domingo, 26 de fevereiro de 2006

Folia cósmica




Especulo então que os ETs também tenham alguma versão do Carnaval

Carnaval é, para mim, um período de reflexão. Exatamente o oposto do que ocorre no Brasil, quando Carnaval é hedonismo, viver a vida ao máximo, aproveitar o momento. Claro, se estivesse aí embarcaria nessa também. Mas, dos campos nevados que avisto da minha janela, meus tempos carnavalescos parecem um sonho distante.

Distante, mas bom. Lembro-me de uma conferência da qual participei na Suécia, em Uppsala, uma cidade universitária. A conferência coincidiu com a maior celebração anual deles, uma espécie de carnaval fluvial: os estudantes passavam pelo rio que corta a cidade em barcos alegóricos, completamente bêbados, enquanto o público, também completamente bêbado, aplaudia das margens. A turma explodia de alegria quando um dos marinheiros caía desacordado na água gelada. Talvez tenhamos muito o que aprender com os suecos, mas eles também têm muito o que aprender conosco.

Contraponho as duas culturas, tão diferentes, e penso na variedade de costumes e tradições espalhados pelo planeta. Lingüistas e antropólogos temem que a massificação da informação e a apropriação de terras para fins agropecuários levem a uma homogeneização cultural: será que a sociedade, daqui a cem ou 200 anos, será essencialmente idêntica, uma amálgama forjada pelos valores das culturas dominantes? Ou será que grupos serão capazes de manter vivas suas tradições e valores apesar do ataque constante?

A resposta é clara: culturas isoladas desaparecerão. Isso é o que vemos ocorrer com dezenas de línguas e costumes de tribos nativas, desde os habitantes da Sibéria e do Alasca até os das nossas florestas. Também é o que vemos na história. Basta pensar nas grandes civilizações do passado. Muitos profissionais vêm tentando manter vivas essas culturas em extinção, registrando sua história, suas tradições, sua música, suas línguas e seus dialetos. Em alguns casos, algo delas poderá sobreviver. Esse, aliás, é o caso do nosso Carnaval e suas variações regionais. Existe amálgama mais fascinante entre cristianismo e paganismo no mundo?

E, como durante o Carnaval vale tudo, deixo para lá considerações mais sérias e me pergunto se outras espécies inteligentes espalhadas pela galáxia afora também têm uma variedade cultural como a nossa. Afinal, rituais sociais parecem ser parte integral dos costumes dos animais mais sofisticados. Por que os ETs seriam diferentes? No entanto, não sei se por pobreza de nossa criatividade ou por preconceito, sempre que pensamos em seres extraterrestres imaginamos uma cultura homogênea, completamente boa ou completamente má. O Carnaval, por exemplo, seria impossível numa cultura que sempre foi homogênea. Ele é uma amálgama que só pode existir numa sociedade aberta o suficiente para celebrar (e assimilar) o outro.

Especulo então que os ETs também tenham alguma versão do Carnaval. Ou ao menos tiveram em algum período de sua história. Quando a vida inteligente surgiu no planeta deles, espalhou-se pela superfície à procura de comida e abrigo. Num planeta grande, grupos permaneceram isolados por um bom tempo, diferenciando-se culturalmente e geneticamente até entrarem em contato. Após as guerras vem a integração cultural. Se um dos grupos aprendeu o valor ritual da música, os outros logo o copiaram. No fim das contas, as celebrações acabam explodindo pelo planeta, alguns voando bêbados pelos céus alaranjados enquanto outros rebolam, quase nus, para a euforia de todos.

domingo, 19 de fevereiro de 2006

POR QUE GIRAFAS NÃO SÃO PRATEADAS?

Imagine uma pobre girafa prateada. Lá vai ela em meio à seca savana africana, refletindo magnificamente os raios do Sol a pino, procurando pelos ramos mais altos dos baobás que despontam em meio à planície. Obviamente, essa situação só é possível em sonhos ou videogames: uma girafa prateada acabaria seus dias jantada por leões. Talvez não vivesse nem mesmo um dia. Já os peixes oceânicos usam o prateado como camuflagem.

Seria lamentável, ao menos para o peixe, se tivesse a coloração amarelada com manchas marrons das girafas. A diversidade da vida é tão fascinante, tão espetacularmente engenhosa, que parece ser produto de um grande arquiteto. Assim se pensava até a segunda metade do século 19, quando Darwin e Wallace propuseram o mecanismo da seleção natural. A idéia, de uma ousadia intelectual como poucas na história da ciência, dizia que nenhum arquiteto era necessário: basta o acaso e o tempo.

A premissa fundamental da vida é simples: para viver, um organismo precisa de energia. Se essa energia não puder ser retirada do meio ambiente (como na maioria dos vegetais), precisa ser retirada de outros seres vivos. Portanto, viver é essencialmente procurar por alimento. Nasce aqui a polaridade da presa e do predador. Uma árvore alimenta-se da luz do Sol e dos nutrientes no solo. Parasitas alimentam-se da árvore. Insetos também, ao mesmo tempo que usam a árvore como esconderijo contra os animais que gostariam de devorá-los.

Para que a árvore sobreviva, precisa captar energia do Sol e nutrientes do solo. Ao mesmo tempo, precisa também proteger-se dos predadores que a atacam. Se a árvore crescer demais para captar o máximo de Sol, acaba se desequilibrando e cai. Suas raízes não podem aprofundar-se muito além de onde jazem os nutrientes do solo. Seu tronco pode enrijecer, mas não a ponto de prejudicar seu crescimento. Existe um equilíbrio aqui, um balanço entre forças opostas.

O mecanismo de seleção natural proposto por Darwin e Wallace baseia-se na seguinte observação: dadas as condições ambientais e a dinâmica presa-predador, as espécies mais bem adaptadas são aquelas que conseguem maximizar seus objetivos: encontrar alimentos, multiplicar-se e sobreviver. Portanto, girafas prateadas e peixes oceânicos amarelos com manchas marrons estariam fadados ao fracasso. O mesmo se animais tivessem apenas um olho no centro da testa, péssimo para avistar presas e predadores em direções laterais.

A seleção natural de Darwin e Wallace é hoje complementada pela genética molecular. Quando uma célula se reproduz, precisa duplicar seu material genético. Esse material genético é codificado na seqüência de genes que compõe o DNA da célula, como as contas coloridas de um colar muito longo. O processo de duplicação é extremamente complexo e é passível de erros. Existem mecanismos usados pela célula para evitar erros na duplicação, mas volta e meia eles ocorrem.

As razões são várias: desde fatores exógenos, como radiação ultravioleta ou raios X, como endógenos, falhas bioquímicas. Quando ocorrem erros, o novo DNA não é uma cópia perfeita do original: é um mutante. O importante é que as mutações ocorrem ao acaso, sem um plano ou arquiteto.

De fato, mutações em geral causam problemas, doenças que levam à morte ou que pioram as chances de sobrevivência duma espécie. Em casos raros, podem ser úteis. A girafa com manchas marrons e os peixes prateados são um exemplo. Os insetos que ficam resistentes aos inseticidas ou os vírus a vacinas são outro. A seleção natural ocorre continuamente. E seu único arquiteto é o acaso.

Por que girafas não são prateadas



Imagine uma pobre girafa prateada. Lá vai ela em meio à seca savana africana, refletindo magnificamente os raios do sol a pino, procurando pelos ramos mais altos dos baobás que despontam em meio à planície. Óbvio, essa situação só é possível em sonhos ou videogames: uma girafa prateada acabaria seus dias jantada por leões. Talvez nem vivesse um dia. Já os peixes oceânicos usam o prateado como camuflagem. Seria lamentável, ao menos para o peixe, se tivesse a cor amarelada com manchas marrons das girafas.


A seleção natural ocorre continuamente. E seu único arquiteto é o acaso


A diversidade da vida é tão fascinante, tão espetacularmente engenhosa, que parece ser produto de um grande arquiteto. Assim se pensava até a segunda metade do século 19, quando Darwin e Wallace propuseram o mecanismo da seleção natural. A idéia, de uma ousadia intelectual como poucas na história da ciência, dizia que nenhum arquiteto era necessário: bastam o acaso e o tempo.

A premissa fundamental da vida é simples: para viver, um organismo precisa de energia. Se essa energia não puder ser retirada do ambiente (como na maioria dos vegetais), precisa ser retirada de outros seres vivos. Portanto, viver é essencialmente procurar por alimento. Nasce aqui a polaridade da presa e do predador.

Uma árvore se alimenta da luz do sol e dos nutrientes no solo. Parasitas se alimentam da árvore. Insetos também, ao mesmo tempo em que usam a árvore como esconderijo contra os animais que gostariam de devorá-los. Para que a árvore sobreviva, precisa captar energia do sol e nutrientes do solo. Ao mesmo tempo, precisa também se proteger dos predadores. Se a árvore crescer demais para captar o máximo de sol, acaba se desequilibrando e cai. Suas raízes não podem se aprofundar muito além de onde jazem os nutrientes do solo. Seu tronco pode enrijecer, mas não a ponto de prejudicar o crescimento. Existe um equilíbrio, um balanço entre forças opostas.

O mecanismo de seleção natural proposto por Darwin e Wallace se baseia na seguinte observação. Dadas as condições ambientais e a dinâmica presa-predador, as espécies mais bem adaptadas são as que conseguem maximizar seus objetivos: encontrar alimentos, multiplicar-se e sobreviver. Portanto, girafas prateadas e peixes amarelos estariam fadados ao fracasso. O mesmo se animais tivessem apenas um olho no centro da testa, péssimo para avistar presas e predadores em direções laterais.

A seleção natural de Darwin e Wallace é hoje complementada pela genética molecular. Quando uma célula se reproduz, precisa duplicar seu material genético. Esse material genético é codificado na seqüência de genes que compõe o DNA da célula, como as contas coloridas de um colar muito longo. O processo de duplicação é extremamente complexo e é passível de erros.

Existem mecanismos usados pela célula para evitar erros na duplicação, mas volta e meia eles ocorrem. As razões são várias: desde fatores exógenos, como radiação ultravioleta ou raios X, aos endógenos, falhas bioquímicas. Quando ocorrem erros, o novo DNA não é uma cópia perfeita do original: é um mutante. O importante é que as mutações ocorrem ao acaso, sem um plano ou arquiteto. De fato, mutações em geral causam problemas, doenças que levam à morte ou que pioram as chances de sobrevivência de uma espécie. Em casos raros, podem ser úteis. A girafa com manchas marrons e os peixes prateados são um exemplo. Os insetos que ficam resistentes aos inseticidas ou os vírus a vacinas são outro. A seleção natural ocorre continuamente. E seu único arquiteto é o acaso.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

O preço da imortalidade

Começo hoje fazendo uma pergunta ao leitor: se fosse possível, você viveria para sempre? Certamente, as respostas seriam variadíssimas: de "claro!" até "Deus me livre! E as pessoas à minha volta, como eu poderia suportar a morte delas?", ou, de alguém mais religioso, "serei imortal após minha morte e pretendo esperar até lá". O sonho de prolongar a vida, indefinidamente ou por um longo período, é tão antigo quanto a história da humanidade.

Até recentemente, a solução era província das religiões, que prometem uma vida eterna no paraíso (ou no inferno!) ou um retorno ao mundo como outra pessoa ou animal, dependendo de suas atividades durante a vida anterior. Além disso, temos mitos de existências sobrenaturais derivados da religião, como no caso dos vampiros, que, para viver eternamente, precisam sugar o sangue dos vivos, tornando-se tanto predadores como presas de seu destino inglório. Mas confesso que o vampirismo tem seu toque de romantismo, pelo menos na versão hollywoodiana do mito.

E se as pesquisas em biogenética desenvolvessem técnicas que, em princípio, fossem capazes de prolongar a vida, não só curando vários tipos de doenças, mas efetivamente congelando o envelhecimento do corpo humano? Parece ficção científica, mas não é. Laboratórios nos EUA e em outros países tentam isolar uma célula que tem um papel crucial no desenvolvimento dos embriões humanos, a célula-tronco. Essa célula fantástica tem o potencial de se transformar em qualquer célula do corpo humano, formando tecidos ou órgãos. Ou seja, ela carrega a informação genética que pode gerar um determinado tipo de músculo ou a pele, um rim ou um fígado, uma verdadeira fábrica de materiais de construção de seres humanos.

Claro, existem várias dificuldades técnicas, sem falar nas dificuldades éticas. Primeiro, para isolar a célula-tronco, um embrião humano tem de ser destruído, de acordo com as tecnologias atuais. A questão é, então, se a destruição de uma massa de células humanas, alguns dias após a fertilização, corresponde a um assassinato. O Congresso norte-americano, preocupado com as repercussões dessas pesquisas, proibiu entidades governamentais de financiar experiências com embriões humanos. Como resultado, o setor privado, isto é, indústrias biogenéticas com fins lucrativos, está controlando a pesquisa na área. E essas indústrias não vão revelar suas descobertas (e fracassos) ao público enquanto não obtiverem o resultado que procuram.

Após isolar a célula-tronco, a idéia é descobrir qual o mecanismo bioquímico que a induz em uma determinada direção, transformando-a em um coração, cérebro ou músculo. Se esse mesmo mecanismo for descoberto, será possível que uma pessoa doe uma amostra de seu material genético a uma empresa, que poderá então clonar qualquer órgão que essa pessoa venha a precisar no futuro. O problema com a incompatibilidade em transplantes desaparece, pois esses órgãos são essencialmente você. As pesquisas no momento usam óvulos extraídos de vacas como invólucro do DNA humano; os técnicos retiram o DNA do óvulo (ninguém quer um feto que "diz" muuu...) e injetam células humanas que são então fundidas com as da vaca por meio de correntes elétricas. A esperança é que esse processo irá induzir a divisão das células, formando um embrião que trará consigo as células-tronco.

As indústrias biogenéticas argumentam que as vantagens desse processo são muito maiores que as repercussões éticas. "O que é mais importante? A "vida" de uma massa embrionária ou de uma criança morrendo de câncer?" ou "imagine quantas espécies em extinção poderemos salvar?". Críticos afirmam que os perigos são enormes. Por exemplo, "o que acontece com uma pessoa que tem parte do cérebro regenerada? Será que ela manterá sua identidade? E como iremos sustentar tanta gente no mundo?". Isso tudo ainda está longe; mas o debate público tem de ser iniciado agora, para que a sociedade não seja a última a saber o que acontecerá com seu destino.

domingo, 12 de fevereiro de 2006

Sobre as cachoeiras e os circuitos elétricos


Eis algo que é parte indispensável de nossas vidas e que nos é quase completamente indiferente: os circuitos elétricos. Claro, esse desinteresse não se estende aos engenheiros elétricos ou aos eletricistas, profissionais ou amadores. Mas a verdade é que, para a maioria das pessoas, o que ocorre quando se acende uma lâmpada ou se põe uma bateria numa lanterna ou num iPod é um mistério. O prático não deixa de ser fascinante.

Circuitos elétricos são basicamente dispositivos em que cargas elétricas podem circular. Uma cachoeira é uma analogia simples: no caso, a força que impulsiona o movimento da água é a gravidade. A água, como qualquer fluido, é composta de moléculas. Essas moléculas têm massa e, portanto, são atraídas pela gravidade da Terra. A cachoeira, ou queda d'água, existe devido a um desnível no terreno (no leito do rio): o fluido cai em direção ao ponto mais baixo possível. Para que a água suba o rio é necessário uma bomba que trabalhe contra a força da gravidade. Podemos então imaginar um circuito fechado de água, onde a água que cai é bombeada rio acima.


Circuitos elétricos são como cachoeiras onde os elétricos circulam, tal qual a água de um rio


Nos circuitos elétricos, o leito do rio é um fio ou outro material por onde passa uma corrente composta por tantas cargas elétricas que podemos também representá-las como um fluido: em geral, um bando de elétrons viajando pelo fio. Mas o que provoca o movimento dos elétrons? Não é a força da gravidade, mesmo que tenham massa. O movimento das cargas elétricas é causado pela força atrativa entre cargas opostas.

Tudo funciona como a força da gravidade: as coisas caem no chão porque são atraídas pela Terra; para que cargas fluam numa determinada direção num fio, criando uma corrente elétrica, têm de ser atraídas mais para um lado do que para o outro. Para isso, liga-se o início e o fim do fio aos pólos de pilhas ou outras fontes de energia elétrica. Os pólos criam uma "inclinação" elétrica, que provoca o movimento das cargas.

Pilhas têm dois pólos, positivo e negativo. Cargas elétricas negativas, como os elétrons, são atraídas pelo pólo positivo. Quando ligamos um fio aos dois pólos, fechamos o circuito: os elétrons no metal do fio fluem na direção do pólo positivo da pilha. Portanto, os dois pólos da pilha têm o mesmo papel que a inclinação no leito do rio. Aliás, quanto mais potente a pilha, isto é, quanto maior a diferença de voltagem entre seus pólos, mais rápido os elétrons fluem.

Mas a pilha funciona como uma bomba também, transportando cargas do pólo positivo ao negativo, permitindo assim que a corrente continue a fluir no circuito. Isso ela faz usando energia das reações químicas que ocorrem em seu interior, que essencialmente empurram os elétrons para o pólo negativo, permitindo que corram mais uma vez pelo fio de metal. (Aliás, se o circuito consistir apenas da pilha e fio, rapidamente a pilha descarrega.)

E as lâmpadas, por que acendem? Olhe uma bem de perto: o filamento nada mais é do que um fio, feito de tungstênio. Ao passarem pelo filamento, os elétrons chocam-se com seus átomos, fazendo-os vibrar. Essa energia extra recebida pelos átomos do filamento acaba sendo transformada em radiação, parte dela visível (a luz da lâmpada) e outra que sentimos como calor (radiação infravermelha). Cada vez que ligamos um interruptor, fechamos um circuito elétrico, dando início a essa intricada coreografia que ilumina nossas noites e enche nossas casas de música.

domingo, 5 de fevereiro de 2006

Buracos negros e o paradoxo da informação desaparecida



O conceito básico de um buraco negro é extremamente simples: se um objeto chega perto o suficiente de um, jamais escapa. Nem mesmo se esse objeto for simplesmente um raio de luz. Daí o nome, "buraco negro", já que nem mesmo a luz escapa. Uma imagem que vem à mente é a de um redemoinho cósmico, atraindo tudo o que se aproxima dele.
Essa imagem, como todas as usadas para ilustrar conceitos das ciências físicas sem matemática, tem seus limites. No caso, o buraco negro é um redemoinho sem fundo. E esse é um dos motivos que explicam o fascínio desses objetos. A "borda" de um buraco negro, chamada de horizonte, é um ponto sem retorno. Se nem a luz escapa, não podemos ver o que existe dentro do horizonte, ou seja, não podemos extrair informação do que existe em seu interior. A realidade no interior de um buraco negro permanece para sempre velada numa escuridão perpétua. Ou quase.


A realidade no interior de um buraco negro permanece para sempre em escuridão perpétua. Ou quase


Um dos maiores mistérios acerca dos buracos negros é o que ocorre com a informação que é constantemente sugada por eles. Explico. Tudo o que existe pode ser decodificado como informação, uma seqüência de números que descreve a complexidade do objeto. Como comparação, um elefante é um objeto muito mais complexo do que uma bola de poeira, mesmo que a bola de poeira seja gigantesca e tenha a mesma massa do elefante. É preciso um conjunto muito maior de informações para poder descrever o paquiderme.
No entanto, para um buraco negro, os dois são iguais: se um elefante (nada contra eles) e uma bola de poeira caírem no buraco negro, ele vai "engordar" da mesma maneira, pois só lhe importa a massa do objeto que cai. O paradoxo existe porque buracos negros não são totalmente negros. Na verdade, eles podem irradiar como um corpo aquecido, mesmo que muito lentamente, conforme propôs Stephen Hawking nos anos 70. Essa radiação pode ser imaginada como uma espécie de processo digestivo do buraco negro: parte da informação que entra acaba saindo. Nós sabemos bem disso: o produto da nossa digestão depende diretamente do que ingerimos. Acho que não preciso entrar em detalhes. Mas para o buraco negro a coisa é diferente: não interessa o que ele ingere, o produto é sempre o mesmo, uma radiação basicamente sem qualquer lembrança do menu original. Elefante ou bola de poeira acabam dando no mesmo, no fim das contas.
O que acontece então com toda a informação do pobre elefante? Essa é uma das grande questões da física que tenta combinar a teoria da gravidade com a mecânica quântica, que estuda os átomos e partículas subatômicas. Tudo depende do que existe dentro do horizonte. As propostas são muitas. Uma delas é que dentro do buraco negro a física muda completamente e a própria geometria do espaço começa a flutuar, feito bolhas em uma sopa em ebulição. Quando a matéria do elefante ou da poeira entra, ela colide com essas geometrias flutuantes como alguém tentando escapar aos trancos e barrancos de uma multidão de pessoas esbaforidas. O resultado é que a matéria e sua informação acabam homogeneizadas, como se o interior do buraco negro fosse uma espécie de liquidificador de informação. O que sai, sai já bem "batido", indistinto. Não sabemos se essa hipótese está ou não correta, pois depende de teorias ainda não comprovadas. Mas interessante ela certamente é. No mínimo, ilustra bem o quanto a imaginação humana precisa se debruçar sobre a borda de um poço escuro para criar o novo.