domingo, 27 de junho de 1999

Estimativas da probabilidade de existência de ETs


Em 1960, o astrônomo americano Francis Drake pediu que seu chefe no Observatório de Radioastronomia, na Virgínia Ocidental, apoiasse seu novo projeto: a busca por sinais de rádio enviados por extraterrestres. O projeto, de baixo custo, foi aprovado, dando origem ao que chamamos de Seti (Busca por Inteligência Extraterrestre, em inglês).

Para apoiar seu argumento original, Drake propôs uma equação que nos dá a idéia do quão rara (ou não!) é a existência de uma inteligência extraterrestre. Conhecida como "equação de Drake", ela calcula o número de seres em nossa galáxia capazes de estabelecer um canal de comunicação com a Terra. Para isso, Drake identifica quais são os fatores necessários para que haja comunicação. Vamos analisá-los um por um. (Devo acrescentar que, até o momento, ainda não recebemos nenhum sinal promissor.)

O primeiro fator (R) é a taxa de formação de novas estrelas na galáxia. Estrelas nascem e morrem. Quanto mais estrelas, maiores as chances de existir vida. Sabemos que existem cerca de 100 bilhões de estrelas na Via Láctea. Sabemos também que a idade aproximada da Via Láctea é de 10 bilhões de anos. Portanto, a taxa média de formação de estrelas é de dez por ano.
Esse fator é multiplicado pela fração de estrelas com planetas (F-p). Mesmo sem saber ao certo, é razoável estimar que todas as estrelas tenham planetas. Afinal, planetas são consequência do nascimento de uma estrela. Portanto, escrevemos F-p=1. E, desses, quantos oferecem condições propícias à vida (F-h)? Sabemos que, para a vida (ao menos como a conhecemos!), precisamos de energia (calor), água e materiais orgânicos. Um planeta com vida não pode estar muito longe nem muito perto de seu sol. Dos 9 planetas em nosso sistema solar, apenas 3 (Vênus, Terra e Marte) são uma opção razoável e, aparentemente, apenas a Terra tem vida. (Algumas luas distantes também são candidatas.) Portanto, estimamos F- h=1/10, 1 planeta a cada 10. Desses, apenas uma fração (F- v) desenvolverá vida, digamos, F- v=1/10. Aqui, estou supondo que o surgimento da vida não é muito raro, dadas as condições ideais. Esse é um tema em aberto, já que não compreendemos ainda o surgimento da vida.

E, desses planetas com vida, quantos podem ter vida inteligente? Se inteligência depender apenas de uma chance, sem dúvida ela deve ser difícil. Mas, segundo a teoria da evolução, a inteligência oferece uma grande vantagem de sobrevivência, sendo, segundo alguns, uma consequência inevitável da vida. Serei um pouco mais reticente e colocarei F-i=1/10: dos planetas com vida, 1 em 10 desenvolve ao menos uma espécie inteligente.

Dos planetas com vida inteligente, quantos têm uma civilização tecnológica (F-t) capaz de enviar sinais de rádio? Outra pergunta difícil. Mas podemos estimar que 1 em 10 se desenvolveu o suficiente para criar essa tecnologia. Portanto, escrevemos F- t=1/10. Finalmente, o tempo de vida dessa civilização também é importante; quanto mais velha a civilização, maior a chance de ela ter enviado ondas de rádio. No nosso caso, somos uma civilização tecnológica jovem, que produz ondas de rádio há menos de cem anos. Estimaremos, de forma pessimista, que a vida média de uma civilização tecnológica (T) seja de mil anos.

Juntando todos os fatores, N=R*F-p*F-h*F-v*F- i*F- t*T, obtemos N=10, ou seja, dez civilizações que tenham desenvolvido a tecnologia necessária para enviar ondas de rádio até nós. Claro, essa estimativa é aleatória, pois nós apenas conhecemos bem um dos termos (R). A equação de Drake pode ser usada tanto a favor como contra a existência de inteligências extraterrestres. Eu voto a favor, pois ficou faltando mais um fator na equação original: o número de galáxias no Universo, em torno de 200 bilhões. E, como a heroína do filme "Contato" argumentou, um Universo com só um planeta com vida inteligente "seria um grande desperdício de espaço".

domingo, 20 de junho de 1999

A medição da idade do Universo


O Universo não pode ser mais jovem do que suas estrelas. Apesar de óbvia, essa afirmação já deu muita dor de cabeça aos astrônomos e cosmólogos. Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble, estudando a luz proveniente de galáxias em nossa vizinhança, concluiu que estas estavam se afastando de nós com velocidades proporcionais às suas distâncias; quanto mais longe a galáxia, maior sua velocidade de recessão. Bem, raciocinou Hubble, se passarmos o filme ao contrário, já que conhecemos as velocidades com que essas galáxias estão se afastando de nós, podemos estimar quanto tempo se passou desde que elas todas ocupavam um volume bem pequeno. Esse intervalo de tempo nos daria uma estimativa da idade mínima do Universo. Sua estimativa foi de 2 bilhões de anos.
O problema com essa primeira medida é que já se sabia então que a Terra era mais velha do que isso. Como a Terra pode ser mais velha do que o Universo? Boa pergunta. Apenas em 1952, medidas mais precisas das distâncias até as galáxias mostraram que o Universo poderia ter em torno de 10 bilhões de anos, uma idade bem mais respeitável.

Da idade da Terra, passou-se a estudar a idade das estrelas. Para medir a idade de uma estrela, devemos saber como ela funciona. Basicamente, uma estrela normal, como o Sol, é uma fornalha nuclear gigantesca, que converte uma quantidade absurda de hidrogênio em hélio. (O sol converte cerca de 600 milhões de toneladas de hidrogênio em hélio por segundo! Um quilo dessa conversão pode alimentar uma lâmpada de 100 watts por 1 milhão de anos.) Após passos intermediários, quatro átomos de hidrogênio são convertidos em um átomo de hélio, pelo processo de fusão nuclear. E aqui, a teoria da relatividade faz o resto; como energia pode se transformar em matéria e vice-versa (E=mc2), e a massa de um átomo de hélio é menor do que a de quatro átomos de hidrogênio, o excesso de massa é transformado, durante a fusão, em energia. Estrelas são verdadeiros laboratórios alquímicos, capazes de gerar elementos químicos de maior massa a partir de elementos mais leves, algo que ludibriou os alquimistas aqui na Terra durante muitos séculos; não é fácil reproduzir o interior de uma estrela no laboratório. A energia produzida pela estrela fornece a pressão necessária para contrabalancear sua implosão pela gravidade.

O estudo da vida das estrelas (e de sua eventual morte, quando o combustível em sua região central se esgota) usa programas de simulação em computador sofisticados. Os resultados são comparados com observações astronômicas da luminosidade e da temperatura da estrela, que são usadas para determinar sua idade. Medidas atuais colocam a idade das estrelas mais velhas do Universo entre 9 bilhões e 12 bilhões de anos. E as medidas atuais da idade do Universo?

Durante as últimas três décadas, a comunidade astronômica mundial se viu dividida entre dois grupos, com opiniões e resultados diferentes. Basicamente, os dois grupos diferiam em suas estimativas por um fator de dois, que colocava a idade do Universo entre 10 e 20 bilhões de anos. No dia 25 de maio, um grupo de astrônomos, usando o telescópio espacial Hubble, revelou os resultados de observações dos últimos oito anos. A partir de dados colhidos em 800 estrelas de 18 galáxias situadas a distâncias de até 65 milhões de anos-luz, o grupo, liderado pela americana Wendy Freedman, concluiu que a idade do Universo está entre 12 e 13,5 bilhões de anos. Um número que, apesar de bem próximo da idade das estrelas mais velhas, é suficientemente maior para que a controvérsia fique parcialmente resolvida.

A história não termina aqui. Agora, os teóricos estudarão como essas medidas influenciam seus modelos da evolução do Universo, inclusive se ele irá ou não continuar sua expansão indefinidamente. Aparentemente sim. Mas ainda é muito cedo para concluir algo de definitivo com relação ao destino do cosmos.


domingo, 13 de junho de 1999

O Universo em uma biblioteca infinita

No conto "A Biblioteca de Babel", o grande escritor argentino Jorge Luis Borges constrói uma réplica literária do Universo, criando tanto uma homenagem às descobertas científicas de sua época como um desafio quase que irônico aos cosmólogos modernos. A Biblioteca de Babel é diferente de qualquer outra biblioteca; nela, encontramos todos os livros que já foram escritos e aqueles que ainda vão ser, assim como volumes contendo todas as possíveis combinações de letras nos arranjos mais aleatórios possíveis. Tudo o que já foi pensado, ou que será pensado, e tudo o que não faz sentido pode ser encontrado em algum volume da absurda biblioteca.
O conto levanta questões conceituais que são muito relevantes no estudo da cosmologia. As primeiras frases revelam a intenção de Borges de parodiar a cosmologia: "O Universo (que alguns chamam de biblioteca) é composto de um número indefinido, talvez infinito, de galerias hexagonais". Hexagonais como uma infinita colméia, que retrata a homogeneidade do espaço; todas as galerias são equivalentes, nenhuma sendo mais importante do que a outra. A luz que ilumina a biblioteca é insuficiente, deixando o leitor sempre parcialmente às escuras, como quando vislumbramos o céu noturno e seus mistérios, que nos são revelados em parte. Ou, talvez, a penumbra da biblioteca seja uma alegoria à escuridão que há entre objetos do cosmos.
Como a biblioteca é o Universo, nada pode existir fora dela. Portanto, os leitores, assim como o narrador, são parte da biblioteca. Como podemos compreender algo do qual nós somos parte?

Os bibliotecários tentam em vão decifrar os infinitos significados do seu mundo, condenados a um conhecimento finito. Esse fato pode ser identificado como uma analogia ao conhecimento científico: como a biblioteca contém todos os livros, deve haver um compêndio que resume todos os outros livros. Mas, se esse livro existe, a biblioteca é completa, deve haver um outro livro que descreve todos os livros e mais esse compêndio, e assim por diante, em uma regressão infinita. Portanto, é impossível encontrar um livro que contém todos os outros, pois sua existência necessariamente implica a existência de um outro livro que o inclui. A busca por uma síntese do conhecimento está fadada ao fracasso.

Já que parte da biblioteca é acessível, os bibliotecários "sofrem de perigosas ilusões do quanto é realmente compreensível". Ver uma parte, ou mesmo várias partes, não significa ver o todo, ou poder ver o todo.

Os habitantes da biblioteca enumeram os livros e calculam probabilidades, mas não conseguem se apropriar de seu significado como um todo. Esse mistério estará para sempre fora do alcance. Para Borges, a ciência jamais conseguirá desvendar os mistérios mais profundos da natureza, simplesmente porque somos parte do mistério.

O conto (e também outros, como "O Aleph", que espero comentar em outra ocasião) revela uma profunda preocupação com a representação científica do mundo, não só no questionamento dos limites do conhecimento, como também em um nível mais reducionista; mesmo que todos os livros sejam escritos usando as 23 letras do alfabeto, o conhecimento dessas letras pelos habitantes da biblioteca não revela muito da natureza fundamental de seu Universo.

Será que Borges está criticando a busca pelos tijolos elementares da matéria da física de partículas? Essas partículas são o "alfabeto" com o qual toda a "escrita" do mundo natural é feita. Será que essa busca é necessariamente fadada ao fracasso? A resposta depende da ambição de cada um. Para os que querem descobrir tudo com a ciência, talvez as alegorias de Borges sejam mais do que só alegorias. Eu me contento em circular por regiões parcialmente iluminadas da biblioteca, encontrando, aqui e ali, mais um volume que me revele uma pequena parte do grande e impossível mistério.

domingo, 6 de junho de 1999

O alquimista e o físico nuclear



O grande sonho dos alquimistas -manipular substâncias químicas de forma a transformá-las em remédios ou em ouro- é uma das heranças intelectuais mais importantes da era pré-científica. Do mesmo modo que a astronomia deve muito à astrologia, a química e a física moderna devem à alquimia e a seus misteriosos praticantes.

Envolta em um véu místico, combinando técnicas científicas com rituais mágicos, a alquimia foi muito mais do que uma prática materialista, dedicada a fabricar ouro a partir de elementos mais comuns, como o chumbo. Sem dúvida, esse lado material existia e era importante para a sobrevivência da pesquisa, de forma semelhante ao que acontece hoje em alguns ramos da ciência; vários alquimistas eram financiados por membros da corte com intenções puramente materiais. Em muitos casos, o fracasso era punido com a morte, algo que os governos e indústrias atuais ainda não fazem com seus cientistas. A condenação pelas agências modernas é um corte de bolsa, que não deixa de ser, ao menos simbolicamente, uma condenação à morte. A ciência precisa de fundos.

O trabalho do alquimista transcendia a busca por metais preciosos; o essencial era sua entrega ao processo de descoberta, às práticas ritualísticas em seu laboratório, que funcionavam como uma ponte entre o mundo material e o Universo como um todo. A repetição precisa dos vários procedimentos, as medições, misturas e experiências, transportavam o alquimista a uma nova realidade, onde seu ser se unia ao cosmos, num verdadeiro amálgama da realidade material com a realidade espiritual, o clímax de sua visão holística do Universo. A famosa "pedra filosofal", o misterioso elemento capaz de transformar chumbo em ouro, era na verdade símbolo dessa procura, dessa emancipação espiritual.

A sedução das idéias alquímicas era tão grande (para muitos ainda o é) que o próprio Newton, conhecido como o arquétipo perfeito da razão fria e matematicamente precisa do cientista, cujo tratado de 1687, "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural", lançou as bases do estudo da mecânica e da gravitação, dedicou mais tempo às suas pesquisas alquímicas do que às puramente científicas. Na verdade, para Newton essa distinção não era tão clara. Mesmo que ele tenha sido cuidadoso ao separar seus escritos, usando uma linguagem adequada a cada um, sua obra, tomada como um todo, é interpretada por muitos como fruto de sua visão orgânica do Universo. As leis da física complementam princípios místicos, derivados de uma combinação de sua prática alquímica com sua visão religiosa de um Deus todo-poderoso que não só criou o Universo, como também atua constantemente para garantir seu funcionamento.

Aos alquimistas faltava uma das descobertas básicas da física moderna: que elementos químicos podem combinar-se entre si, formando moléculas, mas não se transformar uns nos outros a partir de reações químicas; chumbo não irá virar ouro em uma reação química. Transmutação dos elementos, ou seja, a transformação de um elemento químico em outro, se dá apenas em reações nucleares, que envolvem energias muito maiores do que as de reações químicas típicas. Não é à toa que os alquimistas medievais (ou suas encarnações mais modernas) falharam na busca pela pedra filosofal; ela se esconde dentro do núcleo atômico, consistindo na combinação de duas forças fundamentais da natureza, as forças nucleares forte e fraca. A física nuclear é herdeira da alquimia.

Uma vez que a estrutura do átomo foi compreendida no início do século, ficou claro como é possível transmutar elementos; basta mudar o número de prótons em seus núcleos em reações nucleares. Infelizmente, fica meio caro transmutar chumbo em ouro; os físicos nucleares que tentarem tal feito terão, sem dúvida, suas bolsas cortadas pelas agências financiadoras.