domingo, 28 de fevereiro de 1999

O mistério gravitacional e as perguntas da ciência



Aqui na Terra, como sabemos muito bem, qualquer objeto com massa, ao ser largado de uma certa altura, cai no chão. No século 17, Galileu mostrou, em sua lendária (e aparentemente verídica) experiência na Torre de Pisa, que objetos com massas diferentes caem do mesmo jeito, isto é, com a mesma aceleração. Claro, uma pena e uma bola de chumbo largados da mesma altura não irão atingir o chão ao mesmo tempo. As observações de Galileu são válidas quando podemos desprezar o atrito do ar, que influencia muito mais a pena do que a bola de chumbo.

Galileu obteve a primeira descrição matemática do movimento de objetos na presença da gravidade, que atribuiu a um movimento acelerado para baixo. Antes de Galileu, várias pessoas, como o filósofo grego Aristóteles, já haviam tentado responder à aparentemente simples questão: "Por que as coisas caem?". Mas Aristóteles ofereceu uma explicação descritiva, dizendo que todos os objetos feitos de terra tendem a voltar ao seu lugar de origem, isto é, a Terra.

Mas a explicação de Galileu não foi uma explicação do "porquê", mas de "como" as coisas caem. Ele não se preocupou com a natureza do agente causador do movimento para baixo, mas com a descrição do movimento. Galileu separou o movimento dos corpos na Terra do movimento dos corpos celestes, que ele atribuiu a uma espécie de "inércia circular"; objetos celestes têm a tendência de se mover em círculos ao redor do Sol.

Na época, duas outras idéias sobre a gravidade eram desenvolvidas, tentando focar mais no "porquê" do que no "como". O francês René Descartes sugeriu que objetos celestes são carregados em seus movimentos por "vórtices", ou redemoinhos, em uma substância que banha o cosmos, como rolhas girando em torno de um ralo. Já o astrônomo alemão Johannes Kepler sugeriu que o Sol emanava uma espécie de força magnética que agia sobre os planetas determinando suas órbitas, que ele mostrou serem elípticas. Mas como o Sol pode influenciar os planetas sem os tocar?

Esse problema, chamado "ação à distância", tornou-se um dos demônios na cabeça do sucessor de Galileu e Kepler, Isaac Newton. Em sua teoria da gravitação universal, Newton mostrou como as mesmas leis da física que agem sobre os objetos na Terra também agem sobre os objetos celestes. Quanto à questão da misteriosa ação à distância, Newton preferiu não especular, dizendo que sua teoria descrevia muito bem um enorme número de fenômenos relacionados à gravitação, das órbitas planetárias às marés. Mesmo que mais sofisticada, a teoria de Newton descrevia o "como" da gravitação, não o "porquê".

No início do século 20, Einstein propôs uma nova teoria da gravidade, sua teoria da relatividade geral, em que ele aboliu o conceito de ação à distância. A ação da gravidade é explicada por deformações na geometria do espaço (e do tempo!) causadas por objetos. Quanto mais maciço o objeto, maior a deformação que ele causa à sua volta; em escalas humanas, essas deformações são minúsculas e a força da gravidade é perfeitamente desprezível.

Perto do Sol, essas deformações causam anomalias na órbita de Mercúrio que não são explicadas pela teoria de Newton. Longe do Sol, esses efeitos são fracos e a teoria de Newton funciona bem. Einstein criou uma nova visão de mundo, baseada em uma espécie de plasticidade do espaço à nossa volta. Mas a questão do "por que" as coisas caem permanece: "por que" objetos deformam a geometria do espaço? Isso nos leva a questionar se, no fundo, essa questão não tem apenas uma importância metafísica. Afinal, se somos capazes de descrever com grande precisão "como" ocorrem os fenômenos à nossa volta, será que é assim tão importante entender também o "porquê"? Acho que sim. Mas talvez não por meio de um questionamento puramente científico do mundo.

domingo, 21 de fevereiro de 1999

As peculiaridades de um cadáver estelar



As estrelas, como nós aqui na Terra, nascem, crescem e morrem. Mas, ao contrário das nossas mortes, as das estrelas são bastante espetaculares. De forma simplificada, podemos pensar em estrelas como sendo gigantescas bolas de gás -principalmente hidrogênio- que passam suas vidas lutando contra sua própria implosão gravitacional.

As enormes pressões causadas pela força gravitacional provocam a fusão nuclear do hidrogênio em hélio. Esse processo libera uma quantia imensa de radiação, que causa uma pressão de dentro para fora, contrabalançando a implosão gravitacional da estrela. A vida de uma estrela é dramática; ela tem de devorar suas próprias entranhas para sobreviver. Eventualmente a gravidade triunfa e a estrela colapsa sobre si mesma, provocando um enorme aumento de pressão em suas regiões centrais.

Esse colapso pode ser visualizado como uma onda de fora para dentro da estrela. A direção da onda é revertida quando ela se choca com as densas regiões centrais da estrela, que vomita parte de sua matéria, inflando de tamanho e incinerando tudo o que encontra pela frente (no caso do nosso Sol, uma das vítimas será a Terra, mas só em 5 bilhões de anos).

Os detalhes dessa morte estelar dependem das propriedades da estrela, principalmente de sua massa. Um dos possíveis cadáveres que resultam desse processo são as chamadas estrelas de nêutrons, ou pulsares.

Nascidas em meio à incrível violência das explosões de supernovas, as estrelas de nêutrons são os restos extremamente densos de estrelas que, inicialmente, tinham uma massa de oito a dez vezes maior do que a massa do Sol. Durante seu colapso final, a estrela expele a maior parte de sua matéria, deixando apenas uma estrela de nêutrons, uma esfera com massa em torno de 1,4 vezes a massa do Sol, mas com um raio de apenas 10 km.

Essa enorme quantidade de matéria em uma esfera tão pequena provoca efeitos exóticos. A matéria que orbita uma estrela de nêutrons pode circundá-la em milésimos de segundo e se chocar com ela a velocidades de até 1/3 da velocidade da luz, ou seja, 100 mil quilômetros por segundo! Até agora, mais de mil dessas estrelas foram encontradas em nossa galáxia, de um total estimado em 100 milhões.

As estrelas de nêutrons têm um campo magnético, assim como o terrestre, que usamos para determinar, com bússolas, nossa orientação com relação ao sentido sul-norte. Como essas estrelas giram, seu campo magnético também gira. Podemos imaginar um pião girando desequilibrado, a haste simbolizando a direção de seu campo magnético. Esse movimento giratório do campo magnético provoca a emissão de radiação em várias frequências, inclusive em ondas de rádio.

Essas ondas de rádio foram descobertas nos anos 60 pela inglesa Jocelyn Bell, que inicialmente pensou estar captando uma transmissão de rádio extraterrestre! Na verdade, a estrela é como um farol celeste, varrendo o espaço periodicamente com sua radiação. E as ondas de rádio representam apenas um centésimo de milésimo da quantidade emitida de radiação.

Efeitos ainda mais dramáticos ocorrem quando essas estrelas formam pares com outras. Nesse caso, a força gravitacional da estrela de nêutrons suga a matéria de sua companheira como um verdadeiro vampiro cósmico. A matéria circula a estrela de nêutrons de modo semelhante ao movimento da água em torno de um ralo, emitindo uma quantidade enorme de radiação e alimentando a estrela de nêutrons, que, "revitalizada", gira ainda mais rapidamente. Esses pares cósmicos são observados devido à sua rica emissão de raios X, que é detectada por satélites-observatórios. Nos próximos anos, uma verdadeira frota de satélites-observatórios de raios X e raios gama estará sendo lançada. Podemos contar com a descoberta de propriedades ainda mais exóticas desses estranhos objetos cósmicos.

domingo, 14 de fevereiro de 1999

O problema do ano 2000 e as previsões apocalípticas


Parece mentira, mas o avanço tecnológico traz uma enorme vulnerabilidade. O exemplo mais clássico talvez seja o uso e o abuso da energia nuclear, em que reatores são capazes de produzir enormes quantidades de energia, mas, por outro lado, podem também criar desastres de grandes proporções, como o que aconteceu em Chernobyl, na Ucrânia, em 1986.
Mas, com a proximidade do ano 2000, um outro problema está cada vez mais presente em nossas vidas, o chamado "problema do ano 2000". A nossa sociedade é extremamente dependente de computadores. De relógios de pulso com pequenos chips até os supercomputadores que calculam previsões meteorológicas ou de investimentos, uma enorme fração das operações que ocorrem na sociedade dependem da passagem do tempo e de como ela é armazenada em computadores. O problema decorre do método que era usado para armazenar números que representam anos na memória de computadores mais antigos.

Nos anos 60 e 70, memória para computadores era uma coisa cara e rara. Os programadores procuravam sempre abreviar ao máximo os dados armazenados na maioria de seus computadores. Portanto, para armazenar datas, era mais econômico escrever "10/3/96" em vez de "10/3/1996". O problema aparece quando o ano 2000 passa a ser representado por "00".

Por exemplo, uma pessoa deposita dinheiro em uma caderneta de poupança em 1999, para que ele seja retirado no ano 2000, em um prazo fixo (isso é apenas ficção!). Se o banco calcular os juros subtraindo 99 de 00, o computador irá calcular o período de depósito como sendo de 99 anos. Uma companhia de seguros nos EUA cancelou 700 contratos de vendedores de apólice porque seu computador confundiu o prazo de expiração das licenças Äque aparece no programa como 00Ä como sendo 1900. Também nos EUA, um homem com mais de 100 anos recebeu um convite para ingressar no jardim de infância.

Esses exemplos são apenas uma pequena demonstração do que poderá de fato acontecer na virada do milênio. Várias pessoas estão tomando medidas um tanto paranóicas para se proteger do "caos completo" que reinará sobre a Terra quando os computadores falharem. Claro, existe uma boa dose de exagero nessa afirmação. Mas certos problemas estão de fato sendo esperados. Existe um serviço na Internet que vende um "jardim hortigranjeiro completo", com as sementes todas mandadas pelo correio, com instruções de quando plantar o quê, caso ocorra uma interrupção prolongada na distribuição de alimentos. A venda de velas começou a subir, só no caso de haver uma interrupção no fornecimento de energia elétrica.

Várias grandes companhias nos EUA e no Brasil estão investindo pesado para evitar sérios problemas. A companhia telefônica GTE já investiu US$ 400 milhões, enquanto a General Motors investiu quase US$ 1 bilhão!

Existem vários métodos para abordar esse problema, que aparentemente é tão inofensivo. A dificuldade vem do próprio processo de evolução das linguagens de programação, que muitas vezes mantêm elementos de suas predecessoras. Portanto, o programador tem de fazer uma espécie de "cirurgia", identificando onde está localizado o problema, para então tentar remediá-lo, ensinando ao computador como interpretar "00" corretamente.

Provavelmente, algumas interrupções e distúrbios serão mesmo inevitáveis. Por outro lado, é pouco provável que esses distúrbios venham a assumir proporções apocalípticas como escuridão, vulnerabilidade ao calor ou frio devido à falta de energia elétrica ou gás, escassez de alimentos etc. É incrível o quanto nos afastamos da natureza como consequência de nosso desenvolvimento tecnológico. Mas, só por via das dúvidas, vale a pena comprar um bujão de gás, velas e evitar viajar de avião durante a primeira semana do ano 2000. Ou passar o ano novo com os índios do Xingu, que devem achar muita graça disso tudo.

domingo, 7 de fevereiro de 1999

Cordas cósmicas e outros objetos não-identificados



Gostaria de começar definindo uma nova sigla: OCNI, Objeto Cósmico Não-identificado. Essa sigla será usada para descrever qualquer objeto cuja existência foi prevista por uma teoria cósmica (cosmologia ou astrofísica), mas cuja detecção definitiva, até o momento, nos iludiu.
A imaginação do cientista caminha mais rapidamente do que a tecnologia. Mesmo que, no decorrer da história da ciência, muitas descobertas tenham ocorrido devido a novas tecnologias (o telescópio e o microscópio são dois exemplos ilustres), várias outras foram produtos de teorias e especulações muitas vezes consideradas exóticas demais para serem verdade.

Os céus estão povoados pelos mais exóticos objetos, cuja existência foi prevista por teorias, antes deles serem observados. Astrofísicos previram a existência dos cadáveres estelares, conhecidos como anãs brancas, estrelas de nêutrons (ou pulsares) e buracos negros, bem antes de sua descoberta por meio de observações astronômicas. Esses objetos marcam os destinos possíveis de uma estrela, o estado de repouso final (em geral nada tranquilo) após ela ter queimado grande parte de sua matéria lutando contra sua própria implosão devido à força da gravidade.
Juntamente com esses cadáveres astrofísicos, vários outros objetos cósmicos, apesar de previstos por teorias, ainda não foram observados Äos OCNIs. Sua existência permanece um mistério, certamente uma fonte de ansiedade para seus criadores. Um exemplo interessante é o das cordas cósmicas, tubos extremamente finos e longos, resultantes de processos que possivelmente ocorreram durante a mais tenra infância do Universo.

As cordas cósmicas foram propostas em 1976 pelo físico inglês Tom Kibble, como produto de uma ruptura nas propriedades das forças que descrevem o comportamento das partículas de matéria em energias muito altas. Segundo a teoria, o mundo das partículas é dividido em dois níveis. Em energias muito altas, as forças se comportam do mesmo modo, sendo unificadas. Em energias mais baixas (o nível em que nós vivemos), elas são diferentes. Essas forças (ou melhor, interações) incluem o eletromagnetismo e duas forças que só ocorreram em distância nuclear, a força forte e a força fraca.

As cordas cósmicas são fósseis dessa ruptura entre as interações, seu interior mantendo a descrição unificada das forças. Caso pudéssemos examiná-las, veríamos uma realidade completamente diferente da nossa, em que as três forças entre as partículas (a exceção é a gravidade) se comportam como uma. Cada centímetro de corda pesaria na Terra milhões de vezes mais do que o monte Everest, embora seu diâmetro fosse menor do que um núcleo atômico! Sem dúvida, são objetos exóticos.

A descoberta de uma corda cósmica teria profundas repercussões na nossa compreensão do cosmos. Caso existam, elas teriam sido formadas na infância do Universo, oferecendo confirmação não só do Big Bang logo após o "bang", mas também de nossa compreensão da física de partículas em energias que provavelmente jamais poderão ser testadas em laboratórios da Terra. Hoje, atingimos energias milhares de bilhões de vezes menores do que as responsáveis (talvez) pela fabricação desses objetos. O cosmos se torna laboratório das menores estruturas que podemos imaginar. Como todo bom OCNI, algumas "observações" causaram enorme sensação antes de serem descartadas.

As cordas cósmicas podem explicar a rica estrutura observada na distribuição de galáxias no Universo; com sua incrível densidade e comprimentos astronômicos, elas atrairiam grandes quantidades de matéria, que se agregariam ao seu redor. Até o momento, nada de cordas cósmicas. Uma avalanche de observações recentes parece negar a existência desses objetos. Assim caminha a ciência; certas idéias, mesmo que atraentes, têm de ser abandonadas. Mas a esperança é a última que morre, certo?