domingo, 21 de dezembro de 1997

O mundo que poderemos deixar para nossos filhos

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Outro dia, almocei com um colega astrônomo italiano, que tinha participado em Genebra, na Suíça, de um painel mundial de cientistas que estudam os possíveis efeitos de mudanças globais e locais no clima devido à interferência humana. Em meia hora de conversa, meu colega me deixou completamente arrasado. Como é quase Natal, acho que devemos refletir sobre o nosso presente para as gerações futuras.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi estabelecido em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente com os objetivos de avaliar cientificamente os processos responsáveis por mudanças climáticas e seus impactos socioeconômico e ambiental e de formular estratégias de ação. Vários brasileiros estão envolvidos nesse Painel, incluindo L. G. Meira Filho, J. Goldenberg, P. Nastari, P. Moura Costa e outros, trabalhando com centenas de cientistas da Argentina ao Zimbábue.

As conclusões das análises científicas são baseadas em modelos climáticos sofisticados, que utilizam computadores dos mais poderosos do mundo. Abaixo cito algumas das conclusões do segundo estudo do painel, apresentadas em 1995.

Existem dois agentes principais de mudanças climáticas. O primeiro resulta da ação combinada dos gases que produzem o efeito estufa, ou seja, que impedem que a radiação de calor vá para as camadas superiores da atmosfera, provocando um aquecimento global do planeta. O painel concluiu que as concentrações desses gases aumentaram substancialmente durante a era industrial (de 1800 em diante). Por exemplo, o metano aumentou em 145%, enquanto o dióxido de carbono aumentou em 30% e o óxido nitroso, em 15%.

O aumento da concentração desses gases levou a uma elevação de 0,3°C a 0,6°C na temperatura média do planeta desde o final do século passado, com ênfase nos últimos anos, que foram os mais quentes desde 1860. O nível global do mar subiu entre 10 cm e 25 cm nos últimos cem anos.

O segundo agente das mudanças climáticas são os aerossóis, partículas microscópicas em suspensão no ar, geradas principalmente na queima de combustíveis fósseis e de biomassa. Aerossóis causam o efeito inverso ao dos gases do efeito estufa, produzindo um resfriamento que, na maioria das vezes, é local e de duração curta em comparação com o aquecimento causado por gases-estufa.

As extrapolações para o futuro levaram em conta grande parte das possíveis incógnitas que aparecem nesses difíceis estudos. Mesmo assim, as conclusões são terríveis. Até o ano 2100, a temperatura global média subirá entre 1°C e 3,5°C, com um aumento associado no nível do mar entre 15 cm e 95 cm. Localmente, as variações climáticas irão exacerbar secas e enchentes, com incêndios de vastas proporções, pestes agrícolas descontroladas, alterações em diversos ecossistemas, que, por sua vez, influenciarão a produção agropecuária e a indústria pesqueira.

Fora prejuízos ao planeta como um todo e às atividades econômicas locais, a poluição atmosférica causará cada vez mais danos à saúde global da população mundial, com um aumento nos tipos de agentes infecciosos, nas doenças do aparelho respiratório e na incidência de câncer. A isso, se deve adicionar o impacto psicológico devido, por exemplo, à emigração de comunidades costeiras, forçada por furacões, maremotos ou pelo aumento aparentemente inofensivo do nível do mar. (O que será do mundo sem Veneza? Ou Trancoso?)

Nessa época em que nos preocupamos tanto com histórias apocalípticas inspiradas pela Bíblia, talvez devêssemos nos preocupar mais com o lento apocalipse que nós próprios estamos causando, com nossa ganância e arrogância, ao mundo que vamos deixar para nossos filhos.

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