domingo, 24 de maio de 1998

A Lua e as flutuações energéticas em aceleradores

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Em 1911, numa tentativa de investigar a então misteriosa estrutura do átomo, Ernest Rutherford bombardeou uma lâmina de ouro com "partículas alfa". Na época, sabia-se que as partículas alfa tinham uma carga elétrica idêntica em valor, mas de sinal oposto, à carga de dois elétrons e que elas eram em torno de quatro vezes mais pesadas do que o gás hidrogênio, o elemento químico mais leve.

Com enorme surpresa, Rutherford descobriu que, embora a maioria das partículas atravessasse a lâmina de ouro, com pequenos desvios em suas trajetórias, algumas eram refletidas, como se tivessem sido ricocheteadas por uma parede muito rígida. Após analisar seus dados, Rutherford concluiu que os átomos de ouro (e todos os átomos) são compostos de um núcleo muito denso, que contém praticamente toda a massa do átomo.

Mais ainda, os átomos são praticamente "vazios". Os elétrons se encontram a distâncias muito maiores do que o diâmetro do núcleo. Se inflarmos um núcleo até o tamanho de uma bola de tênis, os elétrons estarão aproximadamente a 1 km de distância! Isso explica por que a maioria das partículas alfa atravessava os átomos de ouro sem maiores problemas, enquanto que algumas eram ricocheteadas após chocarem-se com os minúsculos, porém maciços, núcleos.
As descobertas de Rutherford deram início a uma nova era na exploração do mundo subatômico, com experimentos que também usavam bombardeamento de alvos pesados por partículas mais leves, ou mesmo a colisão de partículas com partículas. Tal como Rutherford, por meio dessas colisões podemos estudar a estrutura subatômica da matéria: quanto maior a energia da colisão, menores as distâncias que podemos observar.

Essas experiências são feitas em máquinas conhecidas como aceleradores de partículas, versões modernas e muito mais potentes do bombardeamento de Rutherford. A maior delas está no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), em Genebra, na Suíça. O LEP (sigla em inglês para Grande Acelerador Elétron- Pósitron) se encontra dentro de um túnel circular 100 m abaixo do solo, com uma circunferência de 27 km. O acelerador em si é um tubo cercado de magnetos, onde elétrons e seus companheiros de antimatéria, os pósitrons, circulam em direções opostas.
Os elétrons e pósitrons são acelerados a cada volta, até atingirem velocidades próximas à velocidade da luz. Essa aceleração é obtida com eletrodos semelhantes a um tubo de televisor, também um miniacelerador. Controlados por computadores, 3.368 magnetos mantêm as partículas em órbitas circulares dentro do anel. Para termos idéia das velocidades atingidas, considere que uma caminhada em torno do anel tomaria umas sete horas, enquanto que, em apenas um segundo, os elétrons completam em torno de 11 mil voltas!

O controle das velocidades e trajetórias das partículas é tão eficiente que os mais estranhos efeitos podem causar uma variação nos dados experimentais. Um exemplo curioso ocorreu em 1992, quando físicos descobriram uma minúscula oscilação na energia das partículas, que aumentava 0,0001% duas vezes ao dia, retornando ao nível normal após uma hora. Após meses de mistério, descobriu-se que as variações de energia estavam em sincronia com as marés, causadas pela atração gravitacional combinada da Lua e do Sol.

O efeito de maré causa uma pequena distorção na crosta terrestre, que por sua vez produz uma variação de 1 milímetro na circunferência do acelerador. Essa variação de 1 milímetro, sobre os 27 km do túnel, era a responsável pela flutuação de energia!

Devido a esse efeito, os físicos do LEP têm de consultar os movimentos lunares para obter a altíssima precisão necessária em seus experimentos. De forma talvez surpreendente, a Lua também tem seu papel nas pesquisas que estudam os menores componentes da matéria.

domingo, 17 de maio de 1998

A teoria do éter ou a fênix da cosmologia

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Certas idéias em ciências, abandonadas por razões que são perfeitamente justificáveis em uma determinada época, tendem a reaparecer em tempos de crise como possíveis explicações de aparentes mistérios. Na maioria das vezes, essas idéias gozam de um curto período de glória, para serem novamente abandonadas, substituídas por explicações mais simples e eficazes.
Uma idéia que apareceu e reapareceu na história da física foi a da existência de um meio material que permeia todo o espaço, o "éter", cuja função mudava conforme as necessidades de uma determinada teoria.

Para Aristóteles, os objetos celestes eram compostos de éter, ou a quinta-essência, que tinha propriedades completamente diferentes dos quatro elementos que descreviam então a matéria: água, ar, terra e fogo.

Bem mais tarde, o filósofo francês René Descartes assumiu a existência de um meio material responsável pelo transporte de objetos celestes pelos céus. Isaac Newton, em sua magnífica obra sobre as leis do movimento e da gravitação, mostrou que esse meio era desnecessário.
Já no século 19, um outro tipo de éter era aceito como o meio onde ondas eletromagnéticas se propagavam como ondas de som pelo ar. Em 1905, Einstein mostrou que esse éter era desnecessário e que ondas eletromagnéticas poderiam se propagar no espaço vazio.
Mas o próprio Einstein introduziu uma dessas idéias, que chamo de "idéias fênix", pois tal como o pássaro mítico, ressurgem de suas próprias cinzas.

Quando, em 1917, Einstein usou as equações de sua nova teoria da relatividade geral para descrever o Universo como um todo, não existia nenhuma evidência definitiva de que o Universo está em expansão. Como a maioria dos cientistas da época, Einstein acreditava que o Universo era estático e o mais simétrico possível. Mas suas tentativas de encontrar uma solução para suas equações, que descrevesse um universo estático, falharam.

Para evitar o desastre, Einstein introduziu uma constante que hoje chamamos de "constante cosmológica", cuja função era produzir uma força repulsiva para balancear o colapso da matéria. Ou seja, a constante cosmológica funcionava como uma espécie de antigravidade: em um universo vazio de matéria e só com a constante cosmológica, a distância entre dois pontos cresceria exponencialmente.

Quando o astrônomo Edwin Hubble mostrou, em 1929, que o Universo não é estático, mas está em expansão, Einstein abandonou sua constante cosmológica. Conforme já havia provado o russo Alexander Friedmann, em 1922, as equações de Einstein eram perfeitamente compatíveis com um universo em expansão.

Mas os problemas começaram cedo. Hubble também mostrou que suas observações previam que a idade do Universo era cerca de 2 bilhões de anos, mais novo do que a própria Terra! Alguns modelos tentaram resolver esse dilema. Um deles, proposto inicialmente por Georges Lemaitre, que além de cosmólogo era padre, usava a constante cosmológica para desacelerar a taxa de expansão do Universo, tornando-o "mais velho". Em 1952, novas medidas mostraram que o Universo era confortavelmente mais velho do que a Terra. A constante cosmológica foi novamente abandonada.

Portanto, foi com um misto de "incredulidade e terror" que cientistas receberam as novidades sobre objetos muito distantes sendo acelerados a distâncias cada vez maiores, como se uma força os tivesse empurrando para longe. Novamente, a explicação mais simples para tal fenômeno é a constante cosmológica, mesmo que não tenhamos a menor idéia por que tal constante deveria existir na natureza. Embora seja necessária muita cautela, pois essas observações recentes são muito difíceis e passíveis de erros de interpretação, me pergunto quantas vidas terá a constante cosmológica, ou se, de fato, ela é mesmo imortal.

domingo, 10 de maio de 1998

Há algo mais do que falta de luz na escuridão da noite

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Alguns anos após ter anunciado a lei da gravitação universal em 1687, Isaac Newton se correspondeu com o teólogo Richard Bentley, capelão do bispo de Worcester, na Inglaterra. Bentley preparava uma série de palestras sobre as novas descobertas de Newton, baseadas no tema "como a estrutura do Universo poderia apenas ser gerada pelas mãos de Deus". Ou seja, como a ciência pode ser usada para demonstrar a existência de Deus.

Newton, ao contrário do que se pensa, não era apenas uma mente fria e racional. Ele se inspirava numa forte crença no poder infinito de Deus. Ele não se opôs à atividade de Bentley e, de fato, o ajudou, respondendo às suas perguntas e justificando sua posição filosófico-teológica.
Bentley perguntou a Newton como um universo finito, regido pela lei da gravidade, onde os objetos sofrem constante atração mútua, não colapsa sobre si mesmo, com todos os corpos se concentrando em seu centro.

Newton respondeu que o Universo não era finito, mas infinito, já que era criação de um Deus infinito, com infinitos poderes. Nesse Universo infinito, manifestação da glória divina, um número infinito de corpos se posicionava de modo que as atrações em direções opostas se cancelassem exatamente. Caso houvesse algum distúrbio nesse equilíbrio, Deus interferiria, restabelecendo o equilíbrio universal. Newton admitiu que apenas uma força divina poderia manter o equilíbrio de um sistema tão instável, que ele comparou a equilibrar agulhas na vertical.

Em 1721, Edmond Halley, que traçou a órbita do cometa homônimo, argumentou que, em um universo infinito, com um número infinito de estrelas, o céu noturno jamais seria escuro, mas claro como o dia!

Não é muito difícil visualizarmos o porquê desse estranho paradoxo. Imagine-se em meio a uma floresta de pinheiros. Se a floresta não for muito grande, certamente você será capaz de encontrar direções onde não haverá nenhum pinheiro. Mas se a floresta for cada vez mais densa e maior, em um certo momento, você estará cercado de pinheiros, incapaz de encontrar uma direção onde não haja nenhuma árvore. Em um universo estático e infinito, as estrelas são como os pinheiros, e sua radiação encheria os céus com sua luz perpétua.

Os argumentos de Halley foram reelaborados pelo astrônomo suíço J. P. L. de Cheseaux em 1744 e, independentemente, em 1826 pelo médico alemão Heinrich W. M. Olbers. Esse paradoxo, do por que, em um universo estático e infinito, a noite é escura, é conhecido até hoje como o "paradoxo de Olbers". E apesar da escuridão noturna ser a observação astronômica mais óbvia e rotineira, apenas no século 20 o paradoxo foi resolvido de modo satisfatório.

A primeira solução para o paradoxo, sugerida por Cheseaux e Olbers, supunha a existência de um meio gasoso interestelar que fosse capaz de absorver a radiação das estrelas mais distantes. Infelizmente, como notou John Herschel em 1848, em um universo eterno a radiação proveniente das estrelas aqueceria as regiões interestelares, fazendo com que elas também emitissem luz. Ou seja, a solução de Cheseaux e Olbers meramente recriava o problema.

A solução, como talvez o leitor já tenha adivinhado, está ligada com a suposição feita pelas cosmologias antigas de que o Universo é eterno. Sem dúvida, em um universo eterno, temos de considerar a luz de estrelas que começaram a brilhar há um tempo infinitamente no passado, de modo que a soma total de suas contribuições é infinita, iluminando o céu noturno. Mas em um universo que tenha origem em um instante no passado, a contribuição total das estrelas é finita, e o paradoxo desaparece. Portanto, a solução mais natural de por que o céu noturno é escuro tem relação com a própria origem do Universo, ou, melhor ainda, com a origem do tempo. A escuridão do céu noturno representa muito mais do que a simples ausência de luz.

domingo, 3 de maio de 1998

Einstein e o nascimento da cosmologia Moderna

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Em 1916, menos de um ano após ter formulado sua teoria da relatividade geral (TRG), Einstein percebeu a importância de sua descoberta para nossa compreensão do Universo como um todo. Desse trabalho pioneiro nasceu a cosmologia moderna.

A premissa básica da TRG é que a força da gravidade pode ser interpretada como resultado da curvatura do espaço (e do tempo). Imagine uma criança brincando com bolinhas de gude em uma mesa. A trajetória natural das bolinhas é uma reta.

Imagine também que a superfície da mesa é feita de um material elástico, e que colocamos uma bola de chumbo no centro da mesa. A presença da bola deformará a geometria da mesa, fazendo com que ela se torne curva. Quando as bolinhas de gude passarem perto da bola de chumbo, suas trajetórias irão se desviar de uma linha reta. E, se elas passarem bem perto da bola, cairão no "buraco".
Outro modo de dizermos que as trajetórias se desviaram de uma linha reta é dizermos que elas foram aceleradas. E aqui vem o gênio de Einstein. Podemos tanto dizer que as bolinhas foram aceleradas pela "força gravitacional" da bola de chumbo (claro que na prática essa força é desprezível e devemos substituir a bola de chumbo por corpos realmente maciços, como planetas ou estrelas), ou que suas trajetórias foram desviadas devido à curvatura do espaço, causada pela presença da bola de chumbo. A presença da massa deforma a geometria do espaço à sua volta, fazendo com que as trajetórias de corpos vizinhos sejam aceleradas. Gravidade não é nada mais do que a curvatura do espaço!

Como aplicar isso ao estudo do Universo como um todo? Einstein imaginou que, se ele conhecesse a distribuição média de massa no Universo, poderia usar as equações da TRG para determinar sua geometria. E assim nasceu a cosmologia moderna.

Einstein imaginou o Universo o mais simples e simétrico possível, estático e com a geometria de uma esfera. Na época, não se sabia que o Universo está em expansão, algo que só ficara estabelecido no final dos anos 20 com as observações do americano Edwin Hubble. (As observações do também americano Vesto Slipher, a partir de 1912, já indicavam o afastamento de "nebulosas distantes". Mas esses resultados eram pouco conhecidos na Europa e, certamente, ainda bastante controversos.)

E por que a escolha da geometria? Einstein imaginou que o Universo fosse semelhante à superfície de uma esfera, sem qualquer ponto mais importante do que outro. Imagine uma ameba inteligente, que viva na superfície de uma bola. Para a ameba (aproximadamente um ser bidimensional), seu "universo" não tem começo nem fim, mas tem uma propriedade geométrica interessante: se a ameba viajar sempre na mesma direção, voltará ao seu ponto de partida.
Einstein imaginou nosso Universo com a mesma propriedade, mas em três dimensões, e não em apenas duas. (Infelizmente, nós, ou mesmo Einstein, não podemos visualizar a superfície total de uma esfera!)

Einstein assumiu que a matéria estava distribuída homogeneamente em seu universo esférico e estático. Infelizmente, essa solução só era possível se a energia (ou a pressão) da matéria fosse negativa, o que era absurdo. Caso contrário, a atração gravitacional da matéria faria com que o Universo colapsasse sobre si mesmo! Como solução, Einstein propôs a chamada "constante cosmológica", cuja justificativa física era promover uma força repulsiva capaz de balancear o colapso do seu universo.

Doze anos mais tarde, após a descoberta da expansão do Universo, Einstein admitiu que a constante cosmológica foi seu maior erro. Mas que erro teimoso! Em épocas de "crise", quando observações aparentemente contradizem teorias, cosmólogos ressuscitam a constante cosmológica, elusiva como sempre. Talvez o "erro" de Einstein não tenha sido assim tão errado.