domingo, 30 de julho de 2006

Reinterpretando o Big Bang Teoria da origem da matéria não explica por que Universo é plano

De onde surgiu a matéria que compõe tudo o que existe? Essa pergunta, bem mais antiga do que a ciência, encontrou uma resposta no modelo cosmológico conhecido como Big Bang. Segundo ele, o Universo surgiu há aproximadamente 14 bilhões de anos, a partir de uma região menor do que uma moeda de um centavo onde a matéria estava comprimida a pressões e temperaturas absurdamente altas. De repente, devido a uma instabilidade não muito bem definida, essa matéria começou a se expandir como um balão de festa. À medida que isso ocorria, a temperatura foi baixando. A matéria original passou por uma série de transformações, ficando cada vez mais complexa, até que surgiram os primeiros átomos em torno de 400 mil anos após o "bang" inicial.
Essa é, de forma resumida, a história contada pelo modelo original, proposto no final da década de 1940 por George Gamow, Ralph Alpher e Robert Hermann. O trio de cientistas supôs que inicialmente a matéria fosse composta pelos integrantes dos átomos, prótons, nêutrons e elétrons e mais os fótons, as partículas da radiação eletromagnética. Sabiamente, não se preocuparam com a questão da origem dessas partículas. Contentaram-se em descrever a evolução cósmica a partir do momento em que elas já estavam presentes. Hoje, sabemos que isso se deu aproximadamente um centésimo de milésimo de segundo após o "bang".
O modelo, refinado desde os anos 1960, teve vários triunfos. Dentre eles, a previsão da existência da radiação cósmica de fundo, uma relíquia da época em que surgiram os primeiros átomos, descoberta em 1965. Entretanto, o modelo tem várias limitações. Uma delas é conhecida como o "problema da curvatura": a geometria cósmica tem de ser plana, a versão tridimensional da superfície de uma mesa.
Einstein mostrou em sua teoria da relatividade que a matéria encurva a geometria do espaço, tal qual encurvamos uma almofada ao sentarmos nela. No caso do Universo, existem três possibilidades, dependendo do balanço entre a quantidade de matéria no Universo e a força da expansão: se a matéria é muita, sua gravidade acaba provocando o colapso do Universo após alguns instantes. Se a matéria é pouca, o Universo se expande tão rapidamente que galáxias e estrelas não podem ser formadas. Sobra a possibilidade intermediária, um Universo no qual a expansão e a contração se mantém em equilíbrio. Esse Universo, que é o nosso, tem geometria plana.
A questão é por quê. O modelo original não responde a essa pergunta, limitando-se a usar a geometria plana de antemão. Em 1981, o físico americano Alan Guth propôs uma solução para o problema conhecida como universo inflacionário. Segundo ele, logo após sua origem, o cosmo passou por um período de expansão ultra rápida, mais rápida do que a velocidade da luz. Essa expansão resulta num cosmo plano. Basta pensarmos na superfície de um balão. Se focarmos numa região pequena, ela ficará cada vez mais plana com o crescimento do balão. Mas como isso ocorreu?
Guth sugeriu que, no começo, o cosmo tinha um tipo diferente de matéria, com a propriedade de criar uma expansão rápida da geometria, como uma espécie de anti-gravidade. Esse tipo de matéria exótica provavelmente existe. Após um curto período, a matéria se desintegra de maneira explosiva, enchendo o cosmo de partículas e radiação. Essa desintegração, segundo Guth, é o que chamamos de Big Bang. Portanto, o Big Bang não é o início, mas conseqüência de um processo anterior. O desafio agora é entender de onde veio essa matéria exótica. Felizmente, idéias não faltam.

domingo, 23 de julho de 2006

Lua, costela da Terra O satélite é, na verdade, feito das entranhas da Terra

Nossa companheira da noite, a Lua, inspira não só poemas e canções como também muita ciência. Na Grécia Antiga, Aristóteles sugeriu que a Lua demarcasse a fronteira entre dois mundos: o nosso, feito dos quatro elementos fundamentais, terra, água, ar e fogo, e o celeste, onde a Lua, os planetas e as estrelas eram feitos de uma quinta substância, a quintessência ou éter. Ao contrário dos quatro elementos terrestres, sempre em transformação, a quintessência era imutável, eterna: a Lua e os céus eram definidos pela sua constância. Quando perguntavam a Aristóteles por que a Lua não era um disco perfeito, como aparentava ser o Sol, dizia que sua proximidade da Terra e da atmosfera causava a ilusão de imperfeições na sua superfície.
Assim foi até que, em 1609, Galileu Galilei apontou seu telescópio para a Lua, revelando que de perfeita ela não tinha nada. Ao contrário, mostrou que a Lua era repleta de crateras e montanhas, parecendo bastante com as paisagens da Terra, ao menos geologicamente. Faltava algo de essencial, a cor, o verde das plantas e o azul dos mares. Esse aspecto morto da Lua não impediu que alguns especulassem sobre as criaturas que lá habitavam. No que parece ter sido o primeiro conto de ficção científica, em torno de 1630 (foi publicado postumamente) o astrônomo visionário Johannes Kepler especulou sobre seres lunares, meio parecidos com os daqui. Com isso, mesmo que através da ficção, Kepler argumentou em favor de uma Lua que não era fundamentalmente diferente da própria Terra.
Um pouco mais tarde, Isaac Newton baseou sua teoria da gravitação universal na órbita da Lua em torno da Terra. Segundo a lenda, enquanto descansava sob uma macieira na fazenda de sua mãe, Newton se perguntou, talvez quando uma maçã caiu sobre sua cabeça, se a força que fez a maçã cair era a mesma que fazia a Lua girar à nossa volta. Newton concluiu que sim: usando os resultados de Galileu, que mostrou que a trajetória de uma bala de canhão é parabólica, Newton sugeriu que a trajetória da Lua é como a de uma bala disparada de um canhão no topo de uma montanha muito alta, que cai em direção ao chão. Só que, a "montanha" é tão alta e a força do disparo tão grande que a bala (isto é, a Lua) continua sempre caindo, seguindo a curvatura da Terra. Aliás, isso é verdade para qualquer objeto em órbita, em torno da Terra ou de qualquer outro corpo celeste. Astronautas em órbita flutuam porque estão em queda livre, parecida com a que ocorre num elevador despencando.
Mas a questão da origem da Lua não foi investigada matematicamente até o início do século 19. O marquês de Laplace propôs um modelo de formação do Sistema Solar em que o Sol, planetas e luas surgiram de uma grande nuvem que, devido à instabilidades, entrou em colapso enquanto girava sobre si mesma. Com isso, foi se achatando no equador, como o que ocorre com uma pizza. Os planetas nasceram de concentrações de massas em torno do Sol no centro; as luas repetiam o processo em torno dos planetas. Hoje, sabemos que o nascimento da Lua foi bem mais dramático.
Bem no início da formação do Sistema Solar, há 4,6 bilhões de anos, a Terra-bebê, ainda uma massa de metais e rochas derretidos, foi abalroada por um planeta do tamanho de Marte. A colisão foi tão violenta que arrancou uma quantidade enorme de matéria da Terra. Parte dessa matéria entrou em órbita e, aos poucos, agregou-se em uma massa esférica: a Lua é feita das entranhas da Terra. Difícil não pensar nas linhas de Gênesis 2, 22: "Da costela que tirara do homem, Deus modelou uma mulher". Pares diferentes, mas sempre pares.

domingo, 16 de julho de 2006

Universo eterno, vida eterna?

Para se adaptar ao aumento da entropia, a vida terá de mudar

Em 1979, o físico e autor Freeman Dyson publicou um artigo no periódico científico "Reviews of Modern Physics" no qual especulava sobre o futuro da vida num Universo que existiria para sempre. A questão está ligada com a descoberta de que o Universo está em expansão, com as galáxias afastando-se umas das outras cada vez mais rapidamente, com velocidade proporcional à sua distância.

Se o Universo continuar essa expansão para sempre, podemos antever um futuro em que as distâncias entre as galáxias serão tão imensas que mal será possível receber informação das vizinhas: cada uma será, de certa forma, seu próprio universo, isolado na imensidão do vazio cósmico.

Para piorar, à medida que o Universo expande, ele resfria. As estrelas vão gastando seu combustível, eventualmente chegando a um estado final cuja temperatura também cai com o tempo. O quadro não é dos mais aprazíveis. Mas Dyson, reconhecidamente um otimista, tentou encontrar uma saída, mesmo dentro dessa situação desesperadora. Será que a vida é possível dentro de um Universo cada vez mais frio e mais vazio?

Para refletir sobre a questão, precisamos estabelecer do que a vida precisa para existir. Essencialmente, preservar a vida de um organismo é equivalente a preservar sua capacidade metabólica de transformar energia de fora em energia interna. Isso é o que fazemos ao nos alimentarmos.

Para tal, organismos consomem uma certa quantidade de "energia livre", a energia que podem usar de forma útil. Esse consumo é usado pelo organismo para processar informação e acaba produzindo entropia, o oposto de informação. Entropia é uma medida de desordem: quanto mais entropia num sistema, menor sua energia livre e sua utilidade para um organismo. O desafio para a vida eterna é manter-se ativa num Universo com cada vez menos energia livre. A luta da vida é uma luta contra a entropia que, inevitavelmente, continuará a crescer sempre.

Se a vida for consciente, sua experiência da passagem do tempo dependerá da taxa com que processar informação. Para que a vida exista para sempre num Universo com uma reserva finita de energia livre é necessário que a quantidade de informação processada seja infinita, enquanto que a energia total consumida seja finita. Como fazer isso?

O organismo terá que adaptar a taxa com que processa informação, reduzindo-a de acordo com a queda de temperatura. Ou seja, na medida em que o tempo passa, o organismo terá que processar menos informação, sempre da forma mais eficiente possível. De modo a não sacrificar muito a qualidade de vida, a solução é fazer o que fazem os animais em climas frios: hibernar.

Eles fazem isso justamente porque a quantidade de alimentos, a oferta de energia livre, é menor no inverno. A diferença é que, para os organismos do futuro, os períodos de hibernação terão que ser cada vez mais longos, de modo a consumir quantidades cada vez menores de energia livre. Mas a situação não é de todo má, especialmente porque, como não há informação processada durante a hibernação, não há também memória do período: será como despertar de uma noite sem sonhos.

Existem, claro, detalhes que, devido ao pouco espaço que resta aqui, devo deixar de lado. Por exemplo, o organismo precisará de um despertador, que consumirá energia. Mas a reflexão é importante e divertida. E, nas entrelinhas, uma mensagem: vivemos numa época privilegiada, onde energia é abundante. Mas não é infinita. A menos que optemos pela hibernação e menos memórias, é bom aprendermos a preservá-la.

domingo, 9 de julho de 2006

Talvez haja um multiverso, emergindo como bolhas numa sopa

Durante o século 20, a física desenvolveu duas teorias revolucionárias: a teoria da relatividade de Albert Einstein e a mecânica quântica de Niels Bohr, Erwin Schrödinger, Paul Dirac e muitos outros. O adjetivo "revolucionárias" não é exagero: a teoria da relatividade transformou profundamente nossa compreensão do que é espaço, tempo e a relação entre energia e matéria.

Ao contrário da visão clássica sobre a natureza do cosmos, que prevalecia desde os dias de Isaac Newton, no final do século 17, Einstein mostrou que o espaço, mais precisamente as medidas de distância entre dois pontos, e a passagem do tempo dependem do observador. Um segundo para você pode não ser um segundo para outra pessoa, se vocês estiverem em movimento relativo, acelerado ou não. Ademais, a nova teoria reformulou a noção de gravidade, que pode ser interpretada como a curvatura do espaço em torno de um objeto. Esses efeitos só são relevantes se os movimentos ocorrem próximos da velocidade da luz ou se o objeto tem massa comparável ou maior do que a do Sol. Mas eles estão lá, descrevendo uma física além de nossas percepções.

O mesmo com a mecânica quântica, que descreve a física dos átomos e das partículas subatômicas. Para surpresa dos próprios físicos, tudo é diferente no mundo do muito pequeno: trocas de informação e energia são feitas em porções discretas em vez de serem contínuas, como quando aquecemos água numa chaleira. Partículas podem estar em mais de um lugar do espaço ao mesmo tempo, seguir todas as trajetórias possíveis e atravessar barreiras como se fossem fantasmas. No mundo quântico tudo flutua, nada é exatamente determinado: energia, posição, velocidade. Apenas quando um observador interage com o que está medindo (por exemplo, enviando luz ou outra partícula que colide com o que está sendo medido) é que um valor determinado é obtido. Em outras palavras, a natureza intrínseca da matéria não pode ser definida "a priori". A realidade emerge de forma clara apenas quando é convocada por algum observador.

Esses dois pilares da física moderna coexistiram pacificamente até a década de 1960, parecendo tratar de dois aspectos muito diferentes da realidade física, o muito pequeno e o muito grande. Com a confirmação de que o Universo está em expansão, aliada ao sucesso da teoria da relatividade, tudo mudou. Afinal, se o Universo cresce cada vez mais na medida em que o tempo passa, era menor no passado. E, se voltarmos até bem próximos do "tempo zero", que hoje sabemos ter ocorrido em torno de 14 bilhões de anos atrás, o Universo como um todo teria dimensões semelhantes às de um átomo. Nesse caso, para descrever a física da infância cósmica, seria necessário usar a mecânica quântica: os dois pilares teriam de ser unificados.

Infelizmente, devido a dificuldades técnicas e conceituais, esse casamento ainda não foi consumado. Mas já houve paqueras e flertes entre as duas teorias, intensos o suficiente para termos uma idéia de como ele seria. E o que emerge é um cosmo quântico, onde a geometria do espaço e a passagem do tempo flutuam aleatoriamente. De fato, não se pode nem falar em um "Universo": falamos em um multiverso, uma sopa de universos talvez até infinita, onde todas as possibilidades existem. O nosso seria apenas um deles, uma raridade, uma bolha que cresceu, solitária em meio à tantas que existem por instantes e voltam à sopa primordial. Existiriam então outros universos? Seria possível passar de um a outro? Será que há vida em alguns deles? As respostas à essas perguntas e muitas outras esperam, impacientes, pelo casamento.