domingo, 31 de agosto de 2003

O quantum e a onda

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O grande físico dinamarquês Niels Bohr, ao receber a Ordem do Elefante de seu rei, escolheu como brasão o símbolo taoísta do Yin-Yang, o círculo com duas formas simétricas, uma preta e outra branca, cada uma com a semente da outra em seu interior. Como legenda, Bohr usou "Contraria sunt complementa", os opostos se complementam.

Estranha, aparentemente, a escolha de Bohr, um dos pioneiros da física quântica, a física dos átomos, de seus núcleos e das partículas elementares da matéria. Na verdade, a escolha estava bem de acordo com a interpretação de Bohr da estranha realidade do quantum, a chamada Interpretação de Copenhagen.

O desenvolvimento da física quântica nas três primeiras décadas do século passado foi um dos episódios mais ricos e dramáticos da história da ciência.

Até o final do século 19, a física era dominada por duas teorias, a da mecânica e da gravitação newtonianas e a do eletromagnetismo. A mecânica descrevia os movimentos dos objetos sob ação de forças, incluindo a gravidade. O eletromagnetismo descrevia o comportamento das cargas elétricas e ímãs, ou melhor, dos campos eletromagnéticos. Uma das distinções mais claras no mundo clássico era entre uma partícula, objeto localizado no espaço -em geral visualizado como uma pequena esfera-, e uma onda, objeto espalhado pelo espaço, sem uma posição única. Podia-se até dizer que partícula e onda eram antônimos.

Em 1897, o inglês J.J. Thomson descobriu a primeira partícula elementar da matéria, o elétron (elementar significa que a partícula não poderia ser dividida em outras menores). Já a luz era visualizada como uma onda se propagando pelo espaço numa determinada frequência.
Um dos problemas com a física clássica era justamente juntar esses dois objetos em um átomo. Isso porque se imaginava, no início do século 20, que o átomo era formado de um núcleo com carga positiva circundado por elétrons com carga negativa, como um minissistema solar.
Segundo o eletromagnetismo, uma carga elétrica em movimento acelerado -como o elétron girando em torno do núcleo- irradiaria sua energia em ondas eletromagnéticas (como a luz visível). Caso isso fosse correto, o átomo não poderia ser estável, pois o elétron acabaria caindo em espiral sobre o núcleo.

Em 1913, Bohr sugeriu que o átomo não obedecia às mesmas regras da física clássica; uma nova física era necessária. Passos nessa direção já haviam sido dados pelo físico alemão Max Planck, que em 1900 mostrou que átomos emitem e absorvem energia em pacotes, que chamou de "quanta" (plural de "quantum"), e por Einstein, que em 1905 sugeriu que a própria luz (ou radiação eletromagnética) também poderia ser interpretada como sendo composta de partículas (e não só como ondas), que mais tarde receberam o nome de fótons, os quanta de luz.
Com seu átomo, Bohr criou uma nova entidade, que já não cabia na física clássica. Doze anos mais tarde surge a mecânica quântica, que abandonou de vez a formulação clássica do movimento dos objetos. Não que a física clássica esteja errada -ela só não é aplicável aos processos que ocorrem nas dimensões atômicas.

No mundo do muito pequeno, onda e quantum se misturam. E não só na radiação eletromagnética. O elétron e todas as partículas (prótons, nêutrons, neutrinos etc.) podem se comportar tanto como onda quanto como partícula. A distinção só existe em nossas cabeças, incapazes de imaginar algo que pode ser ambos ao mesmo tempo. Os contrários se complementam, coexistem.

A realidade física do objeto de estudo, por exemplo um elétron, irá depender de como a estamos testando: se o experimento for de colisão, ele será partícula, se de difração, ele será onda. Antes de ele ser medido, não podemos nem afirmar o que um elétron é. Ou se ele é.
No mundo quântico, a realidade é determinada através da interação do observador com o observado. Ou seja, é impossível observar o mundo sem interagir com ele e afetá-lo de alguma forma. Até que ponto isso é verdade além do átomo é algo que fica para outro dia.

domingo, 24 de agosto de 2003

Um mundo de cordas

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A física moderna sofre de um sério problema matrimonial: suas duas teorias mais fundamentais, a teoria da relatividade geral de Einstein -que descreve a gravidade- e a mecânica quântica -que descreve os átomos, as partículas elementares da matéria e suas interações-, são incompatíveis.

O problema vem da grande diferença de intensidade entre a gravidade e as outras três forças que regem o comportamento das partículas elementares, a força eletromagnética e as forças nucleares forte e fraca. A gravidade é muito mais fraca, tendo um papel irrelevante na interação entre os tijolos fundamentais da matéria, ao menos nas energias que podemos testar até agora.
Essa diferença entre as forças da natureza leva a uma série de questões. Primeiro, por que ela existe? Deve haver um motivo para tal. Segundo, será que essa diferença não muda quando estudamos o comportamento da matéria a altas energias, bem mais altas do que as que experimentamos em nosso dia-a-dia? Terceiro, será que essas forças e seu comportamento têm alguma relação com o número de dimensões do espaço?

Einstein, durante as três últimas décadas de sua vida, dedicou-se à busca de uma teoria unificada das forças, na época apenas a gravidade e o eletromagnetismo. Segundo ele, seguindo um veio filosófico inspirado por idéias platônicas, a natureza, em sua essência, deve ser simples, e sua ordem, expressa geometricamente. Ou seja, a geometria deve ter um papel básico na descrição da ordem e da simetria que há na natureza. Mesmo nas simetrias que não são aparentes aos olhos, como a simetria matemática entre as forças que regem os processo naturais envolvendo as partículas de matéria.

Einstein não conseguiu obter a teoria unificada, mas seus esforços originaram uma busca que continua até hoje. Sem dúvida, ele mal reconheceria as teorias unificadas atuais. A mais importante, a teoria das supercordas, pressupõe um Universo existindo em dez dimensões (ou 11, dependendo da versão da teoria), onde as entidades fundamentais da matéria não são partículas, mas cordas minúsculas e muito finas.

Essas teorias foram desenvolvidas nos anos 60 para explicar o estranho comportamento dos quarks, que compõem as partículas que interagem através da força nuclear forte, incluindo o próton e o nêutron. Um próton é formado por três quarks que nunca são vistos isoladamente. Pense nele como uma laranja e nos quarks como sementes que jamais podem ser extraídas de seu interior. As cordas foram originalmente criadas para explicar esse comportamento bizarro, chamado de confinamento.

Logo em seguida, nos anos 70, se descobriu que as cordas poderiam ser generalizadas para explicar tanto as partículas de matéria quanto as partículas que transmitem as interações entre as partículas de matéria, as chamadas partículas de força. Um exemplo de partícula de força é o fóton, que transmite a força eletromagnética entre duas partículas com carga. Tais como cordas normais, essas cordas fundamentais podem vibrar de vários modos, cada um deles com uma determinada energia. As partículas existentes são associadas aos vários modos de vibração das cordas.

Um dos modos de vibração das cordas é equivalente às partículas que transmitem a força gravitacional, os grávitons. Ou seja, as cordas podem, em princípio, descrever todas as forças da natureza a partir dos padrões geométricos de suas vibrações. Mais ainda, elas só fazem sentido em dez dimensões, nove espaciais e uma temporal (ou 11, nas "teorias-M", que reúnem os cinco tipos possíveis de supercordas). Isso pode explicar qual a dimensionalidade do espaço.
A resposta que temos, três, é devido à observação de que vivemos em três dimensões. Se existem outras, elas são menores do que podemos detectar. Compreender isso como consequência de uma teoria sobre a estrutura material do mundo é ligar, de modo profundo, o espaço e o tempo com a matéria.

Só resta agora o teste experimental. Qualquer teoria, por mais bela, tem de ser testada. Até agora, não existe indicação alguma de que a teoria das supercordas seja verdadeira. Mas nos próximos anos isso pode mudar, com novos experimentos em andamento capazes de comprovar a realidade das supercordas e resolver o casamento da relatividade com a mecânica quântica. Ou não.

domingo, 17 de agosto de 2003

Sobre o método

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É comum dizer que a ciência busca a verdade. Mas que verdade é essa? O próprio sentido da palavra verdade pode ser discutido: ela é uma daquelas palavras que são mais fáceis de entender do que de explicar. No "Dicionário Aurélio", a primeira definição de verdade é "conformidade com o real". Portanto, a definição de verdade depende do que chamamos de real. Antes de aceitarmos conjuntamente o que é verdade, precisamos concordar com o que seja o real.

Uma opção é definir como real aquilo que percebemos com os nossos sentidos e que pode ser medido. (Aqui se incluem medidas obtidas com instrumentos que ampliam os nossos limitados sentidos, como telescópios, microscópios, amperímetros etc.). A grande vantagem dessa definição é a sua simplicidade: realidade é o conjunto de todas as coisas reais. E verdade é o que está de acordo com essa realidade concreta, mensurável.

Mas essa definição tem alguns problemas. Um deles é com a matemática. Se peço para o leitor imaginar um círculo, imediatamente a figura geométrica ganha vida em sua mente. Mas ela não foi vista, cheirada ou tocada por ninguém. Será menos real por isso? Basear a definição do real no que é perceptível, no que vem exclusivamente de fora para dentro, talvez não seja uma idéia tão boa. Aliás, idéias apresentam outra dificuldade. Apesar de não serem percebidas pelos nossos sentidos, elas não deixam de ser reais. O mesmo com sentimentos. Ninguém vê ou ouve saudades. Mas o sentimento existe. Real não significa necessariamente o que é concreto.

Para simplificar as coisas, podemos separar a definição de real em duas partes: o real objetivo e o subjetivo. Uma cadeira faz parte de uma realidade objetiva: qualquer pessoa sã (outro problema, definir sanidade e sua relação com o que é ou não real) vê a mesma cadeira. (Por não-sã defino aquelas que não acham que a cadeira que 1 milhão de pessoas vêem seja uma cadeira.) A idéia de círculo, mesmo que existente apenas na cabeça das pessoas, faz parte do real objetivo: as pessoas concordam que um círculo é uma figura cujo centro é equidistante de todos os seus pontos. Existe uma relação matemática única para definir a idéia de círculo, o que o torna parte da realidade objetiva.

Já o real subjetivo não é mensurável de forma única. Eis um exemplo. Um grupo de brasileiros mora no exterior há dez anos. Alguns sentem saudades e sabem disso, outros não. O sentimento é real. Mas ele não tem uma realidade objetiva, pois não existe um critério único para a sua medida. A intensidade da emoção é mensurável (talvez usando um aparelho de ressonância magnética funcional seja até possível localizar a região do cérebro responsável pela saudade). Mas ela é subjetiva; passar dez anos fora pode ou não causar saudades em brasileiros. No entanto, todos eles irão concordar com o que seja um círculo com raio de um metro.

As ciências naturais tratam da descrição da realidade objetiva. O que não tem existência concreta pode ser descrito por relações matemáticas únicas. Exemplos não incluem apenas objetos geométricos, como o círculo ou o triângulo. Leis físicas também fazem parte dessa realidade objetiva. Quando se diz que a energia em processos físicos é conservada, podendo ser transformada, mas não criada, está se falando de algo mensurável, a quantidade de energia de um sistema antes e depois de um determinado fenômeno. Por exemplo, um carro antes e depois de uma viagem, onde a energia química armazenada na gasolina é transformada em movimento e calor devido ao atrito com o ar, com o chão e nos seus mecanismos. Essas leis físicas são a melhor aproximação que a ciência pode oferecer da "verdade".

Por que as aspas? Porque nada pode ser afirmado com absoluta certeza. Não existem medidas absolutamente precisas, incluindo aquelas que medem a quantidade total de energia de um sistema antes e depois de um fenômeno qualquer. Pode-se apenas afirmar que, dentro da precisão existente, essa ou aquela lei é válida. Portanto, toda lei física é apenas aproximadamente válida. Isso torna a verdade intrinsecamente humana: afinal, ela avança lado a lado conosco, tornando-se cada vez mais, mas nunca absolutamente, verdadeira.

domingo, 10 de agosto de 2003

Ciência e Hollywood

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Não existe dúvida de que a maior parte do contato das pessoas com a ciência é por meio do cinema. Não de livros, jornais, revistas ou cursos (infelizmente, já que eu dou aulas de ciência e escrevo livros e artigos de divulgação científica), ou de museus e palestras, mas, principalmente, de Hollywood. Falo de centenas de milhões de pessoas, talvez bilhões.

A TV, claro, também é importante. Mas é possível argumentar que, em geral, uma série de ficção científica que faz sucesso na TV acaba, mais cedo ou mais tarde, virando filme. Veja os exemplos das séries "Jornada nas Estrelas", "Arquivo X" e "Perdidos no Espaço", entre muitos outros. Mais ainda, filmes já faziam "divulgação científica" muito antes de a TV existir.

Oitenta anos de ciência em Hollywood contribuíram para a criação de uma percepção pública que oscila entre o venerável e o assustador. A ciência cria e destrói. Novas tecnologias trazem sempre a dupla promessa do bem e do mal. Os filmes, em sua grande maioria, são representações dessa dualidade.

As imagens e idéias vistas nas telas vêm carregadas de significados morais, relacionados, em sua maior parte, a um punhado de mitos clássicos. O mais popular é o mito de Prometeu, o titã que, por ter roubado o fogo dos céus para o benefício da humanidade, foi condenado por Zeus a ter o seu fígado devorado durante o dia por uma águia, só para tê-lo regenerado à noite, em um ciclo que se repete por toda a eternidade.

Uma encarnação recente desse mito nas telas é o filme "Inteligência Artificial", de Steven Spielberg, no qual a humanidade se torna obsoleta graças à sua própria criação, robôs inteligentes e emotivos. Outra é a série "O Exterminador do Futuro", em que máquinas cada vez mais poderosas têm como missão o extermínio dos humanos (ainda bem que temos Arnold Schwarzenegger para nos salvar). Inúmeros filmes sobre apocalipses nucleares exploram o mesmo mito: se nós ousarmos muito com nossas invenções, se roubarmos o segredo dos deuses, seremos punidos, tornando-nos vítimas de nossa própria criação. A criatura destrói o criador.

No entanto, acusar Hollywood de deturpar a ciência apenas para fins lucrativos, usando a mistura de medo e fascínio que as pessoas têm do novo para induzi-las a ir ao cinema, é apenas parte da história, a mais óbvia. Existe também uma relação dual entre o imaginário e o real, que é inspiradora não só para os que vão ao cinema, mas para os que fazem ciência e vão ao cinema. Afinal, se a realidade muitas vezes é mais estranha do que a ficção, a ficção também pode motivar a nossa compreensão do real: o impulso criativo também se alimenta de sonhos. Se tudo que existisse fosse apenas dentro do plausível, a vida seria insuportavelmente chata e monótona. O desconhecido é tão necessário quanto o conhecido. E o que antes era apenas visão pode, um dia, se tornar realidade.

Essa relação simbiótica entre arte e ciência é extremamente frutífera. Um dos meus exemplos favoritos é o romance gótico "Frankenstein". Escrito em 1818 pela inglesa Mary Shelley, o livro inspirou-se na ciência de ponta da época, a descoberta (feita por Luigi Galvani e explorada por Alessandro Volta, o inventor da pilha) da "eletricidade animal" e de sua relação com o movimento muscular e com a vida. O clássico filme homônimo de James Whale, feito em 1931, não só usou toda a maquinaria eletromagnética que existia na época da filmagem como também a ciência que Mary Shelley jamais imaginaria possível: Henry Frankenstein (o nome do inventor louco na peça de Peggy Webling que serviu de base para o roteiro) foi "além do ultravioleta para descobrir o grande raio que trouxe a vida ao mundo".

E eis que, em 1953, o bioquímico Harold Urey e seu orientador, o vencedor do Prêmio Nobel de Química Stanley Miller, usaram descargas elétricas para sintetizar aminoácidos -componentes fundamentais de toda a matéria viva- a partir de compostos químicos simples como metano e amônia, que eles acreditavam estar presentes na atmosfera da Terra primitiva. Descargas elétricas novamente aparecem como o "raio que trouxe a vida ao mundo", dessa vez em um laboratório real. Pergunto-me se eles viram o filme de Whale e resolveram, mesmo que inconscientemente, pôr à prova a sua hipótese.

domingo, 3 de agosto de 2003

A visão de um padre cosmólogo

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Em 1931, o padre e cosmólogo belga Georges Lemaître propôs algo bastante ousado: que o Universo surgiu de um núcleo atômico gigantesco que, ao se desintegrar, deu origem a espaço, tempo, radiação e matéria. Lemaître foi o primeiro a dizer que seu modelo era mais uma sugestão do que uma teoria, quase que uma visão. Sendo padre, teve também o cuidado de separar a sua ciência da sua religião. Não atribuía o evento da desintegração do "átomo primordial" (assim o chamava) a um ato divino. Segundo Lemaître, "teorias cosmogônicas [que tratam da origem do Universo] se propõem a encontrar condições iniciais simples que possam explicar como o mundo presente pode ter resultado da relação natural entre forças conhecidas". Ele não tentou explicar de onde veio o átomo primordial, mas as consequências físicas de sua existência.

O átomo primordial, segundo Lemaître, seria responsável pela matéria e radiação que observamos no Universo. Ele chegou até a propor a existência de "raios fósseis", radiações que sobreviveriam até o nosso tempo, fósseis desta era primordial. Após a 2ª Guerra Mundial, o cientista russo-americano George Gamow, inspirado pelas idéias de Lemaître e pelo desenvolvimento da física nuclear, desenvolveu o modelo que viria a ser conhecido como Big Bang.

Segundo o modelo, o Universo não teria surgido da desintegração de um átomo primordial: a temperatura era tão alta que seria impossível que a matéria se agregasse em sistemas com mais de uma partícula, como em núcleos atômicos (com prótons e nêutrons), átomos (núcleos com elétrons em torno) ou moléculas (conjuntos de átomos).

Ou seja, segundo o Big Bang de Gamow, o estado inicial do Universo seria simples, uma sopa cósmica de partículas, principalmente elétrons, prótons, nêutrons e muitos fótons, as partículas da radiação eletromagnética. O interessante é que o Big Bang também previa a existência de raios fósseis. E, mais interessante ainda, esses raios fósseis -a radiação cósmica de fundo- foram encontrados em 1965, sendo hoje um componente fundamental do estudo da cosmologia, fornecendo um retrato da infância cósmica. Para ser mais preciso, um retrato do Universo 300 mil anos após o Big Bang, ou seja, há 13,8 bilhões de anos. Vamos explorar isso com mais detalhes.

Como na maioria das situações em física, estruturas complexas surgem de uma competição entre forças opostas. Em geral, a estrutura resultante, seja ela um átomo, uma ponte ou uma estrela, surge de um equilíbrio entre tendências opostas, equilíbrio que pode ser estável ou instável. Por exemplo, o núcleo de um átomo radioativo é instável à emissão de radiação. Átomos surgem da atração elétrica entre elétrons e prótons, que têm cargas opostas. Imagine, então, o Universo primordial como uma fornalha, com prótons e elétrons ziguezagueando pelo espaço afora, em meio a um número imenso de fótons. Quanto mais alta a temperatura, mais energéticos os fótons.

Portanto, quando um elétron e um próton se aproximavam o suficiente para se sentirem atraídos eletricamente, lá vinham os fótons e "chutavam" (por interação) os elétrons para longe. Como resultado, enquanto os fótons fossem mais energéticos do que a atração elétrica entre prótons e elétrons, nem mesmo átomos de hidrogênio, os mais simples na natureza, eram formados.

Acontece que, segundo o Big Bang, o Universo, desde a sua origem, se encontra em expansão. Para o Universo-bebê, a consequência mais importante da expansão foi a queda rápida de sua temperatura. Com isso, os fótons foram ficando menos energéticos, até o ponto em que eles já não podiam destruir as ligações entre elétrons e prótons. É possível prever que isto ocorreu quando o universo tinha em torno de 300 mil anos. Formaram-se então os primeiros átomos. Mas o que ocorreu com os fótons?

Incapazes de interagir com elétrons, eles passaram a vagar pelo espaço como fantasmas. São esses os raios fósseis, a radiação cósmica de fundo, que carregam os segredos do Universo primordial. Estudando as suas propriedades, cosmólogos obtiveram, entre outros resultados, a idade do Universo (13,8 bilhões de anos), a sua geometria (plana), a era em que as primeiras estrelas nasceram (200 milhões de anos). A visão de Lemaître foi vindicada, provando que, em ciência, sonhar também é preciso.