domingo, 25 de janeiro de 1998

O dramático ciclo de vida das estrelas

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

O que é uma estrela? A expli cação mais simples é que uma estrela normal é uma bola de fogo enorme que passa a vida em luta com a gravidade.

A pressão das reações termo nucleares no interior da estrela balança a força gravitacional, que tende a fazê-la implodir. Uma estrela é resultado do dra mático balanço entre implosão e explosão, que pode durar bi lhões de anos.

Ainda não sabemos ao certo como nasce uma estrela. Os mo delos mais plausíveis assumem que elas nascem em regiões ri cas em gás, principalmente hi drogênio. Com a explosão de uma outra estrela vizinha, essas nuvens de gás passam a ter re giões mais densas do que outras e começam a implodir devido à gravidade, tornando-se cada vez mais densas.

Na medida em que essas Ése mentes» continuam seu colap so, sua temperatura e densida de aumentam, eventualmente permitindo a "fusão" de hi drogênio em hélio.
A enorme energia liberada por esses processos de fusão nu clear causa uma pressão que se opõe ao colapso da massa gaso sa. Assim nasce uma estrela.

Na maior parte da existência de uma estrela normal, essas duas forças opostas continuam seu balanço de forma quase que pacífica. Para uma estrela como o nosso Sol, hoje em sua meia-i dade, esse período de paz dura em torno de 10 bilhões de anos.

Mas a vida de uma estrela no céu é tão dramática quanto a de uma Éestrela do cinema» na Terra. Para que a estrela possa existir, ela tem de se autoconsu mir, devorando desesperada mente suas entranhas de hidro gênio para balancear a inexo rável força da gravidade. É a fútil luta contra o tempo, que jamais será vencida, apenas atenuada. No final, a estrela não tem mais combustível para continuar sua luta; a gravida de, em seu triunfo final, faz com que ela comece a implodir.

Os detalhes da fase de implo são dependem da massa inicial da estrela. É como se, de repen te, tirassem os três primeiros andares de um edifício de dez pavimentos. Sem suporte, os se te andares superiores despen cam, causando pressões ainda maiores na parte inferior.
Em geral, esse colapso é segui do de uma expansão da estrela, que pode resultar na expulsão de enormes quantidades de ma téria para o espaço, numa espé cie de estertor cósmico.
As pressões mais elevadas na região central fazem com que elementos químicos mais pesa dos que o hélio sejam fundidos. Para estrelas como o Sol, a fu são nuclear chega até aos ele mentos carbono e oxigênio. Pa ra estrelas mais pesadas, ela chega até ao elemento ferro.

Uma estrela consome tudo o que pode antes de declarar a gravidade vencedora. Após a luta, a estrela encontra, ao me nos em parte, um repouso final. Há três possibilidades para a configuração final de seus res tos mortais, que dependem de sua massa inicial.
Estrelas até oito vezes mais maciças do que o Sol se tornam anãs brancas, com um diâme tro de 10 mil quilômetros e uma densidade igual à que obtería mos se comprimíssemos a torre Eiffel em um centímetro cúbico!

Estrelas mais pesadas termi nam sua existência em uma ex plosão de supernova. Para elas, existem dois destinos possíveis. Se o núcleo central, sua região mais densa, tiver massa até três vezes a massa do Sol, ele se transformará em uma estrela de nêutrons, uma espécie de nú cleo atômico gigante (feito ape nas de nêutrons), com diâmetro de apenas um quilômetro e densidade um bilhão de vezes maior que a das anãs brancas.

Núcleos ainda mais pesados continuam seu colapso gravita cional, tornando-se cada vez menores e mais densos, até que sua gravidade se torne tão in tensa, que nem mesmo a luz possa escapar de seu interior. Assim nasce um buraco negro, onde a gravidade reina supre ma e sozinha.


domingo, 18 de janeiro de 1998

O homem que colocou o Sol no centro do Universo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Nós aprendemos na escola que Nicolau Copérnico, o intrépido astrônomo polonês do século 16, foi o primeiro a propor que o Sol está no centro do cosmos. Antes dele, segundo nossas lições de história, todos pensavam que a Terra era o centro.

Mas Copérnico não foi o primeiro a propor o Sol como centro do cosmos. Ele foi um personagem fundamental da história da astronomia, uma ponte entre a Era Clássica e o pensamento renascentista, que revolucionou a concepção do Universo.

Mas, se ele não foi o primeiro a propor o sistema heliocêntrico (o Sol no centro), então quem foi? A resposta está em um texto de Arquimedes, o grande inventor e matemático grego.
Em "O Contador de Areia", Arquimedes propôs uma notação especial para representar números muito grandes. Para ilustrar seu novo método, ele calculou quantos grãos de areia seriam necessários para encher todo o volume do cosmos. Para isso, ele se baseou no maior cosmos que existia na época, o modelo de Aristarco de Samos.

O curioso é que o modelo de Aristarco era completamente diferente dos de seus antecessores. Conforme escreveu Arquimedes, "Aristarco supôs que o Sol e as estrelas fixas permanecem imóveis, com o Sol no centro e a Terra girando ao seu redor em um movimento circular". Até então, se acreditava que as estrelas faziam parte de uma esfera cristalina que girava, assim como todos os planetas e o Sol, em torno da Terra.

Para compreendermos melhor o incrível feito de Aristarco, vamos voltar à Grécia Antiga, em torno de 310 a.C., aproximadamente o ano de seu nascimento. A filosofia de Aristóteles reinava suprema, justificando de forma simples os movimentos encontrados na natureza, com seu irresistível apelo ao bom senso. Portanto, objetos pesados caem no chão porque são feitos do elemento "terra", ao qual sempre tendem a voltar. Já os objetos celestes, como os planetas, a Lua, as estrelas e o Sol, são feitos de um quinto elemento (ou a quinta-essência, o "éter"), cujo movimento natural é o circular. Segundo os aristotélicos, os objetos celestes viajam em órbitas circulares em torno da Terra, que permanece fixa no centro do cosmos.

É muito natural assumir que a Terra está imóvel no centro e que todo o resto do céu gira à sua volta. Afinal, nada do que vemos todos os dias e noites nos céus nos dá uma indicação de que a Terra está em movimento. Mas nossa percepção não corresponde necessariamente à realidade. Livrar-se dessa visão antropocêntrica é talvez uma das tarefas mais difíceis na atividade de um cientista.

No seu único trabalho que sobreviveu, Aristarco usa de argumentos geométricos brilhantes para obter não só os diâmetros relativos da Terra, do Sol e da Lua como também suas distâncias relativas. Concluindo que o Sol é muito maior do que a Terra e que ele está muito mais longe de nós que a Lua, Aristarco propôs seu modelo heliocêntrico, num gesto de extrema coragem intelectual. É possível, como propôs Arthur Koestler, em seu livro "Os Sonâmbulos", que Aristarco tenha sido influenciado por idéias pitagóricas.

Infelizmente, argumentos do tipo -"mas, se a Terra está em movimento, por que ao jogarmos uma pedra para cima ela cai em nossas mãos?"- e a falta de uma prova concreta de que a Terra está mesmo em movimento fizeram com que as idéias de Aristarco fossem esquecidas por quase 2.000 anos. Copérnico, na Itália, em plena Renascença, conhecia os textos de Arquimedes e de Aristarco. Seu ato heróico não foi por ter sido o primeiro a propor o heliocentrismo, mas ter obtido uma síntese das idéias de Aristarco com os princípios estéticos da Renascença, expressa na sua recriação de um novo cosmos, dominado pelo Sol.


domingo, 11 de janeiro de 1998

O enigma da singularidade inicial

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Uma das questões mais fascinantes da cosmologia é também talvez a mais difícil de ser abordada: a questão da singularidade inicial, da origem de tudo, a origem do Universo, do tempo, do espaço e da matéria.

Em matemática, o termo "singularidade" representa um ponto que não pode ser descrito por uma função contínua. Imagine uma superfície qualquer, como a de um globo, em que qualquer ponto pode ser localizado em função de dois números (ou coordenadas), como a latitude e a longitude.

Agora imagine a mesma superfície com um pequeno furo em um local qualquer. Esse ponto é uma "singularidade" nessa superfície, não fazendo parte de descrição em termos de uma função contínua.

Segundo o modelo do Big Bang, o Universo surgiu de uma singularidade inicial, um "ponto" no qual todas as funções que descrevem seu comportamento exibem singularidades. Por exemplo, a densidade de matéria tende ao infinito, as distâncias entre dois (e todos) os pontos tende a zero e a temperatura tende ao infinito.

A singularidade inicial marca nossa ignorância completa do que aconteceu nesse instante, que os religiosos chamam de momento da Criação. Nossa descrição matemática dos processos físicos ocorridos nesse instante é inconsistente. Nossa compreensão do comportamento da matéria e da energia a tais temperaturas e pressões é incompleta e inconclusiva.

À primeira vista, a singularidade inicial parece ser algo que não pode ser compreendido racionalmente por meio de um discurso puramente científico. Mas vamos com calma. Durante o século 20, todo um novo universo físico nos foi revelado pelo estudo dos átomos e das partículas elementares.

Com o estudo cuidadoso dessas entidades submicroscópicas, ficou claro que a física das dimensões muito pequenas, a mecânica quântica, é completamente diferente da física que descreve o comportamento da matéria em dimensões acessíveis à percepção humana.

Imagine que a história do Universo esteja registrada em um filme que podemos passar do passado para o presente ou vice-versa. Se passarmos o filme do presente para o passado, veremos o Universo se encolher, com as distâncias entre as galáxias ficando cada vez menores.
Se continuarmos a passar o filme em direção ao passado, chegaremos a uma época em que a matéria estava completamente desintegrada e que a temperatura era enorme, muito maior que no interior do Sol. Continuando nossa projeção, chegaremos a uma época em que o próprio tamanho do Universo será comparável às distâncias subatômicas.

Se ignorássemos o que nos ensinou a mecânica quântica, chegaríamos eventualmente na singularidade inicial, na qual todas as distâncias entre todos os pontos chegariam a zero; o Universo deixaria de existir, com a singularidade engolindo o próprio espaço e o tempo.

Mas não podemos ignorar a mecânica quântica! A singularidade inicial é o que chamamos de um conceito clássico, uma consequência de aplicarmos uma teoria, no caso, a teoria da relatividade geral de Einstein, em um regime no qual ela não é aplicável. Portanto, a existência da singularidade inicial não deve ser interpretada como uma barreira absoluta do conhecimento, mas como um ponto em que a descrição do Universo como um todo deve ser feita através de um casamento entre a mecânica quântica e a relatividade geral.

Ainda não sabemos como construir uma teoria capaz de descrever os momentos iniciais do Universo, embora existam alguns candidatos. O enigma da singularidade inicial persiste, talvez menos misterioso do que no passado, mas igualmente inescrutável no presente.

domingo, 4 de janeiro de 1998

As misteriosas explosões de raios gama

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Quando o assunto é explosões, nada pode competir com fenômenos astrofísicos. A morte de uma estrela modesta como o Sol, por exemplo, acompanha uma explosão que engole todos os planetas até Júpiter, transformando tudo que encontrar pela frente em poeira cósmica. (O leitor não precisa se preocupar em aumentar o valor de sua apólice de seguros. O Sol ainda produzirá energia "docilmente" por mais uns 5 bilhões de anos.)

Estrelas com uma massa consideravelmente maior do que a do Sol têm sua morte marcada por um evento ainda mais dramático, conhecido como explosão de supernova. Durante seu clímax, essa explosão pode ser mais brilhante do que uma galáxia inteira com bilhões de estrelas.
Mas supernovas são como "estalinhos de São João" em comparação com as explosões de raios gama, um dos maiores mistérios da astrofísica moderna.

Em 1963, os EUA assinaram um tratado que proíbe testes nucleares na atmosfera, no espaço e embaixo d'água. Para monitorar a atividade nuclear de outros países no espaço (leia-se a então União Soviética), foram lançados detectores em órbitas localizadas mais ou menos na metade da distância entre a Terra e a Lua, capazes de revelar um pulso originado de uma explosão nuclear a distâncias de até quase 2 milhões de km da Terra.

Ian Strong e sua equipe do Laboratório Nacional de Los Alamos não detectaram nenhuma explosão nuclear espacial. Mas, ocasionalmente, seus detectores assinalavam um fenômeno completamente inesperado: pulsos de radiação altamente energética, muito lentos para serem explosões nucleares e muito rápidos para serem causados por qualquer outra fonte astrofísica conhecida, como supernovas. Strong e seus colaboradores batizaram esses eventos de "explosões de raios gama".

Strong e seu time só publicaram seus resultados em 1973, tentando no meio tempo encontrar alguma explicação plausível para os estranhos eventos. Nos últimos 25 anos, mais de 2.000 explosões de raios gama foram detectadas por vários outros grupos, provocando uma enorme agitação na comunidade astrofísica mundial. Sabemos que esses eventos não têm nada a ver com nosso Sistema Solar ou com nossa galáxia. Eles são eventos cosmológicos e não "locais". Mas ainda não temos a menor idéia do mecanismo responsável por essas explosões gigantescas, onde elas ocorrem e por que elas ocorrem. Tudo o que sabemos é que essas explosões são os eventos mais violentos no Universo.

Mas algum progresso está sendo feito. Em 1996, um time de astrofísicos holandeses e italianos lançou um satélite chamado BeppoSax. No dia 8 de maio de 1997, o BeppoSax detectou uma explosão de raios gama acompanhada por uma emissão prolongada de raios X. Em poucas horas, um dos telescópios gigantes no topo do monte Mauna Kei, no Havaí, fotografava o espectro da misteriosa fonte de raios gama.

Da análise do espectro, ficou claro que a explosão ocorreu mais ou menos na metade do intervalo de tempo entre o presente e a origem do Universo, ou seja, entre o presente e a origem do próprio tempo.

A confirmação de que as explosões de raios gama ocorreram durante a infância do Universo só aumenta seu mistério. Para serem observadas hoje, essas explosões têm de gerar em segundos mais energia do que o Sol gera durante seus 10 bilhões de anos de atividade. Que tipo de fenômeno é capaz de gerar essa quantidade monstruosa de energia em tão pouco tempo? Muito possivelmente, a explicação virá de uma compreensão mais profunda da relação entre matéria e energia em campos gravitacionais muito intensos. Existem mais coisas entre o céu e a Terra do que jamais poderá supor nossa vã ciência.