domingo, 25 de julho de 1999

Cosmologia e destino



Desde que o cosmólogo russo Alexander Friedmann propôs, em 1922, que a geometria do Universo não é estática, mas sim dinâmica, o destino do Universo passou a integrar a lista de preocupações dos físicos modernos. Segundo as equações que descrevem sua evolução, tudo depende da quantidade de matéria que há, em média, no Universo. Usando o fato de que matéria e energia podem ser consideradas no mesmo nível dentro da teoria da relatividade, tudo depende da densidade de energia no Universo, ou a quantidade de energia/ matéria por unidade de volume.

Basta saber qual é a densidade de energia no Universo e a comparar à chamada "densidade crítica" para prever seu destino. Caso o Universo tenha uma densidade maior que a densidade crítica, sua expansão se transformará em contração em algum momento do futuro. Caso contrário, a expansão continuará para sempre. Podemos também mostrar que há relação entre o destino do Universo e sua geometria: um universo fechado, como a superfície de uma bola, voltará a se contrair, e um universo aberto, como a superfície de uma mesa, se expandirá. (Claro, o Universo tem três, e não duas dimensões espaciais, como a superfície da bola.)
"Então é só isso?", exclama o leitor. Claro que não. Primeiro, não é nada fácil obter uma medida da densidade média de energia no Universo. As medidas atuais dizem que a densidade de energia do Universo é cerca de 30% da crítica. Nesse caso, o Universo teria um fim gelado.

Quando Einstein propôs o primeiro modelo cosmológico da era moderna, em 1917, usando sua teoria da relatividade, ele supôs que o Universo era estático. Na época, não havia observações conclusivas indicando que o Universo se encontrava em expansão. No entanto, ele observou que um Universo estático e finito era instável, podendo implodir devido a qualquer perturbação. Para remediar esse problema, ele adicionou um novo termo em suas equações, uma espécie de "antigravidade", que gerava uma pressão negativa capaz de equilibrar seu universo. Esse termo é conhecido como "constante cosmológica". Quando, em 1929, Edwin Hubble anunciou a expansão do Universo, Einstein abandonou o termo, chamando-o de seu maior erro.

Mas a constante cosmológica se recusa a desaparecer. Dois grupos de astrônomos americanos causaram verdadeira sensação na comunidade internacional ao anunciar que certos tipos de estrelas que eles observaram de forma metódica, as supernovas do Tipo 1, estão sendo aceleradas mais rapidamente do que o previsto pela cosmologia de Friedmann. A explicação mais popular para isso é a existência de uma constante cosmológica! Mesmo que ainda seja um pouco prematuro concluir que, de fato, o Universo possui uma força de repulsão cósmica, podemos ao menos explorar algumas das consequências da existência dessa força.

Talvez a consequência mais surpreendente da existência de uma constante cosmológica seja a perda da relação entre o destino do Universo e sua geometria. Uma vez que a constante cosmológica é incluída nas equações sobre a evolução do Universo, torna-se possível ter um universo fechado que continuará a se expandir, ou um aberto, que virá a colapsar em um grande Big Crunch, algo que, segundo a cosmologia tradicional, não é possível.

Para piorar as coisas, podemos mostrar que não é possível obter informação sobre o destino do Universo por meio de nenhuma combinação de observações cosmológicas. Isso porque, mesmo que elas mostrem que a constante cosmológica é, na verdade, nula, nada impede que ela seja apenas muito pequena. A esperança de muitos é que uma teoria fundamental da natureza venha a mostrar que a constante cosmológica deve ser absolutamente zero. Mas, até a descoberta dessa teoria (se ela for descoberta), devemos nos render à ignorância de nosso destino.

domingo, 18 de julho de 1999

Ciência e espiritualidade

Nestes tempos "pré-milenares", em que tudo se transforma tão rapidamente, o apetite das pessoas por verdades e certezas mais permanentes vem atingindo níveis jamais vistos ou mesmo previstos. O acesso fácil aos computadores e às telecomunicações criou uma aldeia global, onde a troca de informação entre diferentes culturas e pessoas do mundo é mais fácil e barata do que em qualquer outro período da história humana.

Esse excesso de informação, ao mesmo tempo inspirador e aterrorizador, causa muita confusão e estresse na cabeça das pessoas.

A tecnologia é muitas vezes percebida como uma espécie de monstro, capaz de curas milagrosas e de viagens interplanetárias, mas também de produzir armas que poderiam aniquilar a vida na Terra.

Inevitavelmente, surgem teorias de conspirações clandestinas e o governo (em muitos casos, merecidamente!) perde a sua credibilidade, enquanto uma intolerância generalizada ameaça polarizar ainda mais a sociedade. O resultado é uma sensação de pânico e abandono avidamente explorada por oportunistas que se apresentam como a única alternativa em um "mundo louco".

Com isso, observamos a proliferação de seitas da "Nova Era", de várias superstições (gnomos, anjos, fadas e outras criaturas fantásticas) e de pregadores da "verdade". Observamos também o crescimento do desprezo pela ciência e pelo que ela tem a dizer sobre o mundo.

A ciência é considerada a antítese da espiritualidade, uma atividade fria e manipuladora, dedicada a tirar Deus das pessoas. Ou as pessoas de Deus.

Acredito que essa concepção completamente errônea do que é a ciência e de como ela funciona seja a responsável por sua impopularidade, descontados os fãs, claro. Parte da culpa pertence, sem dúvida, à comunidade científica; historicamente, poucos cientistas dedicaram parte de seu tempo à divulgação, ao público, de suas idéias e descobertas. Essa situação está gradualmente se transformando, mas muito ainda precisa ser feito, especialmente nos meios de comunicação de maior penetração, como a televisão ou o cinema. O que ainda vemos, na maior parte desses veículos, depende do sensacionalismo barato e de distorções da imagem do cientista ou de seu trabalho.

Como, então, podemos reconciliar a ciência com o grande público, fazendo com que sua divulgação não traga, necessariamente, sua distorção? Vários livros de divulgação científica tiveram sucesso por revelar uma conexão entre ciência e espiritualidade, como "O Tao da Física", de Fritjof Capra. A julgar por esses livros, a resposta deve revolver em torno de uma reconciliação entre ciência e espiritualidade. Infelizmente, não creio que o caminho usado por esses autores revele a espiritualidade da ciência de forma correta; não creio que a ciência esteja simplesmente redescobrindo "verdades" descobertas através da meditação ou de uma conexão mística com o mundo, como nas religiões orientais.

A espiritualidade da ciência não é encontrada através de comparações entre suas descobertas e as práticas e ensinamentos de diversas religiões. Ela é encontrada na paixão com que os cientistas devotam toda uma vida na tentativa de desvendar os mistérios do mundo à sua volta. Ela é encontrada no próprio ato criativo, aquele momento de autotranscendência que desafia qualquer explicação racional. Ela é encontrada em sua humanidade e na poesia que revela.

Enquanto a ciência tenta entender o "como", deixando de lado o "porquê", a religião aceita o "porquê" baseada na fé, pouco se preocupando com o "como". Certas questões são exclusivas da ciência, enquanto outras pertencem somente à religião.

O fundamental é saber discernir os limites de ambas, suas diferentes missões e o simples fato de elas serem necessárias para a nossa existência.

domingo, 11 de julho de 1999

Do ponto à loucura

O ponto não existe. Apenas a idéia dele, que, na verdade, é apenas uma das várias abstrações que fazem parte da estrutura conceitual da geometria. Por não ter dimensão, o ponto não ocupa lugar no espaço e, paradoxalmente, é a entidade fundamental da geometria, a área da matemática que estuda as propriedades de objetos no espaço.

Como sabemos, a menor distância entre dois pontos, pelo menos no plano, é um segmento de reta. Mas uma reta, por definição, não tem espessura, pois, se tivesse, ela seria um retângulo bem comprido -um objeto em duas dimensões- e não uma linha. A conclusão é simples: a reta, que não existe por não ter espessura, liga dois pontos que também não existem! Essa conclusão é apenas aparente; ao transformar uma idealização em realidade, somos necessariamente levados a comprometer a "pureza" da idéia.

O grande filósofo grego Platão, que viveu aproximadamente de 428 a.C. a 348 a.C., via o mundo dos sentidos com grande suspeita. Para ele, a representação de um círculo jamais será tão perfeita quando a idéia do círculo que habita a mente. Quando o leitor imagina um círculo, imediatamente um círculo perfeito aparece em algum lugar de sua mente. Já quando o leitor desenha esse círculo, ou seja, quando tenta representar essa idealização concretamente em um pedaço de papel, a perfeição vai embora. Por mais perfeito que seja o desenho, o compasso ou a impressora a laser, o desenho de um círculo jamais será perfeito como a idéia de um círculo. Só há perfeição das figuras geométricas no mundo das idéias.

Platão ilustrou sua filosofia com a "alegoria da caverna". Imagine, disse ele, vários escravos em uma caverna, acorrentados de forma a poder olhar apenas para a parede à sua frente. (A "democracia" grega não só aceitava a escravidão, como excluía os escravos da participação política.) Atrás dos escravos, filósofos da Academia de Platão preparavam uma fogueira e manipulavam objetos, cujas sombras eram projetadas na parede vista pelos escravos. Os filósofos pediam aos escravos para descrever imagens projetadas na parede. (Adaptação livre da idéia de Platão.)

O ponto crucial do argumento é que os objetos, cujas sombras eram projetadas, eram figuras geométricas "perfeitas", como o círculo ou o quadrado. No entanto, tudo o que os escravos viam eram sombras imperfeitas, distorções dos objetos originais. A conclusão de Platão é que o mundo dos sentidos não reproduz a perfeição do mundo das idéias, apenas se aproxima dela.
Ao tentarmos reproduzir, através de construções geométricas e equações matemáticas, a realidade do mundo natural, estaremos sempre no papel dos escravos, conscientes das perfeições abstratas e das imperfeições concretas. Nossa percepção sensorial do mundo será sempre limitada, e nossa representação também. O curioso é que o mundo que "está lá fora" é representado "aqui dentro", ou seja, dentro de nossas mentes. Temos duas realidades coexistindo dentro de nossas mentes: uma realidade abstrata, relacionada com o mundo das idéias, construída de "dentro para fora", e uma realidade concreta, construída de "fora para dentro".

Em uma mente sadia, essas duas realidades coexistem e se complementam, uma inspirando e reforçando a existência da outra. Quando essas duas realidades entram em choque, as fronteiras do que é real e do que é imaginado se confundem. Coisas que pertencem ao mundo das idéias se tornam "reais" e coisas "reais" se transformam em idealizações. Às vezes, esse tipo de efeito é obtido com certas drogas ou em certos tipos de patologias mentais. O que me lembra o personagem do conto "O Alef", de Jorge Luis Borges, que podia vislumbrar todo o Universo, o passado e o futuro, de um ponto em seu sótão. Talvez o enigma do infinito esteja mesmo escondido por trás da aparente simplicidade do ponto.

domingo, 4 de julho de 1999

O que é a vida?



Como podemos definir o que é vida? A primeira frase do livro de bioquímica e biologia molecular de William e Daphne Elliott diz: "Vida é um processo químico envolvendo milhares de reações diferentes de forma organizada, as chamadas reações metabólicas, ou, mais simplesmente, metabolismo". Ou seja, vida é metabolismo. Metabolismo é a transformação de energia e matéria em células, tecidos e órgãos de um ser vivo. Mas máquinas também transformam energia e matéria - por exemplo, energia química armazenada na gasolina em movimento de um carro. Mesmo que a definição bioquímica seja importante, ela tem limitações.

Na verdade, quanto maior nosso conhecimento sobre o mundo natural, mais difícil fica definir o que é vida. Isso parece paradoxal, pois é bastante óbvio, quando nos deparamos com uma pedra ou um mosquito, qual desses é o ser vivo. O problema é que não temos uma divisão clara entre o vivo e o não-vivo. Aparentemente, existe um continuum entre os dois mundos, com os vírus como ponte. Quando estão isolados, os vírus se comportam como outras moléculas orgânicas, sem mostrar sinal de vida. Mas, quando entram em uma célula viva, os vírus mostram as mesmas propriedades da maioria dos seres vivos. E quais são essas propriedades?

Talvez a propriedade mais fundamental dos seres vivos seja sua capacidade de reprodução: seres vivos geram outros seres vivos, enquanto seres inanimados permanecem inanimados. Pedras e máquinas não se reproduzem. Mas a coisa é mais complicada. Dadas determinadas condições, certos cristais também podem se reproduzir. O que falta em nossa definição da propriedade fundamental dos seres vivos é sua íntima relação com mutações genéticas: seres vivos transmitem informação genética à sua prole, mas as cópias não são sempre exatas.

Mutações podem ocorrer, modificando a informação originalmente passada de uma geração a outra. Cristais não sofrem mutações e, pelo menos até o momento, máquinas ainda não se reproduzem criando mutações arbitrárias em sua prole. Portanto, a propriedade fundamental dos seres vivos é a capacidade de sofrer mutações genéticas durante a reprodução.

O interessante aqui é que, na natureza, essas mutações são aleatórias, causadas por modificações ambientais (como um excesso de radiação vinda do Sol ou até de uma explosão de supernova na nossa vizinhança cósmica) ou por motivos ainda desconhecidos. Isto é, elas ocorrem espontaneamente, sem o controle ou ajuda do ser vivo que está se reproduzindo. Mais ainda, como a teoria darwiniana de evolução nos mostrou, a própria sobrevivência da espécie é determinada pela eficiência dessas mutações: se as mariposas pretas em uma floresta de árvores escuras tornarem-se subitamente brancas, elas serão presa fácil para seus predadores, como passarinhos (se você não gosta da idéia de passarinhos como predadores, imagine o que as minhocas acham).

A propriedade que nos ajuda a definir o que é vida é também a responsável pela sua perpetuação ou aniquilamento. Como essas mutações genéticas são aleatórias, os seres vivos não têm controle sobre a sua própria sobrevivência. Se eles não se reproduzirem, sua espécie desaparece; se eles se reproduzirem, podem tanto melhorar as condições de sobrevivência de sua espécie (as mariposas pretas podem voar a velocidades maiores do que suas avós) como piorá-las (elas podem virar mariposas brancas).

Mas há uma exceção à regra: nós, os humanos. Seres vivos inteligentes podem causar modificações ambientais que produzirão novas mutações -o lado negativo- ou redirecionar as mutações ruins e garantir assim sua sobrevivência -o lado bom. Sendo um otimista, eu acredito que o desenvolvimento da pesquisa em engenharia genética abrirá novas portas para a cura de várias mutações e doenças e também para uma maior compreensão do mistério da vida, sua origem e perpetuação.