domingo, 16 de junho de 2002

O homem, esse ser improvável

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Marcelo Gleiser especial para a Folha Quanto mais aprendemos sobre o Universo, maior se torna a nossa insignificância. E mais significativa se torna a nossa presença nesse vasto cosmos. Afinal, a Terra já foi considerada o centro do cosmos, até ser removida para uma das órbitas em torno do Sol, tal qual qualquer outro planeta. Depois disso, o Sol foi o removido do centro, sendo deslocado para a periferia de nossa galáxia, a Via Láctea. Mas em 1924, o astrônomo americano Edwin Hubble comprovou que a própria Via Láctea era apenas uma entre inúmeras outras galáxias, cada uma delas com milhões ou mesmo centenas de bilhões de estrelas. Hoje sabemos que existem centenas de bilhões de galáxias espalhadas pelo Universo, separadas por milhões de anos-luz.

Em pouco mais de 400 anos de ciência, passamos do centro do Universo a um planeta orbitando uma humilde estrela em meio a bilhões de outras. O que essa visão tem de humilhante, ela tem de magnífica. Termos consciência de nossa insignificância cósmica é, talvez, um dos nossos maiores motivos de orgulho; ao mesmo tempo, aprendemos a celebrar a enormidade do cosmo e a nossa capacidade de compreendê-la.

Essas reflexões tornam a questão da nossa existência ainda mais fascinante: como foi possível, em um Universo movido pelo acaso, que seres vivos tenham aparecido e, mais impressionante ainda, seres vivos inteligentes? Como foi possível, em um Universo dominado por matéria inerte, que átomos destituídos de consciência ou objetivo tenham se organizado em seres conscientes? Essas questões, claro, são bem mais antigas do que a ciência, tendo sido abordadas por inúmeras religiões no decorrer da história da humanidade. Temos uma profunda necessidade de compreender as nossas origens, de justificar de alguma forma a nossa presença aqui. Se a origem da vida permanece ainda um mistério, a sua emergência é algo que deve ser explicado cientificamente, a partir da complexificação crescente da matéria orgânica, desde os seres mais primitivos até a humanidade moderna.

O homem é um ser improvável. O que não significa impossível, miraculoso. A vastidão do Universo, ou mesmo da nossa galáxia, quase que justifica por si só a presença de vida. Pense que a Via Láctea tem centenas de bilhões de outras estrelas, provavelmente em sua maioria com planetas à sua volta. Mais de 80 planetas extra-solares já foram observados, a distâncias aproximadas de 50 anos-luz. Como a Via Láctea tem aproximadamente 100 mil anos-luz de diâmetro, esses planetas fazem parte da nossa vizinhança cósmica mais imediata. Existem projetos envolvendo telescópios orbitais bem mais potentes do que o Telescópio Espacial Hubble, que serão capazes de analisar a química da atmosfera desses planetas extra-solares, procurando por sinais de vida, como a presença de ozônio e oxigênio. E isso apenas em nossa galáxia, um mero grão de poeira na vastidão cósmica. Ou seja, não acredito que será muito difícil encontrarmos vida em outras partes da galáxia, ou, quem sabe, até mesmo em nosso Sistema Solar, como na lua de Júpiter conhecida como Europa, que aparentemente é coberta por um oceano de água salgada revestido por uma camada de gêlo de aproximadamente 19 quilômetros de espessura. Entretanto, existe uma grande diferença entre encontrar vida extraterrestre e encontrar vida extraterrestre inteligente.

O que torna o debate complicado é que temos apenas um exemplo de vida inteligente, o nosso. Revisitando a história da evolução da vida na Terra, vemos que o surgimento de vida inteligente foi consequência de uma sequência de eventos completamente aleatória. Há cerca de 200 milhões de anos, os dinossauros reinavam supremos sobre o mundo. Eles continuaram o seu reinado por 150 milhões de anos até que, um belo dia, um asteróide com diâmetro de dez quilômetros, viajando à mais de 60 mil quilômetros por hora, colidiu com a Terra sobre a península de Yucatán, no Golfo do México. A devastação causada por esse impacto destruiu cerca de 40% da vida, incluindo os dinossauros. Vários mamíferos, apesar de até então serem subjugados pelos sáurios, sendo mais adaptáveis à brusca mudança nas condições ambientais e climáticas, puderam sobreviver. E, com a sua sobrevivência, vieram mutações genéticas que eventualmente levaram ao surgimento dos primeiros primatas bípedes, nossos antepassados.

Ou seja, nós estamos aqui por causa desse evento e de suas várias consequências evolutivas e não por causa da nossa inteligência. O que nós dá mais uma razão para mantermos a nossa humildade perante as incertezas cósmicas.

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