosso astro-rei, é inspirado. A influência plástica e temática da obra prima de Stanley Kubrick, "2001", é forte e bem óbvia. Alguns clichês diminuem um pouco o efeito do filme. Não conto para não estragar a experiência do leitor. Mas como cientista, doeu ver certas coisas. Dessas eu posso tratar.

Começando com a insistência do uso de som no espaço. Sei que sem som não tem tanta graça, mas algo deve ser feito para corrigir isso: sem ar, sem atmosfera, não existe som. Explosões ocorrem em silêncio, mesmo que catastróficas. Será que o show de luz não é suficiente para impressionar a audiência? Mas bem mais séria é a premissa do filme.

O Sol não irá esfriar. Ao contrário, irá esquentar gradualmente. O leitor não precisa se preocupar, pois o processo é muito lento: em um bilhão de anos, sua luminosidade aumentará em aproximadamente 10%, com conseqüências terríveis para a Terra que se transformará numa bola incandescente, sem atmosfera ou oceanos. Esse aquecimento é devido ao que ocorre no centro do Sol: a energia que lhe dá estabilidade contra sua própria gravidade é gerada através da fusão de seu elemento mais comum, o hidrogênio, no elemento químico hélio.

O processo de fusão nuclear necessita de energias e pressões gigantescas, ocorrendo apenas quando a temperatura no interior do Sol atinge 15 milhões de graus. Finalmente, o hidrogênio acaba e o Sol entra em crise. Mesmo que o Sol estivesse esfriando, detonar uma bomba atrapalharia ainda mais, pois diminuiria a densidade de hidrogênio no seu interior. Mas como disse semana passada, vale a pena ignorar (mas não esquecer) isso e ver o filme. Não se esqueça dos óculos escuros e loção de bronzear!

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A unificação da física


Às vésperas da entrada em funcionamento do acelerador de partículas LHC, na Suíça, nosso colunista faz um balanço das expectativas entre a comunidade científica


Esses são meses cheios de expectativa para milhares de físicos. O gigantesco acelerador de partículas suíço, conhecido pelo seu nome nada romântico "Grande Colisor de Hádrons" (do inglês "Large Hadron Collider", ou LHC), está esquentando os motores, prestes a entrar em funcionamento. Na sua performance, está depositada não só a esperança de prêmios Nobel como carreiras inteiras. Milhares de artigos foram escritos sobre os possíveis resultados dos experimentos. Outros milhares serão escritos sobre a análise dos dados que virão a ser colhidos (veja "Horizontes" de dezembro de 2006).

Afinal, por que essa máquina é tão importante? O LHC é um túnel circular de 27 km de circunferência a 100 metros abaixo da superfície, na fronteira entre a Suíça e a França. Uma colaboração de dezenas de países, incluindo o Brasil, o acelerador visa responder a algumas das questões mais fundamentais da física. Qual a origem da massa das partículas elementares, como o elétron? Por que um próton pesa 2.000 vezes mais do que um elétron? Quantas dimensões existem no espaço, fora a altura, a largura e o comprimento que conhecemos? Será que a física pode ser reduzida a uma única teoria capaz de explicar todos os fenômenos do mundo natural?

O sonho de unificação de todas as forças da natureza numa só, o "campo unificado", é uma inspiração misteriosa que move a pesquisa de ponta da física de altas energias. Einstein dedicou os últimos 30 anos de sua vida procurando por uma teoria que unificasse a gravidade e o eletromagnetismo. Acreditava que as duas forças eram, na verdade, manifestação de apenas uma. Por trás da sua busca, encontramos uma visão da natureza influenciada por conceitos judaico-cristãos: a idéia de que o mundo, em todas as suas manifestações materiais, decorre de um princípio único, uma espécie de monoteísmo natural. Será que a natureza realmente funciona assim?

Apesar de Einstein ter falhado em sua empreitada, a busca pela unificação continua a inspirar milhares de físicos. À gravidade e ao eletromagnetismo, juntam-se as forças nucleares forte e fraca, cujos efeitos só são sentidos a distâncias subnucleares. Unificar quatro forças cujos efeitos vão desde o interior do núcleo, a millhares de trilhonésimos de um centímetro (10-15 cm) até distâncias cosmológicas de trilhões de trilhões de centímetros (1024 cm) não é nada fácil. Dentre as várias dificuldades está a formulação da gravidade em termos consistentes com a física quântica, a física que descreve o comportamento dos átomos e das partículas subatômicas. Esse casamento da gravidade com o átomo ainda não ocorreu. Mas idéias não faltam.

Dentre elas, a mais famosa envolve as "supercordas", tubos de energia de dimensões imperceptíveis mesmo aos aceleradores mais poderosos. No mundo quântico, tudo flutua; é impossível determinar ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula. Como posição e velocidade definem a energia de uma partícula, a própria energia flutua. Com a gravidade isso é um problema. Segundo Einstein, a gravidade é explicada pela curvatura do espaço-tempo, a arena onde ocorrem os fenômenos naturais. Portanto, a distâncias muito pequenas, onde efeitos quânticos influenciam a gravidade, a própria geometria do espaço flutua! Isso acarreta resultados estranhos, que são aliviados pelas supercordas. Essencialmente, elas introduzem uma distância mínima, regularizando o comportamento da gravidade.

Se os físicos tiverem muita sorte, fora a questão da massa, o LHC poderá ver efeitos relacionados com as supercordas. No momento, nada podemos afirmar. Tudo vai depender dos dados colhidos no acelerador gigante. Afinal, nem sempre a natureza corresponde às nossas expectativas e sonhos.