domingo, 31 de outubro de 2010

Entre o espiritual e o material



O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade está na interseção
EXISTIMOS NESSA FRONTEIRA, não muito bem delineada, entre o material e o espiritual. Somos criaturas feitas de matéria, mas temos algo mais. Somos átomos animados capazes de autorreflexão, de perguntar quem somos.

Devo dizer, de saída, que espiritual não implica algo sobrenatural e intangível. Uso a palavra para representar algo natural, mesmo intangível, pelo menos por enquanto.

Pois, se olharmos para o cérebro como o único local da mente, sabemos que é lá, na dança eletro-hormonal dos incontáveis neurônios, que é gerado o senso do "eu".

Infelizmente, vivemos meio perdidos na polarização artificial entre a matéria e o espírito e, com frequência, acabamos optando por um dos dois extremos, criando grandes crises sociais que podem terminar em atrocidades.

Vivemos numa época onde o materialismo acentuado -do querer antes de tudo, do eu antes do outro, do agora antes do legado-, está por causar consequências sérias.

Lembro-me das sábias linhas do filósofo Robert Pirsig, no clássico "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas": "Nossa racionalidade não está movendo a sociedade para um mundo melhor. Ao contrário, ela a está distanciando disso".

Ele continua: "Na Renascença, quando a necessidade de comida, de roupas e abrigo eram dominantes, as coisas funcionavam bem.

Mas agora, que massas de pessoas não têm mais essas necessidades, essas estruturas antigas de funcionamento não são adequadas. Nosso modo de comportamento passa a ser visto como de fato é: emocionalmente oco, esteticamente sem sentido e espiritualmente vazio".

O ponto é claro: atingimos uma espécie de saturação material. Para chegar a isso, sacrificamos o componente espiritual. O material é reptiliano: "Eu quero, eu pego. Se não consigo, eu mato (metaforicamente ou de fato). O que quero é mais importante do que o que você quer".

Claro, progredimos muito, dando conforto a milhões de pessoas, mas, no frenesi do sucesso, deixamos de lado o que nos torna humanos. Não só nossas necessidades, mas nossa generosidade, nossa capacidade de dividir e construir juntos.

Quando nossa sobrevivência está garantida, recaímos em nosso modo reptiliano de agir -autocentrado- e esquecemos da comunidade.

A diferença entre nossa realidade e a de Pirsig, que escreveu essas linhas acima em 1974, é que um novo tipo de conscientização está surgindo, em que o senso de comunidade está migrando do local ao global.

Isso me deixa otimista.

Em todo o planeta, um número cada vez maior de pessoas entendeu já que os excessos materialistas da nossa geração precisam terminar. Não é apenas porque o materialismo desenfreado é superficial. É porque é letal, tanto para nós quanto para a vida à nossa volta.

Olhamos para nosso planeta de modo que não olhávamos 20 anos atrás. O sucesso do filme "Avatar" não teria sido o mesmo em 1990.

O momento está chegando para um novo tipo de espiritualidade, que nos levará a uma existência mais equilibrada, onde o material e o espiritual mantêm um balanço dinâmico. O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade reside na interseção dos dois.

18 comentários:

  1. Resolvi voltar fazer comentário nesse blog (mesmo cometendo alguns erros de escrita) acho o assunto ciência pertinente para todos os tempos, e não devia ser tratado assim em poucas linhas.

    "Devo dizer, de saída, que espiritual não implica algo sobrenatural e intangível. Uso a palavra para representar algo natural, mesmo intangível, pelo menos por enquanto"

    Meu caro Marcelo, espiritual como algo natural! como assim? natural no sentido fantasia do homem? pode até que seja, mais do que isso é interesse próprio de muitos.

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  2. ESPIRITUALIDADE é concernente ao espírito, e este é muito ambíguo, pois tem o caráter de expressão da coisa em si. Cada coisa tem um espírito. Espírito Santo, espírito de luz, das trevas, de porco, espírito político, democrático, religioso, esportivo,até as partículas subatômicas tem cada uma, o seu espírito. O espírito tecnológico fez crescer o homem material e redusiu o homem expressivo. Felismente, os meios de comunicação está proporcionando expressarmos, e com espírito de boa vontade, criticar os erros políticos sociais. Creio que o espírito intelectual do prfessor Gleiser vai admitir que o espaço absoluto em eterno repouso no reino incomodidade da treva fria contem a energia contínua e passiva, a sensibilidade granulada e ativa, e a lei que governa a busca pela acomodação. Esta tese está de acordo com o sublime equilíbrio entre matéria e espírito.

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  3. Acho um tanto paradoxal ver que pessoas que lidam com os limites do conhecimento humano, como o professor Marcelo Gleiser, sejam cautelosas ao propor uma visão de mundo e pessoas irrelevantes neste cenário sejam tão arrogantes ao expor suas próprias visões de mundo. Para este segundo grupo de pessoas, a sensação é de que elas atingiram a pleni-ciência.
    Esse fato me faz lembrar do grande filósofo Sócrates, que quando lhe foi atribuído o título de "homem mais sábio do mundo", sem nenhum preconceito ou influência de seu ego, saiu em busca da verdade, ou seja, se era mesmo o homem mais sábio do mundo.
    Após consultar todos os sábios de sua época, Sócrates chegou à conclusão que realmente deveria ser o tal homem mais sábio, pelo simples fato de saber o que ele não sabe, enquanto que os outros não sabem nem o que não sabem!

    Para o nosso amigo Oscar, do primeiro post, deixo uma frase de outro ilustre investigador da realidade em que vivemos:
    "A ausência de evidência não significa evidência de ausência"
    C. Sagan

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  4. Obrigada, Fábio, por me pôr em contato com essa brilhante frase de Carl Sagan! Como é libertador ver verbalizado - e concisamente - o que está "espalhado" pela nossa mente...
    Abraços,
    Fátima Ricci

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  5. Fábio, obrigada por me pôr em contato com essa declaração de Carl Sagan sobre evidência de ausência! Como é libertador ver verbalizado com concisão o que está "espalhado" na mente...

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  6. Bom, acho interessante esta necessidade entre o espiritual e o material sem que polarizemos, porém, penso que o espiritual vá além de estabelecer morais que exponham nossa necessidade cultural.
    A espiritualidade sempre vai se referir a um mundo...espiritual! E tal cosmos é intuído, pelos grandes luminares da história, como o reino verdadeiro do homem. Portanto, metafisicmante um estado de ser em que a "matéria", seja lá o que é isto!, pode deixar transparecer o que carrega em sua potencialidade como algo que gesta um modo de ser tipicamente humano. Daí originar as fundamentais interrogações sobre nossa origem e nosso destino verdadeiro.
    Aliás, o coração tem razões, diz o célebre aforismo pascalino, que a razão própria desconhece. É o que Boff não cansa de dizer que isto é o espírito de cordialidade, de cuidado e de finesse que irrompe nas relações humana. Pena que muitas vezes predomina a hybris, e daí o desmedido da de uma razão insana.
    Este espírito cor-dial exige a vida, não somente o viver, mas viver bem, e não somente o viver bem, as viver para sempre.
    Portanto, toda construção "espiritual" é mais que construção,é irrupção de algo que nos transcende e o qual é o grande incômodo de Dawkins também: e se Deus existir? Devemos, então, ter a "razão alargada" para este mistério que nos circunscreve renunciando, como você tem dado mostras, Marcelo, toda pretensão da Ciência em se arvorar na senhora absolutamente soberana da verdade.

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  7. Obrigado Fábio Luís por citar o meu nome, támbem gosto de Carl Sagan uma mente brilhante de nosso tempo, se você gosta de pensamento vai um do próprio Carl:

    "Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar."

    Mas não precisa se ofender com palavras, um abraço.

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  8. Vejo o espiritual nesse post como a consciência humana e não como algo transcendental pelo divino, mas essa consciência também não é a moralidade e ética e sim própria concepção de si e do mundo a sua volta. Quando digo isso não critico a religião, somente digo que o espiritual é o pensar humano.
    Já o material seria tudo aquilo em que vivemos por fora da concepção de si mesmo, seria nossa casa, nossa coisas e até mesmo "nossas pessoas".

    O equilibrio entre esses dois opostos feito unicamente pelo humano dificilmente ocorrerá na minha opinião, mas deve ser busca do homem contemporâneo tentar fazer essa união.

    "Espero por uma ciência mais concretista, pois a muito a ciência deixou de ser ou querer uma verdade absoluta"

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  9. Caro Oscar, obrigado pelas palavras.
    De forma alguma me senti ofendido, se passei essa impressão peço-lhe desculpas.
    Apenas lamento o tratamento superficial que temos dado a certos assuntos que requerem profunda reflexão.
    Considero a frase de Carl Sagan citada por você bastante oportuna para o contexto de nosso debate.
    Presumo que você esteja se excluíndo do universo dos crentes ao citar tal frase.
    Acontece que consolidar uma visão de mundo baseada em evidências reveladas pelo nosso aparato sensitivo-intelectivo também é uma crença.
    Não temos garantia alguma que a inteligência humana atual seja capaz de atingir a ontologia da realidade. Lembre-se que um conhecimento científico não tem compromisso com a verdade e sim com sua aplicabilidade.
    Quando consolidamos uma visão baseada apenas no materialismo e excluímos outras possíveis esferas do conhecimento, impomos a nós mesmos, de forma gratuita e desnecessária, nossos limites.
    Para ilustrar o que estou dizendo, uma visão baseada apenas na realidade material necessita de um lugar onde tenha espaço e tempo, como o nosso universo, por exemplo. Sabemos que esse nosso universo é finito, este espaço-tempo quadridimensional e interdependente existe há 13,7 bilhões de anos. Antes deste período não existiam espaço e tempo. Uma situação embaraçosa para um materialista.
    Infinito não significa espaço sem fim e sim ausência de espaço, assim como eterno não significa tempo sem fim mas ausência de tempo.

    Dito tudo isto, devo deixar claro que conceber uma visão de mundo que abrange tanto o mundo físico quanto o metafísico, não significa dizer que devemos nos submeter a dogmas e doutrinas de religiões organizadas e assim satisfazer aos interesses alheios, como você expôs em seu primeiro post.
    Neste ponto estou de acordo com você.
    Contudo, considero que a crença é um aspecto inerente e inevitável à condição humana, pelo menos por enquanto. Ainda assim podemos e devemos conduzir tal condição com soberania.

    Para finalizar, utilizo a frase do prório Marcelo Gleiser:

    "O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade está na inserção".

    Abraços,

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  10. Meu caro Fábio,
    Seu texto é bom, você escreve bem e parabéns por isso, mais eu quis dizer que espiritual no sentido fantasia (e se é uma crença eu não sei) da especie humana é bem vinda, no sentido de eterno vai alem do meu entendimento humano, e não sou um materialista, apenas não consigo entender essas metáforas que explica o mundo.
    Até mais.
    ps. por que seu perfil é desativado? coloque suas ideias na rede.

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  11. Prezados, a respeito desta discussão, sugiro ouvirmos Voltaire em seu Dicionário Filosófico, nos verbetes Espírito e Matéria. Ele sugere ( a despeito de não ser um físico), que sobre a menor da menor da menor parte da matéria, é impossível que não seja permeável. E diz: "e em sendo permeável, é preciso que alguma coisa passe continuamente por seus poros".

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  12. Caro Fábio Luis, gostei muito do seu comentário acima. Acho que foi esclarecedor. Sua definição de infinito e eterno foi perfeita.Acompanho os textos do Prof. Marcelo e este foi um dos melhores, na minha opinião.

    " Infinito não significa espaço sem fim e sim ausência de espaço, assim como eterno não significa tempo sem fim mas ausência de tempo".

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  13. Quero apenas lembrar que Carl Sagan (que faria aniversário esse mês) era um ateu declarado.

    Outra coisa importante é não confundir espiritualidade com religião ou crendices.

    Todas as nossas principais religiões (catolicismo, espiritismo - apesar de dizerem que não é uma religião, protestantismo, evangélicas, dentre outras) foram criadas com bases positivistas e são descaradamente materialistas (a ética protestante do trabalho e do lucro).

    Apenas lembrando, a ética (a verdadeira) veio muito antes do cristianismo.
    velha

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  14. ACATALEPSIA
    Caro Fábio luís! Por eu ter te impressionado, embora negativamente, quero lembrar-lhe de uma frase que se encontra no último parágrafo de Epílogo em A Dança do Universo: "Em graus diferentes, todos fazemos parte dessa aventura, todos podemos compartilhar o êxtase que surge a cada nova descoberta; se não por intermédio de nossas próprias atividades de pesquisa, ao menos ao estudarmos as idéias daqueles que expandiram e expandem as fronteiras do conhecimento com sua criatividade e coragem intelectual."
    Fábio,o partogênese de Sócrates era dar nascimento à idéia.Eu dei nascimento à minha idéia de visão de mundo. O professor Marcelo Gleiser deu a dele, mas estranhou-me a sua por julgar a minha, fazendo-me entender que tu és um adepto da acatalepsia.
    (Apologia de Sócrates) "Sócrates é culpado de não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo Estado, de introduzir novos cultos, e também, é culpado de corromper a juventude. Pena: a morte". Sócrates poderia exilar-se fora de Atenas e viver livre desde que reconhecesse que era culpado. Mas Sócrates preferiu defender seu juízo ingerindo a cicuta. Platão foi discípulo de Sócrates e autor de A República onde inseriu a Alegoria da caverna. Nessa alegoria, um dos cativos transcendeu o antro cavernoso e viu a realidade lá fora. Se voltasse para a caverna e explicasse aos colegas que lá ficaram poderia ser agarrado e morto. Cinco séculos depois Jesus tinha em seu juízo a pleni-ciência desta realidade, e como Sócrates, recusou reconhecer o autoritarismo sacerdotal enfrentando a crucificação. Giordano Bruno tinha a pleni-ciência do conhecimento coperniciano e enfrentou a inquisição para defender a verdade que estava no seu juízo.
    Nós exorcizamos Deus por ele ter sido criado pelo homem. Como o homem não tem juízo, Deus foi criado sem juízo. Você pode comprovar isso no versículo doze do primeiro capítulo do livro de Jó. Numa conversa amistosa com Satanás, Deus delega poderes à Satanás com esta palavras:"Eis que tudo quanto ele tem está em teu poder; somente contra ele não estendas tuas mãos". Nos versículos treze e quatorze, Satanás começa a saquear Jó.
    O objetivo deste comentário está voltado para a Espiritualidade com este título: "O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade está na interseção". Esta encruzilhada é formada pelo espírito altruístico e pelo espírito egoístico. Fábio, dá para entender qual é o espírito da coisa exposta aqui? De qual lado você está? Do partogênese, ou do aborticínio?

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  15. Caro Leojillas

    Se você prestar um pouco mais de atenção, vai verificar que em nenhum momento me referi à sua opinião.
    O que eu escrevi foi estritamente direcionado para o nosso amigo de blog, o Oscar de Castro.

    Abraços

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  16. Caro Fábio Luis,
    Como você citou o meu nome mais uma vez, e agradeço por isso, resolvi fazer esse comentário, sei que você não citou o nome do nosso caro Leojillas e nem sobre o seu comentário, mais disse isso no seu comentário,

    "e pessoas irrelevantes neste cenário sejam tão arrogantes ao expor suas próprias visões de mundo. Para este segundo grupo de pessoas, a sensação é de que elas atingiram a pleni-ciência."

    Eu não sei quem é este segundo grupo a que você se refere, já que disse que escreveu estritamente direcionado a mim, e acho que o nosso caro leojillas se sentiu na obrigação de defender esse segundo grupo, por isso fez o comentário se referindo a você, e escreveu bem diga se de passagem, confesso que fiquei esperando um texto seu daquele que impressionasse, por que você e ele usa e abusa das palavras, escreve bem, mas você não escreveu, e simplesmente não respondeu a pergunta dele, espero que não se ofenda com esse meu comentário, sei que eu não atingi esse estado de “pleni-ciência” que você fala (que confesso não sei o que significa) sou apenas mais um nesse mundo que a tecnologia deu possibilidade de escrever e ler um pouco, não sou formado em nada e peço desculpa por tudo e até pelos os meus erro de escrita.
    Um abs.

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  17. RECONHECIMENTO

    Caro Oscar de Castro!
    Aceite meu aperto de mão como um cavalheiro que reconhece a sua MATURIDADE MENTAL.

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  18. Caro leojillas,
    Recebo seu aperto de mão de bom grado, e parabéns pelo o seu texto, não precisamos doestar ninguém, nem mesmo com palavras.
    Abs.

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