domingo, 18 de janeiro de 1998

O homem que colocou o Sol no centro do Universo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Nós aprendemos na escola que Nicolau Copérnico, o intrépido astrônomo polonês do século 16, foi o primeiro a propor que o Sol está no centro do cosmos. Antes dele, segundo nossas lições de história, todos pensavam que a Terra era o centro.

Mas Copérnico não foi o primeiro a propor o Sol como centro do cosmos. Ele foi um personagem fundamental da história da astronomia, uma ponte entre a Era Clássica e o pensamento renascentista, que revolucionou a concepção do Universo.

Mas, se ele não foi o primeiro a propor o sistema heliocêntrico (o Sol no centro), então quem foi? A resposta está em um texto de Arquimedes, o grande inventor e matemático grego.
Em "O Contador de Areia", Arquimedes propôs uma notação especial para representar números muito grandes. Para ilustrar seu novo método, ele calculou quantos grãos de areia seriam necessários para encher todo o volume do cosmos. Para isso, ele se baseou no maior cosmos que existia na época, o modelo de Aristarco de Samos.

O curioso é que o modelo de Aristarco era completamente diferente dos de seus antecessores. Conforme escreveu Arquimedes, "Aristarco supôs que o Sol e as estrelas fixas permanecem imóveis, com o Sol no centro e a Terra girando ao seu redor em um movimento circular". Até então, se acreditava que as estrelas faziam parte de uma esfera cristalina que girava, assim como todos os planetas e o Sol, em torno da Terra.

Para compreendermos melhor o incrível feito de Aristarco, vamos voltar à Grécia Antiga, em torno de 310 a.C., aproximadamente o ano de seu nascimento. A filosofia de Aristóteles reinava suprema, justificando de forma simples os movimentos encontrados na natureza, com seu irresistível apelo ao bom senso. Portanto, objetos pesados caem no chão porque são feitos do elemento "terra", ao qual sempre tendem a voltar. Já os objetos celestes, como os planetas, a Lua, as estrelas e o Sol, são feitos de um quinto elemento (ou a quinta-essência, o "éter"), cujo movimento natural é o circular. Segundo os aristotélicos, os objetos celestes viajam em órbitas circulares em torno da Terra, que permanece fixa no centro do cosmos.

É muito natural assumir que a Terra está imóvel no centro e que todo o resto do céu gira à sua volta. Afinal, nada do que vemos todos os dias e noites nos céus nos dá uma indicação de que a Terra está em movimento. Mas nossa percepção não corresponde necessariamente à realidade. Livrar-se dessa visão antropocêntrica é talvez uma das tarefas mais difíceis na atividade de um cientista.

No seu único trabalho que sobreviveu, Aristarco usa de argumentos geométricos brilhantes para obter não só os diâmetros relativos da Terra, do Sol e da Lua como também suas distâncias relativas. Concluindo que o Sol é muito maior do que a Terra e que ele está muito mais longe de nós que a Lua, Aristarco propôs seu modelo heliocêntrico, num gesto de extrema coragem intelectual. É possível, como propôs Arthur Koestler, em seu livro "Os Sonâmbulos", que Aristarco tenha sido influenciado por idéias pitagóricas.

Infelizmente, argumentos do tipo -"mas, se a Terra está em movimento, por que ao jogarmos uma pedra para cima ela cai em nossas mãos?"- e a falta de uma prova concreta de que a Terra está mesmo em movimento fizeram com que as idéias de Aristarco fossem esquecidas por quase 2.000 anos. Copérnico, na Itália, em plena Renascença, conhecia os textos de Arquimedes e de Aristarco. Seu ato heróico não foi por ter sido o primeiro a propor o heliocentrismo, mas ter obtido uma síntese das idéias de Aristarco com os princípios estéticos da Renascença, expressa na sua recriação de um novo cosmos, dominado pelo Sol.


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