domingo, 30 de junho de 2013

Futebol, efeito estufa e o jogo global



Hoje é dia da final da Copa das Confederações, imagino que a maioria absoluta dos brasileiros esteja grudada na TV. (Eu sou um deles, mesmo daqui dos EUA).
Interessante o contraste das culturas; por aqui, esse tipo de conexão nacional não existe em nenhum esporte. Não vejo os americanos unidos, torcendo pelo seu país em massa em um jogo, como ocorre no Brasil e tantos outros países.
Isso é coisa do futebol e da Copa, um fenômeno único mesmo. Olimpíada é diferente, uma outra espécie de manifestação patriótica. Não é tanto um esporte, mas muitos juntos, e cada um vê o que gosta mais.
Isso faz do futebol uma coisa à parte, uma manifestação em massa quase que religiosa, algo que antropólogos culturais estudaram já em detalhe. Uma expressão de patriotismo, sem dúvida, mas muito mais do que isso. Aqui nos EUA, isto ocorre mais com as guerras do que com os esportes.
O que me faz pensar no próximo nível de adesão cultural em massa, quando não somos mais um país, mas uma espécie. Uma das assinaturas do novo milênio é a transcendência cultural por meio da globalização digital; todos têm, em princípio, uma voz, a informação que antes era difícil é acessível com alguns cliques; cursos dados por grandes professores, palestras sensacionais sobre ideias de vanguarda, vídeos políticos (como aqueles mostrando as manifestações no Brasil), filosóficos, esportivos...tudo ao alcance, basta só saber procurar conteúdo. E é este o grande desafio da educação moderna: orientar as pessoas a buscar conteúdo de qualidade, coisas que nos ajudem a aprender, a crescer como indivíduos e mesmo como espécie.
Pois se uma coisa fica clara com essa globalização e com outra característica dos nossos tempos, o aquecimento global, é que qualquer ação local pode ter repercussão global. O moto "pense globalmente e haja localmente" diz tudo. Semana passada, o presidente Obama declarou a necessidade de os EUA mudarem sua politica com relação à emissão de carbono: "os cientistas estão convencidos na sua maioria absoluta de que o aquecimento global está sendo acelerado pelas atividades humanas; falo isso pelos meus filhos e as gerações futuras", declarou. Finalmente!
Não há mesmo dúvida de que estamos pondo uma espécie de cobertor em torno do planeta, que vai ficando cada vez mais sufocado. A conscientização conjunta de uma globalização pela internet e pelo clima deveria também despertar uma noção da necessidade de lutarmos como espécie para a preservação da nossa casa cósmica. Algo que a ciência moderna nos ensina é que a vida é rara e a vida complexa mais ainda; ademais, dadas as variações de planeta a planeta, e dado como a vida depende dessas variações, podemos afirmar que nós, humanos, somos únicos, futebol e tudo.

Se as variações culturais ainda são enormes, como no caso da devoção nacional ao futebol no Brasil e sua ausência nos EUA, estamos todos juntos neste mesmo planeta. Independentemente do resultado do jogo, a Terra continuará sendo nossa casa, e continuará a aquecer. Torço para que o Brasil ganhe, claro, e para que nosso planeta vença também. Pois neste jogo ganhamos ou perdemos todos juntos.

domingo, 23 de junho de 2013

É hora da educação


 
"O Brasil acordou!" é o que temos ouvido, mesmo daqui dos EUA, sobre as manifestações no país. A mídia, como sempre, enfatiza a violência acima do que as pessoas nas ruas estão pedindo.
Na quinta, a primeira página do "New York Times" mostrou um guarda atingindo o rosto de uma senhora com um spray lacrimogêneo; pouco fala da insistência da maioria dos manifestantes em manter a ordem, dos esforços em abrir uma relação com a polícia que, como tantos já disseram, é povo e precisa de melhorias tanto quanto o resto.
Existe um contrato social e financeiro entre a população e o governo. A população, por meio dos impostos, paga o governo para exercer certas funções que deveriam garantir sua qualidade de vida: saúde, educação, segurança, transportes. Se a população não paga, o governo castiga com multas e prisão.
O que ocorre quando o governo não faz a sua parte e deixa de garantir a qualidade do tratamento médico, da educação pública, da segurança nas ruas e das fronteiras, dos transportes?
É óbvio que existe uma assimetria no poder: como o governo detém controle da polícia e das forças armadas, fica fácil coibir qualquer desavença. O que as pessoas talvez estejam começando a perceber é que também têm poder. O contrato deve ser mantido dos dois lados; sem dinheiro, o governo quebra.
Mas vamos ser positivos e imaginar que as manifestações tenham o efeito de redefinir as metas do governo para cumprir o seu lado do contrato. O que deve ser feito?
O desafio do Brasil é ser um país de dimensões continentais, com mais de 200 milhões de habitantes. Bem diferente da Suécia ou da Holanda. Temos uma economia baseada na agropecuária e mineração. Nada de errado nisso, mas é insuficiente no mundo de hoje, onde tecnologias digitais estão redefinindo como vivemos. Precisamos de energia sustentável, de infraestrutura de comunicação, de técnicos, engenheiros e cientistas que possam competir em pé de igualdade com os dos países que vemos como modelos.
Um exemplo simples: quais carros guiamos no Brasil? Alemães, americanos, japoneses e coreanos. O que isso nos diz? Que esses países têm um sistema de educação capaz de suprir a enorme demanda que uma tecnologia competitiva requer. Se o Brasil tem a intenção de competir nesse nível, tem de reformular o ensino público.
Imagine que a Coreia do Sul era um dos países mais pobres do mundo em 1950, não muito diferente do Haiti. O que aconteceu? Fizeram da educação a área prioritária. Treinaram engenheiros, cientistas e médicos para levantar o país da miséria.
Não é falta de dinheiro. Em 2010, 4,3% do PIB foi investido em educação básica. O que falta? Treinamento de professores que então recebam salários dignos. Que jovem vai querer ser professor para ganhar R$ 1.200 por mês? Não basta apenas pôr as crianças nas escolas; o que fazem lá é essencial. Para isso, precisamos de professores bem treinados e de escolas com laboratórios, bibliotecas e computadores.

Sem uma profunda transformação na educação, o Brasil será passado para trás pelos países que já perceberam que sem um investimento sério na educação estão optando pela mediocridade.

domingo, 16 de junho de 2013

Sobre o propósito da vida

Seres vivos têm o propósito de preservar sua existência; é difícil aceitar que não há um objetivo maior

Não me refiro aqui à vida de cada um, que envolve nossas escolhas e esperanças, os planos que traçamos no decorrer dos anos. Nossas vidas, claro, têm, ou deveriam ter, um ou mais propósitos.

Falo da vida como fenômeno natural, essa estranha organização da matéria dotada de autonomia, capaz de absorver energia do ambiente à sua volta e de se preservar por meio da reprodução.

O tema gera confusão. Precisamos ter cuidado. Todas as formas de vida têm um propósito essencial: sobreviver. Esse é ainda mais importante do que o outro propósito, reprodução. Afinal, bebês e vovôs estão vivos, mas não se reproduzem. Pode-se até dizer que a vida é uma forma de organização material que tem o ímpeto de se preservar.

Essa é uma diferença essencial que distingue seres vivos de outras formas de organização material, como estrelas ou rochas, que não têm o ímpeto de se preservar: apenas existem, passivamente, entregues aos processos físicos que definem suas interações. No caso das rochas, a existência é delimitada pela sua interação com a erosão --água mole em pedra dura tanto bate até que fura. No caso das estrelas, existem enquanto têm combustível suficiente no seu centro (hidrogênio) para resistir à atração gravitacional, que levará à sua implosão.

Todas as formas vivas têm o propósito de preservar sua existência. Essa é a diferença essencial entre o vivo e o não vivo.

A confusão com relação à questão do propósito vem quando nos deparamos com a diversidade das formas de vida. Dada tanta riqueza, tanta criatividade, fica difícil de aceitar que tudo surgiu sem um propósito maior, sem a intenção de criar criaturas cada vez mais complexas.

A coisa complica ainda mais quando aprendemos que a história da vida na Terra mostra uma complexidade crescente. A vida aqui surgiu há pelo menos 3,5 bilhões de anos. Desses, os primeiros 2,5 bilhões foram dominados por seres unicelulares, bactérias apenas. Apenas cerca de 600 milhões de anos atrás é que a diversificação começou para valer. Na famosa explosão do Cambriano, em torno de 550 milhões de anos atrás, a complexidade da vida decolou. De lá para cá, mais criaturas foram surgindo no mar, na terra e no ar, com complexidade e diversificação crescente.

Fica difícil aceitar que não existe um propósito maior na vida, que é o de aumentar sua complexidade. O clímax dessa complexidade seríamos nós, humanos. Esse propósito oculto é chamado teleologia.

Mas essa conclusão é falsa. Não existe um "plano" de tornar a vida complexa a ponto de gerar formas inteligentes. Vejam os dinossauros, que existiram por 150 milhões de anos e permaneceram burros. O que a vida quer é se preservar. Contanto que esteja adaptada ao ambiente, continuará bem, com mutações ocorrendo sem grandes revoluções.


Fundamental nessa dinâmica é o acoplamento da vida ao ambiente. Variações ocorrem quando o ambiente muda. Se mudássemos algo na história da Terra, como a queda do asteroide que eliminou os dinossauros 65  milhões de anos atrás, a história da vida mudaria também. Provavelmente não estaríamos aqui. Na natureza, criação e destruição andam juntas. Mas nessa coreografia não existe coreógrafo.

sábado, 8 de junho de 2013

Sobre a realidade

Um dos aspectos mais extraordinários da ciência é como ela nos permite ampliar nossa visão do real

Costumamos achar que sabemos o que é o mundo real, esse que vemos à nossa volta. Basta abrir os olhos, apurar os ouvidos, e temos esse retrato do que é a realidade, baseado na nossa percepção sensorial. Mas será que é só isso? Será que o que vemos e ouvimos pode ser chamado de realidade? Um dos aspectos mais extraordinários da ciência é como ela nos permite ampliar nossa visão do real. E um dos aspectos mais paradoxais é que quanto mais aprendemos sobre o mundo, menos clara nos é a natureza da realidade.

Platão, na Grécia Antiga, já antecipara o problema. Em sua alegoria da caverna, ele imagina um grupo de "escravos" acorrentados em uma caverna desde o nascimento. A percepção da realidade deles se restringe à parede da caverna, que é tudo que podem ver. Para eles, o que aparece na parede é o mundo real. Sem que os presos soubessem, atrás deles um grupo de filósofos fizera uma fogueira que lançava luz na parede.

Em frente ao fogo, os filósofos seguravam objetos e os escravos viam as sombras projetadas na parede, achando que os objetos eram reais. Obviamente, a projeção não correspondia ao objeto: por exemplo, uma bola aparecia como um círculo. O ponto de Platão é que nossa percepção sensorial cria uma noção falsa do real. Como disse a raposa ao Pequeno Príncipe, "o essencial é invisível aos olhos".

Na história da física, o que chamamos de realidade também muda. Antes de Copérnico, o Cosmo tinha a Terra no centro e o Sol e planetas girando à sua volta. O Universo era fechado na forma de uma esfera e Deus e sua corte habitavam a esfera mais externa. Quando Newton propôs sua teoria da gravitação, percebeu que o Cosmo não poderia ser finito. Apenas um Cosmo infinito, onde as estrelas estavam separadas e equilibradas (precariamente), seria estável. De repente, a realidade muda e o homem se vê num Universo infinito, envolto em trevas. Qual o lugar do homem nesse novo Universo?

Para complicar, as ideias de Newton levaram a um determinismo radical em que o futuro poderia ser calculado, ao menos em princípio, a partir do presente. Se isso fosse verdade, não haveria mais o livre arbítrio; todas as ações estariam predeterminadas pela precisa maquinaria cósmica. A liberdade que achamos ter seria uma ilusão.

Felizmente, esse determinismo não durou muito. No início do século 20, a física quântica pôs fim à noção de que podemos usar a física como oráculo. O princípio de incerteza de Heisenberg mostrou que não podemos medir a posição e a velocidade de uma partícula conjuntamente, o que torna a determinação precisa de seu futuro impossível.


Ademais, o mundo quântico nos mostra que a própria natureza da realidade é elusiva: não vemos um elétron ou um fóton, sua existência é medida com detectores, aferida indiretamente. O mundo do muito pequeno, que tanto define nossas vidas através das tecnologias digitais que usamos, é um mundo inacessível aos sentidos. Não podemos nem mesmo atribuir existência a uma partícula antes de a detectarmos: a realidade é definida pelo modo como interagimos com ela.

domingo, 2 de junho de 2013

Outros mundos

Na semana passada, cientistas da Nasa puseram o telescópio espacial Kepler em uma espécie de coma tecnológico: a sonda, desenhada para buscar planetas semelhantes à Terra girando em torno de estrelas na nossa vizinhança cósmica, falhou de uma forma que parece irremediável.

Lançada em 2009, a Kepler encontrou 132 planetas e 2.700 outros astros que podem passar no teste e esperam estudos mais detalhados. A confirmação será feita por telescópios terrestres que agora sabem para onde olhar nos céus.

Custando US$ 550 milhões, a sonda Kepler revolucionou nossa visão do Universo e do nosso lugar nele.
A noção de que estrelas têm planetas girando à sua volta é muito antiga, remontando ao menos à Grécia Antiga, onde filósofos como Epicuro, já no século 4º a.C., sugeriram a existência de outros mundos:

"Existem infinitos mundos parecidos e diferentes do nosso. Pois os átomos, infinitos em número, se espalham pelas profundezas do espaço." A noção foi elaborada por Giordano Bruno ao final do século 16 em seu tratado "Sobre o Universo Infinito e os Mundos". Para Bruno, esses outros mundos seriam semelhantes à Terra, também habitados.

Era claro que, caso existissem outras Terras, a centralidade da nossa estaria ameaçada. No debate sobre a existência de outros mundos, essa era a questão essencial: somos únicos e, portanto, especiais de alguma forma, ou apenas a norma do que existe pelos confins do espaço?

Foram necessários 413 anos após a morte de Bruno para que tivéssemos uma resposta ao menos parcial a essa pergunta. Em quatro séculos, passamos da mera especulação sobre a existência de outras Terras à observação concreta de planetas que, se não são como o nosso, ao menos podem ser semelhantes.

Hoje, temos uma disciplina em astronomia chamada de planetologia comparada, na qual as propriedades de planetas diversos são examinadas e estudadas em detalhes.

Mesmo que ainda em sua infância, aprendemos já várias coisas: que estrelas, na sua maioria, têm planetas girando à sua volta; que a vida só é possível naqueles que respeitam uma série de regularidades nas suas propriedades astronômicas e que têm composição química bem específica.

Note que quando cientistas falam de vida em outros planetas se referem à vida como nós a conhecemos, isto é, baseada em compostos de carbono e em soluções aquosas. Outros tipos, mesmo que interessantes, são provavelmente ficção. (A menos que a vida tenha evoluído de tal forma que tenha deixado para trás sua carcaça de carbono, existindo numa espécie de rede digital definida em campos eletromagnéticos, sem existência física.)

Se estamos ainda na infância de nossa exploração cósmica, podemos ao menos nos contentar com o que já aprendemos: há centenas de bilhões de planetas na nossa galáxia; se não são infinitos, esses mundos são incontáveis; talvez existam alguns com propriedades semelhantes às do nosso; detalhes da vida nesses mundos dependem da história de cada um e, por isso, somos únicos no Universo, produtos da Terra e de sua história única.


Outras sondas mais poderosas do que a Kepler continuarão a busca. Mas o que já aprendemos demonstra nossa importância cósmica.