domingo, 30 de junho de 2002

Usos e abusos da desconstrução do quantum


Marcelo Gleiser
especial para Folha

Sem a menor dúvida, o mundo dos átomos é muito diferente do nosso. As três primeiras décadas do século 20 foram marcadas por uma combinação de debates angustiados e idéias geniais propostas por um grupo de cientistas que incluía Werner Heisenberg, Niels Bohr, Erwin Schrödinger, Max Planck, Albert Einstein, entre muitos outros. A angústia vinha da crise pela qual passava a chamada física clássica, que, apesar de tão eficiente na descrição das coisas que ocorrem à nossa volta, era praticamente inútil para explicar o que ocorria com os átomos. Pode-se dizer que a revolução quântica, o resultado dessas várias idéias geniais, foi imposta contra a vontade dos físicos, uma revolução provocada pelo desenvolvimento de tecnologias e técnicas de laboratório que permitiram a exploração de toda uma nova realidade física, invisível aos nossos olhos. Esse ponto é muito importante: na história das ciências naturais, a maioria das revoluções foi causada pela descoberta de novas tecnologias e instrumentação.

A revolução quântica, devido à sua excentricidade, causa grandes confusões de interpretação, especialmente quando os seus conceitos são usados fora de contexto. Para explicar os resultados obtidos no laboratório, os pioneiros da física quântica criaram toda uma nova linguagem, apropriada ao que ocorre em sistemas de dimensões atômicas e subatômicas.

Por exemplo, o elétron não é descrito como uma partícula de posição bem determinada no espaço ou como uma onda com uma posição indeterminada no espaço, mas como sendo potencialmente partícula e onda: a realidade física do elétron e de todas as outras partículas de matéria e radiação é determinada pelo ato de observar. Quem determina se o elétron é partícula ou onda é o observador, na medida em que ele interage com o elétron. De fato, antes de o elétron ser medido, ou seja, antes da interação entre o observador e o observado, não se pode nem dizer que o elétron existe. No mundo quântico, entidades só existem quando medidas por um observador (ou melhor, por um aparelho).

É fácil ver como a dualidade partícula-onda pode ser distorcida fora de contexto. Por exemplo: "Ah! Então, sem observadores, a realidade não existe. Mais ainda, como a realidade é definida pelo observador por meio do ato de observar, e como o observador carrega consigo a sua própria subjetividade, a essência fundamental da realidade é subjetiva, dependente do observador."

A consequência direta dessa interpretação é pôr o homem no centro do cosmo, ao menos na medida em que somos aqueles que têm consciência do que significa observar: a realidade física passa a ser consequência de nossa existência. Pior ainda: como cada observador define a própria realidade, é impossível termos uma realidade universal. Tudo passa a ser ameno a interpretações, a desconstruções subjetivas do mundo e dos seus significados. A própria ciência se torna vítima do seu sucesso: afinal, se o seu objetivo é descrever a realidade e essa realidade é subjetiva, devem existir tantas ciências quanto há observadores. A ciência se torna inútil.
Outra consequência interessante da má interpretação da física quântica é que ela implica um holismo, uma conexão entre tudo o que existe, entre as nossas mentes e o Universo, desde as suas partículas mais fundamentais até as galáxias mais distantes. Inevitavelmente, esse holismo é visto como uma dimensão espiritual da física, uma redescoberta de ensinamentos antigos, em particular aqueles das religiões orientais.

Mesmo físicos, como Fritjof Capra, caem vítimas dessa tentação. O problema com esses abusos do quantum é usar conceitos aplicáveis a uma realidade que existe em dimensões de bilionésimos de metro a situações do nosso cotidiano, que é completamente removido da realidade quântica. As regras que regem as nossas interpretações do que é um elétron ou de como ele se comporta em um átomo são completamente irrelevantes para explicar como nos relacionamos com o mundo à nossa volta, como o nosso cérebro obtém e registra informação desse mundo ou como decidimos agir em nossas vidas. Elétrons não explicam neurônios ou decisões morais que tomamos no decorrer de nossas vidas.

Para aprender sobre o mundo, é necessário se aproximar dele. A espiritualidade que vejo na ciência está nessa aproximação, no constante processo de desvendar algo de novo sobre a natureza, nesse levantar dos véus. É nessa ressonância que reside o mistério, na agonia da dúvida e no êxtase da descoberta.

domingo, 23 de junho de 2002

O 'porquê' e o 'como'


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Volta e meia, leitores me perguntam sobre os limites da ciência, sobre até onde nós podemos chegar, munidos que somos de um cérebro finito. Afinal, como podemos responder a todas as perguntas se mal sabemos formulá-las? E, mesmo se soubéssemos, será que existe um limite máximo do conhecimento, uma espécie de barreira além da qual a nossa razão não pode penetrar? Será que é justamente a existência dessa barreira que justifica o nosso apetite por assuntos espirituais, místicos, que transcendem os limites da razão?

Sem a menor dúvida, nos últimos 400 anos a ciência progrediu imensamente, revelando mundos absolutamente fantásticos e inesperados: com os microscópios, vislumbramos um mundo repleto de minúsculos seres vivos, de células, de estruturas minerais e cristais belíssimos. Em níveis ainda menores, descobrimos o mundo dos átomos e das partículas elementares, os tijolos fundamentais da matéria. Com os telescópios, vislumbramos mundos distantes, de estrelas e planetas a galáxias e buracos negros, alguns a bilhões de anos-luz de distância, mais velhos do que a Terra. Seria inútil tentar fazer justiça às nossas descobertas neste ensaio ou mesmo em outro muito maior. O próprio sucesso da ciência redefine os seus limites, como um horizonte que se afasta continuamente. Muitos acreditam que, devido a esse sucesso, um dia teremos todas as respostas. Eu não poderia discordar mais.

O meu avô dizia, sabiamente, que, se usarmos um chapéu maior do que a nossa cabeça, ele cobrirá os nossos olhos. Acho importante manter isso em mente quando lidamos com os limites do conhecimento humano. Vamos começar de modo bastante abstrato, falando da quantidade total de informação: supondo que o Universo seja finito, ele tem uma quantidade finita de informação. Mesmo se ele não for finito (o que é bem mais provável), nós só podemos nos comunicar com a velocidade da luz (até que se prove o contrário), e, portanto, vivemos em uma ilha de informação limitada pela idade do Universo, de 14 bilhões de anos. Como a luz viaja a uma velocidade fixa no vácuo, no máximo podemos receber informação de um evento que ocorreu há 14 bilhões de anos. O problema é que a complexidade do Universo é tamanha e os arranjos de matéria, tão variados, que seria impossível poder armazenar conhecimento sobre tudo que existe, vive e ocorre no Universo. Portanto, só podemos ter informações aproximadas sobre o cosmo, jamais perfeitas e completas.

Os cientistas sabem disso e constroem os seus modelos sobre os fenômenos naturais de forma aproximada, deixando de lado detalhes irrelevantes. Ou seja, os cientistas usam o mínimo de informação possível em sua descrição da natureza. Por exemplo, para modelar a órbita da Lua em torno da Terra não são necessários detalhes sobre a geologia dos dois corpos celestes.

Bastam as suas massas e distância entre eles. Mais ainda, a ciência não se propõe a responder perguntas do tipo "Por quê?" Por exemplo, por que duas massas sentem uma força atrativa, que chamamos de gravidade? Não sabemos. Em 1687, o inglês Isaac Newton obteve uma fórmula descrevendo como dois corpos se atraem, com uma força proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado de sua distância. Mas ele não saberia dizer por que as duas massas se atraem. Em 1915, Albert Einstein propôs a sua teoria da gravitação, onde essa atração se deve à curvatura do espaço em torno das massas. Porém, ele também não saberia explicar por que a presença de uma massa encurva a geometria do espaço à sua volta. A ciência explica o "como", não o "porquê".

Voltando à questão da barreira do conhecimento, eu não acredito que ela exista. Ou, se existe, ela tem uma fronteira móvel, que vai se alargando com o tempo: ecoando o grego Sócrates, quanto mais aprendemos sobre o mundo e sobre nós mesmos, mais aprendemos o quanto não sabemos. A natureza é muito mais esperta do que nós, com as nossas explicações de como isso ou aquilo funciona. Afinal, nós também somos produtos de sua criatividade, o que necessariamente implica que seremos sempre incapazes de compreendê-la em sua totalidade. Se existe algo de fascinante aqui é a nossa capacidade de aprender tanto sobre o mundo, dadas as nossas limitações. Algumas questões, especialmente aquelas ligadas a origens, desafiam a nossa imaginação: será que algum dia iremos entender como surgiu o Universo, a vida e a mente? Acredito que sim, mas não antes de surgirem outras questões "impossíveis".

domingo, 16 de junho de 2002

O homem, esse ser improvável

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Marcelo Gleiser especial para a Folha Quanto mais aprendemos sobre o Universo, maior se torna a nossa insignificância. E mais significativa se torna a nossa presença nesse vasto cosmos. Afinal, a Terra já foi considerada o centro do cosmos, até ser removida para uma das órbitas em torno do Sol, tal qual qualquer outro planeta. Depois disso, o Sol foi o removido do centro, sendo deslocado para a periferia de nossa galáxia, a Via Láctea. Mas em 1924, o astrônomo americano Edwin Hubble comprovou que a própria Via Láctea era apenas uma entre inúmeras outras galáxias, cada uma delas com milhões ou mesmo centenas de bilhões de estrelas. Hoje sabemos que existem centenas de bilhões de galáxias espalhadas pelo Universo, separadas por milhões de anos-luz.

Em pouco mais de 400 anos de ciência, passamos do centro do Universo a um planeta orbitando uma humilde estrela em meio a bilhões de outras. O que essa visão tem de humilhante, ela tem de magnífica. Termos consciência de nossa insignificância cósmica é, talvez, um dos nossos maiores motivos de orgulho; ao mesmo tempo, aprendemos a celebrar a enormidade do cosmo e a nossa capacidade de compreendê-la.

Essas reflexões tornam a questão da nossa existência ainda mais fascinante: como foi possível, em um Universo movido pelo acaso, que seres vivos tenham aparecido e, mais impressionante ainda, seres vivos inteligentes? Como foi possível, em um Universo dominado por matéria inerte, que átomos destituídos de consciência ou objetivo tenham se organizado em seres conscientes? Essas questões, claro, são bem mais antigas do que a ciência, tendo sido abordadas por inúmeras religiões no decorrer da história da humanidade. Temos uma profunda necessidade de compreender as nossas origens, de justificar de alguma forma a nossa presença aqui. Se a origem da vida permanece ainda um mistério, a sua emergência é algo que deve ser explicado cientificamente, a partir da complexificação crescente da matéria orgânica, desde os seres mais primitivos até a humanidade moderna.

O homem é um ser improvável. O que não significa impossível, miraculoso. A vastidão do Universo, ou mesmo da nossa galáxia, quase que justifica por si só a presença de vida. Pense que a Via Láctea tem centenas de bilhões de outras estrelas, provavelmente em sua maioria com planetas à sua volta. Mais de 80 planetas extra-solares já foram observados, a distâncias aproximadas de 50 anos-luz. Como a Via Láctea tem aproximadamente 100 mil anos-luz de diâmetro, esses planetas fazem parte da nossa vizinhança cósmica mais imediata. Existem projetos envolvendo telescópios orbitais bem mais potentes do que o Telescópio Espacial Hubble, que serão capazes de analisar a química da atmosfera desses planetas extra-solares, procurando por sinais de vida, como a presença de ozônio e oxigênio. E isso apenas em nossa galáxia, um mero grão de poeira na vastidão cósmica. Ou seja, não acredito que será muito difícil encontrarmos vida em outras partes da galáxia, ou, quem sabe, até mesmo em nosso Sistema Solar, como na lua de Júpiter conhecida como Europa, que aparentemente é coberta por um oceano de água salgada revestido por uma camada de gêlo de aproximadamente 19 quilômetros de espessura. Entretanto, existe uma grande diferença entre encontrar vida extraterrestre e encontrar vida extraterrestre inteligente.

O que torna o debate complicado é que temos apenas um exemplo de vida inteligente, o nosso. Revisitando a história da evolução da vida na Terra, vemos que o surgimento de vida inteligente foi consequência de uma sequência de eventos completamente aleatória. Há cerca de 200 milhões de anos, os dinossauros reinavam supremos sobre o mundo. Eles continuaram o seu reinado por 150 milhões de anos até que, um belo dia, um asteróide com diâmetro de dez quilômetros, viajando à mais de 60 mil quilômetros por hora, colidiu com a Terra sobre a península de Yucatán, no Golfo do México. A devastação causada por esse impacto destruiu cerca de 40% da vida, incluindo os dinossauros. Vários mamíferos, apesar de até então serem subjugados pelos sáurios, sendo mais adaptáveis à brusca mudança nas condições ambientais e climáticas, puderam sobreviver. E, com a sua sobrevivência, vieram mutações genéticas que eventualmente levaram ao surgimento dos primeiros primatas bípedes, nossos antepassados.

Ou seja, nós estamos aqui por causa desse evento e de suas várias consequências evolutivas e não por causa da nossa inteligência. O que nós dá mais uma razão para mantermos a nossa humildade perante as incertezas cósmicas.

domingo, 9 de junho de 2002

A misteriosa origem da água

Disso todos sabemos: sem água não estaríamos aqui. Não só temos entre 60% e 70% de água em nossos corpos, como não sobreviveríamos sem consumir diariamente grandes quantidades de água. De fato, a água é uma substância muito especial, que prova que a ausência de distinção não significa ausência de importância: inodora, incolor, sem nenhum gosto (quando é de boa qualidade), ela tem na simplicidade o seu grande charme. A sua relevância para a nossa sobrevivência mais do que justifica a preocupação dos astrofísicos com a sua origem: afinal, de onde veio toda essa água que encontramos na Terra? As respostas aceitas até recentemente têm enfrentado sérias críticas.

Tales de Mileto, o primeiro dos filósofos ocidentais, ensinava, no século 6º antes de Cristo, que "tudo é água". Ao procurar por uma única explicação para a aparente diversidade dos fenômenos naturais, Tales certamente reconhecia a importância da água para nós e para os ciclos de criação e destruição que ocorrem na natureza.

Portanto, já nos primeiros passos da ciência, ou do que um dia viria a se tornar ciência, a água ocupava um lugar fundamental. De lá para cá descobriu-se muito sobre a água. Mas e a origem dela?

A água veio do espaço. Esse fato poucos cientistas contestam. O problema é quando e como. O Sistema Solar se formou há 4,6 bilhões de anos, a partir da contração de uma nebulosa rica em hidrogênio, hélio e vários detritos microscópicos. Esses detritos continham metais, como ferro e alumínio, e gases, como metano e vapor d'água. Com a contração dessa nebulosa, a maior parte da matéria foi se concentrando em seu centro, que, com o aumento da pressão, ficava cada vez mais quente. Esse aumento da temperatura central vaporizou todos os materiais mais voláteis, como a água e o metano, que foram empurrados para a periferia da nebulosa, enquanto os minerais permaneceram no centro. Isso explica por que os planetas internos (como a Terra) são rochosos, enquanto os externos (como Júpiter) são compostos de gases solidificados, como metano e água. Mas isso não explica como a água apareceu aqui.

Para isso, os astrônomos invocam um período dramático na vida da Terra, o seu primeiro bilhão de anos. É razoável supor que esse processo de formação de planetas tenha deixado detritos, restos de matéria que não foi incorporada aos nove planetas. Um exemplo desses detritos que existe até hoje é o cinturão de asteróides, entre Marte e Júpiter. Outro é a nuvem de Oort, uma região nos confins do Sistema Solar com trilhões de "bolas de neve sujas", contendo em torno de 50% de gelo e 50% de metano e outros gases. Se uma dessas bolas de neve se aproxima do interior do Sistema Solar, o aumento da temperatura começa a vaporizar seus gases. Quanto mais perto do Sol, mais brilhante é o objeto, que chamamos de cometa.

Até recentemente, a explicação mais aceita para a origem da água na Terra lançava mão dos cometas: durante o primeiro bilhão de anos de sua existência, o nosso planeta foi bombardeado por incontáveis cometas e asteróides. Esse bombardeio depositou enormes quantidades de água na Terra, o que acabou formando os oceanos. Recentemente, essa teoria foi contestada. Ao examinar a composição química de três cometas recentes, astrônomos descobriram que metade da água desses astros não é a mesma que a encontrada na Terra: os átomos de hidrogênio da água cometária contêm não só o próton usual, mas também um nêutron. Ou seja, os cometas poderiam no máximo explicar metade da água na Terra. Colisões com asteróides conhecidos como condritos carbonáceos também ajudam, mas não o suficiente. Ainda falta metade da água.
Astrônomos do Observatório de Nice, na França, têm outra idéia. Eles sugerem que, entre os vários bólidos que colidiram com a Terra no início de sua existência, existiam alguns que eram verdadeiros reservatórios de água, com diâmetros comparáveis ao da Lua. Esses planetóides foram formados além de Júpiter, mas, tal como os cometas, tiveram as suas órbitas desestabilizadas e foram atraídos para o interior do Sistema Solar. Um ou mais deles colidiram com a Terra, dando-lhe um banho.

Caso essa hipótese esteja correta, outros planetas do Sistema Solar teriam também muita água. O candidato mais interessante é Marte, que, aparentemente, tem mesmo bastante água. Resta analisarmos as propriedades dessa água marciana e ver se ela é comparável com a nossa. Em caso afirmativo, Marte se torna um pouco mais parecido com a Terra, ao menos em seu passado. O que nos leva a outro mistério, a origem da vida na Terra e a possibilidade de vida em Marte.

domingo, 2 de junho de 2002

Cuidando da nossa casa


Marcelo Geiser
especial para a Folha

Acabo de ler o relatório "Panorama Ambiental Global 3", preparado pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Ambiente). Com base em observações e coletas de dados pelo mundo inteiro, o relatório apresenta uma previsão da situação do planeta, a nossa casa, durante as próximas três décadas, supondo que nenhuma providência seja tomada para mudar o ritmo atual de exploração e expansão econômica.

Mesmo reconhecendo alguns pontos positivos, como o aumento considerável no número de áreas dedicadas a parques nacionais e a melhora na qualidade da água na Europa e nos EUA, as conclusões são devastadoras. Nas palavras de Klaus Töpfer, o secretário executivo do Pnuma, o grau de penetração humana "em áreas cada vez maiores do planeta não é sustentável". "A menos que o curso atual seja alterado, nós ficaremos com muito pouco."

Eis algumas das conclusões do relatório: 25% das espécies de mamíferos poderão estar extintas em 30 anos. Ao todo, 1.130 das 4.000 espécies de mamíferos e 1.183 das 10 mil aves conhecidas correm o risco de extinção. Menos aves implica mais insetos e mais pragas que podem afetar a produtividade do setor agrícola e aumentar o número de doenças contagiosas.

Nos mares o problema também é sério. A tecnologia da indústria pesqueira é hoje tão eficiente que um terço do estoque mundial de peixes desapareceu nas últimas décadas, especialmente no Mediterrâneo e nas costas da China e do Japão. Esses mares, é bom ressaltar, alimentam mais de um bilhão de pessoas.

Essas perdas estão diretamente relacionadas com o ritmo de exploração econômica do planeta. Mais de 15% da superfície da Terra está comprometida devido aos excessos da indústria agropecuária e da mineração. Em 30 anos, desenvolvimentos infra-estruturais como estradas e a expansão urbana poderão afetar 70% da superfície da Terra. Nós estamos literalmente devorando a nossa casa, sem a menor preocupação com as consequências que esse nosso apetite terá para as futuras gerações. Sei que sôo melodramático, mas a minha preocupação é grande. O perigo é real e os toques de despertar estão sendo dados continuamente por cientistas, economistas e ambientalistas. Infelizmente, a maioria cai em ouvidos surdos pela ganância e pelo imediatismo que caracterizam a maioria das nossas decisões.

Pelos comentários acima, pode parecer que eu esteja dizendo que o desenvolvimento econômico é incompatível com a estabilidade da Terra. Não é isso. Acredito que seja possível manter um nível elevado de desenvolvimento econômico baseado em um planejamento responsável do uso e da manutenção de recursos.

Segundo o relatório da ONU, durante a metade dos anos 90, cerca de 40% da população mundial sofreu com sérios períodos de seca e em torno de 1,1 bilhão de pessoas ainda não têm acesso à água potável. Há uma conexão entre a abundância de água e as variações climáticas que, como todo mundo já está percebendo, estão cada vez mais extremas nos últimos anos. E esse desequilíbrio climático vem dos elevados níveis de poluição, do famoso efeito estufa. É necessário impor restrições às emissões de gases em indústrias e veículos, de carros a navios cargueiros, que são sérios poluidores devido à baixa qualidade do combustível que utilizam.

O que será que pode ser feito para melhorar essa situação? A física nos ensina que equilíbrio depende de um compromisso entre tendências opostas. Mesmo em uma situação instável, se o balanço entre essas tendências for mantido, a situação de equilíbrio persistirá. Talvez possamos aprender com isso. A natureza está nos dizendo algo muito simples, mas muito importante: em qualquer situação de equilíbrio instável, abusos terão consequências devastadoras.

Como nos tornamos senhores do planeta, temos de exercer essa função com a responsabilidade que um cargo de controle exige. Com o poder vem a responsabilidade. Está mais do que na hora de provarmos ao nosso planeta que somos dignos de estar aqui, que merecemos esse poder. A história da humanidade mostra que nós somos capazes das mais belas criações e dos mais horrendos crimes. Espero que o nosso planeta não seja uma de nossas vítimas. Quando queimamos a casa onde moramos, ficamos sem teto. E por onde começar? Gosto do slogan que diz "pense globalmente e aja localmente". Da próxima vez que você jogar lixo nas ruas, ou deixar o carro ligado sem necessidade, lembre-se de que os menores atos podem ter grandes consequências.

Este ensaio é dedicado à memória do grande jornalista científico e divulgador de ciência José Reis.