domingo, 28 de julho de 2013

Alimentos geneticamente modificados: fato e ficção



Raramente, a relação entre a ciência e a população é tão direta quanto no caso de alimentos geneticamente modificados (AGMs). Pois uma coisa é ligar uma TV de plasma ou falar num celular; outra, é ingerir algo modificado no laboratório.
Não é à toa que as reações contra e a favor dos AGMs é polarizada e radical. De um lado, vemos grupos puristas querendo banir definitivamente qualquer tipo de alimento geneticamente modificado, alegando que fazem mal à saúde e ao meio ambiente; de outro, temos os defensores radicais dos AGMs, que confundem ciência com as estratégias de marketing dos grandes produtores, principalmente da gigantesca Monsanto.
Poucos debates na nossa era são tão importantes. Existem aqui ecos do que ocorre com o aquecimento global, o criacionismo e as vacinas, onde o racional e o irracional misturam-se de formas inusitadas.
Vemos uma grande desconfiança popular da aliança entre a ciência e as grandes empresas, dos cientistas "vendidos", comparados, infelizmente, com os que trabalham para a indústria do fumo. A realidade, como sempre, é bem mais sutil.
Existem centenas de estudos científicos publicados que visam determinar precisamente o impacto dos alimento geneticamente modificados nas plantações e nos animais. O leitor encontra uma lista com mais de 600 artigos no portal http://www.biofortified.org/genera/studies-for-genera/, que não é afiliado a qualquer empresa.
Em junho, o ministro do meio ambiente do Reino Unido, Owen Paterson, propôs que seu país deveria liderar o mundo no desenvolvimento e na implantação de AGMs: "Nosso governo deve assegurar à população que os AGMs são uma inovação tecnológica comprovadamente benéfica".
Na semana anterior, grupos contra a implantação de AGMs vandalizaram plantações de beterraba da empresa suíça Syngenta no Estado de Oregon, nos EUA.
As plantações foram geneticamente modificadas para resistir ao herbicida Glifosate (do inglês Glyphosate), algo que os fazendeiros desejam, pois ajuda no controle das ervas daninhas que interferem com a produtividade de suas plantações.
O Prêmio Mundial da Alimentação de 2013 foi dado a Marc van Montagu, Mary-Dell Chilton e Rob Fraley. Os três cientistas tiveram um papel essencial no desenvolvimento de métodos moleculares desenhados para modificar a estrutura genética de plantas. Chilton, aliás, trabalha para Syngenta.
Mas, no YouTube, vemos vídeos mostrando os efeitos "catastróficos" de tal ciência, como relata Nina Fedoroff, professora da Universidade Estadual da Pensilvânia em um ensaio recente para a revista "Scientific American".
Fedoroff antagoniza os exageros e radicalismo dos protestos contra os AGMs, que alega não terem qualquer fundamento científico, sendo comparáveis aos abusos pseudocientíficos que justificam posturas quase que religiosas.
Em termos dos testes até agora feitos, não parece que AGMs tenham qualquer efeito obviamente nocivo à saúde humana ou à dos animais que se alimentam deles. Já muitos dos inseticidas comumente usados em plantações são altamente cancerígenos.
Sem dúvida, a pesquisa sobre o impacto ambiental e médico dos AGMs deve continuar; mas a negação da ciência sem evidência, baseada em mitologias, é a antítese do que uma população bem informada deve fazer.

domingo, 21 de julho de 2013

Tempo celeste


 
Grosso modo, existem duas eras que caracterizam a existência de humanos na Terra: primeiro, a dos caçadores-coletores, grupos nômades que peregrinavam por grandes áreas em busca de comida e abrigo. Depois, a que chamamos de "civilização", produto da fixação de populações em torno de áreas cultiváveis, presumivelmente a partir dos natufianos, cerca de 10 mil anos antes de Cristo, na área onde hoje estão Israel e Jordânia.
Essas determinações dependem crucialmente de artefatos achados em escavações arqueológicas. É possível que outras áreas existissem onde a agricultura fosse cultivada antes disso e que ainda não foram descobertas. Essa é uma característica básica das ciências ditas históricas, onde o que num momento é o "primeiro" pode ser suplantado por novos achados.
Dado o que sabemos, ou sabíamos, havia uma outra distinção essencial entre os caçadores-coletores e as primeiras civilizações. Na transição de uma era para outra surgiu uma preocupação com a passagem do tempo que levou à elaboração de meios que tornassem possível sua determinação: "relógios" primitivos que marcassem a regularidade dos ciclos naturais.
Certamente, os caçadores-coletores sabiam da passagem dos dias, das fases da Lua, das estações do ano, todos esses fenômenos que ligavam a Terra aos céus. Sabiam também, e temiam, fenômenos não regulares como eclipses, cometas e chuvas de meteoros. Era claro que existiam padrões de ordem e de desordem nos céus, cuja compreensão ia muito além dos poderes humanos (até bem mais tarde, quando a ciência entra em cena).
A divinização dos céus --que se tornam a morada dos deuses-- foi de certa forma uma tentativa de estabelecer algum tipo de controle sobre o que era incontrolável, com o intuito de preservar o grupo contra forças naturais implacáveis e misteriosas.
Porém, dado o caráter nômade dos caçadores-coletores, não se sabia que tinham já não só uma preocupação com a passagem do tempo, mas meios de marcá-la. Essa foi a revelação surpreendente de pesquisadores da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que descobriram o mais antigo "relógio" celeste, criado aproximadamente 10 mil anos atrás.
Doze pedras imitando as várias fases da Lua, num arco de cerca de 50 metros. No centro, uma pedra de dois metros de diâmetro marca a Lua cheia. Curiosamente, o arranjo é alinhado com o Sol nascente no meio do solstício de inverno da época, o que dava aos arquitetos a chance de recalibrar seu calendário lunar com o ano solar. Arqueólogos encontraram evidências de que as pedras foram mudadas de lugar durante milhares de anos.

O achado muda nosso modo de pensar sobre os caçadores-coletores, que obviamente eram bem mais sofisticados do que imaginávamos. Nessa região da Escócia, migrações de animais ocorriam com regularidade, e prevê-las era garantia de comida. Usar os céus para fazê-lo mostrava um conhecimento astronômico bem anterior ao das civilizações do Oriente Médio. E é a prova de um início formal da história ainda antes da agricultura, forjado por uma profunda ligação entre o homem e os céus.

domingo, 14 de julho de 2013

Sobre visitas de extraterrestres


 
Estou passando a semana na Amazônia como parte das celebrações de dez anos da Fapeam (Fundação de Amparo à Pesquisa da Amazônia) e a convite da Secretaria do Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Fora o deslumbre da grande diversidade da fauna e flora local, a visita ao encontro das águas do rio Negro e do rio Solimões e um certo choque em ver a enorme industrialização junto aos rios, um assunto que parece ser de grande interesse local é a possibilidade de que misteriosas luzes nos céus, aparentemente vistas por muitos, são espaçonaves de origem extraterrestre.
Vamos então investigar a possibilidade de que, de fato, seres extraterrestres tenham algum interesse pelos céus da Amazônia (ou de Varginha) ou mesmo pela Terra em geral. Antes, um pouco de astronomia.
O grande desafio de viagens interestelares são as distâncias gigantescas. O Sol está a aproximadamente oito minutos-luz da Terra; ou seja, a luz, viajando a 300.000 km/segundo, demora oito minutos para cobrir os 150 milhões de quilômetros até aqui.
Digamos que queremos visitar o sistema estelar mais próximo da gente, na constelação do Centauro. São quatro anos-luz, mais ou menos. Viajando na espaçonave mais veloz que temos, a 50.000 km/h, demoraríamos em torno de 100.000 anos para chegar lá!
Obviamente, se alguma inteligência extraterrestre existe, se desenvolveu tecnologia que não temos a menor ideia do que seja, capaz de viagens próximas da velocidade da luz, e se tem interesse em nos visitar, a viagem demoraria muito tempo. Talvez mandem arcas que viajam por muitas gerações pelo espaço, com vidas inteiras passadas dentro delas. Onde estão?
Será razoável supor que tenham feito este esforço todo para chegar aqui e se esconder, meras luzes misteriosas nos céus? Em 1950, o físico Enrico Fermi fez um cálculo simples, mostrando que se inteligências capazes de viagens interestelares existem na nossa galáxia, teriam já tido tempo de sobra para colonizá-la. "Onde estão eles?", perguntou-se.
Esse é o Paradoxo de Fermi: nossa galáxia tem 10 bilhões de anos e 100.00 anos-luz de extensão. Vamos supor que uma inteligência surgiu em algum canto um milhão de anos antes da gente, o que é bem razoável considerando que a galáxia tem 200 bilhões de estrelas e possivelmente trilhões de planetas e luas.
Esses seres do planeta Yczykx têm espaçonaves que viajam a velocidades de 10% da velocidade da luz. Ou seja, em um milhão de anos, poderiam ter viajado de ponta a ponta da galáxia, incluindo várias passagens pela Terra. Se tivessem surgido não um, mas 10 milhões de anos atrás, poderiam ter colonizado a galáxia inteira. E certamente não nos contataram de forma direta e clara.
Portanto, ou vieram, não gostaram e foram embora; ou estão aqui mas têm uma tecnologia de invisibilidade que elude todos nossos sistemas de detecção; ou nos criaram como um experimento genético que seguem curiosos, de longe, como num zoológico; ou, o que é mais provável, nunca vieram aqui ou vieram e não deixaram nenhum sinal.

Das várias explicações para luzes estranhas nos céus, as mais plausíveis --fenômenos atmosféricos, balões de pesquisa etc.--, mesmo que menos dramáticas, são muito mais realistas.

domingo, 7 de julho de 2013

A harmonia das esferas (atômicas)



A busca pela ordem, seja ela emocional ou material, é mola mestre da criatividade humana. Nos mais antigos relatos de Criação já encontramos narrativas onde o caos precede a ordem, as trevas a luz e, enfim, onde o processo de emergência da realidade material vem acompanhado de uma ordem que rege seu comportamento. Nas ciências, a busca pela ordem se manifesta nas leis da Natureza --princípios organizativos que visam descrever padrões de regularidade nos fenômenos naturais que observamos.
Poucos exemplos na história da filosofia e da ciência ilustram essa busca e as transformações do conhecimento humano tão claramente quanto o conceito da Harmonia das Esferas, cujas origens datam do período pré-Socrático da filosofia, em torno de 650 a.C. Foi Pitágoras quem propôs que as órbitas planetárias obedecessem a um espaçamento predeterminado por leis matemáticas independentes da história de formação do Sistema Solar e dos planetas: segundo ele e seus discípulos, as distâncias entre os planetas deveriam seguir padrões que espelhassem nos céus as harmonias da música: "Existe geometria no som das cordas; existe música no espaçamento das esferas", segundo um texto atribuído a ele. (Provavelmente não de sua autoria.)
Evidentemente, os estudiosos pitagóricos não sabiam que planetas e suas órbitas (elipses com maior ou menor excentricidade) são produto de uma história de formação que depende de uma dinâmica um tanto complexa, ainda hoje objeto de estudo da astronomia. Para eles, a geometria determinava a forma dos céus: as mesmas leis matemáticas atuavam em todas as escalas, do terrestre ao cósmico.
Esta visão foi revisitada pelo astrônomo alemão Johannes Kepler que tentou, no início do século XVII, dar nova vida aos conceitos pitagóricos. Ainda jovem, Kepler fez uma pergunta que determinou o rumo de sua produção científica: O que determina o número de planetas (6 na época, os visíveis a olho nu) e suas distâncias ao Sol? Sendo um pitagoriano munido de dados, Kepler buscou a resposta na geometria, que acreditava ser a linguagem que Deus usou para criar o cosmo.
O astrônomo propôs que os 6 planetas e suas distâncias eram determinadas pelos 5 sólidos perfeitos. (Dois deles, a pirâmide e o cubo, são bem familiares.) Arranjando-os um dentro do outro como bonecas russas, Kepler situou as órbitas planetárias no espaço entre os sólidos. Usando geometria, pôde calcular as distâncias que, com precisão de 5%, coincidiram com os dados.
A visão de Kepler nada tem a ver com a realidade; hoje, o número de planetas é 8 e não 6, e suas distâncias são determinadas pela história de formação do Sistema Solar.
Curiosamente, o sonho de Pitágoras e Kepler realizou-se na física atômica. As órbitas dos elétrons em torno do núcleo atômico obedecem a padrões geométricos semelhantes aos de cordas vibrando: cada órbita está relacionada a um padrão e tem uma energia associada; o elétron só pode estar nessas órbitas, espaçadas descontinuamente.

Ao contrário das órbitas planetárias, as órbitas eletrônicas e suas distâncias não são consequência da história do átomo, mas fixas matematicamente, justamente o que Pitágoras e Kepler queriam.