domingo, 26 de dezembro de 2010

Papai Noel e Pousos Lunares


É trágico que pessoas duvidem de feitos científicos, ao invés de celebrá-los. Seria melhor crer em Papai Noel

SE VOCÊ TIVER menos de oito anos, pare de ler. A vida seria muito sem graça se não pudéssemos acreditar no impossível por um tempo. Afinal, a força de um mito está na sua credibilidade e não na sua veracidade.

Papai Noel, São Nicolau, é inspirado num bispo que viveu no século 4, na cidade de Myra, hoje província de Anatólia, na Turquia. Dentre seus atos generosos, deu três dotes para meninas pobres para que não virassem prostitutas.

O mito evoluiu e hoje faz parte da cultura planetária. Mas chega uma hora em que a imagem do gordinho de barbas brancas e longas, que atravessa o mundo voando num trenó puxado por renas para dar presentes às crianças deixa de fazer sentido. Isso nos leva aos pousos lunares. Seriam são um mito também?

Na semana passada houve um eclipse lunar, o primeiro durante o solstício de verão desde 1638. A Lua ficou vermelha, uma visão que costumava assustar muita gente. Não é à toa que no Apocalipse de João a Lua aparece vermelha. Várias tabelas previam precisamente quando ele iria ocorrer. Espero que essa precisão da astronomia não tenha passado desapercebida. Sem ela, os pousos lunares não teriam ocorrido.

É grande o número de pessoas que duvidam que o homem tenha ido à Lua, achando que é tudo uma conspiração americana. "Desculpe filho, mas Papai Noel não existe. Aliás, astronautas também nunca foram à Lua..."

A maioria das teorias de conspiração se concentram no primeiro pouso lunar, da Apolo 11, em 20 de julho de 1969. "A Nasa [agência espacial americana] fabricou os vídeos no estúdio do Stanley Kubrick"". Foram seis pousos lunares, e 12 astronautas passearam por lá, em missões que duraram 41 meses, terminando com Gene Cernan e Jack Schmitt da Apolo 17e, em 1972.

Dezenas de milhares de técnicos e engenheiros trabalharam para isso. Eis alguns dos argumentos usados:

1.Como que a bandeira americana balançava se não há ar na Lua?

Os astronautas usaram uma haste horizontal para manter a bandeira aberta. No vácuo lunar, uma pequena oscilação dura muito tempo.

2.Como que sombras parecem projetadas em múltiplas direções quando existem apenas algumas fontes de luz?

Numa superfície curva, como a da Lua, a rede de sombras depende da topologia do solo e dos detalhes da iluminação, podendo criar essa variação complexa.

3.Como que a pegada do Neil Armstrong fica tão definida numa região sem qualquer umidade?

No vácuo lunar, a fina poeira que cobre a superfície pode facilmente criar as impressões de marcas de botas dos astronautas.

Denegrir esse feito é retornar a um obscurantismo medieval que, francamente, é ridículo hoje em dia. Talvez parte da culpa esteja na nossa pobre educação científica. Muitas pessoas acreditam que a Nasa fez isso para ganhar a Guerra Fria.

Os russos cairiam nessa? Acreditar que a coisa toda é uma invenção talvez crie um senso de proteção contra os avanços imprevisíveis da ciência.

É trágico que, em vez de celebrar os grandes feitos da ciência, tantas pessoas escolham fechar os olhos e crer numa mentira. Se é esse o caso, seria muito melhor, então, acreditar em Papai Noel.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Inevitabilidade humana


Será que nós somos uma consequência inevitável das leis da natureza? Ou não passamos de acidente?


SEMPRE ACHEI que final de ano é época de reflexão, e não só de presente e festa. Portanto, vamos lá.

Olhe para as suas mãos.

Nela, você encontra átomos que pertenceram a estrelas desaparecidas há mais de 5 bilhões de anos. Essas estrelas, no final de sua existência, forjaram os elementos químicos que compõem o seu corpo, as montanhas, os rios e os oceanos.

Quando explodiram, elas espalharam suas entranhas pelo espaço sideral, os ingredientes da vida, em ondas de choque que se propagavam a milhares de quilômetros por segundo. Em um canto da galáxia, essas ondas se chocaram com uma enorme nuvem de hidrogênio, provocando instabilidades que levaram ao seu colapso. E dele nasceu o Sistema Solar, com sua corte de planetas e luas e, em um deles, seres capazes de questionar suas origens.

Somos, concretamente, restos de estrelas animados de consciência.

O incrível disso é que tudo começou com praticamente apenas hidrogênio e gravidade. Ao comprimir essas nuvens de hidrogênio em estrelas, a gravidade se tornou o grande alquimista cósmico, criando os elementos químicos a partir do mais simples. Na visão moderna do Universo, somos o que acontece quando damos alguns bilhões de anos de tempo ao hidrogênio e à gravidade.

Temos muitas lacunas a preencher nessa grande narrativa cósmica, e é isso que faz os cientistas acordarem todos os dias com pressa de chegar ao trabalho. Dentre as várias questões, uma das mais controversas é sobre nossa inevitabilidade. Será que somos consequência inevitável das leis da natureza? Ou um mero acidente, e o Universo poderia igualmente existir sem nós?

A posição mais conservadora diria que tudo o que podemos fazer é medir. Não existe qualquer plano ou objetivo, apenas o que ocorre. A história que reconstruímos à partir dessas medidas começa com (pelo menos) quarks, elétrons e radiação e, bilhões de anos depois, inclui vida e seres humanos. Não há dúvida de que a matéria ficou mais complexa com o passar das eras. Por quê?

Antes de tentar dizer algo, vale a pena contemplar o que já conseguimos até aqui. A ciência comprova nossa profunda relação com o Cosmos. Não apenas porque vivemos nele, mas porque somos feitos dele: nós e todos os agregados de matéria, vivos e não-vivos. Estamos no Cosmos e o Cosmos está em nós.

Quem duvida que a ciência é uma busca espiritual deveria refletir sobre o que escrevi acima. A pesquisa do cientista, os dados e sua análise quantitativa, são atividades que dão concretude à busca. Alguns ficam só nisso e estão bem assim. Mas uma visão menos focada revela o óbvio: a ciência responde a anseios espirituais que estão conosco desde tempos ancestrais.

Retornando à nossa questão, alguns acreditam que deve existir um princípio que justifique a tendência à complexidade. Mas não temos evidência disso. O Cosmos poderia ter se desenvolvido sem nós. Mas o fato é que estamos aqui! Se abrirmos mão desse princípio, temos que aceitar que somos um acidente.

Talvez seja essa a origem da nossa importância. Se podemos refletir sobre a vida, temos algo de especial. Isso deveria nos levar a uma reavaliação do nosso papel: guardiões da vida e do planeta. Talvez seja essa a nossa missão inevitável.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Os enigmáticos buracos negros


No buraco negro, nossas noções de espaço e tempo não fazem sentido; nada escapa dele, nem a luz

RECENTEMENTE, CIENTISTAS USANDO o observatório espacial Chandra, da Nasa, fizeram uma descoberta fabulosa: a partir dos raios-X coletados pelas antenas do local, visualizaram pela primeira vez um buraco negro "recém-nascido", com apenas 30 anos de idade. A descoberta pode ajudar a decifrar alguns dos muitos enigmas sobre eles.

Esse pertence à galáxia M100 que, estando a 50 milhões de anos-luz da Terra, não é exatamente nossa vizinha. Isso significa que a radiação coletada deixou o buraco negro há 50 milhões de anos, pouco depois dos dinossauros desaparecerem do nosso planeta.

Pode parecer estranho que saibamos que ele tinha apenas 30 anos mesmo estando tão distante, mas não é: imagine a foto de um bebê enviada de navio do Brasil para a África. A viagem é longa, mas a foto mostra o mesmo bebê.

O buraco negro é o que sobrou de uma estrela gigante, com massa 20 vezes maior do que a do Sol. Como toda estrela, essa chegou ao fim de sua vida e explodiu violentamente, lançando parte de sua matéria ao espaço. A que sobrou, compactada pela ação da gravidade, condensou-se até formar um buraco negro -onde nossas noções de espaço e tempo deixam de fazer sentido.

Podemos imaginá-lo como uma região envolvida por uma membrana chamada de "horizonte de eventos". Tal como numa praia, onde o horizonte demarca o limite do que podemos ver, o horizonte de eventos demarca a fronteira entre o exterior e o interior do buraco negro: o que passa dele jamais retorna, inclusive a luz. Daí seu nome.

A questão é o que ocorre dentro do horizonte. Buracos negros são classificados pela sua massa e rotação. Os mais simples, os que não rodam, são caracterizados por uma "singularidade" em seu centro, um ponto onde as leis da física como as conhecemos deixam de funcionar.

O problema é que, perto da singularidade, a teoria que usamos para descrever os buracos negros -a relatividade geral de Einstein- não faz sentido. Precisaríamos usar uma teoria quântica da gravidade, algo que ainda não temos.

O pouco que sabemos, após o trabalho de Stephen Hawking, é que buracos negros evaporam: eles emitem radiação eletromagnética e, aos poucos, vão perdendo sua massa. Podemos até associar uma temperatura a eles, a temperatura de Hawking, T = (1023kg/M)K, onde M é a massa do buraco negro em quilogramas e K sua temperatura em Kelvin (1 Kelvin = -273 Celsius).

Portanto, um buraco negro com a massa do Sol (M=1030kg) emite radiação a 10-7K, muito fria. Mas como a temperatura vai com o inverso da massa, buracos negros leves podem brilhar bem intensamente. É o que ocorre ao fim de suas vidas! O que levanta uma questão interessante: o que ocorre com a singularidade quando o buraco negro evapora até o fim? Será que o horizonte desaparece por completo, revelando ao mundo a singularidade, feito o Aleph do conto homônimo de Jorge Luis Borges? Ninguém sabe.

Talvez um dia, usando os descendentes do Chandra, enxerguemos o ponto onde o espaço deixa de fazer sentido. Ou, talvez, algo de inesperado ocorra antes disso. Afinal, quando se trata de buracos negros, o inesperado é a norma.

domingo, 5 de dezembro de 2010

O discurso do Universo


"É verdade que tenho certo xodó pelos seres humanos, encontro neles uma magia que vai além do sobreviver"

Gostaria de começar agradecendo aos membros da raça humana que, usando sua criatividade e diligência, têm aprendido tanto sobre minhas propriedades nos últimos milênios. Neste discurso, para manter a clareza, usarei a noção humana de tempo, a qual, apesar de sua inocência, é bem prática.

Continuo em expansão, como é o caso já há 13,7 bilhões de anos. Confesso que, durante a maior parte desse tempo, me senti bem sozinho.

O silêncio era profundo, nenhuma mente perscrutando os mistérios que criei para me distrair durante a passagem das eras.

Na infância, meu volume era repleto de partículas e de radiação que, devido ao enorme calor e à grande pressão, interagiam furiosamente sem criar qualquer estrutura mais complexa.

Apenas após 400 mil anos surgiram os primeiros átomos. Mesmo assim, só os mais simples estavam presentes- os que os humanos chamam de "hidrogênio" e "hélio".

É verdade que tenho certo xodó pelos humanos. Existem muitas formas de vida espalhadas pelo meu domínio. Embora algumas sejam bem curiosas, a maioria não faz nada mais do que sobreviver. Já nos humanos, encontro aquela mágica que faz toda a diferença, uma apreciação por coisas que vão além do mero sobreviver. Inventaram conceitos como dignidade, respeito e amor, que considero muito criativos.

Talvez sejam eles a razão pela qual outras formas de vida inteligente se autodestroem após atingir uma certa sofisticação tecnológica, enquanto os humanos permanecem vivos.

Esses primeiros átomos de hidrogênio, devido à ação da gravidade, condensaram-se em esferas gigantes, as estrelas. No seu centro, temperaturas de 15 milhões de graus Celsius levam o hidrogênio a virar hélio, o segundo elemento.

É essa transmutação que mudou a minha história. Nada é mais importante do que ela! Dela, estrelas em ignição produzem a energia e a luz que aquecem seus planetas; dela, a vida extrai energia; dela, quando as estrelas se aproximam do fim de suas vidas, outros elementos químicos são formados e distribuídos pelo espaço, tornando a vida possível por todo o meu domínio.

Para o meu deleite, esses humanos entenderam tudo isso em apenas 400 anos. Mesmo assim, adorei ver a cara de alguns de seus cientistas quando descobriram, recentemente, que minha expansão está em aceleração. Acho que estão finalmente entendendo que é melhor manterem suas cabeças abertas e olhar para a Natureza com humildade. Quanto mais estudarem os meus mistérios, mais surpresas encontrarão. Espero que os outros brutos que existem em meu domínio, que passam sua existência lutando e se matando por razões patéticas, aprendam essa lição e comecem a se dedicar à busca pelo conhecimento.

Sei que fui parcial quando deixei a Terra se formar 4,6 bilhões de anos atrás. É mesmo um mundo especial. Estranho que os humanos estejam demorando tanto para entender isso. Especialmente agora, que podem estudar outros mundos. Espero que acordem logo. Nesse meio tempo, continuarei a criar e destruir mundos. Assim, me divirto e inspiro os humanos a aprenderem mais sobre mim. Afinal, preciso ser franco.

Até mesmo eu sou uma invenção das suas mentes.

domingo, 28 de novembro de 2010

Gratidão cósmica




Devemos agradecer à Terra, planeta único e vivo, por nos permitir existir, apesar dos nossos abusos

ESSA SEMANA, É celebrado o Dia de Ação de Graças aqui nos EUA.

Historicamente, ele celebra a gratidão dos imigrantes ingleses que, se não fossem os nativos de Massachusetts, teriam morrido de fome. Na prática, comemora-se a colheita de fim de verão com muita comida, inclusive peru ao forno (consumido por 45 milhões de pessoas na data).

Mas, aqui na coluna, gostaria de dar graças mais globais. Começando com o Universo.

São umas 200 bilhões de galáxias, com umas 200 bilhões de estrelas cada. Boa fração tem planetas girando à sua volta, muitos deles com luas. Ao todo, são trilhões de mundos, cada um com sua história.

O que existe além do espaço? O que ocorreu antes do Big Bang? As medidas atuais (lembre-se que conhecemos apenas o que podemos medir; o resto pode ser divertido de comentar em conversas, mas é apenas especulação) indicam que o espaço é plano. Ou seja: continua para sempre, em todas as direções.

Temos certeza disso? Não. Tudo o que podemos dizer é que a porção do espaço que conseguimos medir, delimitada pela distância viajada pela luz desde o Big Bang, há 13,7 bilhões de anos, tem geometria plana ou muito próxima disso.

Imagine uma praia e o horizonte à distância. Sabemos que o mar não termina lá, apenas o que podemos ver dele. O mesmo com o espaço.

Sabemos que as leis da física e da química valem por todo o espaço.

Podemos dizer a composição de uma estrela sem irmos até lá. Podemos explicar como as primeiras galáxias nasceram há bilhões de anos. Quando olhamos para os céus, olhamos para o passado. Quanto mais distante no espaço, mais para trás no tempo. O cosmo é uma máquina do tempo. Quem disse que não existe mágica em ciência?

E o tal "começo"? Não sabemos, mas conhecemos a história cósmica até um trilionésimo de segundo após o "Bang". Nada mau para apenas 400 anos de ciência.

Sabemos também que não faz sentido perguntar o que ocorreu "antes" do Big Bang. Quem era você antes de nascer? Não existir significa não existir no tempo. Santo Agostinho já dizia, uns 16 séculos atrás: o tempo e o espaço surgiram com a criação. Ah, se as coisas fossem assim tão simples...

Hoje, alguns especulam que nosso cosmo é parte de uma entidade muito maior, o multiverso, que representa todas (ou quase?) possibilidades cósmicas. Em alguns, as leis da física podem ser diferentes e a vida como a conhecemos, seria impossível. Portanto, agradeça ao Universo, um dos poucos com propriedades certas para gerar estrelas, planetas e, em alguns deles, vida.

Mas vá com calma! Ao contrário do que tantos afirmam, o Universo não dá a mínima bola para a vida. Basta olhar para nossos vizinhos, planetas mortos e desolados.

Tire nossa atmosfera, nossa camada de ozônio e campo magnético, e a Terra se transformaria num deserto sem vida. (Ao menos vida complexa. Talvez algumas bactérias pudessem existir ainda.) Portanto, não é tanto ao Universo que devemos agradecer, mas à Terra, nosso planeta vivo, único. Devemos todos, coletivamente, dar graças ao nosso mundo: por nos permitir existir e pela sua tolerância, apesar dos nossos abusos. Poucas mães seriam assim tão pacientes.

domingo, 21 de novembro de 2010

Evitando o vazio



A noção do vazio absoluto é desconfortável, provoca uma certa ansiedade. Queremos sempre preenchê-lo com algo
SERÁ QUE PODEMOS contemplar o vazio absoluto? E se pudermos, será que tal coisa - a ausência de tudo- existe? O que definimos como o "nada" mudou radicalmente com o passar do tempo.

A noção do vazio absoluto é desconfortável, provoca certa ansiedade. Queremos enchê-lo com algo.
Já na Grécia Antiga, a questão incitava o debate. Parmênides dizia que o nada não existe e não faz sentido. Haveria apenas o Ser, que está em todos os lugares. Sua ausência significaria a existência do não Ser, que lhe parecia impossível.

Contra essas ideias, os atomistas diziam que a realidade é composta de átomos movendo-se no vazio. Esses átomos podem se combinar para dar forma a tudo o que existe.
Aristóteles discordava disso. Para ele, o vazio também era uma impossibilidade, mas seus argumentos eram mais concretos.

Uma pedra cairá com velocidades diferentes num copo cheio de água ou de mel: quanto mais denso o meio, mais lento o movimento.

Portanto, um meio vazio e com densidade zero permitiria velocidades infinitas, o que era um absurdo. Aristóteles postulou então a existência do éter, uma substância imutável que permeia o Cosmo.
No século 17, Descartes afirmou também que um fluido preenchia o espaço, o que explicaria as órbitas dos planetas em torno do Sol: ao girar, o astro causava o giro do fluido que, por sua vez, fazia com que os planetas girassem.

Newton mostrou que Descartes estava errado: tal fluido criaria uma fricção que causaria instabilidades nas órbitas planetárias. O espaço ficou vazio outra vez.

Quando o escocês James Clerk Maxwell demonstrou, no século 19, que a luz era uma onda eletromagnética, teve de inventar um meio onde essa onda se propagasse. Afinal, ondas de água se propagam na água, e ondas de som, no ar. Maxwell supôs que um meio transparente, sem massa (para não atrapalhar as órbitas) e muito rígido (para permitir propagar ondas ultrarrápidas) enchia o cosmo.

O éter acabou voltando. Apenas em 1905 Einstein demonstrou que o éter não é necessário, porque ondas de luz são capazes de se propagar no vácuo. O espaço ficou vazio outra vez. Durante o século 20, o conceito de campo substituiu o conceito de força e ação à distância. Todo corpo com massa cria um campo gravitacional à sua volta, que influencia outros corpos com massa. Toda carga elétrica cria um campo elétrico que influencia outras cargas etc.

Os campos preenchem todo o espaço, criados por sua fontes. A realidade física é vista como sendo criada por campos e suas excitações. Elétrons, prótons, fótons são excitações de campos.

Devido a flutuações típicas na escala atômica, essas partículas podem surgir até do vazio. O vazio absoluto não existe, pois sempre haverá uma energia de excitação no espaço, a agitação quântica.

Essa energia pode criar matéria vinda do nada! Como foi descoberto em 1998, a expansão do Universo se acelera: galáxias se afastam mais rápido do que o esperado.

A causa desse efeito é desconhecida, mas ganhou o nome de energia escura. É possível que venha dessa agitação quântica do espaço vazio. O éter, ou algo do tipo, voltou.

domingo, 14 de novembro de 2010

A realidade é como percebemos





Einstein e a física quântica derrubaram a objetividade imparcial: a mente e a realidade são inseparáveis

SEMANA PASSADA, DESCREVI como a física moderna vê a realidade como sendo composta de várias camadas, cada qual com seus princípios e leis.


Isso vai contra o reducionismo mais radical, que diz que tudo pode ser compreendido partindo do comportamento das entidades fundamentais da matéria. Segundo esse prima, existem apenas algumas leis fundamentais. Delas, todo o resto pode ser determinado. Gostaria de retornar ao tema hoje, mas focando num outro aspecto dessa questão que é bem complicado: o que é realidade e como sabemos.

Começo contrastando os filósofos Hume e Kant. Para Hume, o conhecimento vem apenas do que captamos com nossos sentidos. Baseados nesta informação, construímos a noção de realidade. Portanto, uma pessoa que cresceu sem qualquer contato com o mundo externo e que é alimentada por soros não seria capaz de reflexão. Kant diria que existem intuições já existentes desde o nascimento, estruturas de pensamento que dão significado à percepção sensorial.
Sem elas, os dados colhidos pelos sentidos não fariam sentido.

Duas dessas intuições são as noções de espaço e de tempo: elas costuram a estrutura da realidade, conectando e dando sentido ao fluxo de informação que vem do mundo exterior. Uma mente com estruturas diferentes, portanto, teria uma noção diferente da realidade.

Kant não diz que o sensório não é importante. Para ele, mesmo que o conhecimento comece com a experiência externa, não significa que venha desta experiência. Precisamos do fluxo de informação sensorial, mas construímos significado partindo de nossas intuições: os dados precisam ser ordenados no tempo e arranjados no espaço.

Durante as primeiras décadas do século 20, duas revoluções forçaram uma reavaliação da ordem kantiana. A relatividade de Einstein combinou espaço e tempo. Deixaram de ser quantidades absolutas, tornando-se dependentes do observador.

O que é real para um pode não ser para outro. A teoria de Einstein restaura uma forma de universalidade, pois provê meios para que observadores diferentes possam comparar suas medidas de espaço e tempo.

A segunda revolução veio com a física quântica. Para nossa discussão hoje, seu aspecto mais importante é a relação entre o observador e o observado. Na época de Kant, a separação entre os dois era absoluta. No mundo quântico dos átomos e partículas, a natureza física de um objeto (se um elétron é uma partícula ou uma onda, por exemplo) depende do ato de observação.

Ou seja, as escolhas feitas pelo observador induzem a natureza física do que é observado: o observador define a realidade. E como a intenção do observador vem de sua mente, a mente define a realidade. A mente precisa ainda das intuições a priori para interpretar o real, mas ela participa desta interpretação.

A objetividade imparcial se torna, então, obsoleta, já que mente e realidade tornam-se inseparáveis. Se essa relação na camada quântica afeta outras camadas é ainda objeto de discussão.

domingo, 7 de novembro de 2010

As muitas camadas da realidade




Podemos imaginar que a descrição científica da natureza é um bolo, com fatias de sabor variado


DURANTE SÉCULOS, cientistas sonharam em obter uma descrição completa do mundo, tentando fazer da ciência um símbolo maior do brilhantismo humano. Não seria fantástico se fôssemos capazes de prever o futuro em detalhe? A ciência como oráculo... muito irônico.

Essa seria a opressora realidade do cosmorrelógio, no qual leis estritamente determinísticas descreveriam todos os mecanismos da natureza. Esse sonho não passava de ilusão, e o projeto falhou.

Primeiro porque essa meta reducionista, para a qual tudo na natureza pode ser descrito a partir do comportamento das menores entidades de matéria, depende do acúmulo de muita informação (como as posições e velocidades de todas as partículas que compõem o Cosmo).

Mesmo os seus defensores mais ferrenhos, como o francês Laplace e outros, sabiam que, na prática, nunca daria certo. Medidas tomam tempo. E, quando você termina de medir algo aqui, o que está acolá já mudou de lugar! Mas, mesmo assim, acreditava-se num conjunto de leis que poderia ser usado para construir a realidade física do mais elementar ao mais complexo, a partir das entidades fundamentais da matéria e de suas interações.

Além disso, a física quântica, que descreve átomos, proíbe o conhecimento da posição e da velocidade de uma partícula com precisão arbitrária, impondo um limite absoluto ao que podemos conhecer.

Hoje, imagino (e espero) que poucos físicos acreditem que o projeto reducionista possa funcionar começando das partículas elementares e indo às moléculas, aos furacões ou à explicação de como os neurônios podem criar nosso senso de identidade.

Deixar de lado esta meta reducionista cria oportunidades únicas. Como escreveu o prêmio Nobel Philip Anderson, em 1972: "A cada nível de complexidade aparecem novas propriedades. Cada estágio requer leis e conceitos novos".

Podemos imaginar nossa descrição científica da natureza como um bolo de muitas camadas, cada qual com o seu sabor, ingredientes e feita segundo instruções diferentes. O bolo pode ser um só, mas não é possível cozinhá-lo começando com prótons e elétrons. (Da mesma maneira, uma sinfonia é muito mais do que um agrupamento de notas.)

Será que existem camadas-limite, indo da menor à maior? Ou será que a realidade é um "bolo de Babel", sem limites? Se considerarmos o que sabemos hoje, podemos dizer que existe uma distância mínima, onde o conceito de espaço deixa de fazer sentido: é o chamado "comprimento de Planck", igual a 1,6 x 10-35 metro (um próton tem aproximadamente 10-15 metro).

Em direção ao cósmico, a coisa é mais incerta. Podemos dizer que a porção observável do Universo, isto é, o volume de espaço onde podemos coletar informação usando formas diversas de radiação (como luz, ultravioleta e infravermelho), é de 46 bilhões de anos-luz.

Se o Universo continua além dessa fronteira- e não há razão para achar que não continue- não podemos sabê-lo. E se não podemos ver o que está além, esta é, de fato, a camada-limite do "muito grande". Portanto, nosso bolo da realidade não se estende ao infinitamente pequeno ou grande. Ao menos, essa é a receita atual.

domingo, 31 de outubro de 2010

Entre o espiritual e o material



O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade está na interseção

EXISTIMOS NESSA FRONTEIRA, não muito bem delineada, entre o material e o espiritual. Somos criaturas feitas de matéria, mas temos algo mais. Somos átomos animados capazes de autorreflexão, de perguntar quem somos.

Devo dizer, de saída, que espiritual não implica algo sobrenatural e intangível. Uso a palavra para representar algo natural, mesmo intangível, pelo menos por enquanto.

Pois, se olharmos para o cérebro como o único local da mente, sabemos que é lá, na dança eletro-hormonal dos incontáveis neurônios, que é gerado o senso do "eu".

Infelizmente, vivemos meio perdidos na polarização artificial entre a matéria e o espírito e, com frequência, acabamos optando por um dos dois extremos, criando grandes crises sociais que podem terminar em atrocidades.

Vivemos numa época onde o materialismo acentuado -do querer antes de tudo, do eu antes do outro, do agora antes do legado-, está por causar consequências sérias.

Lembro-me das sábias linhas do filósofo Robert Pirsig, no clássico "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas": "Nossa racionalidade não está movendo a sociedade para um mundo melhor. Ao contrário, ela a está distanciando disso".

Ele continua: "Na Renascença, quando a necessidade de comida, de roupas e abrigo eram dominantes, as coisas funcionavam bem.

Mas agora, que massas de pessoas não têm mais essas necessidades, essas estruturas antigas de funcionamento não são adequadas. Nosso modo de comportamento passa a ser visto como de fato é: emocionalmente oco, esteticamente sem sentido e espiritualmente vazio".

O ponto é claro: atingimos uma espécie de saturação material. Para chegar a isso, sacrificamos o componente espiritual. O material é reptiliano: "Eu quero, eu pego. Se não consigo, eu mato (metaforicamente ou de fato). O que quero é mais importante do que o que você quer".

Claro, progredimos muito, dando conforto a milhões de pessoas, mas, no frenesi do sucesso, deixamos de lado o que nos torna humanos. Não só nossas necessidades, mas nossa generosidade, nossa capacidade de dividir e construir juntos.

Quando nossa sobrevivência está garantida, recaímos em nosso modo reptiliano de agir -autocentrado- e esquecemos da comunidade.

A diferença entre nossa realidade e a de Pirsig, que escreveu essas linhas acima em 1974, é que um novo tipo de conscientização está surgindo, em que o senso de comunidade está migrando do local ao global.

Isso me deixa otimista.

Em todo o planeta, um número cada vez maior de pessoas entendeu já que os excessos materialistas da nossa geração precisam terminar. Não é apenas porque o materialismo desenfreado é superficial. É porque é letal, tanto para nós quanto para a vida à nossa volta.

Olhamos para nosso planeta de modo que não olhávamos 20 anos atrás. O sucesso do filme "Avatar" não teria sido o mesmo em 1990.

O momento está chegando para um novo tipo de espiritualidade, que nos levará a uma existência mais equilibrada, onde o material e o espiritual mantêm um balanço dinâmico. O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade reside na interseção dos dois.

Entre o espiritual e o material



O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade está na interseção
EXISTIMOS NESSA FRONTEIRA, não muito bem delineada, entre o material e o espiritual. Somos criaturas feitas de matéria, mas temos algo mais. Somos átomos animados capazes de autorreflexão, de perguntar quem somos.

Devo dizer, de saída, que espiritual não implica algo sobrenatural e intangível. Uso a palavra para representar algo natural, mesmo intangível, pelo menos por enquanto.

Pois, se olharmos para o cérebro como o único local da mente, sabemos que é lá, na dança eletro-hormonal dos incontáveis neurônios, que é gerado o senso do "eu".

Infelizmente, vivemos meio perdidos na polarização artificial entre a matéria e o espírito e, com frequência, acabamos optando por um dos dois extremos, criando grandes crises sociais que podem terminar em atrocidades.

Vivemos numa época onde o materialismo acentuado -do querer antes de tudo, do eu antes do outro, do agora antes do legado-, está por causar consequências sérias.

Lembro-me das sábias linhas do filósofo Robert Pirsig, no clássico "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas": "Nossa racionalidade não está movendo a sociedade para um mundo melhor. Ao contrário, ela a está distanciando disso".

Ele continua: "Na Renascença, quando a necessidade de comida, de roupas e abrigo eram dominantes, as coisas funcionavam bem.

Mas agora, que massas de pessoas não têm mais essas necessidades, essas estruturas antigas de funcionamento não são adequadas. Nosso modo de comportamento passa a ser visto como de fato é: emocionalmente oco, esteticamente sem sentido e espiritualmente vazio".

O ponto é claro: atingimos uma espécie de saturação material. Para chegar a isso, sacrificamos o componente espiritual. O material é reptiliano: "Eu quero, eu pego. Se não consigo, eu mato (metaforicamente ou de fato). O que quero é mais importante do que o que você quer".

Claro, progredimos muito, dando conforto a milhões de pessoas, mas, no frenesi do sucesso, deixamos de lado o que nos torna humanos. Não só nossas necessidades, mas nossa generosidade, nossa capacidade de dividir e construir juntos.

Quando nossa sobrevivência está garantida, recaímos em nosso modo reptiliano de agir -autocentrado- e esquecemos da comunidade.

A diferença entre nossa realidade e a de Pirsig, que escreveu essas linhas acima em 1974, é que um novo tipo de conscientização está surgindo, em que o senso de comunidade está migrando do local ao global.

Isso me deixa otimista.

Em todo o planeta, um número cada vez maior de pessoas entendeu já que os excessos materialistas da nossa geração precisam terminar. Não é apenas porque o materialismo desenfreado é superficial. É porque é letal, tanto para nós quanto para a vida à nossa volta.

Olhamos para nosso planeta de modo que não olhávamos 20 anos atrás. O sucesso do filme "Avatar" não teria sido o mesmo em 1990.

O momento está chegando para um novo tipo de espiritualidade, que nos levará a uma existência mais equilibrada, onde o material e o espiritual mantêm um balanço dinâmico. O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade reside na interseção dos dois.

sábado, 23 de outubro de 2010

Olhando para o início do tempo




Nada do que vemos no céu existe no presente. Objetos podem não existir mais ou terem mudado por completo
Na semana passada, astrônomos declararam ter encontrado o objeto mais distante visto até hoje: uma galáxia a 13,1 bilhões de anos-luz da Terra. Como comparação, a idade da Terra é de 4,6 bilhões de anos, e a do Universo, de 13,7 bilhões de anos. Ou seja, a luz capturada pelos telescópios terrestres deixou essa galáxia 600 milhões de anos após o início do tempo. Isso pode parecer muita coisa, mas para a cosmologia, que estuda tempos de bilhões de anos, não é praticamente nada.

Olhar para o céu é olhar para o passado. Isso porque a luz tem uma velocidade finita, sempre demora um pouco para ir de um ponto a outro. Por exemplo, o Sol fica a oito minutos-luz da Terra: a luz demora oito minutos para viajar do Sol até nós. Nada do que vemos no céu existe no presente. Objetos distantes podem até mesmo não existir mais, ou ter mudado completamente.

Com certeza, a galáxia de 13,1 bilhões de anos é hoje muito diferente do que era quando a luz saiu dela há 13,1 bilhões de anos. Ela pode ter crescido, engolindo outras galáxias menores, ou pode ter sido engolida.

Naquela época, perto da infância do Cosmo, as estrelas eram todas jovens, muito luminosas, feitas principalmente de hidrogênio e de hélio, os dois elementos químicos mais leves. Com o passar do tempo (centenas de milhões a bilhões de anos), as estrelas foram "envelhecendo" e produziram elementos mais pesados, como o carbono.

Na sua infância, o Cosmo tinha uma tabela periódica bem simples, só com uma meia dúzia de elementos! Portanto, os astrônomos sabem que objetos constituídos apenas de elementos químicos leves são bastante jovens.

Como os cientistas podem determinar a idade de um objeto que existiu antes mesmo da formação do Sol e da Terra? Toda informação da astronomia vem de alguma forma de luz recolhida por telescópios. A história dos céus está registrada na luz que viaja pelo espaço nos seus diversos comprimentos de onda- das ondas de rádio (as mais longas) aos raios X e gama (as radiações mais energéticas).

No caso de objetos muito antigos, sua constituição química é simples. Fora isso, sua luz é muito fraca, diluída tanto pela distância quanto pela expansão do Universo. Por isso, são necessários telescópios enormes, com espelhos de mais de dez metros de diâmetro, para captá-la. Auxiliados, claro, pelo fantástico Telescópio Espacial Hubble.

A composição química dos objetos astronômicos é estudada analisando os detalhes da luz que emitem. Cada elemento químico emite luz em cores (frequências) específicas. Dizemos que cada um tem sua impressão digital, registrada em seus espectros luminosos.

Ao colher a luz de uma estrela ou galáxia, astrônomos a comparam com catálogos existentes para determinar os elementos químicos presentes. Tudo isso só é possível porque as leis da física e da química são as mesmas em todos os cantos do Cosmo e em todas as épocas.

Caso isso não fosse verdade, seria impossível estudar os céus. A ciência ficaria relegada ao que ocorre somente no nosso mundo, e jamais descobriríamos que somos descendentes das estrelas, e que cada átomo de nosso corpo pertenceu, um dia, a uma estrela que já não existe mais.

domingo, 17 de outubro de 2010

Sobre a importância da ciência



Apenas uma sociedade que que é versada na ciência pode escolher qual vai ser o seu destino de forma responsável


PARECE PARADOXAL QUE, no início deste milênio, durante o que chamamos com orgulho de "era da ciência", tantos ainda acreditem em profecias de fim de mundo. Quem não se lembra do bug do milênio ou da enxurrada de absurdos ditos todos os dias sobre a previsão maia de fim de mundo no ano 2012?

Existe um cinismo cada vez maior com relação à ciência, um senso de que fomos traídos, de que promessas não foram cumpridas. Afinal, lutamos para curar doenças apenas para descobrir outras novas. Criamos tecnologias que pretendem simplificar nossas vidas, mas passamos cada vez mais tempo no trabalho. Pior ainda: tem sempre tanta coisa nova e tentadora no mercado que fica impossível acompanhar o passo da tecnologia.

Os mais jovens se comunicam de modo quase que incompreensível aos mais velhos, com Facebook, Twitter e textos em celulares. Podemos ir à Lua, mas a maior parte da população continua mal nutrida.

Consumimos o planeta com um apetite insaciável, criando uma devastação ecológica sem precedentes. Isso tudo graças à ciência? Ao menos, é assim que pensam os descontentes, mas não é nada disso.

Primeiro, a ciência não promete a redenção humana. Ela simplesmente se ocupa de compreender como funciona a natureza, ela é um corpo de conhecimento sobre o Universo e seus habitantes, vivos ou não, acumulado através de um processo constante de refinamento e testes conhecido como método científico.

A prática da ciência provê um modo de interagir com o mundo, expondo a essência criativa da natureza. Disso, aprendemos que a natureza é transformação, que a vida e a morte são parte de uma cadeia de criação e destruição perpetuada por todo o cosmo, dos átomos às estrelas e à vida. Nossa existência é parte desta transformação constante da matéria, onde todo elo é igualmente importante, do que é criado ao que é destruído.

A ciência pode não oferecer a salvação eterna, mas oferece a possibilidade de vivermos livres do medo irracional do desconhecido. Ao dar ao indivíduo a autonomia de pensar por si mesmo, ela oferece a liberdade da escolha informada. Ao transformar mistério em desafio, a ciência adiciona uma nova dimensão à vida, abrindo a porta para um novo tipo de espiritualidade, livre do dogmatismo das religiões organizadas.

A ciência não diz o que devemos fazer com o conhecimento que acumulamos. Essa decisão é nossa, em geral tomada pelos políticos que elegemos, ao menos numa sociedade democrática. A culpa dos usos mais nefastos da ciência deve ser dividida por toda a sociedade. Inclusive, mas não exclusivamente, pelos cientistas. Afinal, devemos culpar o inventor da pólvora pelas mortes por tiros e explosivos ao longo da história? Ou o inventor do microscópio pelas armas biológicas?

A ciência não contrariou nossas expectativas. Imagine um mundo sem antibióticos, TVs, aviões, carros. As pessoas vivendo no mato, sem os confortos tecnológicos modernos, caçando para comer. Quantos optariam por isso?

A culpa do que fazemos com o planeta é nossa, não da ciência. Apenas uma sociedade versada na ciência pode escolher o seu destino responsavelmente. Nosso futuro depende disso.

domingo, 10 de outubro de 2010

Prêmios Nobel e o sentido da vida



A ciência atinge patamares mais elevados quando a invenção dos cientistas é motivada pela compaixão

ESSA FOI A semana em que cientistas com aspirações ao Nobel dormem pouco. O telefone pode tocar na calada da noite, e aquela voz com sotaque sueco pode estar do outro lado da linha, dando-lhe os parabéns. Ou, mais provavelmente, pode ser o seu filho com o pneu furado no meio da rua. Tudo bem, tem sempre o ano seguinte.

Neste ano, os prêmios foram bem diversos. Na medicina, ganhou Robert Edwards, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, pelas suas pesquisas pioneiras em fertilização in vitro.

Desde Louise Brown, que nasceu em 1978, são já mais de 4 milhões de bebês de proveta que devem suas vidas à persistência de Edwards. Seu trabalho mostrou que a fusão do óvulo com o espermatozoide é um processo que pode ser controlado.

"Nada é mais especial do que uma criança. Patrick Steptoe e eu fomos muito influenciados pelo desespero de inúmeros casais que não podiam ter filhos. Apesar das dificuldades e dos críticos, lutamos muito por esses casais", disse Edwards.

A ciência atinge seus patamares mais elevados quando a inventividade humana é motivada simplesmente pela compaixão.

Na física, o prêmio foi para Andre Geim e Konstantin Novoselov, ambos russos que trabalham na Universidade de Manchester, também do Reino Unido. Esse, aliás, foi um bom ano para os cientistas britânicos, que estão em meio a ameaças de cortes severos do orçamento destinado à atividade científica.

Eles foram os criadores de um novo tipo de material, o grafeno. Trata-se de uma lâmina extremamente fina de átomos de carbono -com um átomo de espessura- que promete revolucionar a eletrônica.

Um outro feito de Geim foi ter usado campos magnéticos e ímãs para levitar sapos. Quem disse que a física não pode ser divertida?

O grafeno é um material meio mágico: maleável, quase transparente, mas forte como aço. As lâminas de grafeno são excelentes condutoras de calor e de eletricidade, propriedades desejáveis em muitos circuitos elétricos. Em breve, o grafeno poderá integrar telas flexíveis de computador, sensíveis ao toque, e sensores para detectar poluição.

O interessante é como foi descoberto. Partindo de um bloco de grafite, o par usou fita durex para, pacientemente, arrancar essas lâminas ultrafinas de átomos de carbono. Às vezes, revoluções nascem de ideias extremamente simples.

Na química, o prêmio foi divido entre três cientistas que desenvolveram um método para criar cadeias longas e complexas de carbono.

A descoberta realiza, pelo menos em parte, o sonho de muitos químicos de criar uma engenharia molecular onde todo tipo possível de molécula pode ser sintetizada artificialmente. No caso, a invenção dos cientistas ajuda na produção de medicamentos e polímeros diversos.

Esses prêmios celebram a inventividade humana. Quando os comparamos com a recente descoberta de um planeta em torno da estrela Gliese 581, onde pode haver água, vemos a importância da Terra, sua fecundidade e estabilidade, permitindo nossa existência.

Quanto mais aprendemos sobre o Cosmo, mais relevante ficamos. Não por sermos o centro de tudo, mas por existirmos e por podermos refletir sobre quem somos.

sábado, 2 de outubro de 2010

A ciência da paixão?



Testes podem conectar a paixão às suas raízes evolutivas primitivas, mas não roubam a sua mágica

O que a ciência tem a dizer sobre a misteriosa emoção que faz com que pessoas razoáveis façam coisas completamente loucas, tanto boas quanto más?
Na última década, vários estudos buscaram desvendar o que ocorre no cérebro quando se está apaixonado. Um dos mais conhecidos, encabeçado pela antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutgers (EUA), examinou mais de 3 mil imagens das atividades neuronais de 18 jovens apaixonados.

As imagens mapeiam o fluxo de sangue no cérebro: quanto maior a atividade neuronal, maior a necessidade de oxigênio e, portanto, mais sangue. Juntando essa informação ao conhecimento acumulado dos compostos químicos das ligações neuronais nas diversas partes do cérebro, cientistas podem isolar aqueles que participam em maior concentração quando certas emoções ocorrem. Incluindo, claro, a paixão.

Como Fisher escreveu na revista "Time", "muitas partes do cérebro são ativadas quando pessoas apaixonadas pensam em seus amores...

Nossa descoberta mais importante foi o papel do núcleo caudado, uma região em forma de C que fica perto do centro do cérebro. É muito primitiva, parte do que chamamos de cérebro reptiliano, pois evoluiu ainda antes dos mamíferos proliferarem há 65 milhões de anos."

No calor da paixão, o núcleo caudado é inundado por dopamina vinda da área tegmentar ventral , a grande fábrica de dopamina no cérebro. Ela induz sensação de euforia e de hiperatividade, marcas registradas da paixão. Atividades semelhantes também foram encontradas quando pessoas comem chocolate.

Portanto, como já suspeitávamos, a paixão age como uma droga.

As descobertas indicam que a atração romântica é um imperativo biológico antigo, como a fome e o sexo. Mesmo assim, sua manifestação em humanos é particularmente complexa, com alto nível de sofisticação e diversidade. Hipopótamos não escrevem poemas de amor.

Seu papel parece ser fixar o foco em apenas um companheiro. Isso pode explicar, por exemplo, porque mulheres são tradicionalmente mais "românticas", no sentido de que biologicamente devem escolher seu parceiro com mais cuidado, pois só podem se reproduzir algumas vezes em suas vidas. Já os homens podem ser menos seletivos.

Segundo este prisma, nossos cérebros sofisticados criam um sofisticado coquetel de emoções para garantir a sobrevivência da espécie.

Mas ao menos hoje, prefiro não entrar nesse terreno complexo da psicologia evolutiva.
Parece também que a secreção de serotonina dos que estão loucamente apaixonados é equivalente àquela das pessoas com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo).

Mais uma vez, como suspeitávamos, a paixão é uma obsessão.

Claro, nada disso explica por que, quando chegamos a uma festa lotada, fixamos logo a atenção "naquela" pessoa. Os experimentos podem conectar a paixão às suas raízes evolutivas primitivas, mas não roubam a sua mágica. Não sabemos por que, quando nossos olhos caem "naquela" pessoa, as glândulas cerebrais começam a bombear como loucas. O amor torna alguém em alguém especial. E é este alguém que faz toda a diferença, seja por muito ou por pouco tempo.

domingo, 26 de setembro de 2010

O caso do Frankenpeixe


A tecnologia para criar os transgênicos não vai sumir e, portanto, é preciso fazer bom uso de seu potencial


QUEM NÃO GOSTA de um bom salmão grelhado? Do jeito que as coisas vão, o salmão pode vir a se tornar mais uma espécie em perigo de extinção. A menos que cientistas criassem um salmão geneticamente modificado (GM), em reservas isoladas, que crescesse duas vezes mais rápido do que o salmão selvagem: em vez de três anos, só 18 meses até atingir a maturidade.

Esse salmão existe. Uma empresa americana dedicou dez anos ao desenvolvimento de uma espécie que combina genes do salmão chinook, que habita o Pacífico, com os de uma enguia. Nesta semana, nos EUA, vários jornais, blogs e revistas cobriram a decisão da FDA, agência que regula fármacos e alimentos no país, que parece caminhar em direção à aprovação da venda comercial do salmão GM.

Cientistas da FDA afirmam não ter encontrado qualquer problema com o novo animal. O frankenpeixe tem quantidades de ômega-3 semelhantes às de seu parente selvagem, e os teores de hormônio do crescimento não parecem ser um problema. Os críticos que temem que o peixe escape de suas piscinas de criação e cruze com o salmão selvagem podem ficar descansados: o salmão GM foi projetado para ser estéril.

O público americano está dividido. Todos querem que o salmão GM seja rotulado nos supermercados. Assim a pessoa pode escolher o que põe na boca. Alguns afirmam que se recusarão a comer um animal "feito" pelo homem. Outros não veem qualquer problema, dado que testes indicam que o conteúdo alimentício do peixe GM é o mesmo.

É difícil não pensar no romance "Frankenstein", de Mary Shelley. Mesmo que ninguém esteja criando monstros a partir de pedaços de cadáveres, chegamos a uma era na qual podemos criar novas espécies de animais. Enxertos de plantas fazem isso há tempos, mas o nível de manipulação é muito diferente.

O segredo, ao contrário do que acreditava o Doutor Frankenstein, não é a eletricidade mas a bioquímica. Mesmo assim, os medos são os mesmos dos despertados pelo romance, escrito há quase 200 anos. O monstro pede uma companheira ao seu criador. O doutor se recusa, temendo gerar uma raça de monstros capaz de aniquilar os humanos. A moral é simples: há coisas além do alcance dos homens. Será esse o caso com a engenharia genética?

De jeito algum. Já consumimos animais e plantas clonadas. As enormes pressões que os oceanos e rios sofrem com o aumento acelerado da população mundial deveriam encorajar soluções científicas para a questão da fome. Alimentos GM não são um pesadelo, embora todas as precauções devam ser tomadas antes que um produto seja lançado no mercado. O problema, claro, é que nem sempre é possível prever o que pode ocorrer a longo prazo. Existe sempre um risco.

Peixes criados em cativeiro, transgênicos ou não, também consomem outros peixes. Talvez devêssemos comer outros tipos de peixe, como a vegetariana tilápia. (Ou virar vegetarianos.) De qualquer modo, os alimentos GM não irão desaparecer. Como toda descoberta científica, uma vez que a caixa é aberta, não pode ser mais fechada. O jeito é termos cuidado com nossas criações e não deixar que a sede de lucro das corporações tomem as decisões por nós.

domingo, 19 de setembro de 2010

Quão rara é a vida?



Estamos aqui não porque o Universo seja propício à existência, mas apesar de sua hostilidade a nós


NO DOMINGO PASSADO, escrevi sobre as recentes afirmações de Stephen Hawking. Para ele, a ciência demonstrou que Deus não é necessário para explicar a criação. Outro argumento que Hawking usou é que o Universo é especialmente propício à vida, em particular à vida humana. Mais uma vez vejo a necessidade de apresentar um ponto de vista contrário. Tudo o que sabemos sobre a evolução da vida na Terra aponta para a raridade dos seres vivos complexos. Estamos aqui não porque o Universo é propício à vida, mas apesar de sua hostilidade.

Note que, ao falarmos sobre vida, temos de distinguir entre vida primitiva (seres unicelulares) e vida complexa. Vida simples, bactérias de vários tipos e formas, deve mesmo ser abundante no Cosmos.

Na história da Terra -o único exemplo de vida que conhecemos-, os primeiros seres vivos surgiram tão logo foi possível. A Terra nasceu há 4,5 bilhões de anos e sua superfície se solidificou em torno de 3,9 bilhões de anos atrás. Os primeiros sinais de vida datam de pelo menos 3,5 bilhões de anos, e alguns cientistas acham que talvez possam ter 3,8 bilhões de anos. De qualquer modo, bastaram algumas centenas de milhões de anos de calma para a vida surgir. Não é muito em escalas de tempo planetárias.

Esses primeiros seres vivos, os procariontes, reinaram durante 2 bilhões de anos. Só então surgiram os eucariontes, também unicelulares, mas mais sofisticados. Os primeiros seres multicelulares (esponjas) só foram surgir em torno de 700 milhões de anos atrás.

Ou seja, por cerca de 3,5 bilhões de anos, só existiam seres unicelulares no nosso planeta. O que aprendemos com esses estudos é que a vida coevoluiu com a Terra. O oxigênio que existe hoje na atmosfera foi formado quando os procariontes descobriram a fotossíntese em torno de 2 bilhões de anos atrás. Estamos aqui porque oxigenaram o ar.

Devemos lembrar que seres multicelulares são mais frágeis, precisando de condições estáveis por longos períodos. Não é só ter água e a química correta. O planeta precisa ter uma órbita estável e temperaturas que não variem muito. Só temos as quatro estações e temperaturas estáveis porque nossa Lua é pesada.

Sua massa estabiliza a inclinação do eixo terrestre (a Terra é um pião inclinado de 23,5), permitindo a existência de água líquida durante longos períodos. Sem a Lua, a vida complexa seria muito difícil.

A Terra tem também dois "cobertores" que a protegem contra a radiação letal que vem do espaço: o seu campo magnético e a camada de ozônio. Viver perto de uma estrela não é moleza. Precisamos de seu calor, mas ele vem com muitas outras coisas nada favoráveis à vida.

Quem afirma que o Universo é propício à vida complexa deve dar uma passeada pelos outros planetas e luas do nosso Sistema Solar.

Ademais, o pulo para a vida multicelular inteligente também foi um acidente dos grandes. A vida não tem um plano que a leva à inteligência. A vida quer apenas estar bem adaptada ao seu ambiente. Os dinossauros existiram por 150 milhões de anos sem construir rádios ou aviões. Portanto, mesmo que exista vida fora da Terra, a vida inteligente será muito rara. Devemos celebrar nossa existência por sua raridade, e não por ser ordinária.

domingo, 12 de setembro de 2010

Hawking e Deus: relação íntima



É lamentável que físicos como Hawking divulguem teorias especulativas; ele está querendo ser Deus


Stephen Hawking, o famoso físico da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, está mais uma vez ocupando manchetes e blogs pelo mundo afora. A razão é a publicação de seu livro "O Grandioso Design" ("The Grand Design"), com Leonard Mlodinow, do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia).

A atenção é consequência da afirmação feita por Hawking de que a física resolveu a questão da origem do Universo e que, portanto, Deus não é necessário. Na verdade, isso não passa de mais uma batalha numa guerra um tanto longa e inútil.

Em seu bestseller "Uma Breve História do Tempo", publicado em 1988, Hawking escreveu: "Se o Universo é contido em si mesmo, sem borda ou fronteira, não teria começo ou fim: simplesmente seria. Neste caso, qual o lugar de um criador?"

Mais adiante: "Se descobrirmos uma teoria completa, filósofos, cientistas e o público leigo tomariam parte na discussão de por que o Universo e nós existimos. Se encontrarmos a resposta, seria o grande triunfo da razão humana, pois, então, conheceríamos a mente de Deus".

Hawking afirma que tem novos argumentos que colocam Deus para escanteio de vez. Será?

A ideia dele, que já circula de formas diferentes desde os anos 70, vem do casamento da relatividade e da mecânica quântica para explicar a origem do Universo, isto é, como tudo veio do nada.

Primeiro, usamos as propriedades atrativas da gravidade para mostrar que o cosmo é uma solução com energia zero (o "nada" de onde tudo vem) das equações que descrevem sua evolução.

Segundo, como na mecânica quântica (que descreve elétrons, átomos etc.) tudo flutua, o Universo pode ser resultado de uma flutuação de energia nula a partir de uma entidade que "contêm" todos os Universos possíveis, o multiverso.

Nosso Universo é o que tem as propriedades certas para existir por tempo suficiente -quase 14 bilhões de anos- para formar estrelas, planetas e também vida.

Em meu livro "Criação Imperfeita", publicado em março, argumento exatamente o oposto. Descrevo como afirmações que defendem a existência de uma "teoria de tudo" são incompatíveis com a física.

As teorias que Hawking e Mlodinow usam para basear seus argumentos -teorias-M, vindas das supercordas- têm tanta evidência empírica quanto Deus.

É lamentável que físicos como Hawking estejam divulgando teorias especulativas como quase concluídas. A euforia na mídia é compreensível: o homem quer ser Deus.

O desafio das teorias a que Hawking se refere é justamente estabelecer qualquer traço de evidência observacional, até agora inexistente. Não sabemos nem mesmo se essas teorias fazem sentido. Certas noções, como a existência de um multiverso, não parecem ser testáveis.

Ademais, a existência de uma teoria final é incompatível com o caráter empírico da física, baseado na coleta gradual de dados. Não vejo como poderemos ter certeza de que uma teoria final é mesmo final.
Como nos mostra a história da ciência, surpresas ocorrem a toda hora. Talvez esteja na hora de Hawking deixar Deus em paz.

Leitores interessados podem ver uma comparação entre meu livro e o de Hawking no blog do jornal "New York Times": http://ideas.blogs.nytimes.com/2010/09/07/not-so-grand-design/

domingo, 5 de setembro de 2010

Esponjas, homens e criacionismo





Cientistas às vezes têm de aceitar que não veem o filme inteiro. O desafio é destrinchar a história com o que temos


RECENTEMENTE, GENETICISTAS obtiveram um resultado notável: as esponjas (forma de vida multicelular mais antiga que conhecemos) podem ter entre 18 mil e 30 mil genes, números comparáveis aos dos humanos, das moscas e de incontáveis outras espécies.

Como as esponjas existem há pelo menos 500 milhões de anos, muitos pensam que elas formam o tronco da árvore da vida que leva aos animais. Não somos, portanto, apenas descendentes dos macacos. Nós e todas as outras espécies viemos das esponjas, primas dos objetos porosos que usamos no banho.

Estranho imaginar que seres tão simples sejam nossos ancestrais.

Afinal, esponjas não têm pele ou neurônios. No entanto, sabe-se que as esponjas têm genes responsáveis tanto pelas proteínas usadas na comunicação entre as células nervosas, por exemplo. Está tudo lá, numa espécie de hibernação genética.

A descoberta incita uma questão importante. De onde veio todo esse aparato genético das esponjas?

Se adotarmos uma postura reducionista para a evolução da vida, é natural supor que as primeiras formas de vida eram simples. Isto é, com um número reduzido de genes.

O pulo em complexidade de alguns genes para milhares não é trivial.
Criacionistas vão adorar. "Como essa complexidade foi atingida sem a intervenção de um engenheiro?"

Prevejo que argumentos criacionistas, como o baseado na existência implausível do olho, serão revisados para incluir a complexidade genética das esponjas, degraus abaixo na escada evolutiva.

Biólogos não terão dificuldade para rechaçar esse argumentação.

Não se pode usar dados necessariamente incompletos para se construir um argumento de caráter definitivo.

O processo de investigação científica é cumulativo. Darwin foi atacado pelos "elos perdidos" no registro de fósseis. Seus críticos queriam uma progressão continua das formas de vida, feito num filme, sem os pulos que necessariamente existem.
Esse tipo de continuidade é impossível por ao menos duas razões.

Primeiro, é inocente querer que os fósseis de todas as espécies que existiram no passado tenham sido preservados até o presente. Alguns são destruídos e outros não se fossilizaram. Mesmo que todos tivessem sido fossilizados, achá-los seria impossível, já que jazem espalhados pelas entranhas da Terra.

Segundo, devemos considerar a hipótese do equilíbrio pontuado de Niles Eldredge e Stephen Jay Gould, segundo a qual a evolução da vida não pode ser separada da dramática história da Terra.

Cataclismos globais, como a queda de um asteroide ou grandes erupções vulcânicas, redefiniram a evolução da vida. É de se esperar que existam descontinuidades. Achar que a complexidade das esponjas é evidência de algum criador é como pegar um filme na metade e não admitir que metade já passou.

Como não têm esqueleto, as esponjas não se fossilizam. É plausível que tenhamos perdido muito do filme. Outras formas de vida, com genética mais simples, talvez protoesponjas, devem ter existido. Como em arqueologia ou em cosmologia, temos de aceitar que nunca veremos o filme inteiro. O desafio é destrinchar a história com as partes que conseguimos ver. A beleza da ciência é que podemos fazer isso.

domingo, 29 de agosto de 2010

Einstein, Bohr e a realidade



O determinismo da física clássica, a do cotidiano, é só uma aproximação da realidade mais incerta 


ATÉ QUE PONTO podemos conhecer o mundo? Alguns acreditam que podemos ir até o fim, encontrando respostas para as perguntas mais profundas sobre as operações da natureza. Outros acreditam que o conhecimento que podemos adquirir sobre o mundo tem limites. Esses limites não são apenas uma consequência dos nossos cérebros ou das ferramentas que usamos para estudar a realidade física. Fazem parte da própria natureza.

Dentro da história da ciência, talvez a melhor expressão dessa dicotomia seja encontrada nos famosos debates entre Albert Einstein e Niels Bohr, que se deram até a morte de Einstein em 1955.

Esses dois gigantes da física do século 20, que tinham grande respeito intelectual um pelo outro, trocaram opiniões em diversas ocasiões, tentando interpretar as misteriosas propriedades da ciência que ambos ajudaram a desenvolver: a estranha mecânica quântica, a física das moléculas, dos átomos e das partículas subatômicas.

Em 1905, Einstein publicou o artigo que considerava o mais revolucionário de sua obra. Nele, propôs que, diferentemente da visão prevalente na época, na qual a luz era vista como uma onda, ela também podia ser imaginada como feita de corpúsculos, mais tarde chamados de fótons. A questão era como algo podia ser onda e partícula ao mesmo tempo. A situação piorou em 1924, quando Louis de Broglie sugeriu que não só fótons, mas prótons e toda a matéria, também eram ondas.

A nova mecânica quântica impôs duas restrições fundamentais ao conhecimento: só podemos saber a probabilidade de encontrar uma partícula em algum lugar do espaço; o observador interage com o observado. Consequentemente, o determinismo da física clássica, a do nosso cotidiano, é apenas uma aproximação de uma realidade na qual o conhecimento completo parece ser uma impossibilidade.

Einstein não podia aceitar isso. Em carta a Max Born, que havia proposto a interpretação probabilística, escreveu: "A mecânica quântica demanda nossa atenção... A teoria funciona bem, mas não nos aproxima dos segredos do Velho. De qualquer forma, estou convencido que Ele não joga dados".

Para Einstein, uma descrição probabilística da natureza não podia ser a palavra final. A natureza era ordenada. Acreditava que, em nível mais profundo, tudo voltaria ao determinismo que conhecemos. Para Bohr, o sucesso da mecânica quântica falava por si mesmo. Via a relação entre observador e observado como uma expressão da nossa conexão com o mundo. Tanto que, quando recebeu a Ordem do Elefante da coroa dinamarquesa em 1947, escolheu o símbolo taoísta do yin e do yang como brasão.

As coisas permanecem em aberto. Experimentos que tentaram encontrar algum vestígio de uma estrutura mais profunda do que a probabilidade quântica falharam. Por outro lado, a mecânica quântica exibe propriedades bizarras: um sistema pode afetar o comportamento de outro a distâncias enormes. Einstein chamava isso de "ação fantasmagórica à distância". Existem efeitos não locais (sem a causa e o efeito que conhecemos tão bem) que parecem desafiar o espaço e o tempo. Einstein e Bohr adorariam saber que o debate continua.

domingo, 22 de agosto de 2010

Outra conversa sobre o tempo



Extrapolando a expansão do Universo até seu início, existe um ponto em que não há como definir o tempo



AGORA QUE o livro do Zuenir Ventura e do Luís Fernando Veríssimo, "Conversa sobre o tempo", está nas livrarias, não consegui resistir. Peguei emprestado o título para termos aqui um outro tipo de conversa sobre o mesmo tópico.

O tempo significa muitas coisas diferentes. E, por falar nisso, adianto que o próximo livro da série "Conversa sobre..." será uma conversa minha com o precioso Frei Betto, mediada por Waldemar Falcão. O tema será "Conversa sobre a fé". Mas isso é coisa para o final do ano.

Enquanto esse livro não chega, gostaria hoje de retomar um tema científico, sobre a origem do tempo.

Uma das consequências mais diretas do Big Bang é que o Universo teve origem em um instante específico do passado. Isso se deu há cerca de 13,7 bilhões de anos.

Uma das indicações mais óbvias disso é a expansão do Universo: o fato de as galáxias estarem se afastando umas das outras.

Portanto, passando o filme ao contrário, chegamos em um instante em que todas elas estão comprimidas em um único ponto. Esse é o momento da criação. E, portanto, o momento em que surge o tempo.

O problema é que essa descrição não funciona. Infelizmente, ao nos aproximarmos desse momento crítico, a teoria que usamos para descrever a expansão do espaço (a teoria da relatividade geral de Einstein) deixa de fazer sentido.

Chegamos à "singularidade", onde toda a matéria estaria comprimida em uma região de proporções não tão diferentes de um átomo.

Com isso, a teoria de Einstein, que trata do espaço e do tempo como entidades contínuas e bem comportadas, precisa ser suplantada por conceitos da física quântica, que trata dos átomos e das partículas elementares da matéria. Aí a coisa fica feia.

Na teoria de Einstein, a gravidade é descrita como consequência da curvatura do espaço. A presença de uma massa, seja ela o Sol, você ou uma bola de tênis, deforma o espaço ao redor e afeta a passagem do tempo. Quanto mais matéria, maior a curvatura do espaço e mais lenta a passagem do tempo. Um relógio no Sol bate mais devagar do que na Terra. Os efeitos são bem pequenos.

Quanto tentamos "quantizar" a gravidade, temos de supor que, tal como no caso dos átomos, as mesmas estranhas regras se aplicam: no mundo do muito pequeno, tudo flutua, nada fica parado.

Se você imaginar o espaço como uma membrana, feito o topo de um tambor, isso significa que ele vibrará de várias formas e o que ocorre aqui não é o que ocorre ali.

O mesmo com o tempo. Ele não flui mais continuamente. Como a era quântica do Universo veio antes da era clássica (explicada pela teoria de Einstein), temos de supor que, nessa situação inicial onde tudo flutuava, o tempo usual não existia.

Se extrapolarmos a expansão do Universo até o seu início, chegamos a um ponto em que não podemos definir o tempo de modo familiar.

Aliás, como disse já Santo Agostinho, o tempo e o espaço surgem com a criação. Na física, o tempo e o espaço einstenianos, contínuos e bem comportados, surgem na transição da era quântica à era clássica. E como o Big Bang é precisamente o evento que marca a passagem do universo da era quântica para a era clássica, é ele também que marca o nascimento do tempo.



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domingo, 15 de agosto de 2010

Uma ecologia espiritual



O respeito à vida como verdade universal leva a um estado em que agimos como os guardiões dela



ESTÁ NA HORA de irmos em frente e deixar para trás o desgastado embate entre a ciência e a religião, que já não rende nada. É preciso encontrarmos um novo rumo, ir além da polarização linear que vem caracterizando as discussões do papel da fé e da razão na vida das pessoas por mais de cem anos. A ciência não se propõe a roubar Deus das pessoas, e nem toda prática religiosa é anticientífica. Existe uma outra dimensão a ser explorada, ortogonal a esse eixo em torno do qual giram os argumentos mais comuns.

Um caminho possível é explorar valores morais de caráter universal que desafiem a linearidade do cabo de guerra entre a ciência e a religião.

Bem sei que, para muita gente, a proposta de encontrar valores morais universais representa já um beco sem saída. Relativistas culturais, por exemplo, argumentarão que esses valores universais não existem, que o que é certo para um pode ser errado para outro. Por exemplo, culturas nas quais a poligamia é aceita.

Para encontrar valores morais universais, precisamos ir mais fundo. Não podem ser valores que variem de cultura para cultura ou em épocas diferentes, como a ideia do casamento. Sugiro que o valor mais efetivo que podemos explorar vem da única certeza universal que temos: a morte.

A morte não é recebida com prazer em nenhuma cultura. Claro, alguns veem a morte como uma transição para uma nova vida, ou um mero aspecto de uma existência sem fim. Outros podem até vê-la como um ato heroico de martírio. Mas, tirando fundamentalistas radicais, ninguém em boa saúde física e mental escolhe morrer. Portanto, de todos os valores morais que podemos imaginar, proponho que o mais universal seja a preservação da vida.

Não me refiro apenas à vida humana. Quando percebemos o quanto nossas vidas dependem do planeta que habitamos, damos-nos conta de que precisamos agir para preservar todas as formas de vida. É óbvio que temos que garantir nossa existência, e que isso requer que consumamos alimentos. Mas esse consumo não precisa ser predatório. Pode ser planejado para que mantenha um equilíbrio saudável entre o que é produzido e o que é consumido.

Quanto mais saudável o planeta, mais saudável a economia. Isso pode não ser óbvio a curto prazo, mas em intervalos de décadas é. Este é o século em que finalmente iremos entender que precisamos estabelecer uma relação simbiótica com a Terra. Talvez essa seja a lição mais importante que a ciência moderna tem a ensinar.

O respeito à vida como moral universal leva a uma ecologia espiritual na qual nós, como espécie dominante do planeta, agimos como guardiões da vida. Com isso, a dimensão espiritual que nos é tão importante ganha expressão na devoção ao planeta e às suas formas de vida.

Esse senso de conexão espiritual com a natureza é celebrado tanto na ciência quanto na religião. De Einstein a Santa Teresa de Ávila (grato a Frei Betto, por me chamar atenção para esta obra), o mundo é festejado como sacro. As palavras variam, mesmo a motivação pode variar; mas, em sua essência, a mensagem é a mesma. Acho difícil encontrar uma moral universal mais básica do que o respeito à vida e ao planeta que a abriga de forma tão generosa. Ao menos, é um começo.

domingo, 8 de agosto de 2010

Dividindo visões de mundo


É loucura levar nossa visão de mundo muito a sério, pois sem dúvida ela vai acabar se transformando



"Todos levamos dentro de nós um grão de loucura, sem o qual é imprudente viver", escreveu García-Lorca. Richard Wagner, Virginia Woolf, Gore Vidal, D. H. Lawrence, Greta Garbo -eis alguns dos nomes que volta e meia escapavam para o vilarejo de Ravello, ao sul de Nápoles, na Itália. Não é para menos. A uma altitude de 365 metros, escavada nas íngremes encostas que abraçam dramaticamente o Mediterrâneo, Ravello é uma joia rara. E não só pela sua inigualável beleza.


Tive o privilegio de passar cinco dias em Ravello recentemente, participando do festival que ocorre anualmente no verão. O evento é único, reunindo pensadores, artistas plásticos, músicos, empreendedores, todos em busca da mesma coisa: beleza natural e revitalização intelectual e estética. Vim a convite do organizador do festival, o famoso sociólogo italiano Domenico de Masi, que soube de mim graças ao jornalista Roberto D'Ávila.

Masi é conhecido do público brasileiro. Dentre seus livros, "O Ócio Criativo" foi sucesso de vendas. Ele também escreve regularmente para a revista "Época". Com uma docilidade ímpar, conduz o festival como se fosse a sua orquestra: tudo funciona perfeitamente, dos concertos de música clássica e jazz às peças de teatro e até, claro, a conferência da qual participei.

A cada ano o festival tem um tema diferente, que unifica as obras. Neste ano, o tema foi a loucura. Mapearam sua presença nas instituições, na ciência, no Cosmo, na jurisprudência, na propaganda, no comércio, nas comunicações, na economia e na política. Do Brasil, participou também a notável ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, que fez excelente apresentação sobre a manipulação ideológica das instituições de direito, especialmente em regimes fascistas.

Falei sobre as mudanças de visão de mundo que ocorreram na história, e de como elas foram e são decorrentes dos avanços da ciência. Começando com os gregos e seu mundo, onde a Terra era o centro do Universo. Lembrei que, na época de Colombo e Cabral, essa era ainda a visão dominante: para eles, tudo girava em torno da Terra, enquanto nós, humanos, éramos o ápice da Criação. A Igreja fornecia a justificativa para esse arranjo vertical da existência: da Terra, o homem almejava ascender à graça dos céus, morada de Deus e de seus anjos.

De lá para cá, tudo mudou. Não somos mais o centro do Cosmo, e nem mesmo o Sol é uma estrela importante. Como ele, existem bilhões de outras, e isso só na nossa galáxia. Expliquei que a ciência vai avançando com o tempo, e que certezas atuais podem se tornar absurdos. Disso, aprendemos que é loucura levar nossa visão de mundo muito a sério, pois sem dúvida ela vai mudar. É bom tomarmos nossas certezas com muita humildade.

O festival fornece a todos uma oportunidade de refletir sobre aspectos da vida que o dia-a-dia interrompe. São raros esses momentos, em que pessoas ocupadas se permitem um espaço para a contemplação do belo e do absurdo, na expectativa de abrir a cabeça para o novo. Ao fim do seminário, perguntei a Masi, um grande fã do nosso país, por que não temos algo de semelhante no Brasil. "Excelente ideia", disse-me ele. Acho que será um grande sucesso.

domingo, 1 de agosto de 2010

O erro de Kepler



Devemos julgar afirmações sobre "teorias de tudo" com enorme ceticismo; nosso conhecimento é limitado



Em 1596, com o furor de uma mente devota, o jovem Johannes Kepler, então com apenas 25 anos, publica seu primeiro livro, "Mysterium Cosmographicum" ou "O Mistério Cosmográfico". Nele, o astrônomo principiante propõe nada menos do que a solução para a estrutura do Cosmo, o que acreditava ser o plano divino da Criação.

Tudo se deu durante uma aula que ministrava para um punhado de estudantes desinteressados. Quando explicava as conjunções dos planetas Júpiter e Saturno, Kepler se perguntou se o fato de Saturno estar aproximadamente duas vezes mais longe do Sol do que Júpiter era sintoma de uma ordem mais profunda: talvez a estrutura cósmica seguisse as regras da geometria. Fosse esse o caso, a mente humana teria acesso aos segredos mais profundos da Criação e à mente de Deus. E a língua em comum entre homem e Deus seria a matemática.

Após várias tentativas frustradas, Kepler obteve a solução que tanto almejava. Na época, só eram conhecidos seis planetas, de Mercúrio a Saturno. Urano e Netuno, invisíveis aos olhos, só foram descobertos bem mais tarde. Kepler, numa visão genial, imaginou que o cosmo seria organizado a partir dos cinco sólidos platônicos, os cinco objetos mais simétricos que existem em três dimensões. Conhecemos bem dois deles, o cubo e a pirâmide (tetraedro). Kepler entendeu que, ao colocar um sólido dentro do outro, como aquelas bonecas russas, com esferas entre cada um deles, poderia acomodar apenas seis planetas: Sol no centro; esfera (Mercúrio); sólido; esfera (Vênus); sólido; esfera (Terra); sólido etc. Portanto, o número de planetas seria decorrente do número de sólidos perfeitos!

Kepler foi além. Como os sólidos obedecem às regras da geometria, seu arranjo determina também as distâncias entre si e, portanto, entre as esferas que os cercam. Experimentando com padrões diferentes, Kepler encontrou um que previa as distâncias entre os planetas com uma precisão de 5% -quando comparado com os dados astronômicos da época, um feito sensacional.

Para um homem que acreditava profundamente num Deus matemático, criador da ordem cósmica, nada mais natural do que uma solução geométrica. Kepler via seu arranjo como a expressão do sonho pitagórico de obter uma explicação geométrica para os mistérios do mundo. Para ele, essa era a teoria final.

Podemos aprender algo com Kepler. Soubesse ele da existência de outros planetas, Urano e Netuno, como teria reagido? Certamente, seu sonho de uma ordem geométrica para o Cosmo dependia do que se sabia na época. Seu erro foi ter dado ao estado do conhecimento empírico do mundo uma finalidade que não existe. Para Johannes Kepler, era inimaginável que o Cosmo pudesse se desviar de sua estrutura geométrica. No entanto, sabemos que nosso conhecimento do mundo é limitado, e será sempre.

Por isso, devemos julgar declarações sobre teorias de tudo ou teorias finais com enorme ceticismo. A história nos ensina que o progresso científico caminha de mãos dadas com nossa habilidade de medir a Natureza. Achar que a mente humana pode imaginar o mundo antes de medi-lo pode ocasionalmente dar certo. Mas, em geral, leva a mundos que existem apenas na imaginação.

domingo, 25 de julho de 2010

Vida em Titã?



Alguma forma de química exótica está acontecendo na superfície do misterioso satélite do planeta Saturno

As manchetes foram bombásticas: "Cientistas da Nasa descobrem evidência de vida extraterrestre em lua de Saturno", disse o diário britânico "Daily Telegraph" . Como essa, saíram outras tantas.

A notícia se baseava em dois artigos publicados usando dados colhidos pela sonda-laboratório Cassini, que vem circundando Saturno e suas luas. Um deles, que veio a público na revista científica "Icarus", descreve como moléculas de hidrogênio são vistas fluindo em direção à superfície de Titã e desaparecendo por lá. No outro, na revista especializada "Geophysical Research", um levantamento das várias moléculas orgânicas que existem na superfície de Titã mostra uma misteriosa ausência de acetileno.

De acordo com o cientista da Nasa Chris McKay, o acetileno é a melhor fonte de energia para formas de vida com metabolismos à base de metano. Portanto, se está faltando acetileno, talvez ele esteja sendo usado como comida. O hidrogênio é ainda mais importante, pois é um ingrediente-chave de metabolismos baseados em metano. Seu sumiço é mesmo estranho.

Infelizmente, argumentos a favor de vida extraterrestre baseados na ausência de duas substâncias químicas não são muito convincentes. A manchete do "Daily Telegraph" foi extremamente sensacionalista.

De qualquer forma, as descobertas demonstram que algum tipo de química exótica está ocorrendo na superfície da misteriosa lua de Saturno, cuja temperatura gira em torno de 178 graus Celsius negativos. Nesse mundo gelado, o metano e o etano -que na Terra são gases- fluem como líquidos, formando lagos não muito diferentes dos que vemos aqui. A realidade é mais criativa do que a fantasia!

A exuberância química de Titã é prova de que ainda teremos muitas surpresas. A previsão de McKay, descrevendo as substâncias que devem faltar devido a uma forma de vida hipotética baseada em metano, é digna de nota. Mesmo que a evidência não tenha a ver com a presença de vida em Titã, o fato de termos hoje máquinas capazes de procurar vida extraterrestre é genial.

Vivemos numa era privilegiada, na qual ETs são objeto de pesquisa, e não apenas personagens de livros e filmes. Resta ver se descobriremos algum tipo de vida extraterrestre nas próximas décadas. Se descobrirmos, muito provavelmente será uma vida simples, possivelmente unicelular.

Isso não é de todo ruim. Qualquer descoberta de vida extraterrestre causará uma profunda transformação na humanidade. Afinal, se existe outro tipo de vida na nossa vizinhança cósmica, a probabilidade é alta de que ela existirá também pela galáxia afora. Nesse caso, teremos de perguntar por que não temos ainda evidência convincente de que existem outros seres inteligentes no cosmo. Infelizmente, os depoimentos atuais, baseados em visões estranhas, luzes que pairam no ar etc. não podem ser usados como prova.

Mesmo que esse assunto mereça outra coluna inteira, a raridade da vida e, mais ainda, a da vida inteligente, deve suscitar muita reflexão.

Carl Sagan escreveu que, num Universo tão grande, a presença única da Terra como planeta com vida seria
um grande desperdício de espaço. Mesmo se não formos os únicos, é inevitável nos perguntar porque somos tão especiais.

domingo, 18 de julho de 2010

O Universo acelerado


Poucos físicos imaginariam uma teoria em que o cosmo é dominado pela energia do espaço vazio


Quando alguém me diz que não existem surpresas em ciência, penso sempre na descoberta da aceleração cósmica. Em 1998, dois grupos de astrônomos pesquisavam supernovas em galáxias distantes. Supernovas, é bom lembrar, são explosões extremamente dramáticas que marcam os momentos finais de estrelas com massas muito altas (as de tipo II) ou as que existem em pares, onde uma absorve a massa da outra (as de tipo I).

As supernovas que interessavam aos astrônomos eram as de tipo I. Essas explosões são todas parecidas, como se fossem o mesmo tipo de fogos de artifício: quando se vê uma se vê todas. Isso permite aos astrônomos determinar distâncias até as estrelas e, portanto, até as galáxias que as abrigam. Supernovas são como marcos cósmicos que podem ser usados para determinar distâncias de milhões de anos-luz.

Ao examinar a luz proveniente das supernovas, ambos os grupos determinaram que as galáxias se afastavam de nós com velocidades bem maiores do que o esperado.

Claro, sabia-se já que o Universo em expansão implica no afastamento das galáxias. Mas até então, este afastamento ocorria com uma velocidade proporcional à distância. O que se observou foi um distanciamento acelerado, bem mais rápido do que o esperado. O Universo, parece, está com pressa de crescer.

Qual poderia ser a causa disso?

Einstein, em 1917, havia mostrado que era possível criar uma aceleração cósmica com a inserção de um termo extra em suas equações que descrevem a geometria do Universo.

Ele não explicou de onde vinha esse termo, que ficou conhecido como "constante cosmológica". Seu efeito, literalmente, é criar uma espécie de repulsão no espaço, que cresce exponencialmente rápido.

Com a física moderna, a origem desse termo ficou mais clara. Segundo a física quântica, que descreve o comportamento de átomos e partículas subatômicas, nada é absolutamente estável: tudo vibra, especialmente as menores partículas de matéria. Dado que o movimento está relacionado com a energia, essa vibração intrínseca implica que não existe uma energia zero: mesmo no espaço vazio existe uma vibração, onde partículas de matéria podem surgir do "nada" e retornar a esse nada como bolhas numa sopa em permanente ebulição. Ou seja, na física moderna, o vácuo não é vazio.

Apesar de ainda não conhecermos a causa da expansão acelerada do Universo, temos um nome para ela: energia escura. Sabemos que ela corresponde à 73% da energia total que preenche o cosmo, sendo portanto sua contribuinte mais importante. Muito mais do que a matéria comum, feita de prótons e elétrons, que contribui em apenas 4%.

Seria realmente fascinante se a energia escura fosse de fato consequência da energia do vácuo: neste caso, o nada determinaria o comportamento do Universo.
Retornando ao tema inicial, antes de 1998 poucos físicos iriam supor que o Universo seria dominado pela energia do vazio ou algo semelhante. A descoberta foi submetida a um escrutínio detalhado, como deve sempre ocorrer em ciência. E tudo indica que a energia escura está aqui para ficar. O que prova que o cosmo é muito mais estranho do que poderíamos imaginar.


domingo, 11 de julho de 2010

Sobre o natural e o sobrenatural


Sem telescópios, microscópios e detectores, nossa visão de mundo seria mais limitada

Semana passada, escrevi sobre a importância do não saber, de como o conhecimento avança apenas quando parte do não saber, isto é, do senso de mistério que existe além do que se sabe.

A questão aqui é de atitude, do que fazer frente ao desconhecido. Existem duas alternativas: ou se acredita na capacidade da razão e da intuição humana (devidamente combinadas) em sobrepujar obstáculos e chegar a um conhecimento novo, ou se acredita que existem mistérios inescrutáveis, criados por forças além das relações de causa e efeito que definem o normal.

Em outras palavras, ou se vive acreditando em causas naturais por trás do que ocorre no mundo, ou se acredita em causas sobrenaturais, além do explicável.

Quando falo sobre isso, com frequência me perguntam se não seria possível uma conciliação entre as duas: parte do mundo sendo natural e parte sobrenatural. Não vejo como isso poderia ser feito.

No meu livro recente "Criação Imperfeita", argumentei que a ciência jamais será capaz de responder a todas as perguntas. Sempre existirão novos desafios, questões que a nossa pesquisa e inventividade não são capazes de antecipar.

Podemos imaginar o conhecido como sendo a região dentro de um círculo e o desconhecido como sendo o que existe fora do círculo. Não há dúvida de que à medida em que a ciência avança, o círculo cresce. Entendemos mais sobre o universo, sobre a vida e sobre a mente. Mas mesmo assim, o lado de fora do círculo continuará sempre lá. A ciência não é capaz de obter conhecimento sobre tudo o que existe no mundo.

E por que isso? Porque, na prática, aprendemos sobre o mundo usando nossa intuição e instrumentos. Sem telescópios, microscópios e detectores de partículas, nossa visão de mundo seria mais limitada.

A tecnologia abre novas janelas para um mundo que, outrossim, permaneceria invisível à nossa limitada percepção da realidade. Porém, tal como nossos olhos, essas máquinas têm limites. Existem outros, ligados à própria estrutura da natureza, como o princípio de incerteza da mecânica quântica. Mas eles podem mudar com o avanço da ciência.

Essa imagem, de que o conhecido existe em um círculo e que muito do mundo permanece obscuro pode gerar confusão. Ou ainda pode ser manipulada por aqueles que querem inculcar nas pessoas um senso de que estamos cercados por forças ocultas que, de algum modo, controlam nossas vidas. É aqui que entram as alternativas que mencionei.

Parafraseando o poeta romano Lucrécio, as pessoas vivem aterrorizadas pelo que não podem explicar. Ser livre é poder refletir sobre as causas dos fenômenos sem aceitar cegamente "explicações inexplicáveis", ou seja, explicações baseadas em causas além do natural.

Essa escolha exige coragem. Implica na aceitação de que certos aspectos do mundo, apesar de inexplicáveis, não são sobrenaturais.

Não é fácil ser coerente quando algo de estranho ocorre, uma incrível coincidência, a morte de um ente querido, uma premonição, algo que foge ao comum. Mas como dizia o grande físico Richard Feynman, "prefiro não saber do que ser enganado". E você?

domingo, 4 de julho de 2010

A importância de não saber




Experimentos sem teoria são prosaicos e teorias sem experimentos são cegas; Einstein concordaria


Vivemos em tempos privilegiados. Ao menos no que diz respeito à cosmologia e à física de partículas. Para um cientista, nada mais empolgante do que ter em mãos novas tecnologias capazes de testar teorias. Às vezes, são décadas antes que máquinas possam investigar realidades distantes do nosso dia a dia. Mas, um dia, as ideias são testadas. E aí, é a glória ou a lata de lixo.

A história da cosmologia nos últimos cem anos ilustra bem isso. Albert Einstein foi o primeiro a propor um modelo para o cosmo, baseado em sua teoria da gravidade, a relatividade geral. Isso se deu em 1917, antes de ele ter qualquer razão para supor um Universo que muda com o tempo. Daí ter proposto o mais simples, um cosmo estático e esférico.

Entre 1917 e 1929, ano em que Edwin Hubble descobriu a expansão cósmica, vários modelos surgiram, com todo o tipo de comportamento. Em 1922, o russo Alexandre Friedmann sugeriu que o cosmo poderia expandir-se para sempre ou chegar a um tamanho máximo e se contrair. Daí, poderia alternar expansão e contração indefinidamente.

Einstein não gostou das ideias de Friedmann. Mas em 1931 acabou se convencendo, após visitar Hubble no Observatório do Monte Wilson, nos EUA. Precisou de dados concretos para mudar de ideia.

O próximo episódio ocorreu no final da década de 1940. Três físicos ingleses, desiludidos com a ideia de que o Universo poderia ter tido um começo e, portanto, uma história, propuseram o "estado padrão", no qual o Universo era eterno. Com isso, queriam se livrar da conexão inevitável com o Gênesis. Para ser compatível com a expansão, sugeriram que matéria era criada para compensar sua diluição, mantendo o cosmo num estado padrão.

No meio tempo, George Gamow, físico russo residindo nos EUA, propôs o modelo do Big Bang, no qual o cosmo surge de uma singularidade no passado. Junto com Ralph Alpher e Robert Hetman, calculou que deveria existir uma radiação por toda parte, um fóssil de quando os primeiros átomos de hidrogênio foram formados. Em 1965, a radiação primordial foi encontrada e o modelo do estado padrão, que não podia explicá-la, foi abandonado.

Hoje, temos duas observações ainda não explicadas. Primeiro, que galáxias são circundadas por um véu de matéria escura, um tipo de matéria que não produz a própria luz e interage apenas gravitacionalmente com a matéria comum. Segundo, que a expansão cósmica está acelerando. O culpado dessa pressa celeste tem um nome, "energia escura". Mas só isso.

Sabemos que a matéria escura representa 23% do material cósmico, enquanto que a energia escura representa cerca de 70%. Mas não sabemos do que são feitas. Imagino que a energia escura esteja relacionada com o vazio. Pois é, é possível que a componente dominante do Universo venha do nada. Devido ao princípio da incerteza da física quântica, não existe o vazio: flutuações de energia vindas do nada podem criar matéria, numa dança perpétua de criação e destruição.

Em ciência, é bom não saber. Precisamos de dados para decidir. Afinal, experimentos sem teoria são prosaicos e teorias sem experimentos são cegas. Acho que Einstein concordaria com isso.

sábado, 26 de junho de 2010

A harmonia (da Copa) do mundo



Espero que na Copa em 2050 o Brasil continue sendo líder no futebol e seja o novo líder na ciência

Agora que o Brasil se classificou para a segunda rodada da Copa (como escrevo antes do jogo com Portugal, não sei se em primeiro ou em segundo grupo), está na hora de darmos uma relaxada e refletirmos um pouco sobre futebol e esportes em geral.

Os gregos foram os primeiros a sacar que esportes unificam populações. Se a poesia épica de Homero não funcionava por si só para unificar as cidades-estado num império homogêneo, use os esportes como complemento. Assim nasceram as Olimpíadas, em torno de 776 a.C.

Atletas das diversas cidades-estado e reinos espalhados pela costa do Mediterrâneo competiam entre si a cada quatro anos. Durante os jogos, guerras entre as cidades-estado eram suspensas. Já então, os esportes eram um excelente modo de sublimar o apetite pela guerra.

Esportes são guerras controladas. Um mundo sem esportes seria bem mais caótico. Adoro esportes em geral e futebol mais ainda. Nos meus tempos, fui um jogador bem razoável, se bem que de...vôlei. Cheguei até a ser campeão brasileiro, junto ao Bernardinho.

Mas, vendo os jogos, e, mais importante, a torcida, como não pensar em guerras tribais? Especialmente com as caras pintadas, os uniformes, as bandeiras, a testosterona elevada, as brigas entre torcedores e entre jogadores, as indignações que a pobre mãe do juiz sofre...

Interessante que o mesmo ocorre em jogos contra times locais. Não é só país contra país. É num Fla-Flu, Corínthians e São Paulo, Barcelona e Real Madri, Everton e Manchester United...as guerras são tão intensas quanto nos jogos internacionais. Esportes representam nossas várias alianças tribais: clube, Estado, país. Durante a Copa, torcedores de clubes diferentes se esquecem das disputas e vestem com orgulho a camisa do seu país.

Durante um mês o país é o foco principal, do mesmo modo que entre os gregos: as cidades-estado são os países e o império é o mundo.

O poder da Copa como unificador global é realmente impressionante. O mundo inteiro grudado nas TVs, nos rádios e, desta vez, graças à frota de satélites de telecomunicação, nos telefones celulares também. A tecnologia leva a Copa aos quatro cantos do planeta.

Nenhum outro evento mundial tem o poder de focar tanta gente de culturas, religiões e realidades sociais completamente diferentes.

Lembro a primeira Copa a que assisti, a de 1966, numa TV PB a válvulas, que demorava 30 segundos para "esquentar". O homem não havia ainda pousado na Lua, os Beatles ainda tinham cabelos curtos, o modelo do Big Bang acabava de ser confirmado, se bem que eu, com sete anos, não sabia de nada disso.

O mundo mudou muito. A população mundial mais do que dobrou. A Guerra Fria acabou. A economia global é uma coisa só, a falência de um país afeta o mundo inteiro. Controlamos o buraco de ozônio, mas temos muito a fazer para controlar as emissões de CO2. Talvez estejamos vendo o início de uma mudança de atitude global, uma nova relação de sustentabilidade com o planeta.

Espero que na Copa de 2050, quando estaremos assistindo à final em hologramas tridimensionais em casa, o Brasil continue sendo o líder do futebol e seja o novo líder da ciência, e que tenhamos aprendido a viver em sintonia com a Terra.