domingo, 31 de maio de 2009

Beleza e verdade



Einstein defendia o belo como critério de verdade em teorias científicas


Em 1819, o poeta inglês John Keats, um dos expoentes do movimento romântico, escreveu: "a verdade é bela e a beleza, verdade. Isso é tudo o que precisas saber em vida; tudo o que precisas saber". (Perdoem-me pela tradução amadora.)

Apesar das várias críticas argumentando que essas linhas são inocentes e que até estragam o poema (como escreveu T. S. Eliot, outro grande poeta), a fama delas ultrapassa os comentários negativos. Tanto que viraram até nome de livro, como no caso da recente obra do matemático Ian Stewart, onde ele conta a história da busca por simetria (que ele equaciona com beleza) na matemática e na física teórica.

Historicamente, a matemática é extremamente eficiente na descrição dos fenômenos naturais. O prêmio Nobel Eugene Wigner escreveu sobre a "surpreendente eficácia da matemática na formulação das leis da física, algo que nem compreendemos nem merecemos". Toquei outro dia na questão de a matemática ser uma descoberta ou uma invenção humana.

Aqueles que defendem que ela seja uma descoberta creem que existem verdades universais e inalteráveis, independentes da criatividade humana. Nossa pesquisa simplesmente desvenda as leis e teoremas que estão por aí, existindo em algum meta-espaço das ideias, como dizia já Platão.
Nesse caso, uma civilização alienígena descobriria a mesma matemática, mesmo se a representasse com símbolos distintos. Se a matemática for uma descoberta, todas as inteligências cósmicas (se existirem) vão obter os mesmos resultados. Assim, ela seria uma língua universal e única. Os que creem que a matemática é inventada, como eu, argumentam que nosso cérebro é produto de milhões de anos de evolução em circunstâncias bem particulares, que definiram o progresso da vida no nosso planeta.

Conexões entre a realidade que percebemos e abstrações geométricas e algébricas são resultado de como vemos e interpretamos o mundo.

Em outras palavras, a matemática humana é produto da nossa história evolutiva. Claro, civilizações que se desenvolverem em situações semelhantes (na superfície de um planeta rochoso com muita água e vegetação, sob um sol irradiando principalmente na porção visível do espectro eletromagnético etc.) poderão obter uma matemática semelhante: a matemática reflete as mentes que a criam.

Mas qual a relação da matemática com a beleza? Matemáticos e físicos atribuem beleza à teoremas e teorias, criando uma estética da "verdade". Os mais belos são aqueles que conseguem explicar muito com pouco.

Quando possível, os teoremas e teorias mais belos são também os mais simples; dadas duas ou mais explicações para o mesmo fenômeno, vence a mais simples. Esse critério é conhecido como a "lâmina de Ockham", atribuído a William de Ockham, um teólogo inglês do século 14.

Einstein, dentre outros, era um defensor da beleza como critério de verdade em teorias científicas: uma teoria tem que ser bela para estar correta. E, sem dúvida, muitas dela são, ao menos de acordo com critérios de elegância e simplicidade na matemática.

Para os que creem na matemática como linguagem universal, essa estética leva à existência de uma única verdade. Acho isso preocupante, pois me soa como ecos de um monoteísmo judaico-cristão, uma infiltração religiosa, mesmo que sutil e metafórica, nas ciências. Melhor é defender a matemática e a beleza como nossa invenção. Criamos uma linguagem para descrever o mundo, que não podemos deixar de achar bela.

À memória de meu pai, Izaac Gleiser (nascido em 31 de maio de 1927)

domingo, 24 de maio de 2009

Decifrando a origem da vida



Como num jogo de lego, o RNA teve que sair de moléculas ainda mais simples


Por uma dessas coincidências imprevisíveis, nesta semana escrevo sobre a vida mais uma vez.
É bem verdade que semana passada o tema foi mais exótico, a busca por vida inteligente fora da Terra, um projeto que tem pouquíssima chance de ter sucesso. (Mas se não tentarmos jamais teremos êxito). Hoje, apesar do tema também girar em torno da vida, o foco não é em seu estágio mais avançado, a vida inteligente, mas em seu estado mais primitivo, a sua origem.

Segundo teorias modernas, a vida na Terra começou simples. O que vemos hoje, animais extremamente sofisticados com trilhões de células, é o resultado de bilhões de anos de evolução. Os primeiros seres vivos, que surgiram há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, quando o planeta era um bebê, tinham uma célula. E foram necessários em torno de 2 bilhões de anos para que esses seres unicelulares descobrissem as vantagens de se juntar e criar colônias multicelulares.

Essa passagem do uni ao multicelular é um mistério. Mas não é o maior deles. Mais complicado é entender como surgiram as primeiras células. De modo bem simplificado, podemos visualizar uma célula como um balão cheio de substâncias. A superfície do balão-a membrana- protege o seu interior. Lá dentro, existem muitas coisas, sendo a mais importante delas o núcleo da célula, onde encontramos o material genético, o DNA.

Células mais primitivas usam outro tipo de material genético, o RNA, que é mais simples. Daí que, voltando ao passado, muitos cientistas supõem que a vida primitiva começou com o RNA. Esse cenário ficou conhecido como o "mundo de RNA".

Essas moléculas gigantescas faziam os dois trabalhos importantes para sustentar a vida: promoviam uma série de reações químicas e regiam a reprodução da célula. Mas como as moléculas de RNA surgiram?

Esse é um dos grande desafios na resolução do mistério da origem da vida: se a vida começou simples, moléculas como o RNA tiveram de ser feitas a partir de moléculas mais simples, como num jogo de Lego.

Imagine que você tenha peças de três cores: verde, amarelo e azul. Moléculas de RNA têm três ingredientes principais: açúcares ou riboses (verde), fosfatos (amarelo) e as bases químicas que podem aparecer em quatro formas diferentes (azul).

Imagine uma molécula de RNA como um colar muito longo em que esses três tipos de peças estão ligados, sempre na mesma ordem. O que muda são as quatro bases ao longo da molécula. Para que o mundo de RNA funcione, é necessário sintetizar esses longos colares, começando por juntar um açúcar com uma base, formando um "nucleotídeo". O RNA é uma sequência de nucleotídeos. Há mais de 20 anos os cientistas vêm tentando realizar essa síntese sem sucesso. Na semana passada, tudo mudou.

Um grupo da Universidade de Manchester, na Inglaterra, após dez anos de tentativas, conseguiu sintetizar dois dos quatro nucleotídeos. O interessante é que a reação foi por um caminho muito diferente do que outros tentaram antes. Em vez de tentar juntar um açúcar e uma base e depois o fosfato, a reação foi feita em ordem diversa, com ingredientes que supostamente existiam na Terra primitiva. Os químicos descobriram outro caminho para chegar ao mesmo lugar.

Até mesmo radiação ultravioleta, que era abundante na superfície da Terra, foi usada na síntese. A descoberta foi recebida com entusiasmo. Ela torna mais viável um cenário para a origem da vida que pode ser testado no laboratório. Mas é bom sermos cautelosos. Viabilidade não é prova: a natureza pode ter usado um caminho diferente do que o dos cientistas.

domingo, 17 de maio de 2009

Tem alguém lá fora?



Se não procurarmos, jamais encontraremos vida extraterrestre

Na semana passada, participei de uma conferência no Space Telescope Institute, a casa do Telescópio Espacial Hubble. Apropriadamente, na segunda-feira o ônibus espacial Atlantis voou em direção ao telescópio-satélite para instalar novas câmeras numa última viagem de revisão e reparos. O venerável instrumento, um dos mais famosos da história da tecnologia, será aposentado em 2014, após 24 anos de serviço.

A missão da Atlantis e seus sete astronautas é das mais arriscadas até hoje, devido à quantidade de lixo espacial na mesma órbita do Hubble, a uma altitude aproximada de 500 quilômetros. Técnicos da Nasa estimam a probabilidade de colisão com um micrometeoro (pedaços de satélites abandonados ou dos dois que colidiram em fevereiro) em 1 em 229 -relativamente alta. As diretrizes de segurança da Nasa estipulam uma probabilidade mínima de 1 em 200.

O trânsito espacial em torno da Terra está ficando bem congestionado. Espero que o Hubble consiga sobreviver mais cinco anos.

A conferência tratava de um tópico um tanto popular, a busca por vida no Universo. Vou tratar de assuntos diversos em outros domingos, mas hoje queria começar por uma das palestras finais, apresentada por Jill Tarter, uma das cientistas líder do projeto Seti, a busca por inteligência extraterrestre. Quem viu o filme "Contato", inspirado no romance homônimo de Carl Sagan, deve lembrar da heroína do filme, interpretada pela atriz Jodie Foster, que tentava "ouvir" transmissões de rádio feitas por civilizações tecnologicamente avançadas vivendo em planetas distantes. Do mesmo modo que nossos rádios captam ondas emitidas por antenas transmissoras, se apontarmos uma antena bem sensível na direção de um planeta poderíamos, em princípio, ouvir as transmissões feitas de lá. Claro, eles também podem estar na escuta...

Na prática, essa busca é extremamente complexa. As chances de sucesso são quase nulas. A transmissão tem de ser na nossa direção, com uma potência suficiente para que nossas antenas possam captá-la, e numa frequência em que estejamos sintonizados. Como sabemos dos nossos rádios, para ouvirmos algo temos de sintonizar numa estação, por exemplo, 98,5 MHz, o que significa uma onda de rádio com 98,5 milhões de ciclos por segundo. Qual seria a estação dos ETs? Existe essencialmente um número infinito de frequências. Escolher as mais "prováveis" envolve um jogo de adivinhação muito subjetivo.

São já 50 anos de Seti e até agora nada. Isso não surpreende a dra. Tarter.

"Estamos apenas engatinhando em nossa busca. Nossa civilização é muito jovem, temos poucos recursos. Por outro lado, se não procurarmos, jamais encontraremos". Verdade. Mesmo que a chance de sucesso seja muito pequena, imagine se, um dia, os cientistas do Seti captam um sinal que é claramente produzido por outra civilização. Alguns acham que tal descoberta seria a mais importante da história, que tudo mudaria: não só não seríamos o único planeta com vida, mas teríamos companhia tecnológica.

Muito provavelmente, dada a tenra idade da nossa tecnologia, os ETs estariam muito na nossa frente. Quem sabe nos ajudariam a resolver nossos problemas de fome, doenças, efeito estufa... do jeito que as coisas andam, acho melhor nós mesmos cuidarmos dos nossos assuntos. Enquanto isso, quem quiser ajudar pode doar o tempo em que seu computador está parado para que cientistas do Seti possam destrinchar os bilhões de sinais que recebem. Basta ir ao site setiathome .ssl.berkeley.edu. Quem sabe o sinal não chegará ao seu computador?

domingo, 10 de maio de 2009

Será Deus um matemático?



A geometria vem de um cérebro adaptado ao mundo em que existe

O título desta coluna vem de um livro recém-lançado nos EUA, de autoria do astrofísico Mario Livio. Nele, Livio examina a origem da matemática. Será ela obra da mente humana, uma invenção? Ou será que descobrimos a matemática que já existe, uma espécie de superestrutura conceitual que define o Universo e suas leis? Os que acreditam que seja esse o caso gostam da metáfora (atenção!) de que a matemática é a expressão da mente de Deus: Deus é o grande geômetra, o arquiteto universal.

O grande físico teórico Eugene Wigner, que ganhou o Prêmio Nobel pelos seus estudos das simetrias matemáticas que regem o comportamento atômico, achava a eficácia da matemática na descrição dos fenômenos naturais surpreendente. Por que ela funciona tão bem a ponto de nos permitir prever coisas que nem sabíamos que poderiam existir? Por exemplo, quando o escocês James Clerk Maxwell mostrou que todos os fenômenos elétricos e magnéticos podem ser descritos por apenas quatro equações, não poderia imaginar que dessa união viria a descoberta de que a luz é uma onda eletromagnética e que outras existem, invisíveis aos nossos olhos, como os raios X ou as micro-ondas. Várias partículas elementares da matéria foram descobertas usando apenas princípios de simetria. Será que a natureza é mesmo uma estrutura matemática?
Livio descreve argumentos a favor dessa hipótese e contra ela, optando por uma solução de compromisso: parte é descoberta e parte inventada.

A favor, ele mostra como, de fato, a matemática tem uma permanência diversa da das ciências naturais: um teorema matemático, uma vez demonstrado, é correto para sempre. Já em física ou química, explicações que parecem razoáveis numa época às vezes se provam erradas, ou aproximações de explicações mais sofisticadas.

Será, então, que uma civilização extraterrestre redescobriria os mesmos resultados matemáticos do que nós, como se fossem uma espécie de código da natureza? Pitágoras, Platão, Galileu, Newton, Einstein, muitos matemáticos (mas não todos) e os físicos que hoje trabalham em teorias de supercordas diriam que sim. Talvez mudem os símbolos, mas a essência dos resultados seria a mesma.

Um astrofísico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Max Tegmark, chega a afirmar que o Universo é matemática e que infinitos outros universos existem, replicando todas as combinações lógicas e geométricas possíveis. Acho que Tegmark confundiu a ficção de Jorge Luis Borges com a realidade. Sua posição é, para mim, religiosa.

Não há dúvida de que certos resultados matemáticos, como 2 + 2 = 4, são verdadeiros independentemente de como sejam descritos. Mesmo assim, vou além de Livio e afirmo que a matemática é uma invenção humana, uma linguagem criada para descrever a nossa realidade. Somos produtos de milhões de anos de evolução, adaptados ao mundo em que vivemos.

Na superfície da Terra vemos árvores, pedras e animais, unidades que naturalmente definem os números inteiros, que usamos para contar. No céu vemos estrelas e imaginamos constelações. Uma criatura marinha inteligente e solitária, vivendo nas profundezas e sem luz ou outras formas de vida por perto, provavelmente desenvolveria uma outra matemática.

Nossa geometria descreve aproximadamente as formas que vemos à nossa volta; esferas, quadrados, cubos, círculos, linhas. Ela vem de um cérebro adaptado ao mundo em que existe. Se uma civilização extraterrestre tiver desenvolvido linguagem equivalente, é porque existe numa realidade semelhante. O único Deus matemático é aquele que inventamos.

domingo, 3 de maio de 2009

Melhores de 2008



Publicação lista as descobertas importantes do ano passado

Recebi recentemente um exemplar da publicação americana "Science News" com uma lista das 20 mais importantes (de acordo com eles) descobertas científicas de 2008. Resolvi fazer uma seleção das que são mais relevantes aos temas de que tratamos aqui na coluna.
Gostaria de incluir outras, mas o espaço é curto. Aqui vão:

1. Planetas extrassolares fotografados: dois grupos de astrônomos apresentaram as primeiras fotografias de planetas girando em torno de outras estrelas. Um deles, usando o Telescópio Espacial Hubble, identificou um planeta em torno da estrela Formalhaut, a 25 anos-luz de distância da Terra. O outro, usando dois enormes telescópios no topo da montanha Mauna Kea, no Havaí, fotografou nada menos do que três planetas girando em torno da estrela HR 8799, a 130 anos-luz da Terra. Ou seja, pela primeira vez na história, astrônomos fotografaram um outro sistema solar.

A caça a planetas extrassolares começou há pouco mais de dez anos. E já são mais de 300 deles. Isso leva os cientistas a uma conclusão muito importante: se a maioria das estrelas tem seus planetas, o número de planetas por galáxia é gigantesco. Só na nossa, que tem em torno de 300 bilhões de estrelas, pode haver mais do que um trilhão de planetas. E isso sem contar as luas! Se estamos interessados em vida extraterrestre, esses números indicam que não faltam possíveis casas onde a vida pode ter surgido.

2. O gigantesco acelerador de partículas LHC é ligado -e desligado: localizado na fronteira entre a Suíça e a França, o acelerador passou o em seu primeiro teste quando foi ligado, no dia 10 de setembro. Prótons viajaram pelo percurso de 27 quilômetros em túneis cem metros abaixo do subsolo com velocidades próximas à da luz. O objetivo do acelerador é colidir prótons com outros prótons, transformando sua energia de movimento em matéria segundo a famosa fórmula E = mc2. (Quanto mais rápidos os prótons, mais energia têm e mais matéria pode ser gerada em suas colisões).

Uma das perguntas a que os cientistas querem responder com o LHC é de onde vem a massa de partículas como o elétron e os quarks, componentes dos prótons. Infelizmente, um vazamento de hélio líquido que refrigera os ímãs supercondutores no túnel levou ao fechamento do acelerador até julho deste ano. Com o filme "Anjos e Demônios" saindo agora (que se passa, em parte, no laboratório onde fica o LHC), a popularidade do experimento é enorme. Como são, também, as expectativas de resultados.

3. Macaco controla braço mecânico com seu cérebro: eletrodos foram implantados nos cérebro de macacos na região que controla o movimento muscular. Usando o seu pensamento, ou a intenção de mover o braço, os macacos conseguiram aperfeiçoar seu controle do braço mecânico a ponto de alimentar-se com ele. Um computador traduziu a atividade elétrica dos neurônios dos macacos em sinais para o braço. A promessa de próteses é enorme. Infelizmente, no momento, os eletrodos implantados no cérebro de macacos ou mesmo de pessoas acabam atacados pelo sistema imunológico como invasores.

4. Nova evidência indica que vida na Terra começou bem cedo: cristais de zircão datando de 4,2 bilhões de anos atrás indicam possível atividade biológica. Até então, os primeiros sinais de vida na Terra datavam de, no máximo, 3,8 bilhões de anos atrás. Se comprovada, essa descoberta indicará que a vida aqui surgiu bem antes do que o esperado e sob condições bem dramáticas: muito vulcanismo e quedas de asteroides. Se isso ocorreu aqui, a possibilidade de ter ocorrido em outros planetas aumenta bastante.