domingo, 28 de dezembro de 1997

O cérebro humano e o mistério da consciência

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O cérebro e o seu funcionamento representam um dos grandes desafios para a ciência moderna. É irrelevante, para compreender por que alguém chora ao ouvir um poema ou ao dizer adeus a uma pessoa amada, descrever o cérebro como um conjunto de bilhões de neurônios que se comunicam por impulsos elétricos.

Até mesmo a compreensão do funcionamento de um único neurônio apresenta dificuldades. Neurônios aparentemente podem tomar "decisões" individualmente, resolvendo quando transmitir ou não um determinado impulso. Representações simplistas de um neurônio como um ente inerte que apenas dá passagem a sinais elétricos levam a modelos do cérebro que estão longe de corresponder ao seu funcionamento real.

Passando dos neurônios para as funções superiores do cérebro, cria-se uma série de problemas extremamente complexos. Como definir a mente? Como temos consciência de nós mesmos? Como definir o que é a consciência? Qual a relação entre a mente e a consciência?
O neurologista português Antonio R. damásio, que trabalha há muitos anos nos Estados Unidos, acredita que "consciência" é um fenômeno biológico que nos permite explorar o conteúdo da mente, dos sentimentos, dos pensamentos e do conhecimento.

Note o uso do termo "biológico" na definição de consciência. Para damásio e muitos outros (em geral a maioria dos cientistas que trabalham nessa área), a consciência é um estado emergente do cérebro, explicável cientificamente. Não é necessário inventar uma faísca divina, uma alma ou outra explicação sobrenatural para preencher nossa ignorância de como funciona o cérebro. Apesar disso, cientistas admitem que é necessário descobrir novos aspectos da atividade cerebral, talvez um novo paradigma científico.

Em 1937, o grande neurobiólogo Charles Sherrington usou a seguinte metáfora para descrever o funcionamento do cérebro: "De repente, a parte superior da grande massa cinzenta, que há momentos jazia perfeitamente inerte, começa a ser iluminada por pequenos pontos de luz que produzem pulsos viajando em todas as direções. O cérebro está acordando e, com ele, a mente desperta mais uma vez. É como se a Via Láctea entrasse em uma dança cósmica. Rapidamente, a massa cinzenta se transforma em uma roça de fiar mágica, milhões de pontos de luz acendendo e apagando de forma precisa e harmônica, gerando padrões e subpadrões plenos de significados que se renovam constantemente." (C.S. Sherrington, "Man on His Nature", Cambridge University Press, Cambridge, 1951. Tradução minha.)

Essa visão dinâmica do cérebro permanece até hoje. Técnicas modernas de observação, como a ressonância nuclear magnética e a tomografia por emissão de pósitrons, permitem que os pesquisadores possam "observar" o cérebro em ação. O aspecto mais imediato que é revelado nessas observações é a imensa complexidade do funcionamento cerebral, até mesmo em tarefas que aparentemente são tão simples.

Por exemplo, pense em alguma pessoa querida que esteja longe. Você consegue recriar a imagem e a voz dessa pessoa, acionando neurônios responsáveis pela visão e pela audição. Você pode também recriar a presença dessa pessoa em algum lugar especial, como uma casa de campo durante alguma ocasião especial, como uma noite de Ano Novo. Surgindo em sua mente, essa memória faz você ficar consciente de quanto você tem saudade dessa pessoa, trazendo lágrimas aos seus olhos. Você sussurra, em uma linguagem silenciosa, interna a sua mente: "Feliz Ano Novo!", estabelecendo um canal de comunicação entre você e seu passado, um tempo que só existe em sua consciência.

domingo, 21 de dezembro de 1997

O mundo que poderemos deixar para nossos filhos

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Outro dia, almocei com um colega astrônomo italiano, que tinha participado em Genebra, na Suíça, de um painel mundial de cientistas que estudam os possíveis efeitos de mudanças globais e locais no clima devido à interferência humana. Em meia hora de conversa, meu colega me deixou completamente arrasado. Como é quase Natal, acho que devemos refletir sobre o nosso presente para as gerações futuras.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi estabelecido em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente com os objetivos de avaliar cientificamente os processos responsáveis por mudanças climáticas e seus impactos socioeconômico e ambiental e de formular estratégias de ação. Vários brasileiros estão envolvidos nesse Painel, incluindo L. G. Meira Filho, J. Goldenberg, P. Nastari, P. Moura Costa e outros, trabalhando com centenas de cientistas da Argentina ao Zimbábue.

As conclusões das análises científicas são baseadas em modelos climáticos sofisticados, que utilizam computadores dos mais poderosos do mundo. Abaixo cito algumas das conclusões do segundo estudo do painel, apresentadas em 1995.

Existem dois agentes principais de mudanças climáticas. O primeiro resulta da ação combinada dos gases que produzem o efeito estufa, ou seja, que impedem que a radiação de calor vá para as camadas superiores da atmosfera, provocando um aquecimento global do planeta. O painel concluiu que as concentrações desses gases aumentaram substancialmente durante a era industrial (de 1800 em diante). Por exemplo, o metano aumentou em 145%, enquanto o dióxido de carbono aumentou em 30% e o óxido nitroso, em 15%.

O aumento da concentração desses gases levou a uma elevação de 0,3°C a 0,6°C na temperatura média do planeta desde o final do século passado, com ênfase nos últimos anos, que foram os mais quentes desde 1860. O nível global do mar subiu entre 10 cm e 25 cm nos últimos cem anos.

O segundo agente das mudanças climáticas são os aerossóis, partículas microscópicas em suspensão no ar, geradas principalmente na queima de combustíveis fósseis e de biomassa. Aerossóis causam o efeito inverso ao dos gases do efeito estufa, produzindo um resfriamento que, na maioria das vezes, é local e de duração curta em comparação com o aquecimento causado por gases-estufa.

As extrapolações para o futuro levaram em conta grande parte das possíveis incógnitas que aparecem nesses difíceis estudos. Mesmo assim, as conclusões são terríveis. Até o ano 2100, a temperatura global média subirá entre 1°C e 3,5°C, com um aumento associado no nível do mar entre 15 cm e 95 cm. Localmente, as variações climáticas irão exacerbar secas e enchentes, com incêndios de vastas proporções, pestes agrícolas descontroladas, alterações em diversos ecossistemas, que, por sua vez, influenciarão a produção agropecuária e a indústria pesqueira.

Fora prejuízos ao planeta como um todo e às atividades econômicas locais, a poluição atmosférica causará cada vez mais danos à saúde global da população mundial, com um aumento nos tipos de agentes infecciosos, nas doenças do aparelho respiratório e na incidência de câncer. A isso, se deve adicionar o impacto psicológico devido, por exemplo, à emigração de comunidades costeiras, forçada por furacões, maremotos ou pelo aumento aparentemente inofensivo do nível do mar. (O que será do mundo sem Veneza? Ou Trancoso?)

Nessa época em que nos preocupamos tanto com histórias apocalípticas inspiradas pela Bíblia, talvez devêssemos nos preocupar mais com o lento apocalipse que nós próprios estamos causando, com nossa ganância e arrogância, ao mundo que vamos deixar para nossos filhos.

domingo, 14 de dezembro de 1997

Há cem anos, Thomsom descobria o elétron

Em outubro de 1897, o físico inglês J. J. Thomson (1856-1940), no Laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge, "descobriu" o elétron, um dos feitos científicos mais importantes dos últimos cem anos.

Thomson estava interessado nos estranhos fenômenos que ocorrem quando descargas elétricas atravessam tubos catódicos, que são ampolas de vidro com duas placas metálicas em seu interior, ligadas aos pólos de uma bateria. A ampola contém gás bastante rarefeito. Os tubos de televisão são versões modernas desses tubos catódicos.

Ao se conectar à bateria, um estranho raio se propaga pelo tubo catódico, produzindo uma mancha fosforescente em sua parede. Thomson mostrou que esses "raios catódicos" eram defletidos por um campo magnético e por um campo elétrico. (O leitor pode fazer uma experiência divertida, passando um imã em frente a uma tela de TV e checando a distorção da imagem.)

Baseado em suas medidas, Thomson mostrou que esses raios eram compostos de "corpúsculos" com carga elétrica negativa e com massa pelo menos 1.000 vezes menor do que um átomo de hidrogênio, o objeto mais leve conhecido na época. (Ele não usou o nome elétron, inventado em 1891 pelo físico irlandês G. Johnstone Stoney.)

Seus resultados eram independentes do tipo de gás usado no tubo catódico. Corajosamente, Thomson concluiu que esses corpúsculos eram constituintes dos átomos de todas as substâncias. O elétron foi descoberto!

A descoberta do elétron foi também a descoberta da primeira partícula elementar. Por elementar, denotamos objetos que não podem ser subdivididos em outros ainda menores.
Segundo essa definição, o átomo não é uma partícula elementar, já que é composto por prótons, nêutrons e elétrons. Nem mesmo os prótons e nêutrons são elementares; eles são compostos por quarks.

Com sua descoberta, Thomson deu continuidade a uma tradição antiga, herdada dos filósofos pré-socráticos da Grécia Antiga, a busca pelos constituintes fundamentais da matéria.
O elétron criou sérias dores de cabeça para os físicos do início do século 20. Em 1924, o físico francês Louis de Broglie propôs que, tal como Einstein havia sugerido para o fóton (partículas de radiação eletromagnética) em 1905, elétrons também exibem a chamada dualidade onda-partícula, isto é, exibem propriedades físicas de ondas, como a difração, e também propriedades de partículas. Tudo depende do preparo do experimento.

Essa dualidade de comportamento sugere que na realidade o elétron não é partícula nem onda. Mas nós apenas sabemos representá-lo através dessas duas imagens concretas. E já que o elétron exibe esta ou aquela propriedade, de acordo com os detalhes do experimento, o próprio observador tem um papel na definição da realidade física do elétron. Não podemos dizer que um determinado elétron existe antes de ele ser observado.

A tecnologia depende de modo fundamental das propriedades do elétron. Correntes elétricas são elétrons em movimento.

Imagens em tubos de televisão são formadas quando elétrons se chocam contra o interior da tela, pintado de material fosforescente. Transistores, usados em quase todos aparelhos eletrodomésticos e computadores, dependem da mobilidade de elétrons em diversos tipos de materiais, como silício e germânio.

Inúmeras aplicações tecnológicas futuras sendo estudadas hoje são baseadas nas propriedades do elétron, como por exemplo supercondutividade a altas temperaturas, chips ultravelozes, ou "computadores quânticos", que usam moléculas para efetuar cálculos.
Sem dúvida, esse é o século do elétron. E pelo jeito, o elétron continuará a nos surpreender ainda por muitos outros séculos.

domingo, 7 de dezembro de 1997

Os problemas sobre o cálculo da idade do Universo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble concluiu, a partir de suas observações, que o Universo está em expansão, com as galáxias se afastando umas das outras com velocidades proporcionais a suas distâncias. Hubble raciocinou que, como as galáxias estão se afastando cada vez mais agora, em algum instante no passado elas estavam praticamente se superpondo. Medindo as velocidades de várias galáxias e as distâncias entre elas, ele concluiu que esse instante ocorreu há cerca de 2 bilhões de anos.

O problema com essa estimativa é que já se sabia que a Terra tinha mais de 2 bilhões de anos. Como ela pode ser mais velha que o Universo? A questão roubou o sono de vários cosmólogos até 1952, quando Walter Baade demonstrou, com medidas mais precisas, que o Universo teria pelo menos 5 bilhões de anos. A idade da Terra hoje é estimada em torno de 4,5 bilhões de anos.
Mas a questão da idade do Universo está longe de ser resolvida. Existem três métodos usados para se estimar a idade do Universo. O primeiro deles é o usado por Hubble e Baade, que estima distâncias entre galáxias remotas e suas velocidades, extraindo delas a idade do Universo.

Em Astronomia, distâncias são estimadas a partir de uma lei que diz que a luminosidade de uma fonte cai com o quadrado da distância. Se temos duas fontes iguais em lugares distintos, sabendo-se a distância até o lugar mais próximo, podemos estimar a distância até o lugar mais distante. Assim, Hubble estimou a distância até a galáxia Andrômeda, que está a aproximadamente 2 milhões de anos-luz do Sol.

Esses "indicadores de distância" são fundamentais para se obter medidas precisas de distância. Em suas observações, Hubble usou um tipo de estrela conhecida como variável Cefeida, cuja luminosidade varia periodicamente. Mas encontrar variáveis Cefeida ou outros indicadores de distância em galáxias muito distantes não é nada fácil. E aí é que começa o problema dos astrônomos modernos. Diferentes indicadores de distância resultam em estimativas diferentes de distância e, portanto, em estimativas diferentes da idade do Universo. Valores atuais variam entre 8 e 25 bilhões de anos!

O segundo método utilizado para se estimar a idade do Universo vem do estudo de aglomerados estelares, conjuntos de milhares de estrelas atraídas entre si pela gravidade. A idéia é que nesses aglomerados podem ser encontradas algumas das estrelas mais velhas que existem. Como nós conhecemos razoavelmente bem como uma estrela se desenvolve queimando seu hidrogênio como combustível, podemos estimar sua idade a partir dos diferentes estágios durante sua evolução. A idade do Universo tem de ser maior do que a idade de suas estrelas mais velhas, ecoando o problema de Hubble com a idade da Terra.

Estimativas da idade desses aglomerados estelares variam entre 10 e 14 bilhões de anos. Finalmente, pode-se usar a "nucleocosmocronologia", que se baseia em medidas da abundância e da produção de isótopos radioativos e em estudos da evolução química de nossa galáxia para se estimar a época de formação dos elementos químicos encontrados no sistema solar. As estimativas indicam uma idade para a Via Láctea de pelo menos 9,6 bilhões de anos, com erros que tendem a aumentar esse valor em mais de 1 bilhão ou 2 bilhões de anos.

O que podemos concluir agora? Que o Universo tem de 10 a 20 bilhões de anos; que problemas com as várias medidas de distância, evolução estelar e abundância isotópica serão, em princípio, resolvidos na próxima década. Que boatos jornalísticos recentes dizendo que o modelo do Big Bang está errado devido a problemas com a idade do Universo não têm sentido. E que a Ciência está longe de progredir em linha reta ou de forma previsível.

domingo, 30 de novembro de 1997

O Universo está em constante expansão

Se conseguirmos escapar das luzes da cidade grande, em uma noite sem nuvens e sem Lua, podemos distinguir uma faixa difusa de luz se estendendo pelo céu, uma névoa que brilha por si só, decorada aqui e ali por estrelas. Essa faixa de luz, como nós sabemos, é parte da Via Láctea, a galáxia onde vivemos.

Uma galáxia é um aglomerado de estrelas e gás atraídos pela gravidade. Na Via Láctea, existem centenas de bilhões de outras estrelas além do Sol. E no Universo existem centenas de bilhões de outras galáxias, cada uma contendo desde milhões até centenas de bilhões de estrelas.

Por incrível que pareça, até o início da década de 20, não sabíamos ao certo se existiam outras galáxias no Universo. Astrônomos debatiam se as "nebulosas" vistas com seus telescópios eram outras galáxias (conhecidas na época como "universos-ilha"), distantes da Via Láctea, ou se eram apenas nuvens de gás interestelar fazendo parte da nossa galáxia.

Em 1924, o jovem astrônomo norte-americano Edwin Hubble resolveu de vez essa questão, provando que algumas nebulosas não faziam parte da Via Láctea, mas eram outros "universos-ilha". O Universo se tornou muito maior do que muitos até então suspeitavam.

Mas a maior descoberta de Hubble ainda estava por vir. Entre 1929 e 1931, Hubble demonstrou que o Universo não só era muito maior do que se suspeitava, mas que ele era uma entidade dinâmica, em expansão.

Para demonstrar sua tese, Hubble usou o chamado "efeito Doppler", proposto pelo físico austríaco Johann Christian Doppler em 1842. Nós somos muito familiarizados com a versão auditiva do efeito Doppler. Quando uma sirene ou uma buzina viajam em nossa direção, ouvimos seus tons sempre mais agudos do que quando a mesma sirene ou buzina estão em repouso. Já quando a sirene ou buzina se afastam, ouvimos seus tons sempre mais graves.

Esse é um efeito típico da propagação de ondas. No caso da sirene ou buzina que se afastam, a distância entre duas cristas consecutivas (ou "comprimento de onda") aumenta, causando o som mais grave.

É como se o movimento da fonte "esticasse" a onda. No caso contrário, quando a fonte se aproxima, o comprimento de onda diminui e ouvimos o tom mais agudo. O mesmo efeito acontece com ondas de luz emitidas por alguma fonte, como uma estrela ou uma galáxia.
Examinando a luz emitida por várias galáxias em um aparelho chamado espectroscópio, Hubble observou que, geralmente, essa luz apresentava um desvio para maiores comprimentos de onda. Como o vermelho é a cor com maior comprimento de onda, esse efeito ficou conhecido como "desvio para o vermelho".

Baseado no efeito Doppler, Hubble concluiu que as galáxias estavam se afastando de nós com velocidades proporcionais a sua distância. Portanto, uma galáxia duas vezes mais distante se afasta duas vezes mais rápido. A expansão do Universo obedece a uma lei extremamente simples!

A noção de que o Universo está em expansão incita uma série de perguntas. No decorrer dos próximos meses, teremos a oportunidade de discutir algumas delas em detalhe. Eis aqui as cinco perguntas mais populares:

1) Se o Universo está em expansão, onde fica seu centro?
2) Essa expansão implica que o Universo deve ter tido um começo. Qual é a sua idade?
3) Qual é o seu tamanho?
4) Será que existe um "outro" universo lá fora?
5) Se o Universo teve um começo, qual será seu fim?

A curiosidade da humanidade em conhecer sua origem e destino é tão antiga quanto sua história. Por meio do casamento da física com a astronomia, cosmólogos estão, pela primeira vez, conseguindo desvendar alguns desses mistérios. Mas outros sempre aparecem em seu lugar.

domingo, 23 de novembro de 1997

O reducionismo na ciência e suas limitações

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Se conseguirmos escapar das luzes da cidade grande, em uma noite sem nuvens e sem Lua, podemos distinguir uma faixa difusa de luz se estendendo pelo céu, uma névoa que brilha por si só, decorada aqui e ali por estrelas. Essa faixa de luz, como nós sabemos, é parte da Via láctea, a galáxia onde vivemos.

Uma galáxia é um aglomerado de estrelas e gás, atraídos gravitacionalmente. Na Via láctea, existem centenas de bilhões de outras estrelas além do Sol. E no Universo, fora nossa galáxia, existem centenas de bilhões de outras galáxias, cada uma contendo desde milhões até centenas de bilhões de estrelas.

Por incrível que pareça, até o início da década de vinte nos não sabíamos ao certo se existiam outras galáxias no Universo. Astronômos debatiam se as "nebulosas" vistas com seus telescópios eram outras galáxias (conhecidas na época como "universos-ilha"), distantes da Via láctea, ou se eram apenas nuvens de gás interestelar fazendo parte da nossa galáxia.
Em 1924, o jovem astronômo americano Edwin Hubble resolveu de vez essa questão, provando que algumas nebulosas não faziam parte da Via láctea, mas eram outros "universos-ilha". O Universo se tornou muito maior do que muitos até então suspeitavam.

Mas a maior descoberta astronômica de Hubble ainda estava por vir. Entre 1929 e 1931, Hubble demonstrou conclusivamente que o Universo não só era muito maior do que se suspeitava, mas que ele era uma entidade dinâmica, em expansão.

Para demonstrar que o Universo estava em expansão, Hubble usou o chamado "efeito Doppler", proposto pelo físico austríaco Johann Christian Doppler em 1842. Nós somos muito familiares com a versão auditiva do efeito Doppler. Quando uma sirene ou uma buzina viaja em nossa direção, ouvimos seu tom sempre mais agudo do que quando a mesma sirene ou buzina está em repouso. Já quando a sirene ou buzina se afasta, ouvimos seu tom sempre mais grave.

Esse é um efeito típico da propagação de ondas. No caso da sirene ou buzina que se afastam, a distância entre duas cristas consecutivas (ou "comprimento de onda") aumenta, causando o som mais grave. É como se o movimento da fonte "esticasse" a onda. No caso contrário, quando a fonte se aproxima, o comprimento de onda diminui e ouvimos o tom mais agudo.

O mesmo efeito acontece com ondas de luz emitidas por alguma fonte, como uma estrela ou uma galáxia.

Examinando a luz emitida por várias galáxias através de um aparelho chamado espectroscópio, Hubble observou que, na sua maioria, a luz das galáxias apresentava um desvio para maiores comprimentos de onda. Como o vermelho é a cor com maior comprimento de onda, esse efeito ficou conhecido como "desvio para o vermelho".

Baseado no efeito Doppler, Hubble concluiu que as galáxias estavam se afastando de nós com velocidades proporcionais à sua distância. Portanto, uma galáxia duas vezes mais distante, se afasta duas vezes mais rápido. A expansão do Universo obedece a uma lei extremamente simples!

A noção de que o Universo está em expansão imediatamente incita uma série de perguntas. No decorrer dos próximos meses teremos a oportunidade de discutir algumas delas em detalhe. Eis aqui as cinco perguntas mais populares:

1) Se o Universo está em expansão, onde é o seu centro?
2) Se o Universo está em expansão, ele deve ter tido um começo. Nesse caso, qual é a sua idade?
3) Se o Universo está em expansão, qual é o seu tamanho?
4) Se o Universo está em expansão, será que existe um "outro" Universo lá fora?
5) Se o Universo está em expansão e portanto teve um começo, qual será seu fim?

A curiosidade da humanidade em conhecer sua origem e destino é tão antiga quanto sua história. Através do casamento da Física com a Astronomia, cosmólogos estão, pela primeira vez, conseguindo desvendar alguns desses mistérios. Mas curiosamente, outros sempre aparecem em seu lugar.

domingo, 16 de novembro de 1997

Um passeio pelos "mistérios" da antimatéria

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Antimatéria é um assunto que sempre desperta um certo ar de mistério, de algo "do outro mundo". O próprio nome se dá mesmo a esse tipo de especulação. Afinal, "anti" quer dizer contrário, oposto ou conflitante. A antimatéria é muito menos misteriosa que sua reputação sugere. Mas isso não significa que ela seja menos fascinante.

Antimatéria não significa o oposto de matéria. Para entendermos o seu significado, devemos estudar a constituição da matéria no nível das partículas elementares.

Em meados dos anos 20, duas novas teorias sacudiam a física: a teoria da relatividade especial de Albert Einstein e a teoria quântica, de Max Planck, Niels Bohr, Werner Heisenberg, Erwin Schrõdinger e outros. Enquanto a relatividade especial descreve o movimento de objetos a velocidades próximas à da luz, a teoria quântica trata da física do muito pequeno, descrevendo processos que ocorrem em dimensões atômicas ou ainda menores.

Uma das questões na mente de alguns físicos da época era como casar as duas teorias, ou seja, como tratar movimentos muito rápidos que ocorrem a escalas atômicas. Por exemplo, elétrons orbitando o núcleo atômico podem assumir velocidades relativísticas, onde as correções da relatividade especial são importantes no estudo de seu movimento.

Em 1929, o físico inglês Paul Dirac obteve a primeira formulação relativística da mecânica quântica. Mas ao tentar resolver a equação do movimento de um elétron, Dirac se deparou com algo inesperado: fora o elétron, sua teoria parecia descrever o movimento de outra partícula!
Após algumas interpretações errôneas, Dirac e outros compreenderam que a outra solução era na verdade uma nova partícula, com massa idêntica ao elétron, mas com carga elétrica oposta. Como o elétron tem carga negativa, sua antipartícula ficou conhecida como pósitron. No resto, o pósitron é normal.

Em pouco tempo, ficou claro que todas partículas têm suas antipartículas. O próton, por exemplo, tem seu companheiro de carga negativa, o antipróton. A união da teoria quântica com a relatividade especial demanda a existência da antimatéria! Nos anos 30 e 40, as primeiras partículas de antimatéria foram detectadas no laboratório. Elas, portanto, não existem apenas no universo matemático dos físicos teóricos.

A relação entre matéria e antimatéria é bastante dramática. Quando uma partícula de matéria se choca com uma de antimatéria, elas se desintegram em radiação eletromagnética. Suas massas são convertidas em energia eletromagnética de acordo com a famosa fórmula E=mc2.
Essa energia é carregada pelas partículas que compõem o campo eletromagnético, conhecidas como fótons, cuja existência foi proposta por Einstein em 1905. Portanto, ao colidirem, partículas de matéria e antimatéria se desintegram em fótons.

Mas o contrário também pode ocorrer: fótons podem criar pares de partículas e antipartículas. Matéria, antimatéria e fótons são parceiros de uma constante dança subatômica de criação e destruição. Essa conversão entre matéria e energia é observada rotineiramente em aceleradores de partículas, capazes de colidi-las a altíssimas energias.

"Espere um momento!", exclama o leitor atento. "Se essa desintegração entre matéria e antimatéria realmente ocorre, onde foi parar toda essa antimatéria?" Ótima pergunta! Obviamente, se estamos aqui, sabemos que pelo menos a Terra é feita de matéria. A Lua também, pois vários astronautas pousaram lá sem se desintegrar. O mesmo vale para Marte. O Sistema Solar é dominado por matéria. Nossa galáxia também. Extrapola-se que o Universo seja praticamente só matéria. Mas a razão dessa imperfeição cósmica, a qual devemos nossa existência, vai ter que ficar para outra coluna.

domingo, 9 de novembro de 1997

Em busca das partículas fundamentais da matéria

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Demócrito e Leucipo, filósofos gregos do século 5 a.C., sugeriram que tudo no mundo é feito de átomos. Embora o átomo dos gregos seja diferente do átomo moderno, a idéia de que a matéria é feita de entidades fundamentais, indivisíveis, sobreviveu até hoje, como uma das heranças culturais da Grécia Antiga, assustadora em sua intuição de como funciona o mundo.

O átomo moderno não é perfeitamente denso nem indivisível como o dos gregos. Sabemos que os átomos têm um núcleo, composto por prótons e nêutrons, por sua vez orbitado por elétrons. O átomo mais simples, o de hidrogênio, tem apenas um próton e um elétron, enquanto o de urânio tem 92 prótons e 92 elétrons e pode ter 146 nêutrons!

Nas décadas de 30 a 50, os físicos estudaram processos envolvendo partículas em níveis de energia cada vez maiores. Basicamente, o método usado para estudar a composição fundamental da matéria é a força bruta. A idéia é colidir objetos a energias altíssimas em máquinas conhecidas como aceleradores de partículas e ver o que acontece. Por exemplo, podemos provocar a colisão entre um próton e um núcleo de um átomo de ouro, observando o resultado da colisão em detectores de partículas, máquinas capazes de "fotografar" o que acontece durante e após a colisão.

O que foi descoberto com esses experimentos e com as observações de raios cósmicos _partículas vindas do espaço que ao colidirem com a atmosfera têm papel semelhante ao dos aceleradores de partículas_ surpreendeu os cientistas. Esses experimentos revelaram centenas de outras partículas "elementares", resultados da transformação entre energia e massa prevista pela teoria da relatividade especial de Einstein. A energia de movimento das partículas é transformada em matéria, em novas partículas, durante a colisão. É como se colidíssemos bolas de tênis e criássemos elefantes e caminhões como resultado!

A descoberta dessas centenas de partículas levou os físicos a questionar o próprio conceito de "partícula elementar". Afinal, centenas de tijolos fundamentais da matéria, não são lá muito fundamentais. Essa situação embaraçosa mudou nos anos 60, com a sugestão do físico americano Murray Gell-Mann de que essas partículas eram compostas por outras menores que ele chamou de "quarks", termo tirado de um texto de James Joyce.

A idéia é simples. Do mesmo modo que os vários átomos podem ser explicados por combinações de prótons, nêutrons e elétrons, essas várias partículas podem ser explicadas por combinações de apenas alguns quarks. Com isso, físicos chegaram a um novo tipo de classificação das partículas fundamentais da matéria: as que são compostas por quarks e as que não são compostas por eles. As partículas que não são compostas por quarks são chamadas de léptons, do grego leve. O elétron, por exemplo, é um lépton.

A distinção entre esses dois tipos de partículas é baseada na interação entre elas. Todas as partículas compostas por quarks interagem através da força nuclear forte, responsável pela coesão do núcleo atômico. Como o núcleo é feito de prótons e nêutrons, e prótons sofrem uma repulsão elétrica, algo mais forte que essa repulsão tem de estar agindo. Essa "cola" nuclear é a força nuclear forte. Portanto, prótons e nêutrons são feitos por quarks, três para ser exato.
Hoje sabemos que existem seis quarks, todos observáveis em aceleradores de partículas. O mais pesado, o "top" quark, foi observado pela primeira vez ano passado no Fermilab, em um laboratório perto de Chicago. A esses seis quarks são adicionados seis léptons. Com isso, chegamos aos 12 tijolos fundamentais da matéria, versão atual. Mas o que acontecerá quando aumentarmos ainda mais as energias de nossos aceleradores?

domingo, 2 de novembro de 1997

A força da ciência está na sua universalidade

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Dada a complexidade do mundo em nossa volta, não é nada surpreendente que os cientistas usem simplificações aparentemente drásticas no estudo de fenômenos naturais. Por exemplo, se quisermos estudar a órbita da Lua em torno da Terra, é irrelevante incluirmos em nossa descrição que a Terra tem montanhas, oceanos e atmosfera, ou que a Lua tem crateras de todos os tamanhos. Basta sabermos a massa da Terra e a da Lua e a distância entre elas.

O balanço de uma folha ao vento, o vaivém de uma criança num balanço, um sino soando: todos esses "sistemas" podem ser modelados, com maior ou menor precisão, pelo movimento de um pêndulo sujeito a uma força externa. No caso da folha, a força externa vem do vento, no caso da criança, dos empurrões de seu pai e, no caso do sino, do padre puxando a corda.

Numa primeira aproximação, o modelo matemático que descreve o movimento desses sistemas é essencialmente o mesmo. Pela descrição matemática dos fenômenos, os físicos revelam a belíssima unidade que existe na natureza. Modelos imitam a natureza, recriando suas sutilezas de forma compreensível.

Descrever o comportamento de sistemas complexos por fórmulas simples é um ingrediente fundamental no trabalho científico e um de seus maiores desafios. Há um equilíbrio delicado entre simplificar demais _ignorando dados fundamentais sobre um sistema_ e incluir detalhes irrelevantes que compliquem desnecessariamente seu estudo.
Para testarmos a eficiência de um modelo, comparamos suas previsões com medidas obtidas por cuidadosas observações. No exemplo da folha balançando ao vento, podemos medir o tempo que a folha demora para voltar a um determinado ponto. Se o resultado medido não for semelhante à previsão do modelo, este tem de ser modificado.

Isso é verdade tanto para o balançar de uma folha quanto para qualquer modelo matemático de descrição de algum fenômeno, de escalas subatômicas até o Universo como um todo. E aqui a intuição do cientista é fundamental. Como encontrar as modificações corretas? Para mim, a construção de modelos é uma arte: a de modelar a natureza.
Pelo seu processo criativo, o cientista viabiliza sua visão do mundo. Para mim, assim como a obra de um artista, a obra de um cientista é um reflexo de sua personalidade. Claro, o veículo de expressão é completamente diferente, pois as linguagens são diferentes. Mas o momento que existe entre o surgimento de uma idéia e sua expressão, seja por uma equação ou por uma aquarela, é essencialmente idêntico.

Ao recriar o mundo matematicamente, o cientista reinventa a realidade a sua volta, representando-a por símbolos universais. Mesmo que o processo criativo científico seja tão subjetivo quanto o processo criativo artístico, o produto final do trabalho do cientista é acessível a qualquer outro que domine o vocabulário técnico da ciência. (E, espero, também ao público não especializado por um esforço dos cientistas de transmitir suas idéias de modo acessível.)

Em princípio, não deve haver subjetividade na interpretação de uma obra científica. Os modelos criados por cientistas são universais. Por meio da universalidade de sua linguagem, esses modelos são gradativamente corrigidos e aprimorados (o progresso científico raramente caminha em linha reta), chegando eventualmente a uma formulação aceita pela comunidade científica.

É nessa universalidade que reside a força da ciência. As equações que descrevem um fenômeno são idênticas para todos os cientistas, independentemente de qualquer diferença religiosa, racial ou política. A natureza não se presta a nossos tolos jogos de poder. A Ciência, em sua versão mais pura, é uma das formas mais humanas de conhecimento.

quinta-feira, 30 de outubro de 1997

Rumo ao planeta vermelho

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Durante os anos 60, era inevitável que uma criança quisesse ser astronauta quando crescesse. Com a missão Apolo, a humanidade, vestindo a bandeira americana, pousou na Lua. Neil Armstrong deixou suas pegadas indeléveis no solo poeirento de nosso satélite, afirmando "um pequeno passo para um homem, um gigantesco passo para a humanidade".

Mas o quadro da corrida espacial mudou bastante nos anos 70 e, principalmente, nos anos 80. Missões exploratórias passaram a ser feitas por satélites robotizados, controlados remotamente na Terra, enquanto que astronautas passaram a tomar conta das missões das "space shuttles", um misto de foguete e avião, capaz de aterrizar após orbitar a Terra.

A idéia romântica da exploração do espaço como última fronteira foi substituída por rentáveis missões dedicadas ao lançamento de satélites ou por missões científicas dedicadas tanto a observações astronômicas, livres da interferência atmosférica, ou a experimentos efetuados em órbita, aproveitando a ausência (simulada!) de gravidade.

Mas nos anos 90, e particularmente no final da década, a política de exploração espacial está novamente mudando. Dois projetos têm recebido destaque especial. Um é o laboratório espacial que a NASA está construindo, uma plataforma orbital que servirá não só como centro de pesquisas, mas também como ponte entre a Terra e futuras missões tripuladas. Outra é a "missão para Marte", que recebeu enorme impulso recentemente com a possível descoberta de restos de vida microorgânica em Marte e com o sucesso da sonda robotizada "Pathfinder", que explorou sua superfície este ano.

Muito possivelmente, as crianças da próxima década vão novamente sonhar em ser astronautas. E algumas irão ver esse sonho se tornar realidade, viajando em direção ao enigmático planeta vermelho.

domingo, 26 de outubro de 1997

Físicos buscam a "teoria do campo unificado"

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Por que os cientistas gostam tanto de uma teoria? A resposta é mais simples do que parece. Teorias organizam, de forma concisa e precisa, fatos que são observados no laboratório e fora dele. Uma boa teoria deve ser capaz de explicar uma série de fenômenos observados na natureza e também de prever a existência de novos fenômenos a serem observados no futuro.
Podemos, por exemplo, contrastar a teoria da gravitação universal de Newton e a da relatividade geral de Einstein. Apesar de ambas tratarem do fenômeno gravitacional, elas o fazem de modo distinto. Enquanto a teoria de Newton descreve a gravitação como uma "ação a distância", ou seja, como uma força que atravessa (misteriosamente) o espaço vazio, Einstein propôs que a gravitação pode ser explicada por meio de um tratamento geométrico, em que a presença de um corpo maciço deforma a geometria do espaço à sua volta.

A geometrização do fenômeno gravitacional e seu sucesso teve um profundo impacto no resto da vida de Einstein. Se a gravitação pode ser explicada elegantemente por uma descrição puramente geométrica, por que não o eletromagnetismo, a única outra força que, como a gravitação, também tem longo alcance?

Até sua morte em 1955, Einstein procurou por uma formulação geométrica que não só explicasse os fenômenos eletromagnéticos, mas também os unificasse com a gravitação. Uma teoria unificada da gravitação e do eletromagnetismo trata fenômenos gravitacionais e eletromagnéticos como manifestação de uma única força, ou mais precisamente, de um único campo, o campo unificado. A cada força está associado um campo. Se colocarmos um prego perto de um ímã, sentimos a presença do campo magnético criado. Campo é uma manifestação espacial da presença de uma certa fonte.

A idéia de unificação é fundamental em física. O poder ou eficácia de uma teoria pode ser medido pela quantidade de fenômenos diversos que ela pode explicar. Newton unificou a física dos fenômenos gravitacionais celestes com a dos fenômenos gravitacionais terrestres. No século 19, Faraday, Maxwell e outros mostraram que fenômenos elétricos e magnéticos podem ser descritos conjuntamente pelo campo eletromagnético.

Apesar de Einstein ter falhado em sua missão, sua influência permanece viva até hoje. A idéia de unificação de forças é uma das mais populares entre físicos teóricos do mundo inteiro. Ao eletromagnetismo e à gravitação são adicionadas duas outras forças, que se manifestam apenas a distâncias subatômicas, que são as forças nucleares forte e fraca.

As quatro forças descrevem, em princípio, todos os fenômenos observados, desde escalas microscópicas às macroscópicas. Portanto, a "Teoria de Tudo" unificaria as quatro forças fundamentais em apenas uma, a força unificada. Essa unificação se manifesta apenas a energias extremamente altas, muito mais altas do que nós podemos testar nos laboratórios atuais. Por trás da realidade física, apenas visível a energias altíssimas, existe uma outra realidade, em que tudo é manifestação de um campo unificado. Em sua intimidade, a natureza é extremamente simples.

A idéia de unificação das quatro forças fundamentais não é absurda nem influenciada por tendências monoteístas, como pode parecer. Já conseguimos unificar as forças eletromagnética e fraca, conforme comprovado experimentalmente em 1983 por Carlo Rubia e seu time em Genebra, baseados em previsões teóricas de S. Glashow, A. Salam e S. Weinberg. A energias cerca de mil vezes maiores que as nucleares, as forças eletromagnética e fraca se manifestam como uma única força, a eletrofraca. O próximo passo é incluir a força nuclear forte e, eventualmente, a gravitação nessa unificação. Talvez a visão de Einstein não tenha sido apenas uma fantasia.

domingo, 19 de outubro de 1997

A natureza sempre terá surpresas para a ciência

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Em 1996, o jornalista John Horgan, que escreve para a revista "Scientific American", publicou o livro "O Fim da Ciência". Nele, Horgan argumenta que a ciência, especialmente a ciência pura ou fundamental, chegou ao seu fim; que as descobertas principais já foram feitas, e o que restou para as futuras gerações de cientistas são meros detalhes.

Como não poderia deixar de ser, o livro causou enorme sensação, instigando inúmeros debates entre Horgan e seus oponentes. Segundo Horgan, o grande problema da ciência moderna é seu próprio sucesso; cientistas conseguiram criar um "mapa da realidade física" que se estende desde o microcosmo de quarks e elétrons ao macrocosmo de planetas, estrelas e galáxias.

Horgan argumenta que devido ao sucesso desse mapa da realidade física, baseado na mecânica quântica e na relatividade, nada de realmente fundamental vai ser adicionado ao corpo de conhecimento científico. Apenas buracos nesse mapa serão tapados por cientistas pouco ambiciosos. O problema, para Horgan, são os cientistas "ambiciosos", que não se contentam em tapar buracos deixados por seus antecessores. Eles criam o que Horgan chama de "ciência irônica", baseada em mera especulação, que gera mais especulação e só isso, desvinculada da realidade física. Ou seja, que a ciência fundamental está se aproximando da filosofia ou mesmo da teologia em seu desespero de gerar idéias revolucionárias.

Como exemplos de "ciência irônica", Horgan cita a teoria de supercordas da física de altas energias, idéias sobre universos paralelos, a hipótese de Gaia, dos biólogos Lynn Margulis e James Lovelock, e teorias de complexidade, que tentam demonstrar como comportamento complexo, inclusive a própria vida, pode ser gerado por processos de auto-organização espontânea.

Os argumentos de Horgan possuem vários pontos fracos. Um deles é que vários cientistas de calibre, incluindo Lord Kelvin, argumentaram, no final do século passado, que a física havia chegado ao fim; com os triunfos da mecânica, do eletromagnetismo, e da termodinâmica (à qual Kelvin deu contribuições cruciais), nada de mais fundamental poderia ser descoberto. Ironicamente, quando Kelvin morreu em 1907, a física passava por profunda revolução, com a hipótese dos quanta de Max Planck e a relatividade especial de Einstein.

A ciência não tem uma evolução monotônica, a partir da qual possamos construir extrapolações sobre seu progresso conceitual. Me parece que o sr. Horgan está com muita pressa, impaciente com a demora de novas revoluções conceituais na ciência. Será que ele teme ficar sem idéias sobre o que escrever? Argumentos dessa natureza parecem ignorar como o progresso conceitual da ciência se dá a partir de suas limitações. Por exemplo, a mecânica newtoniana não pode ser aplicada na descrição do comportamento dos átomos ou de corpos com velocidades próximas à da luz. Dessas limitações surgiram a mecânica quântica e a teoria da relatividade.
O "mapa da realidade física", que Horgan considera ser _e sem dúvida é_, um grande sucesso, está repleto de seriíssimos problemas conceituais, como por exemplo a incompatibilidade da mecânica quântica e da teoria da relatividade geral na descrição da infância do Universo ou na física de buracos negros. Isso sem falar de novas fronteiras na ciência, como por exemplo o funcionamento do cérebro ou a engenharia genética.

Achar que chegamos ao fim de nossas explicações de fenômenos naturais, quando temos tantas questões em aberto, é extremamente pretensioso; a Natureza sempre nos surpreenderá, forçando-nos a expandir as fronteiras do conhecimento. Infelizmente para alguns, essa expansão requer muita paciência, tenacidade e humildade intelectual.

domingo, 12 de outubro de 1997

Matéria escura do Universo ainda é um mistério

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

De que é feito o Universo?
No século 6º a.C., Tales de Mileto, que segundo Aristóteles foi o primeiro filósofo da Grécia antiga, argumentou que a substância fundamental do cosmos é a água. Essa resposta, à primeira vista absurda, deve ser interpretada metaforicamente; água tem a capacidade de se transformar, representando para Tales o caráter dinâmico da natureza.

Passados 2.500 anos, continuamos a nos debater com a mesma pergunta. Claro, progredimos muito desde os dias de Tales. Sabemos que há 92 elementos químicos estáveis na natureza, feitos de átomos, e que esses átomos se combinam para formar as moléculas. Sabemos também que os mesmos elementos químicos encontrados na Terra são encontrados em outras partes do Universo, seja em planetas, estrelas, ou nuvens de gás interestelar. Mas será que é só isso?

Não! Assim como um sistema solar consiste de (pelo menos) uma estrela e planetas atraídos pela gravidade, um "aglomerado de galáxias" é um grupo de galáxias atraídas dessa forma também.

Na década de 30, Fritz Zwicky, um astrônomo suíço trabalhando nos Estados Unidos, observou que as velocidades das galáxias em aglomerados de galáxias eram muito maiores do que elas deveriam ser.

Para explicar esse efeito, Zwicky calculou que a massa do aglomerado deveria ser pelo menos dez vezes maior do que a massa da matéria visível no aglomerado, ou seja, as estrelas e o gás pertencentes às galáxias.

Que tipo de matéria "extra", invisível, compõe a massa do aglomerado? Zwicky iniciou um debate que está aberto até hoje. Essa matéria que nós não podemos ver, mas que atua por meio da gravidade na dinâmica do aglomerado, é chamada de "matéria escura".
Mais recentemente, se mostrou que a matéria escura também está presente em galáxias individuais. A quantidade estimada varia segundo o tipo de galáxia (espiral, elíptica etc.), mas os números também são em torno de dez vezes mais matéria escura do que matéria capaz de gerar luz.

Tanto planetas _que não geram sua própria luz_ quanto anãs marrons _estrelas tão leves que não podem iniciar os processos de fusão nuclear que geram luz_ contribuem para a quantidade total de matéria escura em uma galáxia ou em um aglomerado de galáxias.

Mas o mistério da matéria escura está longe de ser resolvido. Por mais planetas e anãs marrons que possamos encontrar, não encontraremos dez vezes mais massa dessa forma do que em estrelas luminosas.

Vários outros candidatos foram propostos, certamente muito mais exóticos do que planetas. Por exemplo, é possível que grande parte da matéria escura seja na forma de buracos negros, os restos deixados por estrelas maciças ao se extinguirem, ou por neutrinos com massa, partículas que participam de processos radiativos, mas que tradicionalmente (e, até o momento, experimentalmente) não têm massa.

Mas segundo estimativas teóricas, nem mesmo buracos negros ou neutrinos maciços podem resolver o mistério da massa escura. Novas partículas _diferentes dos elétrons, prótons e nêutrons, que compõem os átomos_ foram propostas como possíveis candidatas. Caso elas existam, 90% a 99% da massa do Universo pode ser composta de matéria que não tem nada a ver com a que compõe as estrelas, planetas ou seres humanos.

Seria o triunfo final da revolução copernicana, que nos séculos 16 e 17 determinou que o Sol, e não a Terra, é o centro do Universo. Se a matéria escura for mesmo composta de matéria exótica, não só não somos o centro do Universo, como também não somos nem feitos da matéria que domina sua composição e dinâmica.

domingo, 5 de outubro de 1997

Cientistas também podem cair no "conto do vigário"

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

A Astrologia é muito mais popular do que a Astronomia. Sem dúvida, um número muito maior de pessoas abre um jornal ou uma revista para consultar uma coluna astrológica do que para ler uma coluna sobre astronomia. E a Astrologia não está sozinha: numerologia, quiromancia, tarô, e búzios também são muito populares.

Como físico, não cabe a mim tentar explicar o porquê dessa irresistível atração pelo que vai obviamente além do que chamamos de fenômenos naturais. Mas posso ao menos oferecer uma conjectura. O fascínio pelo esotérico vem justamente de seu aspecto pessoal, privado: você paga a um profissional com conhecimentos ou "poderes" esotéricos para que ele fale sobre você, sua vida, seus problemas, seu futuro.

Por trás desse fascínio pelo "saber" esotérico encontramos nosso próprio desejo de nos situarmos melhor emocional ou profissionalmente em nossas vidas. Nesse sentido, a atração pelo esoterismo força as pessoas a uma auto-reflexão que pode até ser muito importante como veículo de autoconhecimento.

Mas, como físico, cabe a mim fazer o papel do chato e argumentar contra a crença nesses fenômenos como tendo existência no mundo natural. E isso não é porque eu seja bitolado ou inflexível. Ao contrário, qualquer cientista ficaria imediatamente fascinado pela descoberta de um fenômeno novo, por mais estranho que ele seja. Faz parte de nossa profissão justamente manter a cabeça aberta para o inesperado.

O problema com o esoterismo é que não temos nenhuma prova concreta, científica, de que esses fenômenos realmente ocorram.

Uma das grandes armas da ciência contra o charlatanismo está justamente na possibilidade de repetirmos um dado experimento quantas vezes desejarmos. Os cientistas não precisam "acreditar" nos resultados de outro cientista. Basta repetir o experimento no seu próprio laboratório sob condições idênticas, e os mesmos resultados devem ser encontrados.

Eis aqui um exemplo: a "descoberta" da fusão fria, a produção de energia a partir da fusão de núcleos atômicos a temperaturas baixas. O processo de fusão nuclear ocorre em temperaturas e pressões altíssimas, por exemplo no interior do Sol ou na infância do Universo. Mas em 1989, Stanley Pons e Martin Fleischmann, dois cientistas de renome, anunciaram ter obtido fusão a temperatura ambiente.

Tal resultado poderia revolucionar a produção mundial de energia. Por isso, vários grupos imediatamente tentaram reproduzir os achados de Pons e Fleischmann. Após alguns alarmes falsos, ficou claro que fusão a baixas temperaturas é impossível. Como não foram reprodutíveis os resultados anunciados, eles foram abandonados.

Essa história tem várias morais. Uma delas é que cientistas também podem cair no conto do vigário. Mas só por algum tempo! Outra moral é que os cientistas devem ter mais cuidado em ir até a mídia quando julgam ter uma grande descoberta em suas mãos. Mais relevante para nossa discussão, os cientistas não têm a priori a cabeça fechada para fenômenos "estranhos"; apenas para fenômenos que se recusam a ser reconfirmados no laboratório.

Seria fascinante se houvesse uma força desconhecida que pudesse influenciar nosso comportamento _ou pelo menos indicar tendências_ a partir de um arranjo cósmico em que nós, como indivíduos, participássemos ativamente, um tipo de astronomia personalizada.
Para mim, mais fascinante ainda é seguir os passos de outros cientistas e me dedicar ao estudo dos fenômenos naturais, armado apenas com inspiração e razão. Ao compreendermos um pouco mais sobre o mundo à nossa volta, podemos também compreender um pouco mais sobre nós mesmos.

domingo, 28 de setembro de 1997

A origem do mundo

28/08/97

OTAVIO FRIAS FILHO

Costumamos pensar em religião e ciência como coisas opostas. O caso Galileu é o momento a partir do qual a hostilidade entre elas se tornou explícita e a religião passou a recuar. Foi obrigada a tomar seus dogmas como meras metáforas. Aceitou que Deus não interfere na natureza, desde que se admita que Ele possa ter criado suas leis.
Entre os séculos 17 e o atual, entre Galileu e Einstein, a física criou modelos que reproduzem de forma ''realista'' o funcionamento do mundo que nos cerca. Esses modelos tiveram de ser corrigidos muitas vezes, mas eram basicamente satisfatórios. Era possível acreditar que estávamos conhecendo aos poucos o universo.

Acontece que ao se aventurar pelo mundo desconhecido de três ''infinitamentes'' _o pequeno, o veloz e o distante_ os modelos da física entraram em colapso. Não é que as conclusões afrontassem o senso comum (isso também ocorria com a física clássica), elas simplesmente não podiam ser representadas de modo descritivo.

Ou seja, a ciência deveria abandonar o ''realismo'' para se contentar, também ela, com a metáfora, ainda por cima provisória, parcial. Por exemplo: a luz é composta de ondas ou de partículas? Resposta: conforme o critério de observação subatômica ela pode atuar como uma coisa ou outra, mas não sabemos o que ela ''é''.

Essa é, em resumo, a questão discutida no livro ''A Dança do Universo'' (Companhia das Letras, 434 págs.), de Marcelo Gleiser, cientista brasileiro radicado nos Estados Unidos. Manejando a prosa de divulgação com felicidade, o autor transmite a idéia de uma física jovial, compreensível, irônica para com os próprios desenganos.

E reconciliada, para surpresa geral, com a religião. Claro que Gleiser fixa muito bem a diferença entre os respectivos métodos, que não devem se misturar. Mas na base de ambas estaria uma mesma incapacidade para dar a resposta final, tributárias ambas daquilo que Einstein chamou de ''sentimento cósmico-religioso''.

A impossibilidade de conhecer o que está além das aparências é o problema mais antigo da filosofia. Sempre didático, o livro compila as primeiras tentativas dos pré-socráticos: para Tales, a essência era a água; para Heráclito, a eterna mudança simbolizada pelo fogo; para Parmênides, ao contrário, era a permanência.

Essas imagens não são necessariamente piores do que dizer que a essência é composta de ''ondas'' ou ''partículas'' conforme o ponto de vista _eis o que o livro sugere, com bem-humorada resignação. Há diferenças palpáveis. Os antigos achavam, por exemplo, que o universo tinha 4.000 anos; nós sabemos que tem cerca de 15 bilhões.

Em contrapartida não sabemos mais o que ''é'' o tempo... A ciência está absolvida porque nos ajudou a viver mais e melhor: não há dúvida. Como forma de conhecimento, porém, ela é tautológica, substitui metáforas por outras metáforas. A matemática descreve o funcionamento do nosso próprio cérebro, toda ciência é ''humana''.

Cosmologia estuda o Universo por meio de "fósseis"

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A cosmologia estuda a origem, evolução e estrutura do Universo como um todo. O cosmólogo tem um papel semelhante ao do paleontólogo, que tenta reconstruir toda uma época remota através de achados esparsos, fósseis incompletos, testemunhos semidestruídos pela implacável passagem do tempo.

Mas como reconstruir a história do Universo? Para falarmos de história, temos de abordar o passado, presente e futuro, adaptando nossa experiência humana da passagem do tempo ao Universo.

Em 1948 foram propostos dois modelos cosmológicos, completamente antagônicos.
Em um deles, proposto na Inglaterra por F. Hoyle, H. Bondi and T. Gold, e conhecido como modelo do estado padrão, o Universo não evolui, permanecendo o mesmo no tempo e no espaço.
No outro modelo apresentado, conhecido como o do Big Bang, podemos reconstruir a história do Universo como fazemos com um filme, com um princípio, meio e fim.

Quando George Gamow propôs a versão original do modelo, ele assumiu certas condições iniciais para descrever o princípio do filme.

Inspirado pelas descobertas (e também pelas destruições) da física nuclear durante a Segunda Guerra Mundial, Gamow assumiu que no início o Universo era extremamente quente e denso, uma sopa cósmica de partículas elementares, que incluem os prótons, elétrons e nêutrons.
De acordo com o modelo do Big Bang, o início não é exatamente o início! É como se chegássemos ao cinema perdendo o começo do filme.

Aqui nos deparamos com uma escolha. Podemos voltar atrás, tentando cada vez mais chegar perto do início, ou ir em frente, e tentar reconstruir o que aconteceu com o Universo a partir desse estado inicial quente e denso.

George Gamow escolheu seguir em frente. Com isso, ele conseguiu garantir o triunfo de seu modelo sobre o do estado padrão.

Em 1929, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble descobriu que o Universo está em expansão. Medindo posições de galáxias muito distantes, Hubble mostrou que elas estavam se afastando umas das outras.

Mas expansão implica passagem do tempo. Dentro do modelo do Big Bang, expansão implica queda de temperatura; a sopa cósmica se resfria continuamente, com a passagem do tempo relacionada com a queda da temperatura. Gamow e seus colaboradores mostraram que, ao se resfriar, a composição da sopa mudava.

Quando o Universo tinha um segundo de vida (em dados atuais), prótons e nêutrons se juntaram para formar certos núcleos de elementos leves, como por exemplo hélio (dois prótons e dois nêutrons).

Gamow e sua equipe calcularam que em torno de 25% do Universo deve ser composto de hélio. Essa previsão foi confirmada por observações feitas nas duas últimas décadas.
A história continua. Quando o Universo tinha 300 mil anos -um intervalo de tempo minúsculo comparado com sua idade atual de aproximadamente 15 bilhões de anos-, elétrons se juntaram aos núcleos formando átomos, principalmente hidrogênio, que constitui 75% da matéria universal.

Gamow mostrou que, como resultado do processo de formação dos átomos, o Universo deveria estar banhado de radiação, com a temperatura de 270° C negativos.
A descoberta dessa radiação em 1965 foi o grande triunfo do modelo do Big Bang. Já o modelo do estado padrão, incapaz de explicar a existência e propriedades desta radiação, teve de ser abandonado.

A grande vantagem que o cosmólogo tem sobre o paleontólogo é a de poder prever com exatidão quais fósseis devem ser encontrados.

A radiação cósmica e os núcleos de elementos leves são justamente os fósseis dessas eras primordiais, que o cosmólogo usa para reconstruir a história do Universo.

sábado, 27 de setembro de 1997

Cientista crê em vida fora da Terra

da Redação Folha
Marcelo Gleiser diz ter "uma certeza quase estatística" de que existe vida fora da Terra. Leia, a seguir, a continuação da entrevista que o físico concedeu à Folha:

Folha - Por que você acha importante levar o conhecimento da ciência para o público em geral?
Marcelo Gleiser - Do ponto de vista mais filosófico, a ciência faz parte da cultura geral da sociedade. Os cientistas são membros da sociedade. Eles geram idéias, da mesma forma que artistas ou escritores. Acho que deve fazer parte do trabalho do cientista levar para as pessoas essas idéias.

Do ponto de vista mais prático, temos de levar em conta que ciência custa caro. E quem financia a ciência é o contribuinte, por meio de recursos públicos. É importante justificar a importância de seu trabalho para que esses recursos continuem vindo. O cientista não deve ficar numa posição confortável em seu laboratório, achando que pode ficar quietinho e que esse cheque sempre estará vindo. Ele tem de justificar a aplicação desse dinheiro, que poderia ser empregado para ajudar a abrir uma escola ou sanear uma favela.

Folha - Isso quer dizer que você critica os cientistas que são contrários à divulgação científica.
Gleiser - Exatamente.

Folha - Mas como você justifica a necessidade de investir recursos em cosmologia, tendo em vista as necessidades sociais que existem?
Gleiser - Essa quantidade de dinheiro é irrelevante se for comparada com a que é investida em outras áreas da ciência. A cosmologia é uma fatia muito pequena desse bolo, mas ela tem de estar lá. Ela responde a questionamentos que as pessoas sempre tiveram com relação a questões grandiosas sobre a origem do mundo. É importante que seja assegurado o trabalho de pesquisadores que lidam com essas questões.

Outro aspecto interessante é que o estudo da cosmologia depende de pesquisas experimentais que exigem muita sofisticação tecnológica, usando satélites e outros instrumentos, cujo desenvolvimento sempre traz benefícios diretos e indiretos para a sociedade.
No fundo, essa pergunta é errada. A divisão de recursos públicos deveria ser feita de forma a atender todas as áreas importantes, sem que os investimentos em uma área sejam prejuízos para outra.

Folha - Você acredita que existe vida inteligente fora da Terra?
Gleiser - Acredito. Mais que isso, tenho uma certeza quase estatística. Existem cerca de 400 bilhões de estrelas só em nossa galáxia, que é a Via Láctea. E se estima que existam cerca de 100 bilhões de galáxias no Universo. Esses números são tão absurdamente enormes que seria muito improvável que somente nosso planeta tenha reunido condições atmosféricas para desenvolver vida. E isso considerando somente o que nós entendemos como vida, o que pode ser uma visão muito pequena.

Só na Via Láctea, deve haver milhões de planetas com condições de surgimento de vida. E estou certo também que nosso planeta não é o único no Universo que tenha produzido vida inteligente. Considerando esses números astronômicos, seria muito privilégio. Quanto mais aprendemos sobre o Universo, mais insignificantes nos tornamos. Acho que nossa inteligência, apesar de ser tão importante para nós, não é a única do Universo.

Marcelo Gleiser estréia coluna na Folha

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O físico brasileiro Marcelo Gleiser, 38, passa a assinar aos domingos, a partir de amanhã, a coluna "Micro/Macro", na nova seção "Futuro" do caderno Mais!. Sua obra "A Dança do Universo" pulou do quinto para o quarto lugar no ranking dos livros mais vendidos _gênero não-ficção_ do Datafolha em setembro, que o Mais! apresenta amanhã.

Formado em física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Gleiser obteve seu doutorado pela Universidade de Londres e, desde 1991, leciona física teórica no Dartmouth College, em Hanover, uma das mais conceituadas instituições de ensino e pesquisa dos EUA.

Em 1994, o físico fez parte de um seleto grupo de jovens cientistas que receberam, cada um, US$ 500 mil do governo dos EUA para seus projetos de pesquisa. Até junho do próximo ano, Gleiser deverá estar no Laboratório Nacional Fermilab, em Batavia, perto de Chicago, de onde deu entrevista à Folha, por telefone.

Folha - Seu estudo tem sido interpretado como religioso. Você concorda com isso?
Marcelo Gleiser - Não concordo. Eu tenho, na verdade, falado muito sobre o papel da religiosidade no processo criativo do trabalho científico, e não sobre o que seria sua influência na atividade da pesquisa. Conheço vários pesquisadores que são religiosos no sentido mais ortodoxo dessa palavra. Mas eles, sejam judeus, católicos ou muçulmanos, não misturam sua fé com a pesquisa. O que eu tenho ressaltado é a religiosidade que esteve presente em toda a história na inspiração de vários cientistas. Newton, por exemplo, foi uma pessoa extremamente religiosa. O mesmo acontecia com Kepler, que descobriu as leis do movimento dos planetas. Einstein falava do sentimento religioso cósmico, que, para ele, era o que motivava as pessoas a fazerem ciência. Quando falo que tenho uma atitude religiosa, me refiro a uma atitude de meditação, de tentar desvendar os mistérios da natureza.

Folha - Por que o curso ministrado por você é chamado de "Física para Poetas"?
Gleiser - O nome correto da disciplina é "Entendendo o Universo da Física através dos Tempos". Nela eu apresento a evolução dos conceitos da física sem recorrer ao instrumental matemático. Ela é voltada para alunos de outras áreas, como ciências sociais, letras e filosofia, que normalmente não têm um treino matemático. Eu trato os conceitos da física desde os gregos, na Antiguidade, até os dias de hoje, com a mecânica quântica, a relatividade, o Big Bang e a física de partículas elementares. "Física para Poetas" é uma denominação que geralmente é dada para diversos cursos em que a abordagem tem um certo lirismo, sem exigir a matemática.

Folha - Como os cientistas vêem sua forma de divulgar ciência?
Gleiser - Com relação à divulgação científica, os cientistas podem ser divididos em dois grupos. O primeiro seria o dos pesquisadores que são extremamente céticos sobre qualquer iniciativa de divulgação científica, porque, quando se tenta divulgar ciência para o público não especializado, existe o risco de comprometer o significado dos conceitos científicos. Sempre poderá existir uma certa deturpação porque, ao traduzir as idéias científicas, não estará sendo usada a linguagem adequada. E, como se diz, toda tradução é uma traição. Sempre se poderá perder a precisão dos significados. Isso é inevitável. Por isso, há muitos cientistas que são contra esse tipo de apresentação. Eu pertenço a outro grupo _ que não é nada pequeno e inclui pesquisadores importantes_, que é o dos cientistas que fazem um esforço no sentido contrário, que é o de traduzir, em uma linguagem acessível, os conceitos complicados da ciência. Mesmo que isso seja difícil e incompleto, esse esforço deve ser feito por causa da importância social da ciência. Quando se faz um investimento, sempre há um risco e uma margem de lucro. O risco é o quanto se poderá comprometer o significado das teorias. A margem de lucro é o quanto as pessoas vão entender de ciência. Quanto maior é o risco, maior tende a ser a perda. Assim, quanto maior for a exigência de preservar a rigidez do discurso, menores serão as chances de as pessoas aprenderem ciência.

domingo, 21 de setembro de 1997

Caminhos da ciência do cosmos

Para Gleiser, o futuro do Universo poderá ser previsto em algum momento pela ciência
ADRIANO NATALE
especial para a Folha

A "Dança do Universo" de Marcelo Gleiser é um livro de divulgação científica que focaliza um tema que sempre instigou a imaginação humana: a origem e evolução do Universo. O livro começa com uma discussão sobre os mitos associados à Criação e vai, paulatinamente, descrevendo a mudança da visão que se tinha sobre o Cosmo, até chegar a concepção da ciência moderna sobre a evolução do Universo.

A escolha do capítulo inicial sobre os mitos de Criação é bastante feliz, pois mostra o quanto estes impregnaram a mente humana no desenvolvimento do pensamento cosmológico. O debate entre ciência e religião, que muitas vezes aparece nas discussões populares sobre cosmologia, também é considerado, e Marcelo Gleiser é muito cuidadoso ao delinear os limites entre a ciência e a tecnologia. O leitor irá encontrar passagens da vida de cientistas como Newton, um dos pais da física moderna, e descobrirá como a religião influenciou suas pesquisas. Ele acreditava que através da ciência se aproximava de Deus.

O livro nos leva da ciência grega à ciência moderna, passando pelo Renascimento. Mostra como os gregos, há mais de dois mil anos, imaginavam o Cosmo, colocando a Terra no centro do Universo, e neste as estrelas apareciam como "furos" na esfera celeste. Depois irá descobrir a luta do "teimoso" Galileu contra a Igreja, para provar que o Sol estava no centro do nosso sistema planetário. A partir daí, as descobertas vão surgindo, e assuntos como mecânica quântica, teoria da relatividade, "Big Bang" e outros aparecem de uma forma leve e clara, prendendo a atenção do leitor para fenômenos que geralmente são apresentados de forma árida em muitos livros de divulgação científica.

Gleiser procura desmistificar a imagem estereotipada de cientistas frios, racionalistas e, às vezes, de gênios distantes dos problemas do mundo. Ao intermear as descobertas científicas com aspectos da vida particular de cientistas como Copérnico, Kepler, Newton, Einstein e outros, ele nos mostra que estes eram indivíduos comuns e que muitos dos acontecimentos pessoais e do ambiente histórico acabaram por influenciar a pesquisa e a crença de cada um deles. É claro que Einstein aparece num patamar superior, e o autor não deixa de confessar que é um fã incondicional dele. (Creio ser difícil encontrar físicos que não o sejam!)

Quando começa a descrever a chamada era da física clássica (que vai do Renascimento até o final do século 19), Gleiser mostra um mundo que fica cada vez mais complexo. A ciência abandona a filosofia grega e parte para um mundo onde a observação experimental é fundamental. Fenômenos como eletricidade e magnetismo são descobertos por Oersted, Ampère e Faraday, e o estudo do transporte de calor (ou termodinâmica) aparece com Lavoisier, Carnot e outros. Estes conhecimentos permitiram ter uma noção de como deveriam ser as estrelas e que elas continham os mesmos elementos que se encontravam na Terra. Nesta época, o Universo começa a se agigantar, com a observação de muitos objetos estelares denominados de "nebulosas". Aos poucos, se percebeu que estas "nebulosas" não eram apenas nuvens de gás iluminadas pelas estrelas vizinhas, mas quando observadas com telescópios mais potentes, apareciam como aglomerados de estrelas, e até poderiam ser galáxias com milhões a trilhões de estrelas. Em 1780, um catálogo do astrônomo Messier continha 103 destas nebulosas. Em 1822, Herschel produziu um catálogo com 2.500 nebulosas e o número vem aumentando drasticamente até os dias atuais.

Os fenômenos da física moderna são descritos nos últimos capítulos do livro. Num destes é revelado que no mundo do muito pequeno _como é o mundo dos átomos e das partículas elementares (que são as que formam o átomo)_ tudo o que ocorre escapa ao senso comum do mundo macroscópico ao qual estamos acostumados, e que uma nova teoria, a mecânica quântica, é necessária para entender o que acontece nestas pequenas distâncias. Noutro capítulo, também é esclarecido que no mundo do muito veloz, onde ocorrem fenômenos com velocidades próximas da velocidade da luz, se faz necessária uma reformulação dos conceitos de espaço e tempo, o que deu origem à teoria da relatividade. Estas teorias, unidas às observações astronômicas, mostram que: o Universo está em expansão, que é possível compreender a evolução do Cosmo até instantes muito próximos da origem do Universo, e que o futuro deste poderá ser previsto em algum momento pela ciência. Tudo isto é descrito com poesia e encanto, como o de um garoto, que pela primeira vez abre o portão do jardim de sua casa e descobre que o mundo é muito maior do que achava. E, então, começa a se perguntar o quão grande é a rua e até onde ele poderá ir.

Adriano Natale é professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista

sexta-feira, 19 de setembro de 1997

Hollywood dá uma chance à ciência

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Carl Sagan escreveu o livro ''Contato'' em 1985, quando já era mundialmente conhecido como um sério divulgador de ciência para o público não especializado.

Em sua cruzada contra o que chamava de ''ignorância científica'' e os perigos sociais que essa ignorância pode causar, Sagan lançou mão de todos os recursos oferecidos pela mídia, de livros e artigos em jornais e revistas até sua famosa série para televisão, ''Cosmos'' _que fascinou toda uma geração_, trazendo para a sala de estar a imensidão do Universo e a surpreendente criatividade da Natureza.

Mas cinema, em geral, é diferente. Como mostrar, de forma precisa, porém comercialmente rentável, um pouco do que é fazer ciência hoje em dia?

O mercado cinematográfico está cheio de filmes de ficção científica em que o que menos importa é o que os cientistas ''de verdade'' têm a dizer ou como a pesquisa científica realmente é feita. É o mundo dos estereótipos, do gênio louco com cara de Einstein, em geral com sotaque alemão, querendo destruir o mundo, ou pelo menos parte dele.

Ou então são seres extraterrestres, humanóides perversos, reflexos dos nossos próprios medos sociais, do que somos capazes de fazer com nós mesmos.

Foi então com tremendo alívio que soube que Hollywood resolveu dar uma chance para os cientistas sérios, com a versão cinematográfica do livro de Sagan, em que ele constrói um cenário plausível do que aconteceria se realmente recebêssemos sinais de rádio provenientes de outro planeta, no caso, localizado na constelação da Lira, a 26 anos-luz da Terra. (Ou seja, ondas eletromagnéticas _incluindo ondas de rádio_ provenientes de planetas em Lira, viajando a 300 mil km/seg, demoram 26 anos para chegar até nós.)

O resultado é surpreendentemente bom. Robert Zemeckis, dirigindo seu primeiro filme após ''Forrest Gump'', mais uma vez analisa as várias tensões que ditam a dinâmica da sociedade norte-americana, aqui abrangendo o fanatismo religioso, a hipocrisia dos políticos (e de certos cientistas), o poder do Estado sobre as descobertas científicas com possíveis implicações sociais, o problema do financiamento da pesquisa fundamental, disputas de poder entre cientistas e, talvez mais importante no contexto do filme, o debate entre ciência e religião.

Politicamente correto, o papel do cientista que desvenda os misteriosos sinais de rádio cabe a uma mulher, Eleanor Arroway (Jodie Foster), que representa a pureza do pensamento científico rigidamente firmado em regras racionais, a encarnação do próprio pensamento de Sagan.

Crença em Deus
Eleanor é sujeita a tremendas pressões para que aceite a necessidade de Deus e da fé, como ''85% da população mundial''. Em uma cena, um teólogo galã pergunta a Eleanor se ela acredita em Deus. Sua resposta é a esperada: ''Não, a menos que tenha alguma prova concreta de Sua existência''.

Sabendo da forte ligação entre Eleanor e seu pai, morto quando ela ainda era menina, o teólogo pergunta novamente: ''Você amava seu pai? Então prove''.
A narrativa deixa a critério de cada um a resolução desse aparente paradoxo entre ciência e fé.
Será que criamos Deus para não nos sentirmos tão sós na vastidão do cosmos? E o que acontece com essa fé se existe vida inteligente em outros planetas? Essas são algumas das perguntas levantadas.

A possibilidade de vida inteligente fora da Terra é, sem dúvida, extremamente fascinante. Caso eles sejam muito mais avançados do que nós, a premissa desse filme, imagine o quanto não poderíamos aprender. Quantos enigmas poderiam ser finalmente desvendados, quanta sabedoria poderia ser facilmente adquirida.

No filme, a superioridade moral e intelectual dos extraterrestres é, de certa forma, humilhante. Quando finalmente o ''contato'' é estabelecido, fica claro o quanto não estamos preparados para receber esse conhecimento superior, o quanto somos ainda imaturos, perdidos em nossas guerras de ambição e intolerância social.

A forma de contato escolhida pelos seres extraterrestres é a menos chocante possível, benevolente e familiar. Ironicamente, o ''contato'' assume dimensões religiosas, ficando claro o quanto ainda estamos despreparados para essa libertação espiritual.
Em termos das idéias científicas exploradas no filme, são detectáveis pequenos problemas, que não comprometem a narrativa.

Mas como viajar 26 anos-luz até Lira e voltar em apenas um filme? Para ser mais preciso, em 18 horas, segundo a narrativa. Aliás, aqui aparece um problema de roteiro. Aparentemente, Eleanor se esquece de usar esse tempo de duração de sua viagem quando está tentando convencer os parlamentares a acreditarem em sua história.
Buracos de verme

Dentro das exóticas possibilidades, o filme explora a existência de túneis na geometria do espaço chamados de ''wormholes'', buracos de verme, passagens quase imediatas entre pontos no Universo separados por vastas distâncias. Ao invés de termos que subir e descer uma montanha para chegarmos a uma vila, atravessamos a montanha diretamente por um túnel.
Apesar de aparentemente esotéricos, esses buracos são já parte do vocabulário de físicos em todas as partes do mundo.

Claro, fabricar pontes através do Universo com papel e lápis é infinitamente mais simples do que construí-las no espaço interestelar. Mas como as descobertas de hoje serão as invenções de amanhã, o que é impossível com a tecnologia atual pode vir a se tornar verdade no futuro.
Pelo menos essa fé, a de que continuaremos sempre a descobrir novos meios de ampliar nossas fronteiras no Universo, o cientista tem de se permitir. E quem sabe, teremos até a ajuda de algum E.T. para isso.

quarta-feira, 1 de janeiro de 1997

Poeira das Estrelas 11

Palestra CPFL

Poeira das Estrelas 12

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Poeira das Estrelas 09

Poeira das Estrelas 08

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Poeira das Estrelas 04

Poeira das Estrelas 03

Poeira das Estrelas 02

Poeira das Estrelas 01

Poeira da Estreas 12